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O custo-benefício, o direito de propriedade e o preço da dignidade humana

Agenda 12/09/2021 às 09:50

Não há possibilidade de relativizar a vida humana em cada situação. Ou a vida humana é um valor preenchido ou semipreenchido.

Digamos que o Estado não tem o direito de regulamentar, ou proibir, o hábito de fumar. Recordam dos filmes 'O Informante' e 'Obrigado por fumar'?

Pergunto se é direito de o consumidor saber, previamente, da verdade (informação relevante). Claro que sim. E por décadas as indústrias tabagistas omitiram fatos relevantes aos consumidores. Se estes soubessem, previamente, e continuassem (tabagismo), a livre escolha. O problema. Psicologia comportamental na publicidade. Antes dos vazamentos sobre os malefícios do tabagismo, a persuasão por meio das publicidades. Quem estudou um pouco de psicologia sabe do que eu falo. O pai fuma, a mãe fuma, os filhos poderão fumar. Geralmente, nos hábitos alimentares, os filhos têm os hábitos dos pais. Além disso, é possível associar objetos com ideias, ainda que não façam parte da comunidade.

Gosto de citar, por não necessitar de livros sobre psicologia comportamental, o documentário O Século do Ego. No YouTube tem.

Sigmund Freud, o fundador da psicanálise, mudou a percepção da mente humana e seu funcionamento. A série descreve a propaganda que os governos ocidentais e corporações têm criado a partir das apropriações das teorias de Freud.

Freud é discutido, assim com seu sobrinho Edward Bernays, que fora o primeiro a utilizar técnicas psicológicas em relações públicas. Filha de Freud, Ana Freud, pioneira da psicologia infantil, é mencionada na segunda parte, e na terceira como sendo uma das principais oponentes das teorias de seu pai e de Wilhelm Reich.

Ao longo destes temas gerais, o Século do Ego faz perguntas mais profundas sobre as raízes dos métodos do consumismo moderno, da democracia representativa e da mercantilização e suas implicações. Ele também questiona a maneira moderna de enxergarmos a nós mesmos, as atitudes que tomamos em relação à moda e superficialidade. (Fonte: Wikipédia) (grifo do autor)

Após persuadir e viciar uma geração — é fácil encontrar os comerciais dos anos de 1950 até 1980 de cigarros de tabaco —, sem informar antes das evidências sobre os malefícios do tabagismo, os planos das indústrias tabagistas, as técnicas psicológicas em relações públicas, já estavam concretizados.

Os pais têm plenos poderes sobre os filhos. Pais dão um cigarro para uma filha de 5 anos de idade. Os pais têm o direito sobre os filhos. Se positivo, por exemplo, é possível o pai matar sua filha ou seu filho, como ocorria no Império Romano. Se não é possível, o direito à vida do filho é oponível ao direito dos pais. A diferença para os pais, atualmente, não darem cigarros de tabaco para os filhos e para pai matar os filhos, como ocorria no Império Romano, está no tipo de ordenamento jurídico. Este reflexo da mentalidade grupal.

Um antigo hábito esquimó. Quando idosos ficavam muito fracos, os familiares deixavam na neve para morrerem. Imagine que hospital quer expulsar inadimplente. O inadimplente não pode ser removido sob risco de morte. Se há direito de propriedade somado com o custo-benefício — gastos com mão de obra (profissionais da área de saúde, outros profissionais), compra de medicamentos etc. —, o custo-benefício é tirar o inadimplente de dentro do hospital, mesmo que morra. Se o antigo hábito esquimó é visto como 'cruel', também é cruel o ato de expulsar paciente inadimplente sob risco, iminente ou não, de vida.

O custo-benefício foi usado nos casos Ford Pinto e Philip Morris. Do livro Justiça, de Michael J. Sandel:

I) Ford Pinto

"Durante os anos 1970, o Ford Pinto era um dos carros compactos mais vendidos nos Estados Unidos. Infelizmente seu tanque de combustível estava sujeito a explodir quando outro carro colidia com ele pela traseira. Mais de quinhentas pessoas morreram quando seus automóveis Pinto pegaram fogo e muitas mais sofreram sérias queimaduras. Quando uma das vítimas processou a Ford Motor Company pelo erro de projeto, veio a público que os engenheiros da Ford sabiam do perigo representado pelo tanque de gasolina. Mas os executivos da companhia haviam realizado uma análise de custo e benefício que os levara a concluir que os benefícios de consertar as unidades (em vidas salvas e ferimentos evitados) não compensavam os 11 dólares por carro que custaria para equipar cada veículo com um dispositivo que tornasse o tanque de combustível mais seguro.

