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Acordos de credores para o pagamento de precatórios

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Agenda 28/03/2021 às 09:35

As unidades federativas, devedoras de precatórios, inclusive o Estado da Bahia, insistem em pagar os precatórios através dos chamados acordos com os credores. Não seria uma afronta ao art. 100 da Constituição?

Não há espaço para o voluntário desrespeito às decisões. (Ministro Celso de Mello)

Início.

Mais uma vez volto a falar sobre os acordos diretos com os credores firmados pelo Estado da Bahia com os titulares de precatórios.

Vale de logo relembrar que esses mesmos ajustes vêm sendo celebrados também pelos seus Municípios.

Para tentar me fazer entendida, faço esse estudo sob duas vertentes:

I – Análise dos acordos sob a égide da Constituição Federal com reflexo nas Leis nos 12.527/11 – Lei de Acesso à Informação e 13.709/19 - Lei Geral de Proteção aos Dados Pessoais – LGDP

II - Análise dos acordos sob o escudo da Constituição Federal e das normas do Direito Administrativo

 Em setembro do ano que findou, publiquei em algumas revistas eletrônicas um escrito no qual advertia sobre a possibilidade do Núcleo Auxiliar de Conciliação de Precatório – NACP/BA, órgão de assessoria ao Tribunal de Justiça daquele Estado, continuar celebrando os inconstitucionais acordos com os portadores de títulos precatoriais.

Fiz, à época, o seguinte chamamento:

Alerta titulares de precatórios!

Mais um golpe à Constituição Federal!

Exerçamos a nossa cidadania!


 I – Análise dos acordos sob a égide da Constituição Federal com reflexo nas Leis nos 12.527/11 – Lei de Acesso à Informação e 13.709/19 - Lei Geral de Proteção aos Dados Pessoais – LGDP

Antevi àquela época o ânimo do Tribunal de Justiça/NACP/BA em continuar celebrando os desastrosos ajustes, considerando o seu ufanismo e o da Procuradoria Geral do Estado, com os resultados financeiros originários daqueles inconstitucionais atos administrativos. 

Agora volto a insistir sobre o assunto com o surgimento das novas avenças com os detentores de títulos precatoriais, neste exercício de 2021, como se vê do Edital nº 1/2020, da lavra do Juiz Assessor da Presidência e Gestor do Núcleo Auxiliar de Conciliação de Precatórios - NACP.

Para melhor entender sobre esses acordos diretos, faço um novo exame, dessa feita considerando quatro lapsos temporais:

1 - Da inclusão desses acordos ao direito pátrio pela Emenda Constitucional - EC 62/09 até o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidades - ADIN nos 4357 e 4425 em março de 2013;

2 - Do julgamento das ADIN em março de 2013 até maio de 2015 com a modulação dos efeitos dos seus julgamentos;

3 - Da modulação em março de 2015 até o dia 31 de dezembro de 2020;

4 - De 1º de janeiro de 2021 até...?!

1 - Da inclusão dos acordos diretos com os credores ao direito pátrio pela Emenda Constitucional - EC 62/09, até o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidades - ADIN nos 4357 e 4425 em março de 2013.

 Esses acordos diretos com os credores, espécie de ato administrativo, passaram a fazer parte da nossa legislação como forma alternativa e opcional para as unidades federativas - União, Estados, Distrito Federal e Municípios, quitarem os seus débitos discutidos em ações judiciais, isso, segundo o artigo 97, § 8º inciso III, do ADCT, abaixo copiados, incluídos no texto da Lei Magna pela já mencionada EC 62/09:

“Art. 97 (...)

§ 8º A aplicação dos recursos restantes dependerá de opção a ser exercida por Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, por ato do Poder Executivo, obedecendo à seguinte forma, que poderá ser aplicada isoladamente ou simultaneamente:

(...)

III - destinados a pagamento por acordo direto com os credores, na forma estabelecida por lei própria da entidade devedora, que poderá prever criação e forma de funcionamento de câmara de conciliação.”

