4. A jurisprudência do STF
Desde o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3367, que teve como relator o Min. Cezar Peluso[3], ficou esclarecido que o CNJ, apesar de integrar a estrutura interna do Poder Judiciário, é órgão de natureza exclusivamente administrativa, com atribuições de controle administrativo, financeiro e disciplinar dos atos administrativos dos tribunais.
A partir desse julgado, que assinalou a natureza meramente administrativa das competências do CNJ, toda a construção jurisprudencial no Pretório Excelso foi no sentido de impedir o CNJ de realizar controle da constitucionalidade das leis e atos normativos, ainda que difuso (incidentalmente), já que tal múnus pertence com exclusividade aos órgãos do Poder Judiciário aptos a prestar tutela jurisdicional – vale lembrar que o sistema brasileiro de controle da constitucionalidade é tipicamente jurisdicional.
No julgamento da AC 2390-MC-REF, realizado em 19.08.10, que teve como relatora a Ministra Cármen Lúcia, o Pleno do STF desconstituiu decisão do CNJ que havia determinado exoneração de servidores nomeados para cargos em comissão criados no Tribunal de Justiça da Paraíba, por “indícios de inconstitucionalidade material” da lei que havia criado os cargos. O acórdão firmou o entendimento de que o CNJ não tem o poder de controlar a constitucionalidade de lei votada e sancionada pelos Poderes Legislativo e Executivo. A ementa desse julgado ficou assim redigida:
“AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA. LEI N. 8.223/2007 DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO LEGAL DE CARGOS EM COMISSÃO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. ASSISTENTES ADMINISTRATIVOS. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. EXONERAÇÃO DETERMINADA. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO CNJ. LIMINAR DEFERIDA. REFERENDO. 1. Ação Cautelar preparatória de ação destinada à desconstituição da decisão administrativa do Conselho Nacional de Justiça que determinou a exoneração de servidores nomeados para os cargos em comissão criados pela Lei n. 8.223/2007 do Estado da Paraíba. 2. O Tribunal de Justiça da Paraíba deu exato cumprimento à lei ao promover as nomeações, mas, o Conselho Nacional de Justiça concluiu pela exoneração dos servidores em razão de haver “indícios de inconstitucionalidade material” naquele diploma legal. 3. Afastado o vício apontado pelo Conselho Nacional de Justiça sob critérios extraídos da Constituição da República (art. 37, incs. II e V), pois a ilegalidade não residiria nas efetivas nomeações ocorridas no Tribunal de Justiça da Paraíba, mas na própria norma legal que criou os cargos. 4. A Lei n. 8.223/2007, decretada e sancionada pelos Poderes Legislativo e Executivo do Estado da Paraíba, não pode ter o controle de constitucionalidade realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, pois a Constituição da República confere essa competência, com exclusividade, ao Supremo Tribunal Federal. 5. Medida liminar referendada.” (AC 2390-MC-REF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgada em 19.08.10, publicada em 02.05.11, órgão julgador: Tribunal Pleno)
Pouco tempo depois, no julgamento do MS 28.872, relator o Ministro Ricardo Lewandowski, o Pleno do STF voltou a afirmar que o CNJ, como órgão de índole administrativa, não possui poderes para apreciar o aspecto da inconstitucionalidade de leis que embasam atos administrativos emanados dos tribunais:
“AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. NÃO CONHECIMENTO DE PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO DE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE PELO CNJ. IMPOSSIBILIDADE. MANDADO DE SEGURANÇA A QUE SE NEGOU PROVIMENTO. AGRAVO IMPROVIDO.
I – O Conselho Nacional de Justiça, embora seja órgão do Poder Judiciário, nos termos do art. 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal, possui, tão somente, atribuições de natureza administrativa e, nesse sentido, não lhe é permitido apreciar a constitucionalidade dos atos administrativos, mas somente sua legalidade.
