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A ação monitória no direito brasileiro (Lei 9079/95)

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CAPÍTULO IV - REQUISITOS DA AÇÃO MONITÓRIA

A petição inicial da ação monitória, embora não esteja expresso nos artigos que a regulamentam, deverá conter os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil, e estar instruída com a procuração e o documento (s) que comprova (m) a existência do crédito, o que a lei denomina de "prova escrita".

Caso a inicial não contenha os requisitos necessários para o prosseguimento do procedimento, o juiz antes de indeferi-la, poderá intimar o autor para que dentro do prazo de 10 dias emende a inicial. Deixando o autor de atender a intimação do juiz, a inicial será indeferida. Do indeferimento da inicial caberá recurso de apelação.

Estando corretamente instruída a inicial, o juiz deferirá a expedição do mandado de citação do devedor para que pague determinada soma em dinheiro ou entregue bem pretendido, de acordo com o pedido formulado pelo autor.

1 - Prova Escrita

A ação monitória, assim como todas as ações, necessita esteja presente alguns requisitos indispensáveis para sua admissibilidade. Dentre estes requisito, está a necessidade de estar a petição inicial acompanhada de prova escrita comprobatória dos fatos constitutivos do direito do autor. E ainda, é necessário também que esta prova escrita seja desprovida de força executória, pois, tendo força executória, deixa de existir o interesse processual em tornar executivo um título que já possui tais características.

Vê-se, pois, que o legislador pátrio optou, a exemplo da legislação processual italiana, pelo procedimento monitório documental, exigindo como requisito indispensável para a propositura da ação monitória, prova escrita. Ao contrário do que ocorre na Alemanha e Áustria que admitem o procedimento monitório puro, onde simples alegações do credor, sem necessidade de quaisquer provas, motivam o mandado judicial de pagamento

É, pois a prova escrita o requisito primordial de admissibilidade do procedimento monitório, não podendo ser proposta se o autor não a possuir. A lei processual ao tratar da Ação Monitória foi omissa quanto ao conceito de prova escrita.

Deve-se entender como prova escrita aquele documento idôneo, hábil, dotado de aptidão suficiente para influir na formação do livre convencimento do juiz acerca da probabilidade do direito afirmado pelo autor.

LUIZ RODRIGUES WAMBIER, conceitua prova escrita como sendo: "qualquer documento isolado ou grupo de documentos conjugados de que seja possível o juiz extrair razoável convicção acerca da plausibilidade da existência do crédito pretendido." (20)

Dentre as provas escritas tem-se como sendo as mais comuns aquelas provenientes do próprio punho do devedor, escrito por terceiro e por si chancelado diretamente, ou mediante procuração, onde este reconhece obrigação de pagar dívida líquida ou entregar coisa fungível ou determinado bem móvel pelo próprio devedor ou de quem o represente. Tais provas por constar confissão de dívida pelo devedor, conferem maior segurança ao julgador sobre os fatos e o direito reclamado pelo credor, daí o fato de serem as mais utilizadas no manejo da ação monitória, no entanto, não são as únicas possíveis de embasá-la.

ERNANI FIDÉLIS DOS SANTOS, ao discorrer sobre o tema assevera: que o "documento escrito mais comum como título monitório é o que vem assinado pelo próprio devedor, não importa qual seja a sua forma, a exemplo dos contratos, das declarações unilaterais com informação ou não da causa da obrigação, das missivas ou dos meros bilhetes." (21).

Desta feita, para a admissibilidade da monitória, é imprescindível a existência de um documento que retrate a obrigação por ele assumida. Se o documento for emanado unilateralmente pelo devedor, dará maior segurança ao jurisdicionado, ao deferir a expedição do mandado de citação. No entanto, se emanado unilateralmente pelo credor, e estiver desacompanhado de provas suplementares que comprove a o débito, será impossível dar-lhe eficácia de título executivo, pois encontra-se desprovido de certeza, indícios de veracidade e principalmente do consentimento expresso do devedor.