Além desses acordos, foram colocados para os mesmos entes federativos, também de maneira alternativa e optativa, mais duas formas de liquidação de dívidas, ambas destinadas expressamente a pagamentos de títulos precatoriais.

A primeira modalidade, prevista no mesmo artigo 97, § 8º, inciso I do ADCT, objetivava o pagamento dos precatórios por meio de leilões, enquanto a outra, inserta no inciso II também do § 8º, seria utilizada para pagamento de precatórios em ordem única e crescente do seu valor, como se vê da subscrição dos mencionados dispositivos legais:

“Art. 97 (...)

§ 8º (...)

I - destinados ao pagamento dos precatórios por meio do leilão;  

II - destinados a pagamento a vista de precatórios não quitados na forma do § 6° e do inciso I, em ordem única e crescente de valor por precatório;”  

Assim, em um primeiro momento, houve permissão no texto constitucional, para as unidades federativas optarem pelas três modalidades, como acima enunciadas, para quitação das dívidas judiciais.

Para as duas primeiras - pagamento dos precatórios por meio de leilões e pagamento de precatórios em ordem única e crescente do seu valor, o constituinte reformador determinou que a adesão se fizesse por ato do Poder Executivo, sem especificar a espécie de ato, podendo ser, por exemplo, através de decreto. Já para os acordos diretos com os credores, o constituinte derivado foi mais exigente, à medida que impôs que o assentimento ocorresse por lei própria da entidade devedora.

O ato reformador 62/09 incluiu alterações significativas ao texto constitucional, com reflexo nas ações de execução em face da Fazenda Pública, inclusive no cumprimento das sentenças, dispondo sobre matérias outras, entre elas: pagamento das parcelas preferenciais dos precatórios e das requisições de pequeno valor; dispôs sobre juros e correção monetária a serem aplicados nos débitos precatoriais; alterou o caput do artigo 100 da Constituição Federal, nele incluindo novos parágrafos; acrescentou o artigo 97 ao ADCT, no qual foram previstas as formas alternativas para liquidação dos débitos que acima foram referidas, e também estavam preditas as normas aplicáveis ao novel regime especial para pagamento de precatórios, do qual fala o §15, este também incluído pela discutida EC ao artigo 100 da Lei Magna.

Inúmeras ações judiciais foram propostas requerendo a declaração de inconstitucionalidade integral daquele ato modificador da Constituição Federal, sendo que algumas delas, por problemas processuais, não tiveram as razões de mérito analisadas.

Entretanto foram julgadas conjuntamente, devido à conexão existente entre ambas, a ADIN nº 4357 proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB e a de nº 4425, pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, as duas pleiteando, como as demais, a declaração de inconstitucionalidade da EC 62/09.

2 - Do julgamento das ADIN em março de 2013 até maio de 2015 com a modulação dos efeitos dos seus julgamentos

Com o julgamento das referidas ADIN, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da EC 62/09, não integralmente, como queriam os seus causídicos. Também, dessa feita, acorde com os advogados, reconheceu aquela Corte de Justiça a dissonância integral do artigo 97 do ADCT com a Constituição Federal, que o levou à sucumbência e, com ele, pereceram o regime especial para pagamento dos precatórios e as modalidades alternativas para liquidação de débitos judiciais, inclusive os acordos diretos com os credores, pois inseridos naquele dispositivo normativo.

Após o julgamento das ações, considerando o espaço de tempo entre o início da vigência da EC 62/09 – dezembro de 2009 e o julgamento da ADIN em março de 2013, período em que as suas normas foram aplicadas como se constitucionais fossem, em uma questão de ordem, o Ilustre Ministro Luiz Fux levou o STF a decidir pela modulação dos efeitos do veredito que acabara de ser proclamado, isso em respeito aos princípios da previsibilidade e estabilidade entre as interações humanas e às lícitas relações jurídicas ocorridas naquele interregno de mais de 3 (três) anos: dezembro de 2009, data em que o ato reformador entrou em vigor a março de 2013, quando da análise da sua constitucionalidade.

