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Educação infantil como meio de prevenção ao abuso sexual

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4. INTERAÇÃO ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA COMO MEIO DE PREVENÇÃO AO ABUSO NA INFÂNCIA

Mesmo com a mudança no comportamento das pessoas acerca da sexualidade com o passar do tempo, o assunto envolve questões que algumas pessoas preferem não discutir, o que por si, promove a ignorância de crianças e jovens acerca dessa temática. Segundo Severo, "A sexualidade é um elemento  importante da condição humana e sua história pode e deve ser investigada a partir de uma perspectiva que não tenha a intenção de excitar ou ofender" (2013, p. 70). Nessa perspectiva, de acordo com a Ministra Sueca, Carina Justin, “a sexualidade é parte da essência humana”, em suas palavras, 

De acordo com Carina Justin, ministra sueca de Cooperação  Internacional  para o Desenvolvimento,  citado por Cornwal e Joel (2008): A sexualidade reside na essência da vida humana, naquilo que torna as pessoas plenamente humanas - é a chave de nossa capacidade de contribuir positiva e plenamente para as sociedades nas quais vivemos[...] os temas de sexualidade e direitos sexuais dizem respeito ao direito de toda pessoa à vida e à boa saúde. (Cornwall e Jolly, 2008, p.31  apud. SEVERO, 2013, p. 70).

Dessa forma, tendo em vista que a sexualidade possui caráter intrínseco à existência humana, a preocupação com a inviolabilidade do direito à dignidade sexual deve ser entendida como uma questão inerente à vida, à educação, à dignidade e à saúde desde a infância, cujo objetivo é de ampliar saberes acerca do assunto e, consequentemente, prevenir ações de objetivam tal violação. Logo, a educação em sexualidade se torna relevante no sistema educacional, reunindo, organizando e ministrando esse conceito na formação humana. 

A cartilha de orientações técnicas sobre sexualidade produzida pela UNESCO, em parceria com a UNICEF e a OMS, adaptada em 2014, dispõe sobre a educação sexual no ambiente escolar visando a orientação para desenvolvimento e construção de currículos escolares adaptados, considerando a localização de implementação das diretrizes, entendendo que a educação sexual no ambiente escolar compreende toda forma de socialização experimentada durante a vida, estando presente em todos os espaços, porém ocorrendo de forma fragmentada e não conexa ao conceito de dignidade humana.         

Nessa orientação, o documento propõe a divisão dos tópicos de aprendizagem, nele denominados como “ideias-chaves”, em quatro níveis, visando a inserção de informações de acordo com faixas etárias específicas, com início aos 05 anos de idade, e sendo reforçadas e aprimoradas nas faixas etárias superiores. Ressalta-se que, pelo estudo realizado, foi identificado que assuntos relativos a toque, identificação e busca de ajuda em situações de abuso, por exemplo, encontram-se nos conceitos-chaves 2 (Valores, atitudes e habilidades) e 3 (Cultura, sociedade e direitos humanos) da referida cartilha, sendo uma das interessantes e importantes  formas de abordagem acerca do tema com as crianças.

Resta evidenciado, pelo contexto geral da educação, que embora seja importante a  tratativa acerca da educação sexual no cronograma da educação infantil,  demonstra-se indispensável a participação da família no âmbito educacional externo ao ambiente escolar.

Conforme expressado por Zilda de Morais (2011), “o processo de aprendizagem evolui de uma participação imitativa sincrética, em que o parceiro mais experiente empresta à criança  suas funções psicológicas", o que permite entender que o que a criança vê, quando criança, refletirá consequentemente em seu desenvolvimento. Portanto, a participação da família em um contexto geral, é essencialmente eficaz quando trabalhada da maneira correta, pois a criança vê os pais ou seus responsáveis como um tipo de exemplo a ser seguido.Um estudo de mapeamento de fatores de risco para abuso sexual intrafamiliar identificados nos processos jurídicos do Ministério Público do Rio Grande do Sul – Brasil por violência sexual, no período entre 1992 e 1998, incluiu a análise de 71 expedientes e apresenta o perfil das vítimas e dos agressores, conforme abaixo,