Reconhecendo a impossibilidade de que o documento seja produzido pelo credor sem a concorrência de vontade do devedor, tem-se o aresto do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, da lavra do Juiz HERONDES DE ANDRADE:

"Ação Monitória. Prova escrita. Requisito essencial. É requisito essencial da ação monitória a existência de prova escrita desprovida de eficácia executiva como tal considerado apenas o escrito emanado da parte contra quem se pretende utilizar o documento ou que com ele guarde relação de caráter pessoal, sendo imprestável para tal fim mera notificação promovida pelo interessado" (TAMG, AC 210.926-6, 1ª C., Rel. Juiz HERONDES DE ANDRADE, DJMG 06.08.1996, REVISTA JURÍDICA 227/57).

Neste sentido há também entendimentos jurisprudenciais:

"Sem prova escrita hábil, através da qual o devedor reconheceu a existência do débito, não cabe ação monitória" (2º TACSP; Ap. s/Rev. 471.770; AASP, nº 1995, pág. 1).

Portanto a prova apropriada para instruir a ação monitória é aquela grafada, ou seja escrita de preferência aquela que conste reconhecimento da dívida pelo próprio devedor. Fica portanto excluído do âmbito da Ação Monitória, a prova documental lato sensu, tal como a prova gravada em fita cassete ou videoteipe, já que a lei fala expressamente em prova escrita. Tais provas são chamadas pelo Código de Processo Civil, como "começo de prova", e podem ser utilizadas apenas para complementar a prova documental, ou reafirmar o direito do autor, não podendo sozinhas servir de prova para a monitória.

Considera-se como começo de prova escrita, em suma, o escrito que, emanado da pessoa contra quem se faz o pedido, ou de quem a representa, o torna verossímil ou suficientemente provável e possível. No entanto, a certeza ou convicção relativamente ao contrato dependerá de provas subsidiárias ou complementares, tais como prova testemunhal. Como na ação monitória não é admitido, na primeira fase do procedimento, instrução nem contraditório, é necessário que o autor esteja portando documento hábil para gerar uma certeza daquilo que pretende para que o juiz defira de plano a expedição do mandado, e não apenas um começo de prova.

Assim, não é permitido no procedimento monitório, "a priori", o autor embasar seu pedido em "começo de prova" (22), e muito menos em prova exclusivamente testemunhal, como prevê o artigo 401 do Código de Processo Civil. Nestes casos, não tendo o autor outra prova a produzir, resta ao mesmo, apenas o procedimento ordinário.

São consideradas como provas escritas, passíveis de fundamentar ação monitória: "a duplicata sem aceite; o cheque que não mais autoriza a execução por perda da força executiva; extrato de hotel sobre despesas feitas pelo hóspede; telegrama reconhecendo direito a recebimento do trabalho odontológico feito; médico juntando papeletas de consultas e internamentos de cliente em hospital e relatório das visitas a ele feitas; carta pessoal ao advogado dizendo que recebeu notas de honorários e que reconhece os trabalhos feitos; caderneta mensal de empório, dela constando as entregas diárias de mercadorias ao freguês; carnês de despesas condominiais referentes ao mês vencido" (23), nota promissória prescrita(24), dentre outras que tendo conteúdo parecido com estes expressa o direito de crédito pelo autor.

Com a finalidade de ilustrar ainda mais o rol de provas escritas citadas, acima, é relevante transcrever os exemplos citados por Sérgio Bermudes: "imagine-se a carta, cujo remetente agradece ao destinatário um empréstimo de dinheiro, obrigando-se a restituí-lo em determinado dia. Pense-se no bilhete, que um agricultor deixa na fazenda vizinha, dizendo que tomou por empréstimo algumas sacas de café de certo tipo e que reporá outras, de igual espécie, qualidade e quantidade, num dia próximo. Conceba-se o caso em que um antiquário escreve a um cliente acusando o recebimento do preço de uma estatueta rara e promete entregá-la até certa data. Nenhum destes escritos é título extrajudicial. Cada um deles constitui, todavia, prova escrita de uma das obrigações referidas no art. 1102a" (25).

Não há qualquer dispositivo legal que impõe ao autor a quantidade de documentos que poderá instruir sua peça inicial. É perfeitamente possível que a inicial seja instruída com dois ou mais documentos, sempre que a insuficiência de um possa ser suprida por outro, ou de valer-se de documento proveniente de terceiro, desde que ele tenha aptidão para demonstrar a existência de uma relação jurídica material que envolva o autor e o réu, e, ainda para demonstrar a liquidez e exigibilidade da prestação.

