SUMÁRIO: 1. Introdução 2.Ação monitória: conceito e características 3. Natureza jurídica da ação monitória 4. Ação monitória em face da Fazenda Pública - 5. Conclusão 6. Notas 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Desde que surgiu no ordenamento jurídico brasileiro, a ação monitória tem figurado como importante instrumento para a movimentação do Poder Judiciário em busca da satisfação de créditos não materializados em documentos aos quais a lei confere eficácia de título executivo.
Sua maiêutica deu-se através da Lei n.º 9.079/95 (DOU de 17.07.1995), restando inserida no Código de Processo Civil, ao final dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, pelo que teve suas peculiaridades definidas nos artigos 1.102a, 1.102b e 1.102c, acrescentados ao referido Código.
O presente trabalho tem por escopo estudar a natureza jurídica da ação monitória e suas características gerais, aprofundando-se quanto ao aspecto de seu cabimento ou não em face da Fazenda Pública.
Apesar de atual e polêmico, o tema não tem recebido dos autores de renome uma investigação mais aprofundada, o que alimenta a divergência de opiniões e motiva decisões contraditórias.
Esperamos, assim, ao colocar em evidência o entendimento dos defensores das duas correntes opostas que se firmaram no cenário jurídico nacional, a respeito da ação monitória em face da Fazenda Pública, motivar a reflexão sobre essa temática e contribuir para uma visão mais ampla e detalhada da mesma, podendo, quicá, nossos despretensiosos argumentos lançar luzes que auxiliem o labor profissional dos operadores do direito.
2. AÇÃO MONITÓRIA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
Com a edição da Lei 9.079, de 14 de julho de 1995, foi acrescentado ao Livro IV, Título I, do Código de Processo Civil o Capítulo XV, introduzindo no Brasil o chamado procedimento monitório ou injuncional.
Do latim monere, significa o termo: advertir, lembrar, dirigir. Do alemão, o verbo mahnen, com o mesmo sentido, significando advertir, admoestar, lembrar, exortar. Assim, adverte-se o devedor a pagar ou entregar a coisa, sob as penas da lei.(1)
Pela nova regra descrita no art. 1.102a, pode promover a ação monitória todo aquele que pretender, com fundamento em prova escrita sem eficácia executiva, receber soma em dinheiro, coisa fungível ou bem móvel.
NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY, oferecem-nos o seguinte conceito acerca do novo procedimento: "Ação monitória é o instrumento processual colocado à disposição do credor de quantia certa, de coisa fungível ou de coisa móvel determinada, com crédito comprovado por documento escrito sem eficácia de título executivo, para que possa requerer em juízo a expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa para a satisfação de seu crédito". (2)
No dizer de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, a ação monitória traduz-se "no meio pelo qual o credor de quantia certa ou de coisa móvel determinada, cujo crédito esteja provado por documento hábil, requerendo a prolação de provimento judicial consubstanciado, em última análise, num mandado de pagamento ou de entrega de coisa, visa a obter a satisfação de seu crédito". (3)
Requisito indispensável à admissibilidade do procedimento monitório é a existência de prova "escrita", despido o documento de força executiva.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO define a ação monitória como "um meio rapidíssimo para obtenção de título executivo em via judicial, sem as complicações ordinariamente suportadas nos diversos procedimentos. Por ele, o titular de crédito documental obtém liminarmente um mandado de entrega ou pagamento (art. 1.102-b), que se tornará definitivo se o réu não lhe opuser embargos ou se não procederem." (4)
Por almejar a celeridade processual, buscando conseguir o mais brevemente possível a constituição do título executivo judicial, para dar ensejo à execução forçada, apresenta-se como procedimento de cognição sumária. Assim, o documento escrito traduzirá, por ilação principiológica, a plausibilidade do pedido calcada na existência de um direito.
Exige a ação monitória, quando de sua propositura, observância ao disposto no artigo 282 do CPC, tal como as demais petições iniciais. A prova escrita deve necessariamente instruir essa peça vestibular, assinalando a existência do direito material, fundamento da pretensão deduzida.