Na maioria dos casos este era do sexo masculino (98,8%) e tinha vínculos afetivos e de confiança com a vítima. Em 57,4% dos casos, o agressor era pai da vítima e em 37,2% dos casos, este era padrasto ou pai adotivo desta. Estes resultados corroboram a literatura especializada que aponta que o abuso sexual contra crianças e adolescentes é perpetrado, na maioria dos casos, por cuidadores do sexo masculino. (Habigzang, L. F. & Caminha, R. M. 2008)

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Conforme apresentado, em grande parte dos casos, o abusador, quando não é integrante da família, possui certa proximidade com a vítima ou com sua família, podendo ser ainda mais intensificados quando comparado à fatores de desemprego, desigualdade social e de gênero, “do total de casos investigados, 83% aconteceram na própria família, concedendo à violência sexual um caráter intrafamiliar” (Habigzang, L. F. & Caminha, R. M. 2008)

Essa violação praticada no seio familiar, além do abuso sexual, acarreta outros tipos de violência, como a psicólogica, física e até mesmo a moral, pois a pessoa que comete o abuso precisa esconder seu delito a todo custo, conforme expressado por Furniss,  

O abuso sexual intrafamiliar é desencadeado e mantido por uma dinâmica complexa. Tal dinâmica envolve dois aspectos que se apresentam interligados: a "Síndrome de Segredo", que está diretamente relacionada com a psicopatologia do agressor (pedofilia) que, por gerar intenso repúdio social, tende a se proteger em uma teia de segredo, mantido às custas de ameaças e barganhas à criança abusada; e a "Síndrome de Adição" caracterizada pelo comportamento compulsivo do descontrole de impulso frente ao estímulo gerado pela criança, ou seja, o abusador, por não se controlar, usa a criança para obter excitação sexual e alívio de tensão, gerando dependência psicológica e negação da dependência (Furniss, 1993, apud Habigzang, L. F. & Caminha, R. M. 2004)

Estes dados reforçam a importância da interação entre família e escola, com a gradual inserção do tema nas aulas e no âmbito familiar, devendo a família atuar ainda na observação dos sinais apresentados pela criança a fim de identificar a existência do abuso para efetivo combate e prevenção à violência sexual infantil.

Entretanto, é compreensível a dificuldade em levar às autoridades competentes informações que indiquem a prática de abuso sexual em face de um infante e/ou incapaz, tendo em vista a possibilidade da existência de relação próxima entre a pessoa que comete o abuso, a que pretende denunciar e a criança. Nesses casos, diante do temor em indicar casos de violação ao direito à dignidade sexual, especialmente se não há base probatória sólida, a pessoa interessada pode realizar uma denúncia utilizando-se do canal “Disque Direitos Humanos”, também conhecido como “Disque 100”.


5. EDUCAÇÃO SEXUAL COMO MEIO DE PREVENÇÃO AO ABUSO NA INFÂNCIA

Durante a evolução humana, a noção social a respeito da infância modificou-se continuamente, desde momentos em que as crianças eram reconhecidas como miniaturas de adultos até a conscientização da necessidade de se respeitar as fases de desenvolvimento e aprendizado e a noção da responsabilidade inerentes à criança. Em momento posterior, a consciência da necessidade de comunhão de esforços entre escola e família a fim de preservar o desenvolvimento da criança de forma saudável ganhou força, havendo a criação de dispositivos legais que positivaram  deveres da família e do Estado para com os menores.

Estabelecendo que o respeito à dignidade sexual do indivíduo é abrangida pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, sendo direito constitucionalmente protegido, a necessidade de esforço coletivo para  busca de meios eficazes de proteção às crianças, frente à vulnerabilidade delas, demonstra-se cada dia mais indispensável.