II– Agravo improvido.” (MS 28872 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2011, DJe 18-03-2011)
Ocorre que no julgamento da Petição 4.656 (originariamente Ação Cautelar 2.390[4]), realizado em 19.12.16, o Plenário da Corte Suprema discutiu a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça afastar a aplicação de determinado ato normativo tido por inconstitucional, quando existir jurisprudência pacífica do STF que ateste a inconstitucionalidade. Em seu voto, a relatora, Min. Cármen Lúcia, reconheceu poderes ao CNJ para adotar providências no sentido de desfazer atos de evidente inconstitucionalidade, ainda que embasados em lei estadual.
Esse caso, todavia, não derrubou o entendimento de que refoge ao CNJ o poder geral de controle de constitucionalidade de leis. Para entender exatamente o contexto em que foi produzido o julgamento, são imprescindíveis algumas informações sobre as especificidades do caso que ensejou a atuação do CNJ para coibir práticas administrativas contrárias à moralidade administrativa no TJPB.
A atuação fiscalizadora do CNJ foi deslanchada para evitar a reiteração da prática de nomeações irregulares de servidores. O procedimento investigatório havia sido iniciado para apurar práticas “de clientelismo, empreguismo e nepotismo” no Poder Judiciário da Paraíba. O Plenário do CNJ entendeu necessária a abertura, de ofício, de Procedimento de Controle Administrativo destinado a apurar a possível reiteração da prática de nomeações irregulares de servidores pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. A prática de atos contrários ao comando constitucional de ingresso no serviço público por concurso público já havia provocado a propositura de ADI (3.233/PB)[5] contra dispositivos de outras leis da Paraíba - a Lei estadual 6.600, de 10.2.1998, e da Lei Complementar estadual 57, de 24.12.2003 -, por meio das quais teriam sido criados 192 cargos de “Vigilante Administrativo”, de provimento em comissão[6]. Pouco tempo depois do julgamento dessa ADI, foi editada a Lei estadual 8.223/2007, que criava, de uma só vez, 100 cargos de “Assistente de Administração”, de provimento em comissão, com atribuições para “exercer atividades administrativas de assistência direta” às unidades do Tribunal (gabinetes, diretorias e secretarias) e “exercer outras atividades administrativas de confiança não incluídas nas atividades privativas dos servidores do quadro efetivo”.
A edição da Lei estadual 8.223/2007, pela qual foram criados outros 100 cargos em comissão de “Assistente de Administração”, de livre nomeação e exoneração, pareceu ser um indicativo de que os vigilantes recém-demitidos poderiam ser aproveitados nos novos cargos, em uma tentativa de burla à decisão anterior do STF (no julgamento da ADI 3.233/PB). Identificando na lei impugnada o mesmo vício que maculara as normas declaradas inconstitucionais na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.233, o CNJ determinou ao Presidente do TJPB a exoneração dos novos comissionados nomeados.
Foi, portanto, nesse contexto de práticas extremas de imoralidade administrativa que o STF admitiu poder ao CNJ para afastar a aplicação de lei estadual visivelmente inconstitucional. A inconstitucionalidade da Lei 8.223/2007 era patente, pois violava a regra de ingresso no serviço público mediante concurso (art. 37, II e V, da CF), que somente dispensa aprovação em concurso público quando se tratar de ocupante de cargo em comissão para exercício de encargos de chefia, direção ou assessoramento. Ademais disso, foi registrado que o Estado da Paraíba havia repetido uma estratégia utilizada em lei já declarada inconstitucional pelo STF (na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.233/PB), ainda que com nomenclatura diversa e em diploma legal distinto, mas em contínua violação aos limites impostos pelo art. 37, incisos II e V, da Constituição da República.