3 - Da modulação em maio de 2015 até o dia 31 de dezembro de 2020

 Modular significa amoldar os efeitos do julgamento, alterando as datas a partir das quais, e até quando, serão convalidados os atos praticados sob o comando das normas declaradas inconstitucionais.

Após uma cuidadosa análise de interesses e, como dito, em prestígio à efetividade dos princípios basilares do sistema democrático de direito, da segurança jurídica, do direito adquirido, da coisa julgada, das relações entre os indivíduos, o STF afastou temporariamente a inconstitucionalidade de alguns dispositivos daquela EC que assim haviam sido declarados, permitindo que produzissem seus efeitos jurídicos durante certo tempo, determinado no ato modulador e nos termos e situações também por ele expressamente ditados.

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Assim é que os dispositivos normativos que disciplinavam as duas formas alternativas e optativas para pagamento das dívidas dos entes federativos: quitação de precatórios através de leilões e quitação de precatórios em ordem única e crescente do seu valor, não foram elas recuperadas pela modulação, por divergirem do artigo 100 da Lei Magna do País, que exige que os precatórios sejam liquidados seguindo rigorosamente a ordem cronológica da sua apresentação à unidade federal devedora.

Essa exigência do acato irrestrito à ordem cronológica para pagamento do precatório, vem desde a Constituição de 1934, através da qual esse instituto foi inserido no sistema jurídico do País.

Essa exigência foi mantida por todas as demais Constitucionais, inclusive a de 1988 ora vigente, que traz a seguinte imposição normativa em seu artigo 100, abaixo transcrita:

“Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.”

Contudo, pelos motivos supramencionados, os pagamentos de precatórios que foram pagos até maio de 2015 por aquelas duas modalidades foram eles convalidados. A partir daquela data as normas que lhes davam guarida foram banidas do nosso sistema jurídico, deixaram de existir.

No que diz respeito aos dispositivos legais que dispunham sobre o regime especial para pagamento de precatórios e sobre acordos diretos com os credores, lhes foi dada pela modulação uma sobrevida, ou seja, continuariam vigendo durante mais 5 (cinco) exercícios financeiros, a partir de 1º de janeiro de 2016, ou seja, continuaram sendo aplicados até 31 de dezembro de 2020, quando, também, desapareceram.

No entanto, o Tribunal de Justiça da Bahia, através do NACP, mesmo sem nunca ter competência, continua a utilizar as abusivas e ilegais avenças.

O que causa admiração é que o ato inconstitucional seja praticado por um órgão do Poder Judiciário com o aval da Procuradoria Geral de Justiça, os quais deviam se empenhar pela fiel aplicação das normas jurídicas.

Sobre a matéria, assim se posicionou a Procuradoria Geral de Justiça daquele Estado, para indeferir o pedido que lhe foi feito, através de Representação, no sentido de que fossem adotadas as providências cabíveis para pôr fim aos acordos diretos como utilizados, bem como a devolução dos 40% (quarenta porcento) retirados ilegalmente daqueles que firmaram tais ajustes.

Afirma a Procuradoria:

“O artigo 97, § 8º, inciso III do ADCT exige a existência de lei formal criada pela entidade devedora para realização de acordos diretos com os credores. No entanto, como o Estado da Bahia não possui a referida lei, não há impedimento legal que o Tribunal de Justiça, por meio de Editais amplamente divulgados, regulamente o procedimento do acordo, desde que sigam as orientações dadas pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução nº 303/2019. Vale ressaltar que os demais Estados da Federal assim procedem" (Edital 01/2019 do TMG – Dje de 30/3/20; Resultado do Edital 01/2019 do TJSP – Dje 31.07.2020.

 Uma verdadeira anomalia jurídica!

Uma excrescência!

 Esse comportamento adotado pelo NACP só vem solidificar o meu entender de que, naquilo que se refere a precatórios, o Estado da Bahia criou uma legislação própria, sui generis, genuinamente baiana, que vai de encontro e afronta de forma grosseira princípios e normas constitucionais e todo o ordenamento jurídico do País.