Presentes todos esses requisitos, será ordenada a expedição de mandado de citação para que o demandado, em 15 dias pague soma em dinheiro ou entregue coisa fungível ou bem móvel. (5)
Em igual prazo, poderá opor embargos com efeito suspensivo sobre a eficácia do mandado inicial, impugnando a pretensão do credor.
Caso não opostos os embargos, constitui-se de pleno direito o documento escrito em sentença (título executivo judicial). O mandado inicial converte-se em mandado executivo, prosseguindo o feito em conformidade com o rito executivo previsto no Livro II, Título II, Capítulos II e IV, do CPC.
Nesse caso, o devedor é citado para cumprir a obrigação em 24 horas ou nomear bens à penhora, ou simplesmente para pagar em 10 dias ou embargar, caso se trate da Fazenda Pública.
Caso oferecidos os "embargos", cessa a fase de cognição sumária, passando o processo a seguir rito comum ordinário, com amplo contraditório. Segundo NELSON NERY JR, "os embargos são processados nos próprios autos da ação monitória e não em autos apartados, como os embargos do devedor (CPC 736). (6)
No mesmo sentido é a conclusão de ELAINE HARZHEIM MACEDO, citada em voto do TARS, em acórdão selecionado por ALEXANDRE DE PAULA, onde destaca que o legislador não detalhou o roteiro desses embargos, "exceto que eles são processados nos próprios autos da ação injuncional, diferentemente da tradição do sistema, que os processa em autos apensos por reconhecê-los como ação incidental ao processo executivo. (...) Aqui, no bojo do procedimento monitório, os embargos não recebem esse tratamento. Sua inserção nos autos da ação monitória decorre da simplificação ritual da ação em causa, onde não há tramitação prolongada." (7)
TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM WAMBIER ao prefaciar obra de J. E. CARREIRA ALVIM, observa que "evidentemente, há peculiaridades que caracterizam a ação monitória em cada um dos sistemas positivos que a acolhe, mas fundamentalmente, é um procedimento no qual pode ser gerada uma ordem de prestação sem que seja ouvida a outra parte (com cognição sumária, portanto) e cujo objetivo é o de preparar para a execução. De um modo geral, pode-se afirmar que nesse tipo de processo, o contraditório seria diferido ou, melhor ainda, eventual, já que silente o réu, abrevia-se o caminho para a execução, transformando-se em título executivo aquela decisão por meio da qual o juiz liminarmente ordenou fosse cumprida a obrigação". (8)
3. NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO MONITÓRIA
JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM anota que "a finalidade do procedimento monitório (ou injuncional) é simplificar o largo e dispendioso processo de cognição e de condenação, fazendo chegar a providência de condenação diretamente, mediante uma redução já que não há abolição da fase de declaração de certeza que se baseia unicamente no conhecimento dos fatos constitutivos da ação proposta, sem levar em consideração aqueles fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito; fatos que, em virtude das exceções e defesas da parte contrária, deveriam constituir objeto da declaração e que o pretenso obrigado não pode aduzir porque a condenação é emitida inaudita altera parte, mas que poderá, eventualmente, se considerar oportuno, fazer valer mediante uma plena declaração de certeza posterior à condenação". (9)
Dessa ilação, depreende-se que a ação monitória comporta fases distintas, sendo que, na formação do título executivo judicial, há uma cognição sumária, com condenação do réu.
Outra fase, que se faz superveniente, é a de execução do crédito materializado naquele título.
Não há consenso doutrinário quando da determinação da natureza jurídica da ação monitória. Trata-se de ação condenatória, constitutiva ou um misto de conhecimento e execução?
NELSON NERY JUNIOR assevera que a ação monitória "é ação de conhecimento, condenatória, com procedimento especial de cognição sumária e de execução sem título. Sua finalidade é alcançar a formação de título executivo judicial de modo mais rápido do que na ação condenatória convencional. O autor pede a expedição de mandado monitório, no qual o juiz exorta o réu a cumprir a obrigação, determinando o pagamento ou a entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. Trata-se, portanto, de mandado monitório, cuja eficácia fica condicionada à não apresentação de embargos. Não havendo oposição de embargos, o mandado monitório se convola em mandado executivo." (10)
ORLANDO DE ASSIS CORRÊA narra que inicialmente entendia a ação monitória como uma ação constitutiva, mas que alertado pelo Prof. FRANCISCO ARNO VAZ DA CUNHA, quanto à existência de contradição entre esta tese e a dicção do art. 584, I, (11), terminou por rever seu posicionamento e concluiu pela natureza condenatória da ação monitória. Diz ainda o autor:
"Sendo assim, a sentença favorável ao autor, nos casos acima, será uma sentença condenatória, determinando o pagamento da quantia em dinheiro pleiteada ou a entrega da coisa fungível ou do bem móvel que tenham sido objetos da ação.