Com o crescimento do número de casos de abuso sexual, a legislação brasileira possui diversos dispositivos que positivam sanções a serem aplicadas em casos de constatação de violação à dignidade sexual, especialmente tratando-se de vulneráveis. Ressalta-se o avanço no sentido de ampliação nos meios de reconhecimento do abuso em suas diferentes formas, sendo efetivamente admitido que é dispensável a existência do contato físico para a caracterização dos danos à vítima do abuso, demonstra um certo progresso no longo caminho a ser percorrido na busca pela proteção das crianças, ainda que longe do que pode ser considerado suficiente, conforme estatísticas apresentadas.

 Tendo em vista as mudanças ao longo do tempo, acerca da conceituação do que é considerado criança, é complexa a definição da faixa etária ideal para que haja o início da abordagem acerca da educação sexual com as crianças. Entretanto, tendo em vista que grande parte dos casos de abuso sexual infantil ocorrem em âmbito familiar, mediante ameaça, e sem testemunhas, é imprescindível que as crianças possuam pepel efetivo na prevenção, através do conhecimento de meios de identificar os abusos e procurar ajuda, não podendo que elas sejam excluídas da busca pelo cuidado.

Com base nas informações coletadas nos formulários, e por todo o conteúdo levantado durante a composição do presente trabalho, a inserção gradual e moderada da abordagem acerca da temática da sexualidade desde a educação infantil demonstrou-se um meio de prevenção, e por consequência, meio efetivo de combate aos abusos sexuais perpetrados contra crianças. 

Nas entrevistas realizadas, foi averiguada a concordância por parte dos entrevistados na implantação da educação sexual no ambiente escolar, desde que seja realizada de forma a respeitar o vocabulário e os meios recomendados por profissionais qualificados, o que é plenamente razoável. Embora alguns entrevistados tenham apresentado resistência, foi possível observar que a deturpação de informações acerca do tema contribui muito para a oposição apresentada. Foi possível verificar ainda, o desinteresse no debate sobre o assunto, visto que para alguns entrevistados, a responsabilidade de proteção e discussão sobre o tema é apenas da mãe ou mulher responsável legal pela criança.

Resta evidente, portanto, que o esforço que tenha por pretensão o resguardo da criança ante a  prática de abuso sexual deve ser realizado de forma conjunta entre núcleo famíliar e escola. Não podendo as famílias serem isentadas de tratar o assunto, pois em vários casos, a violência é perpetrada no próprio seio familiar, e sendo este o caso,  a ajuda da qual a criança necessita pode vir a ser efetivada através da escola, e caso a violência seja no ambiente escolar, a confiança estabelecida entre a família e a criança será também uma possibilidade de obtenção de ajuda, pois a criança estará melhor preparada para lidar com a situação.

Conforme demonstrado nos resultados obtidos através de respostas ao questionário proposto, grande parte dos genitores ou responsáveis concordam que a inserção do assunto na grade curricular infantil iria repercutir de forma positiva, especialmente se realizada através de abordagem que objetive a prevenção e levando em conta a faixa etária da criança. Proporcionar informações e ensinar as crianças sobre seu corpo, e que este não pode e não deve ser violado, é um grande passo para que, caso a criança venha a ser vítima de qualquer tipo de abuso, ela possa identificar e buscar ajuda. 

Sobre as autoras
Bárbara Letícia Teixeira de Lima

Advogada/MG Pós graduanda em Direito Digital e em Penal e Processual Penal

Jéssica Leocádio

Advogada de Família e Sucessões, e Direito do Consumidor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Bárbara Letícia Teixeira; LEOCÁDIO, Jéssica. Educação infantil como meio de prevenção ao abuso sexual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6537, 25 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90609. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Trata-se de Trabalho de Conclusão de Curso elaborado sob a orientação da Mestre em Direito do Trabalho, Gabriela Nogueira Xavier Matias, como requisito parcial para obtenção da Graduação em Direito Pelo Centro universitário UNA de Betim.

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