Os acordos diretos no Estado da Bahia foram, e continuam sendo, aplicados de forma teratológica, inaceitável, trazendo prejuízos para os titulares dos precatórios, não só para os que os aceitam, mas também para os que os repudiam e, ainda, criando complicações aos entes federativos no que diz respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, como adiante será demonstrado.

Essa é a manifestação do Dr. Américo Luís Martins da Silva, Il. Procurador Federal:

“Pagamento antecipado de credor mais recente   -   Celebração com   ele,  de acordo   formulado   em   bases   mais favoráveis ao poder público – Alegação de   vantagem   para   o   erário   público. Quebra   da   ordem   constitucional   de precedência   cronológica

Inadmissibilidade. - O pagamento antecipado de credor mais recente, em detrimento daquele que dispõe de precedência cronológica, não se legitima em face da Constituição, pois representa comportamento estatal infringente da ordem de prioridade  temporal,  assegurada,   de   maneira objetiva   e   impessoal, pela   Carta   Política, em favor   de   todos   os   credores   do   Estado.   O legislador constituinte, ao editar a norma inscrita no art. 100 da Carta Federal, teve por objetivo evitar a escolha de credores pelo Poder Público.

Eventual vantagem concedida ao erário público, por credor   mais   recente, não justifica, para   efeito   de pagamento antecipado de seu crédito, a quebra da ordem constitucional de precedência cronológica.

O pagamento   antecipado   que   daí   resulte exatamente por caracterizar escolha ilegítima de credor-transgride   o   postulado   constitucional que tutela a prioridade cronológica na satisfação dos   débitos   estatais,  autorizando   em consequência - sem prejuízo de outros efeitos de natureza   jurídica   e   de   caráter   político-administrativo - a efetivação do ato de sequestro.” (RTJ 159/943-945).

No âmbito das transações judiciais que envolvam o pagamento de valores por parte da Administração Pública, ainda que a dívida tenha sido reduzida por acordo entabulado com os credores, não é lícito ao Administrador burlar a ordem cronológica.

A ordem cronológica não pode ser seccionada. Entretanto, para dar um cunho de legalidade e de seriedade ao tão grande desrespeito à Constituição Federal, não sei qual a unidade federativa que teve a engenhosa ideia de inventar a ordem cronológica das chamadas sub listas, essas compostas dos precatórios retirados dos róis contendo as ações findas no período compreendido entre 02 de julho do exercício anterior até o dia 1º de julho do exercício que estiver em curso.

Pergunta-se: de onde surgiu a figura das sub listas? Foram essas sub listas instituídas pela Constituição Federal? Pela Lei Fundamental daquele Estado da Bahia? Pela EC 62/09? Por alguma Resolução do CNJ? Pelo NACP? Pela Procuradoria Geral do Estado? Ou foi pelo Ministério Público do Estado da Bahia?

Não existe qualquer dispositivo normativo, nem decisões da justiça, nem teses de doutorados e mestrados, nem pensar de doutrinadores que tratem sobre as sub listas de precatórios. São elas invenção dos entes devdores, como forma transversa de burlar a lei, no afã de celebrar os ajustes a todos tão deletérios.

O STF reage com veemência contra esses acordos diretos, como se vê da decisão proferida pelo Eminente Ministro Celso de Mello no Recurso Extraordinário nº 132031-1 do Estado de São Paulo, ao afirmar:

“O regime constitucional de execução por quantia certa contra o Poder Público – qualquer que seja a natureza do crédito exequendo (RTJ 150/ 337) – impõe a necessária extração de precatório, cujo pagamento deve observar, em obséquio aos princípios ético jurídicos da moralidade, da impessoalidade e da igualdade, a regra fundamental que outorga preferência apenas a quem dispuser de precedência cronológica (prior in tempore, potior in jure)”.