"A expressão "constituir-se-á de pleno direito título executivo judicial", usada no art. 1.102c, deve ser entendida como se aplicando à própria sentença condenatória, que se baseará no documento apresentado pelo autor, revestido das características de título extrajudicial, pela própria inércia do réu, ou pela impossibilidade do mesmo em desconstituí-lo. Em conseqüência, devemos classificar a ação monitória como ação condenatória, embora tenha teor declaratório, como toda sentença, e apresente alguma carga constitutiva." (12)
Mas há quem defenda a natureza constitutiva da ação monitória.
É o caso de VICENTE GRECO FILHO, quando leciona que se conhece dois tipos de procedimento monitório ou de injunção: o procedimento monitório puro, onde o juiz determina a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa ante a simples afirmação do autor, e que quando opostos embargos ou defesa, torna-se ineficaz o preceito e instaura-se amplo contraditório com sentença; e o procedimento monitório documental, que exige apresentação de documento escrito comprobatório do débito e no qual os embargos suspendem a eficácia do mandado, prosseguindo sua execução na hipótese de rejeição. Segundo o autor, o sistema brasileiro teria adotado essa segunda forma. (13)
Complementa, ainda, GRECO FILHO, traçando as características informadoras da ação sob comento, como de cunho constitutivo: "O procedimento monitório é o instrumento para a constituição do título judicial a partir de um pré-título, a prova escrita da obrigação, em que o título se constitui não por sentença de processo de conhecimento e cognição profunda, mas por fatos processuais, quais sejam a não-apresentação dos embargos, sua rejeição ou improcedência." (14)
JOSÉ RUBENS COSTA indica uma natureza jurídica mista, afirmando ser a ação monitória "processo de conhecimento com prevalente função executiva. A nova ação ou o novo procedimento mistura características do processo de conhecimento com o de execução. Por conseguinte, desenvolve-se em processo de cognição sumária, isto é, não contém a cognição plena do processo de conhecimento e nem a ausência de cognição do processo de execução". (15)
Esse entendimento é perfilhado pelo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, em acórdão selecionado por ALEXANDRE DE PAULA, quando identifica duas fases distintas da ação monitória, dizendo: "A primeira é a fase de conhecimento, que embargada ou não, resulta, se acolhida, na constituição do título executivo judicial. A segunda é a fase executória, em que acontece a cobrança propriamente dita, com a exclusão de bens se não houver pagamento". (16)
Surge, assim, com a monitória, um instituto processual com natureza jurídica mista, que se inicia como procedimento injuncional, com fase de conhecimento sumária, e termina em fase executiva.
Na órbita cognitiva, a ação monitória comporta duas possibilidades jurídicas distintas: a primeira, constitutiva, verifica-se quando o réu não opõe embargos e o mandado injuncional convola-se pleno iure em mandado executivo. A segunda se dá com a prolatação da sentença condenatória, quando opostos os embargos correspondentes.
Finalmente, constituído o título pleno iure pela sentença condenatória ou pela revelia, vem a última etapa da ação monitória, que é o seu prosseguimento pelo rito executivo próprio.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO aduz que "existe, portanto, um sentido latíssimo de execução, que principia por incluir o próprio adimplemento das obrigações, passa pela realização de direitos pela sentença constitutiva, abrange os atos de pressão psicológica e de documentação e só afinal chega à execução forçada. No sentido estrito e processualmente técnico, somente esta última é tratada como execução. Em direito processual, execução é somente a execução forçada". (17)
Assim, não se pode conceber a ação monitória como execução estrita, pois sua natureza jurídica comporta aspectos cognitivos inexistentes nesta. Mas por possuir uma "fase" executiva, que agrega-se à própria ação monitória, como prolongamento desta, não se faz equivocado atribuir-lhe também natureza executiva, desde que alcançada essa fase no curso da ação.