De todo modo, para deixar claro que não se estava admitindo um típico controle de constitucionalidade pelo CNJ e a fim de afastar qualquer margem de insegurança jurídica, o STF declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei estadual 8.223/2007. Durante a tramitação do processo no STF, o Procurador-Geral da República ajuizou ação direta (ADI 4.867) questionando a constitucionalidade do dispositivo da lei paraibana que criou os cargos em comissão objeto da decisão do Conselho Nacional de Justiça (art. 5º da Lei estadual n. 8.223/2007). Aproveitando essa circunstância, o STF, por unanimidade, considerou válida a atuação do Conselho Nacional de Justiça e julgou improcedente o pedido da ação anulatória, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei 8.223/2007 da Paraíba[7].
A Ministra Cármen Lúcia, relatora do processo, tinha concedido liminar na ação cautelar, mas ao julgar o mérito explicou que não estava admitindo um poder amplo de controle de constitucionalidade das leis ao CNJ, ainda que difuso (incidental), porquanto “há que distinguir entre declaração de inconstitucionalidade e não aplicação de leis inconstitucionais, pois esta é obrigação de qualquer tribunal ou órgão de qualquer dos Poderes do Estado”. Acrescentou a Ministra relatora que “insere-se, assim, entre as competências constitucionalmente atribuídas ao Conselho Nacional de Justiça a possibilidade de afastar, por inconstitucionalidade, o fundamento legal de ato administrativo objeto de controle, determinando aos órgãos submetidos a seu espaço de influência a observância desse entendimento, por ato expresso e formal tomado pela maioria absoluta de seus membros”.
A relatora ainda deixou claro que não havia, na atuação do CNJ, uma declaração de inconstitucionalidade da lei, pois “teve-se na espécie a nulidade dos atos questionados para o que se afirmou inaplicável, administrativamente, lei estadual com vício de inconstitucionalidade”.
No voto que proferiu nesse julgamento (da Pet 4.656), o Ministro Edson Fachin esclareceu que o STF não estava reconhecendo competência ao CNJ para declarar inconstitucionalidade de lei, pois “trata-se, na verdade, de aplicar o que este Tribunal já declarou inconstitucional, portanto aplicar uma nulidade constitucional que este Tribunal já reconheceu em diversos precedentes.”
Já o Ministro Ricardo Lewandowski destacou seu posicionamento de que “o CNJ não pode incursionar na seara do controle abstrato de inconstitucionalidade”, mas que o caso tinha especificidades, pois “o que se vê na decisão contestada do CNJ, é que ele não declara inconstitucional a lei sob a qual ele se debruçou, mas simplesmente invoca precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal, para determinar a exoneração daqueles servidores que foram contratados em desconformidade com aquilo que a Constituição estabelece no art. 37 e que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem vergastado.”.
O Ministro Luiz Fux, ao votar, afirmou: “...o ponto nevrálgico a ser enfrentado é o seguinte: saber se o Conselho Nacional de Justiça possui competência para afastar a aplicabilidade de determinada norma, com fundamento em sua inconstitucionalidade, especialmente quando a matéria já se encontra pacificada nesta Corte. A resposta, antecipo, é afirmativa.” E completou:
“Nesse ponto não se desconhece que, pela natureza eminentemente administrativa do Conselho Nacional de Justiça, o órgão não possui funções jurisdicionais, não atraindo competência, portanto, para realizar controle de constitucionalidade. Ocorre que o Conselho Nacional de Justiça pode afastar a aplicação de norma quando reconhecer sua inconstitucionalidade, ainda mais quando a matéria veiculada já se encontra pacificada nesta Corte, como é o caso da impossibilidade de criação de cargos em comissão fora das funções de direção, assessoramento e chefia. Desse modo, a partir da decisão impugnada, fica claro que não se trata de declaração de inconstitucionalidade, prerrogativa do Poder Judiciário, mas do afastamento da norma tida por inconstitucional, tal qual facultado a toda a administração pública.
(...)