E ainda me socorro dos excertos da decisão proferida na Ação Penal 503/PR e relatada pelo mesmo Ministro que abaixo se registra:

“Não se pode perder de perspectiva que a exigência constitucional de expedição do precatório, com a consequente obrigação imposta ao Estado de estrita observância da ordem cronológica de apresentação daquele instrumento de requisição judicial de pagamento, tinha (e tem, ainda, na maioria dos casos) por finalidade impedir favorecimentos pessoais indevidos e frustrar injustas perseguições ditadas por razões de caráter político administrativo.” 

“É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a regra constitucional que disciplina a expedição de precatórios, claramente nela identificou a dupla finalidade visada pelo legislador constituinte: de um lado, assegurar a igualdade entre os credores e, de outro, proclamar a inafastabilidade da obrigação do Poder Público de pagar os seus débitos que hajam sido judicialmente reconhecidos (RTJ 108/463).” 

“Torna-se necessário enfatizar que a Constituição da República não quer apenas que a entidade estatal pague os seus débitos judiciais. Mais do que isso, a Lei Fundamental exige que o Poder Público, ao solver a sua obrigação, respeite a ordem de precedência cronológica em que se situam os credores do Estado.” 

“É preciso proclamar que a regra inscrita no art.100 da Constituição Federal - cuja gênese reside, em seus aspectos essenciais, na Constituição de 1934 (art. 182) – tinha por objetivo precípuo viabilizar, na concreção de seu alcance normativo, a submissão incondicional do Poder Público ao dever de respeitar o princípio que conferia preferência jurídica a quem dispusesse de precedência cronológica (´prior in tempore, potior in jure´).” 

O comportamento da pessoa jurídica de direito público, que desrespeita a ordem de precedência cronológica de apresentação dos precatórios, deve expor-se às graves sanções definidas pelo ordenamento positivo, inclusive ao próprio sequestro de quantias necessárias à satisfação do credor injustamente preterido.” 

Nem mesmo a Corte de Justiça daquele Estado da Bahia aceita tais acordos, como se constata do Acórdão abaixo se assinalado:

Agravo de Instrumento AI00234921620178050000 – (TJBA) – Publicado no dia 03/12/2018, julgado pela Primeira Câmara Cível, tendo como relator o Doutor Desembargador Mário Augusto Albiani Alves Junior, cuja Ementa segue transcrita:

“Não há no ordenamento jurídico pátrio óbice para a celebração de acordos entre a Fazenda Pública e seus credores, notadamente quando representem alguma vantagem financeira ao erário. Entretanto, por maior que seja a vantagem para a administração pública, não se pode admitir que o acordo estabeleça privilégios ao credor, esquivando-o da observância do regime de pagamento por precatório, previsto no art.100 da Constituição Federal. Tal exigência constitucional visa assegurar o tratamento impessoal e igualitário dispensado aos administrados, não podendo ser afastado sob qualquer pretexto, impondo-se ao credor, não obstante assinta em acordo que lhe prive de parte do que lhe seria devido por direito, a observância da estrita ordem de pagamento por precatório.” (Classe: Agravo de Instrumento, Número do Processo: 0023492-16.2017.8.05.0000, Relator (a): Mário Augusto Albiani Alves Junior, Primeira Câmara Cível, Publicado em 03/12/2018).

Não necessita de um excesso de raciocínio e nem de um QI muito elevado para se concluir que os acordos diretos deveriam ser aplicados para quitar débitos discutidos em ações judiciais, tendo como objetivo impedir a formação de novos precatórios, reduzindo a inadimplência e, ainda, desafogando a Justiça com os inúmeros recursos que ainda existem no Código de Ritos.