Examinada a gênese e a natureza jurídica da ação monitória, indaga-se se esta é cabível em face da Fazenda Pública, questão que tem suscitado controvérsias e pende de definição, conforme observaremos a seguir.
4. AÇÃO MONITÓRIA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA
A lei instituidora do procedimento monitório não limitou seu cabimento em face da Fazenda Pública. Disso decorre a seguinte ilação: ou o legislador esqueceu-se de afastar a utilização do novo procedimento nas causas voltadas contra a Fazenda ou deliberadamente não desejou fazê-lo, por entender pertinente e compatível o procedimento.
É o que se infere do art. 1.102c e § 3º do CPC, onde, ao prever que "a execução prosseguirá na forma do Livro II, Título II, Capítulos II e IV", excluiu-se expressamente da abrangência da ação monitória tão-somente a execução das obrigações de fazer e de não fazer (Capítulo III, do Título II) e a execução dos créditos alimentícios (prevista no Capítulo V, do Título II), não havendo qualquer restrição quanto à aplicação do procedimento injuncional contra a Fazenda Pública, cuja execução é prevista no art. 730 e seguintes, dentro da Seção III do Capítulo IV, todos do Livro II, Título II, do CPC.
A opinião pelo cabimento da ação monitória em face da Fazenda Pública conta com o aval de ADA PELEGRINI GRINOVER, ao dizer: "não vejo nenhuma incompatibilidade entre um procedimento que visa exclusivamente a abreviar o caminho para a formação de um título executivo e a execução deste título executivo contra a Fazenda Pública, que virá depois. O que se consegue, através do procedimento monitório, nada mais é do que o título executivo. Se posso fazer valer um título contra a Fazenda Pública, pelas formas próprias, adequadas a execução contra a Fazenda Pública, também posso constituí-lo de forma abreviada contra a mesma Fazenda Pública. Sem dúvida nenhuma há documentos escritos que podem ser utilizados e que não têm força de título executivo contra a Fazenda Pública, como, v.g., o empenho. Tratar-se-á somente de observar as prerrogativas da Fazenda Pública no procedimento monitório, benefício de prazo para embargar (contestar) e talvez, a garantia do duplo grau quando a sentença condicional se consolidar. Apenas em caso de não oposição de embargos, a Fazenda Pública poderá embargar a execução de maneira ampla, mas essa visão não se aplica só a ela, mas a qualquer devedor que não tenha impugnado o mandado inicial.". (18)
J. EDUARDO CARREIRA ALVIM anota que "inexiste qualquer impossibilidade entre a ação monitória e as pretensões de pagamento de soma de dinheiro contra o Poder Público (federal, estadual, municipal), compreendidas as autarquias, nos mesmos moldes em que podem ser demandados na via ordinária, para a satisfação das suas obrigações." (19)
ORLANDO DE ASSIS CORRÊA também parece não vislumbrar impedimento legal à propositura da monitória em face da Fazenda Pública, tanto que, ao tratar das pessoas que entende como legítimas para responder à ação, assevera que "é parte legítima, para figurar como réu na ação monitória, qualquer pessoa, física ou jurídica, desde que titular do cumprimento da obrigação em dinheiro, ou de entrega de coisa fungível ou bem móvel." (20)
A Fazenda Pública é pessoa jurídica, de direito público interno, e amolda-se à hipótese formulada pelo autor.
Já ANTONIO CARLOS MARCATO, prefere resguardar-se de uma posição conclusiva e extremada, preferindo apontar a controvérsia doutrinária, quando discorre: "Relativamente às partes, qualquer pessoa, física ou jurídica, poderá figurar em qualquer dos pólos da relação jurídica processual, com a eventual exceção (posto que ainda discutível), no pólo passivo, da Fazenda Pública, do incapaz, do falido e do insolvente". (21)
A questão, entretanto não é pacífica. Diversos autores têm-se posicionado contra o cabimento da ação monitória em face da Fazenda Pública, entendendo descabido tal procedimento em razão das peculiaridades do processo executivo contra aquela, regulado no artigo 730 e em razão das disposições do artigo 100, da Constituição Federal, que estabelece a necessária inclusão dos créditos contra as Fazendas Municipal, Estadual e Federal, decorrentes de sentença judicial, na ordem cronológica de apresentação dos precatórios, para inserção no correspondente orçamento dessas entidades.