Deveras, para não vulgarizar e alargar de maneira ilimitada a competência do Conselho Nacional de Justiça, assento, como premissa teórica, que o afastamento de leis ou atos normativos somente deve ocorrer nas hipóteses de cabal e inconteste ultraje à Constituição – certamente potencializada por precedentes deste Supremo Tribunal Federal sobre a matéria –, de maneira que, nas situações de dúvida razoável a respeito do conteúdo da norma adversada, deve-se prestigiar a opção feita pelo legislador, investido que é em suas prerrogativas pelo batismo popular.”
No julgamento desse caso o STF firmou o entendimento de que o CNJ pode determinar a anulação de atos administrativos baseados em lei estadual, desde que a lei seja flagrantemente inconstitucional e já se tenha jurisprudência pacífica quanto à inconstitucionalidade de tal tipo de lei. Embora isso não tenha ficado bem claro na ementa, ela indica que o CNJ só pode invalidar atos administrativos quando apoiados em lei cuja inconstitucionalidade for gritante. O “afastamento de leis ou atos normativos somente deve ocorrer nas hipóteses de cabal e inconteste ultraje à Constituição, de ordem que, nas situações de dúvida ou dissenso razoável acerca da incompatibilidade do conteúdo da norma adversada com a Lei Fundamental, a aplicabilidade da norma é medida que se impõe”, consta da ementa como o ensinamento jurisprudencial deixado nesse julgamento. Confira-se:
“PETIÇÃO. LEI 8.223/2007 DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. ART. 5 º DA LEI 8.223/2007 DA PARAÍBA. ASSISTENTES ADMINISTRATIVOS. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. EXONERAÇÃO DETERMINADA. AÇÃO ANULATÓRIA. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO CNJ PARA DECLARAR INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. COMPETÊNCIA PARA AFASTAR NORMA INCONSTITUCIONAL. VOTO PELA IMPROCEDÊNCIA DA PETIÇÃO, COM DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE.
1. O Conselho Nacional de Justiça é competente para afastar a aplicação de lei – utilizada como base de ato administrativo objeto de controle – quando reconhecer sua inconstitucionalidade, sem prejuízo do inafastável judicial review.
2. A manifestação prévia desta Suprema Corte a respeito da inconstitucionalidade da matéria posta a exame pelo Conselho Nacional de Justiça não constitui requisito indispensável para possibilitar o afastamento da norma, mas poderá servir de ônus argumentativo sólido parapotencializar a fundamentação analítica do necessário afastamento da incidência da norma no caso concreto.
3. Deveras, o afastamento de leis ou atos normativos somente deve ocorrer nas hipóteses de cabal e inconteste ultraje à Constituição, de ordem que, nas situações de dúvida ou dissenso razoável acerca da incompatibilidade do conteúdo da norma adversada com a Lei Fundamental, a aplicabilidade da norma é medida que se impõe (THAYER, James Bradley. The Origin and Scope of the American Doctrine of Constitutional Law. Harvard Law Review. Vol. 7, No. 3, 1893, p. 129/156).
4. É inconstitucional a criação de cargos em comissão para funções que não possuem caráter de assessoramento, chefia ou direção e que não demandam relação de confiança entre o servidor nomeado e o seu superior hierárquico, o que é evidente na hipótese da lei impugnada, que prevê o desempenho de funções técnicas (CRFB/88, art. 37, V).
5. In casu, o Conselho Nacional de Justiça reconheceu a contrariedade da norma em relação ao princípio constitucional de ingresso no serviço público por concurso público, pela ausência dos requisitos caracterizadores do cargo comissionado.
6. Voto pela improcedência da Petição, com declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 5º da Lei 8.223/2007, da Paraíba.”