Sem quaisquer dúvidas, e com toda modéstia, assevero que os acordos diretos com os credores, retratados no § 8º, III, do art. 97 do ADCT, consistiam em uma modalidade oferecida aos entes políticos para pagarem suas dívidas em discussão no Poder Judiciário, voluntariamente, na fase inicial do processo para evitar a execução judicial coercitiva ou, se esta já iniciada, para impedir a formação de novos precatórios e, com isso, a não aplicação ao gestor público das sanções previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF e, sem contar que financeiramente seria bom não só para a entidade devedora, que não sofria tão grande carga de atualização monetária e também de juros compensatórios. De idêntica maneira seria, sem qualquer vacilo, favorável aos credores, que, mesmo sofrendo o deságio de 40% (quarenta por cento), por demais escorchante, receberia logo o seu crédito. Também seria virtuoso para os Estados, que teriam, por sua vez, reduzidos, de maneira drástica, os custos para manter o Poder Judiciário no exercício de suas funções judicantes.

Por tudo quanto exposto, chega-se à conclusão de que essa modalidade alternativa de pagamento de dívidas judiciais – acordo direto -, não foi gestado para propiciar aos entes federados lucros e vantagens financeiras e muito menos para se locupletarem de verbas devidas aos seus credores.

Deve-se, ainda, notar que uma das condições para celebração dos acordos seria a renúncia a contestações, recursos ou quaisquer impugnações envolvendo o crédito objeto da avença. E isso está escrito no artigo 76 e seus incisos I e V da Resolução 303/2019, abaixo registrados, os quais servem para corroborar o meu entender:

“Art. 76. Dar-se-á o pagamento de precatório mediante acordo direto desde que:

 I – autorizado e regulamentado em norma própria pelo ente devedor;

(...)

V – o crédito tenha sido transacionado por seu titular e em relação ao qual não exista pendência de recurso ou de impugnação judicial;”

Apesar deo Poder Judiciário da Bahia nominar de precatório as fases posteriores à prolação da sentença de primeiro grau até o trânsito em julgado da ação, representa esse proceder verdadeira atecnia.

O Precatório é um título de crédito originário de sentença transitada em julgado, líquido, certo e imodificável, emitido pelo Tribunal de Justiça com base nos dados constantes dos chamados ofícios requisitórios, enviados pelos juízos de execução.

Uma vez formado o precatório, o seu valor não pode ser alterado, a não ser em decorrência da sua atualização e da incidência dos juros moratórios/compensatórios. Afora essas situações, nada mais existe para se discutir que venha alterar o valor sentenciado, devendo ser liquidado integralmente, atendendo rigorosamente à cronologia da apresentação.

Pendência de recurso ou impugnação judicial existe em ações em que não chegaram ao final, ou seja, em que a sentença, se já prolatada pelo juiz natural, possa ainda ser modificada através de recursos.

O Estado da Bahia/NACP nada disso leva em consideração. O precatório muda o número de ordem à medida que os pagamentos vão sendo efetuados, o que impossibilita ao credor acompanhar a tramitação, não sabendo a época em que perceberá os seus haveres, haja vista também a proibição de divulgação nominal dos seus titulares.

Sem dúvida, nenhum risco trará aos credores de precatórios a publicação no site do NACP do rol nominal pela ordem cronológica de apresentação, inclusive com os respectivos valores, como também não irá de encontro à Lei nº 13.709/19 – Lei Geral de Proteção de Dados PessoaisLGPD, por não serem tais elementos classificados como dados pessoais sensíveis.

Com certeza, a relação nominal deve ser publicada com os respectivos valores, procedimento esse que tem a chancela dessa mesma lei conhecida como LGPD, ao dispor em seu artigo 23 in verbis: 

“Art. 23. O tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação) deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público, desde que:

I - sejam informadas as hipóteses em que, no exercício de suas competências, realizam o tratamento de dados pessoais, fornecendo informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sítios eletrônicos;” 

Também não se aceita a justificativa da não publicação do rol nominal dos proprietários de precatórios por ocorrência de atos criminosos. Em se tratando de dinheiro público, todo cidadão tem o direito de saber sobre a sua aplicação e os administradores das verbas têm a obrigação de prestar todas as informações solicitadas.

Deve-se considerar o que dizem o artigo 1º, seu parágrafo único e incisos I e II, o parágrafo único do artigo 2º, o artigo 3º e incisos I a IV, todos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 - Lei de Acesso à Informação – LAI, que abaixo são registrados:

“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso às informações, como  previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei:

I - os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;

II - as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Art. 2º (...)