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, citando o direito italiano, que admite o procedimento monitório contra a Administração Pública, conclui que esta orientação não pode ser transplantada para o Direito Brasileiro, em face das características de nosso regime de execução contra a Fazenda Pública, "que pressupõe precatório com base em sentença condenatória (CF, art. 100), o que não existiria, no caso de ação monitória não embargada. Além do mais, a Fazenda Pública tem a garantia do duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475, II) e a revelia não produz contra ela o efeito de confissão aplicável ao comum dos demandados (art. 320, II). Com todos esses mecanismos de tutela processual conferidos ao Poder Público, quando demandado em juízo de acertamento, tornar-se inviável, entre nós, a aplicação da ação monitória contra a Administração Pública. Seu único efeito, diante da impossibilidade de penhora sobre o patrimônio público, seria o de dispensar o processo de conhecimento para reconhecer-se por preclusão o direito do autor, independentemente de sentença. Acontece que a Fazenda não se sujeita a precatório sem prévia sentença, e contra ela não prevalece a confissão ficta deduzida da revelia. Assim, nada se aproveitaria do procedimento monitório, na espécie. Forçosamente, o processo teria de prosseguir, de forma ordinária, até a sentença de condenação". (22)
VICENTE GRECO FILHO também entende "descaber ação monitória contra a Fazenda Pública, contra a qual deve haver título sentencial, com duplo grau de jurisdição, para pagamento por meio de ofício requisitório, tal como previsto no art. 100 da Constituição da República, e dotação orçamentária. Contra a Fazenda não se admitem ordem para pagamento e penhora, devendo, pois, haver processo de conhecimento puro, com sentença em duplo grau de jurisdição e execução, nos termos dos arts. 100 da Constituição e 733 do Código." (23)
Igualmente, JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI defende essa impossibilidade, quando afirma: "... verifica-se que o procedimento traçado para a execução por quantia certa contra a Fazenda Pública não se amolda, de modo algum, às particularidades que conotam o da ação ora examinada. Destarte, seria realmente impraticável admitir-se a emissão de uma ordem de pagamento, exarada no bojo do procedimento monitório, dirigida à Fazenda Pública. Basta atentar-se para a regra do inc. II do apontado dispositivo (art. 730 do CPC), impositiva do "pagamento na ordem de apresentação do precatório", para concluir-se pela inadmissibilidade da ação monitória em face da Fazenda Pública. A inadequação desse meio processual, no caso de crédito de quantia certa, resulta flagrante". (24)
Indagando sobre a possibilidade de valer-se da ação monitória contra a Fazenda Pública, ANTONIO RAPHAEL SALVADOR argumenta: "Se não se pode nem mesmo em execução por título judicial contra a Fazenda exigir o pagamento em 24 horas ou mesmo a penhora de bens, havendo execução especial na forma dos arts. 730 et seq. do CPC, como, então, exigir-se o pagamento por mandado ou a entrega de coisa antes da sentença judicial e antes de execução especial a que tem direito a Fazenda? Nos casos em que a Fazenda apresentasse seus embargos, ainda teríamos uma sentença que discutiria o direito das partes, e terminaríamos com uma sentença de mérito, ainda que fosse contra a Fazenda. Mas como ficaríamos se não fossem apresentados embargos ao mandado, e como poderíamos aceitar que o mandado expedido initio litis já determinasse à Fazenda que fizesse um pagamento que não poderia fazer, por depender de orçamento e de destinação apropriada da quantia, tudo a exigir o precatório?". (25)
Particularmente não vislumbramos maiores dificuldades para responder a tais indagações. O que se deve ter em mente é que a parte possui frente à Fazenda Pública um documento materializador de obrigação de pagar ou entregar coisa fungível ou bem móvel.
Nada impede que, em sendo aquela citada para cumprir a obrigação, venha a fazê-lo, inclusive no prazo assinalado no mandado injuncional.