Entendendo o juiz que a prova, ou as provas escritas, apresentadas pelo autor não são suficientes para justificar seu pedido, pode, diante da insuficiência, permitir que o autor complemente a inicial, no prazo por ele assinado, sob pena de indeferimento da petição inicial. O mesmo ocorrerá, caso o juiz não se convença sobre a idoneidade da prova, o que normalmente ocorre quando a documento é produzido unilateralmente pelo credor. Contra a sentença de indeferimento da inicial caberá recurso de apelação, facultado ao juiz a oportunidade de retratação, nos termos do artigo 296 do Código de Processo Civil.

2 - Fungibilidade e Liquidez do crédito

O credor além de ter que fazer prova do fato constitutivo do seu crédito, deverá, caso sua pretensão seja pagamento de soma em dinheiro, demonstrar a existência de fungibilidade e liquidez deste crédito. Se não for o mesmo líquido, não terá cabimento a ação monitória.

A liquidez do título poderá ser demonstrada através de simples cálculos aritméticos elaborados pelo próprio autor, e que deverá vir instruída a petição inicial juntamente com a prova escrita. Nos cálculos realizados pelo autor, poderá ser incluído a importância relativa à verba honorária. Caso não inclua, caberá ao juiz arbitrar, na própria decisão concessiva do mandado o valor que deverá ser pago pelo réu a título de honorários, caso não cumpra espontaneamente o mandado.

LUIZ RODRIGUES WAMBIER, ao tratar sobre o tema ensina: "não há espaço para nenhum procedimento liquidatório – quer entre a expedição do mandado e sua comunicação ao réu, quer entre a fase cognitiva e a executiva. Aliás, e também por essa razão, terá de acompanhar a inicial o demonstrativo do cálculo da quantia devida, de que trata o artigo 604, pois, na hipótese de ser concedido o mandado de cumprimento e o réu não embargá-lo, diretamente se ingressará na fase executiva." (26)

3 - Do Pedido

O pedido formulado pelo autor na ação monitória consiste na postulação dirigida ao juiz, requisitando expedição do mandado monitório, contendo ordem judicial para que o réu pague soma em dinheiro ou entregue coisa fungível ou determinado bem móvel.

O pedido deverá ser certo e determinado porque, expedindo-se o mandado de citação o réu será citado para pagar a quantia expressa na prova documental fundamento da ação, ou para entregar uma determinada coisa, portanto é indispensável que se saiba os limites quantitativos do que se pede, bem como sua extensão, não podendo portanto tratar-se de pedido genérico.


CAPÍTULO V - CITAÇÃO NA AÇÃO MONITÓRIA

A citação do réu, embora o artigo 1102b do Código de Processo Civil, nada dispõe, poderá ser realizada tanto através do oficial de justiça, como também através das formas fictas previstas no Código, ou seja, através de edital, ou hora certa.

Realiza-se a citação por edital quando presente os requisitos contidos no artigo 231 do Código de Processo Civil, ou seja, quando for desconhecido ou incerto o réu; quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar; e nos demais casos expressos em lei.

Já a citação por hora certa (artigo 227 do CPC) é feita quando o oficial de justiça comparece por três vezes na residência ou domicílio do devedor, e não consegue encontrá-lo para proceder a citação. Neste caso o oficial de justiça, verificando que o devedor está se ocultando, a fim de que não seja encontrado, intimará qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, que no dia e hora designado deverá o réu estar presente para ser citado. Não sendo o devedor novamente encontrado, o oficial de justiça certificará o ocorrido, dando-se o devedor por citado.

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No caso da citação ser realizada por um dos meios fictos, decorrido o prazo do edital, ou do mandado de citação, caso o réu não comparecer espontaneamente para pagar ou para apresentar embargos, aplica-se por analogia a súmula 196 do Superior Tribunal de Justiça ("ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos"), ou seja, nomeia-se curador especial ao devedor, que tenha legitimidade para interpor embargos à pretensão do autor.

Ocorre no entanto que há, com relação a citação ficta, uma divergência doutrinária quanto a possibilidade de sua realização no procedimento monitório. Há quem entenda a possibilidade de citação ficta e há, porém, aqueles que entendem sua impossibilidade. Os tribunais também divergem quanto a possibilidade desta forma de citação.

ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS, entende " que a citação ficta, edital e hora certa, não se comporta, porém, no procedimento, porque, de alguma forma, para aceitação da formação do título por omissão de defesa, há mister efetiva manifestação de vontade, que está além dos poderes de atuação do curador. Este, por outro lado, com a simples missão de se opor em defesa, não pode demonstrar interesse a embargos, que são verdadeira ação. Na impossibilidade, pois de citação direta, ao credor só resta a opção do processo de conhecimento." (27)

Com relação ao Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, a segunda turma do Tribunal, ao que parece, após analisado as das decisões abaixo relacionadas, é a única turma que admite a possibilidade de citação ficta no procedimento monitório. As demais turmas, ao contrário, repugna tal possibilidade fundamentado-se no fato de que a ação monitória é uma espécie de procedimento que visa a formação de um título executivo judicial, e os embargos, por ter natureza constitutiva e condenatória, importa na manifestação do demandado, não possuindo o curador especial legitimidade para tal.

Citação título executivo judicial – citação por edital – Nulidade. Por constituir a ação monitória espécie de procedimento que propicia a formação de um título executivo judicial, não comporta a modalidade de citação ficta ou editalícia, pois os embargos, através dos quais se defende o devedor, têm natureza declaratória ou constitutiva negativa, sendo mister a efetiva manifestação de vontade do demandado, o que ultrapassa os limites dos poderes do curador especial.

(TAMG, 3° C.Cív., AI n. 229.148-1/00, Belo Horizonte, rel. Juiz Duarte de Paulo, j. 5.3.97).

Citação por edital. A regra no nosso ordenamento processual positivo, é a citação real ou a ficta da parte passiva. Excepcionalmente é admissível a citação por edital, devendo tal restrição constar expressamente da norma legal, como ocorre, v.g, com o art. 18, parágrafo 2° , da Lei 9.099/95. O legislador pátrio, ao criar a ação monitória como procedimento especial, no tocante à citação não excepcionou a regra, razão por que a monitória comporta citação via edital.

(TAMG, 2ª C.Cível, Ap. n. 237.332-8/00, Uberaba, rel. Juiz Edivaldo George, j. 23.9.97).

Citação por edital – Nulidade tendo a ação monitória a finalidade específica de formação de um título executivo, incabível a citação editalícia, visto que indispensável a real manifestação volitiva, que ultrapassa os poderes de atuação do curador especial nomeado ao citado por edital, e os embargos que porventura vierem a ser apresentados constituem verdadeira ação, não somente defesa, não possuindo aquele legitimidade para ajuizá-los.

(TAMG, 6ª C.Cível. AI n. 239.416-7/00, Belo Horizonte, rel. Juiz Pedro Henriques, j. 18.9.97).

Citação por edital – Título executivo judicial Em face de sua natureza e excepcionalidade, a ação monitória não admite citação por edital, porquanto esta importa em presunção de conhecimento, insuficiente para a formação de título executivo. No mesmo sentido Ap. cível n. 231.105-7, 7ª C. Cível, rel. Q. de Prado, 13.3.97.

(TAMG, 1ª C. Cível, AP n. 210.948-2/00, Uberlândia, rel. Juiz Alvim Soares, j. 19.3.96).

O melhor entendimento, no entanto, deveria ser quanto a possibilidade de realização da citação ficta o procedimento monitório, pois tivesse o legislador a pretensão de proibir este tipo de citação teria aberto ressalvas num dos artigos que dispõe sobre a ação monitória. Se não o fez, é porque não há restrições quanto a sua possibilidade. Ademais, não são raros os casos em que o devedor se omite com a pretensão de evitar a citação. Se admitido a hipótese de impossibilidade de citação ficta, frustrada estaria a pretensão do credor, sendo o mesmo obrigado a propor ação ordinária para obtenção do título executivo, perdendo com isto a ação monitória sua principal finalidade.

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Sobre a autora
Cristiane Delfino Rodrigues Lins

advogada e consultora jurídica em Uberaba (MG), pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade de Uberlândia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINS, Cristiane Delfino Rodrigues. A ação monitória no direito brasileiro (Lei 9079/95). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1126, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/892. Acesso em: 25 abr. 2024.

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