Parágrafo único. A publicidade a que estão submetidas as entidades citadas no caput refere-se à parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente obrigadas.

Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes:

I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;

II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;

III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;”

Não se pode negar aos titulares de precatórios, a relação de todos os que dela fazem parte, sendo indispensáveis as seguintes informações: nº de ordem; nº do precatório; natureza; nome do credor; valor atualizado; ano do orçamento, ano, mês, dia e mais hora, minutos e segundos da apresentação ao ente devedor.

Assim agindo, a administração pública oferecerá transparência e credibilidade não só aos titulares dos precatórios, mas também aos administrados em geral, uma vez se tratar de dinheiro público.

4 - De 1º de janeiro de 2021 até...?!

Não satisfeito com os atos abusivos praticados ao longo desse tempo, quer o NACP continuar celebrando os acordos com aqueles credores que os aceitam, creio que por alguns desses motivos: os incautos, por não conhecerem a lei; outros, por graves problemas financeiros; alguns, pela descrença e, ainda outros, pelo cansaço da espera.

Como sustentado, com a modulação foi reabilitado o caput do artigo 97 do ADCT, sendo firmada a manutenção temporária para os acordos e para os regimes especiais por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016, que teve como data final o dia 31 de dezembro de 2020.

Dessarte, não há mais porquê se falar em acordos direto com os credores a partir de 1º de janeiro de 2021.

Sem dúvidas, uma vez declarada a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em sede de controle concentrado de constitucionalidade, cessado o prazo concedido pela harmonização temporal, as nomas que foram moduladas desaparecem imediatamente do mundo jurídico, voltando à situação a quo, e com isso voltando a viger, de logo, aquelas que haviam sido sacrificadas pela EC. Assim ocorre pelo efeito repristinatório.

Dessarte, não há mais porquê se falar em acordos direto com os credores a partir de 1º de janeiro de 2021, ainda que de forma correta fossem eles utilizados.

Sem dúvidas, uma vez declarada a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em sede de controle concentrado de constitucionalidade, cessado o prazo concedido pela harmonização temporal, as nomas que foram moduladas desaparecem imediatamente do mundo jurídico, retornando à situação a quo, e com isso volta a viger de logo, as normas que haviam sido sacrificadas pela EC.

O efeito repristinatório automático decorre da decisão proferida pelo STF, em controle concentrado da constitucionalidade, como ocorreu com as ADIN  4357 e 4425, citadas nessa matéria.

Uma vez declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, a decisão da Corte Máxima da Justiça produz efeito erga omnes, ou seja, se aplica a todos, é vinculante e produz efeitos ex tunc, vale dizer, o efeito é retroativo, alcançando todos os atos ocorridos desde o início da vigência da lei e ou da norma vergastada.

O Supremo Tribunal Federal, sobre a matéria, inclusive sobre o efeito repristinatório, assim se posicionou:

“A declaração de inconstitucionalidade em tese encerra o juízo de exclusão, que, fundado numa competência de rejeição deferida ao STF consiste em recorrer ao ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as consequências daí decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional. Esse poder excepcional que extrai a sua autoridade da própria Carta Política – converte o Supremo Tribunal Federal em verdadeiro legislador negativo.”

Sobre a autora
Telma Dantas

Sou advogada formada pela Eg. Universidade Católica do Salvador no ano de 1970. De início exerci a advocacia dedicando-me principalmente a área trabalhista e família. Fiz alguns concursos públicos sendo aprovada como Auditora Fiscal do Estado da Bahia, função que exerci até 1996, tendo inclusive integrado o Conselho de Fazenda daquele Estado. Concomitantemente ministrava aulas de Direito Tributário para os colegas na Escola Fazendária Estadual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Telma. Acordos de credores para o pagamento de precatórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6479, 28 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89295. Acesso em: 25 dez. 2024.

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