Isto porque, nem todo crédito que se detenha em face da Fazenda Pública necessita execução forçada para seu cumprimento. E também é de se presumir que as obrigações documentalmente assumidas pela mesma já contem com a necessária dotação orçamentária. A Fazenda não é, por natureza, uma inadimplente contumaz.
Mas pode ocorrer que incida em mora no que tange a suas obrigações ou demonstre inconseqüente despreocupação em saldá-las no vencimento.
Isso não significa que deverá a Fazenda Pública ser sempre demandada em ação ordinária para que o credor adquira título executivo judicial e promova a cobrança pela via executiva prevista no artigo 730. Pode ocorrer, em tese, a hipótese em que o descumprimento da obrigação não signifique inadimplemento, mas mero atraso, podendo, em tese, ser atendida a admoestação contida no mandado injuntivo inicial, cumprindo a Fazenda Pública com a obrigação materializada no documento que instruiu a ação.
Para isso é citada, como qualquer outra pessoa, para cumprir a obrigação no prazo de 15 dias.
Caso não o faça, deixando de embargar ou sendo os embargos inacolhidos, constitui-se título judicial que será executado na forma do artigo 730 do CPC.
Para tanto, será novamente citada(26), desta feita não para que pague a importância prevista no título executivo judicial em 24 horas, nem ficando sujeita a ver penhorados seus bens, mas para opor embargos em 10 dias, sem necessitar garantir o juízo; enfim, nos moldes da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, descrita no artigo 730.
A fase executiva contra a Fazenda Pública somente se inicia, portanto, após o encerramento da fase cognitiva, que é revestida de sumariedade e permitirá a dedução de todas as matérias de defesa, acaso existentes.
Quando do surgimento da ação monitória, acreditou-se que, não apresentados os embargos ao mandado monitório, seguiria o feito pelas regras do processo de execução, mais precisamente pelos atos de penhora.
JOSÉ RUBENS COSTA defendia essa idéia, asseverando: "Não se confere ao devedor direito aos embargos pós-segurança do juízo, ou embargos do devedor (arts. 737 e 738, arts. 741 a 745). Além da própria normatividade da monitória excluir a possibilidade de novos embargos, pois haveria bis in idem, repetição de matéria, parece clara a norma relativa aos embargos quando os considera embargos do devedor, apenas liberados da necessidade de segurança do juízo". [27]
Ao que parece, a idéia da inoportunidade de embargos à execução de título judicial relativo à decisão monitória decorreria, num primeiro momento, da interpretação equivocada dos novos dispositivos insertos no CPC, calcada no entendimento que o procedimento inicial continue em curso e neutralizando as regras específicas que regulam os processos que lhe seguem, bem como do entendimento de que os embargos à execução tenham o mesmo objeto dos embargos ao mandado monitório.
No entanto, se esta fosse a correta concepção da vontade idealizada pelo legislador, quando da inserção no Código dos artigos 1.102.a "usque" 1.102.c, seria inexorável que houvesse aquele previsto a execução de plano, com a simples expedição do mandado inicial.
O que ocorreu, ao contrário, foi a adoção de uma fase executória posterior, nos moldes do Livro II do Título II do CPC, limitada a determinados Capítulos que trazem previsão de normas referentes à execução comum.
Ao observar-se aqueles capítulos apontados pelo Código, não há como afastar-se a possibilidade de oposição de novos embargos, e muito menos relutar em admitir que qualquer das formas de execução ali previstas inicia-se com nova citação.
Se assim não fosse, o Código teria previsto expressamente a continuidade do procedimento com a prática dos atos constritivos, diretamente, sem fazer remissão pura e simples aos Capítulos que tratam da execução e que ditam, todos, o início da fase executória pela citação para pagar, entregar ou apenas para embargar (como no caso da Fazenda Pública).
E a oposição de novos embargos não pode ser obstada pelo argumento de que já se esgotaram os temas de defesa nos embargos opostos ao mandado monitório, desde que a matéria de defesa não seja repetição daquela deduzida nos primeiros embargos.
Com efeito, não haveria razão para discutir novamente as matérias já vencidas nos embargos versados na fase injuncional. O juiz deverá estar atento quando efetuar o juízo de admissibilidade dos embargos à execução, impondo rigorosa observância aos limites da discussão da matéria, traçados pelo artigo 741, que são conciliáveis com a idéia de um título judicial superveniente aos embargos opostos.