Depois desse julgamento, encontramos casos julgados pela Segunda Turma do STF, reafirmando a tese de que o CNJ não tem poderes de controle de constitucionalidade de leis. A orientação da 2ª. Turma é que o Conselho Nacional de Justiça pode deixar de aplicar normas vigentes quando houver anterior interpretação da matéria pela Corte (MS 26.739, Relator Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 01/03/2016, DJe 14.06.2016). Como ficou esclarecido no voto do Min. Gilmar Mendes, no julgamento do MS 26.739, o CNJ na verdade está “apenas aplicando uma jurisprudência, um entendimento já pacífico”. A atuação do CNJ só é legítima para afastar lei formal quando “estiver simplesmente aplicando, desenvolvendo a jurisprudência já pacífica sobre uma dada temática constitucional”. A ementa do julgado da 2ª. Turma está assim redigida:
“Mandado de segurança. Ato do Conselho Nacional de Justiça. Anulação da fixação de férias em 60 dias para servidores de segunda instância da Justiça estadual mineira. Competência constitucional do Conselho para controle de legalidade dos atos administrativos de tribunal local. Ato de caráter geral. Desnecessidade de notificação pessoal. Inexistência de violação do contraditório e da ampla defesa. Férias de sessenta dias. Ausência de previsão legal. 1. Compete ao Conselho Nacional de Justiça “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário” (§ 4º), “zelando pela observância do art. 37 e apreciando, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário” (inciso II, § 4º, art. 103- B). 2. No caso, a deliberação do CNJ se pautou essencialmente na ilegalidade do ato do Tribunal local (por dissonância entre os 60 dias de férias e o Estatuto dos Servidores do Estado de Minas Gerais). Quanto à fundamentação adicional de inconstitucionalidade, o Supremo tem admitido sua utilização pelo Conselho quando a matéria já se encontra pacificada na Corte, como é o caso das férias coletivas. 3. Sendo o ato administrativo controlado de caráter normativo geral, resta afastada a necessidade de notificação, pelo CNJ, dos servidores interessados no processo. 4. A conclusão do Supremo Tribunal pela inconstitucionalidade, a partir da Emenda Constitucional nº 45/04, das férias coletivas nos tribunais, se aplica aos servidores do TJMG, cujo direito às férias de 60 dias se estabeleceu em normativos fundamentados nas férias forenses coletivas. 5. Ordem denegada.” (MS 26739, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 01/03/2016, DJe 14-06-2016).
Em julgamento mais recente, a 2ª. Turma do STF deixou claro que “não compete ao Conselho Nacional de Justiça, mesmo em pretenso controle de legalidade dos atos do Poder Judiciário, emitir juízo acerca da constitucionalidade de norma em face de dispositivo ou princípio constitucional”, somente sendo admitida exceção quando se trate de matéria já pacificada no STF” (MS 29077-DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 07.08.18). O TJSP impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar, em face do Conselho Nacional de Justiça, tendo por objeto deliberação em que o Plenário do órgão censor determinou, no Procedimento de Controle Administrativo 2007.10.00.001560-0, que procedesse à correção de pagamento de magistrados, por ter encontrado inconsistências em reestruturação de comarcas no Estado de São Paulo, a partir da edição de resoluções do tribunal estadual (Resoluções 257/2005 e 296/2007 do Órgão Especial do TJSP, que regulamentaram as Leis Complementares Estaduais 980/2005 e 991/2006). O CNJ havia entendido que as resoluções do TJSP eram inconstitucionais, na medida em que atribuíam “tratamento anti-isonômico a magistrados de terceira entrância”. A inconstitucionalidade partia, portanto, da perspectiva da violação do princípio constitucional da isonomia entre os magistrados. O caso envolveu o pagamento do chamado “auxílio-voto” e a ementa da decisão do CNJ no PCA 2007.10.00.001560-0 ficou assim redigida:
“1.RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. Reclassificação de comarcas. TJSP. Resoluções nºs 257/2005 e 296/2007 do TJSP. Inconstitucionalidade e ilegalidade. Tratamento antiisonômico a magistrados de ‘terceira entrância’. Pagamento da diferença de entrância a todos os magistrados de ‘terceira entrância’ como sendo de ‘entrância final’ e concessão de prerrogativas decorrentes da diferença de entrância. Pedido parcialmente procedente. Deve ser corrigido o tratamento antiisonômico conferido aos magistrados de terceira entrância que ocupam vaga em comarcas reclassificadas como de entrância intermediária, estabelecido pelas Resoluções nºs 257/2005 e 296/2007, para que passem a perceber remuneração idêntica à de entrância final (diferença de entrância), com as prerrogativas dos demais magistrados de terceira entrância que tiveram suas comarcas reclassificadas para entrância final.
2. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. Convocação de magistrados de 1ª Instância para atuarem em 2ª Instância. Percepção de ‘auxíliovoto’ acima do teto remuneratório constitucional. Inconstitucionalidade e ilegalidade. Ofensa ao disposto naResolução nº 72 do CNJ. Natureza jurídica de subsídio. Devolução de valores pagos acima do teto constitucional. Recolhimento de tributos sobre os valores referentes à diferença de instâncias. Necessidade. Em princípio, devem ser devolvidos os valores pagos que excederam a diferença de subsídios entre instâncias, com o recolhimento dos tributos referentes às quantias não devolvidas, devido à expressa vedação constitucional de pagamento de subsídio acima do teto remuneratório constitucional. A convocação de magistrados para atuarem em 2ª Instância deve obedecer ao disposto na Resolução nº 72 do CNJ, ou seja, quando houver necessidade de substituição de desembargadores temporariamente afastados de suas funções, com o pagamento referente à diferença de instâncias.
3. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. Reclamação Disciplinar. Arquivamento. Impossibilidade. Reautuação. Apuração de responsabilidade. Necessidade. Deve ser reautuada Reclamação Disciplinar arquivada sem a devida instrução, a fim de apurar ato omissivo do Tribunal requerido em não encaminhar a tempo as informações solicitadas neste procedimento, bem como eventual responsabilidade pelos pagamentos indevidos ora apurados. ”
O impetrante, o TJSP, postulou reconhecimento de ilegalidade da decisão do Conselho Nacional de Justiça no que se referia às determinações para correção do pagamento dos magistrados em decorrência da reclassificação das entrâncias nas Comarcas do Estado de São Paulo e de gratificações por diferença de entrância. O STF deferiu a liminar e, no mérito, concedeu a segurança para cassar a decisão do CNJ, ficando o acórdão com a seguinte ementa:
“Mandado de segurança. Ato do Conselho Nacional de Justiça. Rol de atribuições do art. 103, § 4º, da CF. Impossibilidade de o CNJ realizar controle de constitucionalidade de ato normativo ou de lei, a menos que se trate de matéria já pacificada na Suprema Corte. Determinação de apresentação de documentos em procedimento já encerrado. Abuso de poder. Segurança concedida. 1. O Conselho Nacional de Justiça, com base no princípio da isonomia entre os magistrados, entendeu inconstitucionais as Resoluções nº 257/2005 e 296/2007, editadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, com vistas a regulamentar a reclassificação de entrâncias promovida pelas Leis Complementares Estaduais nº 980/2005 e 991/2006. 2. Não compete ao Conselho Nacional de Justiça, mesmo em pretenso controle de legalidade dos atos do Poder Judiciário, emitir juízo acerca da constitucionalidade de norma em face de dispositivo ou princípio constitucional. Exorbitância do rol de atribuições do art. 103, § 4º, da CF. Precedentes. Exceção apenas admitida quando se trate de matéria já pacificada no STF, o que não ocorre no caso. 3. Determinação de apresentação de documentos após encerrado o procedimento administrativo de controle. Impossibilidade de se vislumbrar de que modo tal providência poderia alterar o resultado do aludido PCA, visto que já encerrado. Abuso de poder configurado. 4. Segurança concedida.” (MS 29077-DF, rel. Min. Dias Toffoli, Julgamento: 07/08/2018, Publicação: 24/07/2020, Órgão julgador: Segunda Turma).
No seu voto, o Ministro Dias Toffoli asseverou:
“In casu, interpretando o mandamento constitucional da isonomia, o CNJ entendeu que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deveria ter elaborado regra de transição para afastar suposto tratamento antiisonômico verificado com a edição da Resolução nº 257/2005 e reiterado com a Resolução nº 296/2007.