Para calcular os benefícios obtidos com um tanque de gasolina mais seguro, a Ford estimou que em um ano 180 mortes e 180 queimaduras poderiam acontecer se nenhuma mudança fosse feita. Estipulou, então, um valor monetário para cada vida perdida e cada queimadura sofrida — 200 mil dólares por vida e 67 mil por queimadura. Acrescentou a esses valores a quantidade e o valor dos Pintos que seriam incendiados e calculou que o benefício final da melhoria da segurança seria de 49,5 milhões de dólares. Mas o custo de instalar um dispositivo de 11 dólares em 12,5 milhões de veículos seria de 137,5 milhões de dólares. Assim, a companhia chegou à conclusão de que o custo de consertar o tanque não compensaria o benefício de um carro mais seguro."

II) Philip Morris

"Na esperança de conter o aumento dos impostos, a Philip Morris encomendou uma análise do custo-benefício dos efeitos do tabagismo no orçamento do país. O estudo descobriu que o governo efetivamente lucra mais do que perde com o consumo de cigarros pela população. O motivo: embora os fumantes, em vida, imponham altos custos médicos ao orçamento, eles morrem cedo e, assim, poupam o governo de consideráveis somas em tratamentos de saúde, pensões e abrigo para os idosos. De acordo com o estudo, uma vez levados em conta os “efeitos positivos” do tabagismo — incluindo a receita com os impostos e a economia com a morte prematura dos fumantes —, o lucro líquido para o tesouro é de 147 milhões de dólares por ano.' (SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015)

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Ora, o antigo costume esquimó de deixar idoso morrer de frio na neve tem um custo-benefício, por que não dizer 'ideologia'? Se estão errados, moralmente, também Ford Motor Company e Philip Morris estão errados estão. Melhor dizendo, tanto o antigo costume esquimó quanto Ford Motor Company e Philip Morris são imorais, tanto pela filosofia cristã quanto pela filosofia moral dos direitos humanos.

Na vigência da pandemia, os locatários inadimplentes. Pelo direito de propriedade, os locadores podem, pelo pacta sunt servanda, expulsar os inadimplente — nada de rebus sic stantibus. A população de rua aumentou na pandemia. Imagine na Região Sul com temperaturas capazes de" congelar "camisas. Se há direito de propriedade e, somente, pacta sunt servanda — alguém assistiu O Mercador de Veneza, de Shakespeare — os locadores poderão expulsar os locatários inadimplentes; não importa se temperatura menor do que 6ºC (seis graus Celsius). Não há nada de" imoral "," monstruoso "ou" desumano ". O mesmo se aplica ao antigo hábito esquimó de expulsar idoso e deixar na neve morrer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Qual o valor da vida? Qual o valor do custo-benefício para dimensionar, valorizar a dignidade humana? A vida humana pode ser mensurada pelo valor da propriedade privada, da "vontade da maioria"?

Foi com o Tribunal de NurembergTribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente que os Direitos Humanos ganhou status quo. Com os julgamentos, condenações, principalmente por crimes contra a humanidade, os ordenamentos jurídicos dos países mudaram, no decorrer da Internacionalização dos Direitos Humanos. Constituições tiveram que se adequar aos direitos humanos. No Brasil, a prisão de depositário infiel, apesar da existência do texto constitucional (art. 5º, LXVII), é inaplicável:

Aplicação das Súmulas no STF

Súmula Vinculante 25

É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.

Precedentes Representativos

(...) diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na CF/1988, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da CF/1988 sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) não foi revogada (...), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (...). Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. (...) Enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao PIDCP (art. 11) e à CADH — Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, LXVII, da CF/1988, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel.
[RE 466.343, rel. min. Cezar Peluso, voto do min. Gilmar Mendes, P, j. 3-12-2008, DJE 104 de 5-6-2009, Tema 60.]

A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do PIDCP (art. 11) e da CADH — Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da CF/1988, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, consequentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido.
[HC 95.967, rel. min. Ellen Gracie, 2ª T, j. 11-11-2008, DJE 227 de 28-11-2008.] (Fonte: STF)

Não há possibilidade de relativizar a vida humana em cada situação, no caso em tela, o custo-benefício, o direito de propriedade e o "preço da dignidade humana". Ou a vida humana é um valor "preenchido" ou é possível "esvaziar" pelo custo-benefício.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. O custo-benefício, o direito de propriedade e o preço da dignidade humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6647, 12 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91778. Acesso em: 21 nov. 2024.

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