Há que considerar-se, inclusive, a possibilidade da revelia, sem a oposição dos embargos monitórios. Como ficaria o réu, então, quando da execução da sentença judicial? Teria direito a opor embargos nesse caso, já que não embargou antes? A questão é de difícil solução, mas entendemos que responder negativamente importaria em cercear a defesa do devedor, não obstante ter quedado inerte na oportunidade que contava para opor-se à constituição do título executivo.
E se os embargos fossem versar exatamente sobre a falta ou nulidade da citação no processo de conhecimento (monitório), justificando sua inércia? Inadmitir os segundos embargos importaria em penalizar duplamente o devedor.
Garantido, desta feita, o juízo da execução, começaria a correr o prazo para embargos do devedor, à execução forçada do título judicial.
Logo, não nos parece impossível visualizar o cabimento dos embargos na fase executiva própria, mesmo quando já opostos para tentar obstar a constituição do título.
Por igual, completamente possível o cabimento da ação monitória em face da Fazenda Pública. Aliás, afigura-se-nos claro o Código de Processo Civil, quando estabelece a afastabilidade do procedimento monitório em casos específicos, dentre os quais não figura o Capítulo concernente à execução voltada à Fazenda Pública.
É principio basilar de hermenêutica que não se faz lícito ao intérprete da norma restringir onde o legislador expressamente não o fez. Assim proceder implicaria em violação dessa regra e estabelecimento de desigualdade de tratamento, ferindo o princípio da isonomia.
Neste enfoque, há que destacar-se o ensinamento de LUIZ GUILHERME MARINONI: "O direito à igualdade, atualmente, quer significar direito à igualdade de oportunidades. No nosso caso, igualdade de oportunidades de acesso à justiça. Entretanto, como não há igualdade de oportunidades de acesso à justiça no Brasil, é necessário pensar não só nos problemas que afastam a igualdade de oportunidades, como também em técnicas que permitam a efetividade do acesso aos órgãos de composição dos conflitos e, ainda, a mitigação da desigualdade substancial no processo. É através desse ângulo que os princípios da universalidade da jurisdição e da igualdade processual devem ser enfocados". (28)
No estudo em tela, pensamos que não houve lapso de memória do legislador, ao omitir da previsão dos casos em que não caberia a ação monitória, a execução em face da Fazenda Pública.
Vale dizer: foi intenção do legislador que o procedimento se estendesse também à pessoa fazendária, tal como ocorre no direito italiano.
E essa real intenção, quando sai do campo da abstração para a realidade prática, não encontra óbice algum, mais porque a propositura da monitória em face da Fazenda Pública pode ser conciliada perfeitamente com o rito executório próprio determinado nos artigos 730 e 731.
Não se pode olvidar que o mandado inicial possui caráter injuntivo, sem força executiva. Assim, não é absurdo o mandamento à Fazenda Pública de pagar ou entregar a coisa. Isso ocorre em uma fase prévia que ainda se desenvolve na órbita da cognição. E pela dicção do artigo 1102c e § 3o , do CPC, constituído o título executivo judicial, "prossegue-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV".
Vale dizer: encerrada a fase cognitiva com a sentença condenatória e com o título constituído, inicia-se a fase executiva na forma prevista no artigo 730, o qual encontra-se dentro do Capítulo IV e que diz: "Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em dez (10) dias; ...".
Ora, em todas as hipóteses verificadas no Código, a força cogente da ordem de pagamento somente se verifica com a nova citação ocorrida na fase executória. E todas as espécies de execução tratadas nos Capítulos II e IV do Título II, do Livro II do CPC permitem amplo contraditório, com oposição de embargos contra a execução do título judicial constituído pela sentença de mérito proferida na fase de cognição sumária da ação monitória.
Quando se trata da Fazenda Pública, não há atos constritivos de patrimônio. A citação opera-se em sentido especial: para que, no prazo de 10 dias, ofereça embargos. Em não o fazendo, expede-se o precatório.