Ora, tal proceder consubstancia evidente formação de juízo acerca da constitucionalidade das referidas normas, em evidente exorbitância da competência atribuída constitucionalmente ao órgão em comento.”
No seu voto, na condição de relator, o Ministro Dias Toffoli fez referência ao julgamento anterior do Plenário do STF (AC 2.390/PB-MC-REF, Relatora a Ministra Cármen Lúcia), dando-lhe a devida delimitação:
“Em julgamento Plenário, a Suprema Corte já afirmou que o controle de constitucionalidade de ato normativo ou lei não pode ser “realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, pois a Constituição da República confere essa competência, com exclusividade, ao Supremo Tribunal Federal”
Esclareceu que somente se admite exceção quando existe jurisprudência pacificada do STF sobre a matéria, sob pena de violação da autonomia administrativa e financeira conferida aos tribunais na Constituição da República:
“Admite-se exceção a essa regra apenas na hipótese de jurisprudência já pacificada nesta Suprema Corte acerca do tema, conforme já tive oportunidade de consignar, in verbis :
“(...) Quanto à fundamentação adicional de inconstitucionalidade, o Supremo tem admitido sua utilização pelo Conselho quando a matéria já se encontra pacificada na Corte (...)” (MS nº 26.739/DF, Segunda Turma, DJe de 9/3/16).
Assim, não se enquadrando a hipótese ora em discussão nessa exceção, não há como se admitir a validade da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo CNJ.
Como se não bastasse, a ordem de determinação de reestruturação das entrâncias do Poder Judiciário paulista ofende a autonomia dos tribunais, constitucionalmente garantida.”
Conclui-se desses julgados que o CNJ tem apenas poderes para fiscalizar o respeito à jurisprudência pacífica do STF, nada mais do que isso. Em sua atividade administrativa, o CNJ deve limitar-se a aplicar o que o STF já declarou inconstitucional. Se o órgão verificar que determinado ato administrativo, ainda que baseado em lei, é absolutamente contrário à Lei Fundamental, pode então determinar sua invalidação, mas desde que a matéria esteja consolidada, repetida na jurisprudência do STF. É indispensável haver manifestação prévia (e reiterada) da Suprema Corte a respeito da inconstitucionalidade da matéria posta a exame pelo Conselho Nacional de Justiça. Sempre que haja razoável dúvida acerca da existência do vício de inconstitucionalidade, o órgão censor deve se limitar a adotar recomendações ao tribunal submetido à inspeção, podendo, ainda, e desde que não atendida a recomendação no prazo estipulado, oficiar à Procuradoria Geral da República para eventual propositura de ação contra o ato normativo com aparência de inconstitucionalidade.
Trata-se, portanto, de atividade meramente administrativa, que se amolda ao figurino constitucional do CNJ. De maneira nenhuma, nesses precedentes, se pretendeu atribuir ao órgão correcional da magistratura um típico controle de constitucionalidade, ainda que implícito.
Fazendo análise desses recentes julgamentos do STF[8], em sede doutrinária[9], o Ministro Gilmar Mendes chega à mesma conclusão. Explica ele que o CNJ só pode deixar de aplicar lei que contrarie frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Não somente o CNJ, mas outros órgãos autônomos de controle (a exemplo do CNMP e do Conselho de Contribuintes), podem proferir decisão no sentido de “afastar a aplicação de determinado ato normativo por vício de inconstitucionalidade, desde que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal seja pacífica em já reconhecer a inconstitucionalidade da matéria”. O ministro ressalta que em nenhum momento esses precedentes devem ser entendidos como autorizadores de controle difuso de constitucionalidade por órgãos não jurisdicionais. Diz ele:
“Na verdade, nas hipóteses como a que se verificava no referido processo, a jurisprudência do STF deve ser pacífica no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade de um tema, para que os órgãos não jurisdicionais possam decidir afastar a aplicação de determinado ato normativo que diga respeito àquele assunto, por inconstitucionalidade. Em conformidade com a decisão, na verdade, o que podem fazer os órgãos não jurisdicionais é apenas aplicar a jurisprudência uniforme da corte constitucional ao caso concreto e concluir pelo afastamento ou pela aplicação de determinado ato normativo, tendo em vista a sua (in)compatibilidade com o texto constitucional, segundo a interpretação do próprio Supremo Tribunal Federal.”