A necessidade de expedição de precatório para inclusão dos créditos contra a pessoa jurídica de direito público interno, no seu orçamento geral, portanto, não impede a deflagração do processo pela via monitória, em especial pela sua natureza jurídica mista, já analisada no contexto deste trabalho.
Ocorre que a ação monitória apresenta um molde dúplice, de processo cognitivo sumário e fase executória.
Na primeira etapa, constitui-se o próprio título executivo, por força da sentença condenatória proferida (CPC art. 584, I), que propiciará o prosseguimento da demanda na forma prevista no Título II do Livro II do Código de Processo Civil.
Desta sentença caberá recurso voluntário da Fazenda Pública e haverá remessa de ofício para reanálise em duplo grau de jurisdição, posto que a condenação dá-se "contra a fazenda".
Como a execução segue rito específico, ao voltar-se em face da Fazenda Pública, na hipótese de execução para pagamento de quantia certa, não há dúvida que deverá observar as disposições de prazo e forma traçadas no artigo 730 do CPC, pois trata-se de preceito especial.
Isso significa que a Fazenda, que não pode ter bens penhorados, deverá ser novamente citada, para opor novos embargos, em 10 dias, estes, agora, para discussão do título executivo judicial exeqüendo. Já em se tratando de execução para entrega de coisa, prevista nos artigos 621 e seguintes do CPC, o procedimento em face do particular ou da Fazenda Pública não difere.
LUIZ GUILHERME MARINONI que tem figurado dentre os autores que mais se preocupam com a questão do acesso ao Judiciário, faz relevantes ponderações sobre a necessidade de garantir-se tutela adequada a cada situação de conflito de interesses e aduz:
"O direito de ação é o reflexo ex parte subjecti da atividade jurisdicional do Estado. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que tem como corolário a garantia de tutela adequada a todas as situações de conflito de interesses, faz surgir ao Estado a obrigação de prestar a tutela adequada às mais variadas hipóteses conflitivas concretas, sem dela poder subtrair-se.
A idéia de direito público subjetivo de ação abre as portas para uma melhor modelagem da ação à luz do acesso à Justiça. A ação não pode deixar de se ligar à problemática do social, pois de nada adianta que, em teoria, o direito de ação esteja assegurado a todos se dele não se puderem valer efetivamente todos os jurisdicionados." (29)
Vê-se, portanto, que toda interpretação tendente a afastar a possibilidade do livre acesso à Justiça há que ser apreciada com reservas (e por livre acesso à justiça leia-se: a todas as formas e possibilidades de demandar que a lei estabelece).
Se o particular dispõe de prova escrita caracterizadora de crédito, pouco importa se quem deve é pessoa física ou jurídica, de direito privado ou público. O direito será sempre o mesmo e deverá albergar todas as hipóteses com tratamento igualitário.
As peculiaridades deverão incidir onde a lei expressamente ressalva ou prevê. Logo, a ação monitória prestar-se-á, indistintamente, à constituição de título judicial, provenha o documento de pessoa de direito privado ou da própria Fazenda Pública, prosseguindo-se, na fase executória que ocorre em segundo plano, conforme as regras específicas de cada execução, na forma determinada pelo CPC.
A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem-se direcionado para a possibilidade de a monitória voltar-se contra a Fazenda Pública, consoante demonstra recente aresto a seguir reproduzido:
92421. AÇÃO MONITÓRIA. PROPOSITURA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA ADMISSIBILIDADE.- Inexiste óbice legal à propositura de ação monitória em face da Fazenda Pública. A questão que envolve o procedimento adotado pela autora não se contrapõe aos termos do artigo 100 da Constituição Federal, vez que a ação monitória, em verdade, propicia o processo de conhecimento, no qual o objetivo não é só o cabimento do débito, mas, também, a constituição do título executivo, quando então se processará a execução nos moldes do artigo 730 do CPC. (TJ-RJ Ac. Unân. da 11ª Câm. Cív., de 16-3-2000 Ap. 99.001.16.338- Rel. Des. Mello Tavares in Informativo Semanal de Jurisprudência ADV/COAD 20/2000, p. 319).
Parece-nos, assim, que a orientação doutrinária e jurisprudencial, muito em breve, direcionar-se-á para um norte comum, que é a aceitação remansosa da ação monitória em face da Fazenda Pública.