O Ministro Gilmar Mendes frisa que, para o CNJ deixar de aplicar a lei em determinado caso, é preciso que a inconstitucionalidade seja notória, evidente, o que ele chama de “inconstitucionalidade chapada”:
“Não parece desarrazoado entender pela possibilidade de essas entidades negarem aplicação a determinada lei no caso concreto, quando já houver entendimento pacificado do STF acerca da inconstitucionalidade chapada, notória ou evidente, da solução normativa em questão em questão.”
Essa jurisprudência – de admitir não aplicação de lei flagrantemente inconstitucional pelo CNJ, havendo jurisprudência solidificada sobre a matéria - é a que parece que prevalecerá no STF, porém a questão ainda permanece em aberto.
Em casos julgados pela própria 2ª. Turma do STF, relatados pelo Min. Celso de Mello, a Corte permanece negando qualquer possibilidade de o CNJ afastar aplicação de lei formalmente aprovada pelo parlamento. No julgamento do Agravo Regimental em Mandado de Segurança n. 28.936-DF, julgado pela 2ª. Turma na sessão virtual de 22 a 28 de novembro de 2019, a Corte Suprema decidiu pela impossibilidade de o Conselho Nacional de Justiça, sob alegação de “flagrante incompatibilidade com os preceitos constitucionais”, impor a presidente de tribunal de justiça local que se abstenha de cumprir o diploma legislativo. A ementa desse julgado está assim disposta:
“MANDADO DE SEGURANÇA – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – SERVIDORES PÚBLICOS VINCULADOS AO PODER JUDICIÁRIO – ADICIONAL DE FUNÇÃO INSTITUÍDO PELA LEI ESTADUAL Nº 6.355/91 – RESOLUÇÃO Nº 01/92 DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA, QUE REGULAMENTOU, NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO DAQUELA UNIDADE DA FEDERAÇÃO, A CONCESSÃO DE REFERIDO BENEFÍCIO – SUPOSTA EIVA DE INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO CNJ – IMPOSSIBILIDADE DE O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, SOB ALEGAÇÃO DE “FLAGRANTE INCOMPATIBILIDADE COM OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS” E DE PREVALÊNCIA DO “PRINCÍPIO DA RESERVA DE LEI”, IMPOR, CAUTELARMENTE, AO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL QUE SE ABSTENHA DE CUMPRIR O DIPLOMA LEGISLATIVO EDITADO, EM RAZÃO DE SUA SUPOSTA ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL – LIMITAÇÕES QUE INCIDEM SOBRE A COMPETÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CF, ART. 103-B, § 4º), CONSIDERADO O CARÁTER ESTRITAMENTE ADMINISTRATIVO DE QUE SE REVESTE O SEU PERFIL INSTITUCIONAL – PRECEDENTES – MAGISTÉRIO DA DOUTRINA – A QUESTÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – INADMISSIBILIDADE DE REFERIDA FISCALIZAÇÃO, SEGUNDO ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STF E, TAMBÉM, PELO PRÓPRIO CNJ – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELO NÃO PROVIMENTO DESTA ESPÉCIE RECURSAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO “.
Em seu voto, o Ministro Celso de Mello destacou:
“Não se desconhece que o Conselho Nacional de Justiça, embora incluído na estrutura constitucional do Poder Judiciário, qualifica-se como órgão de índole eminentemente administrativa, não se achando investido de atribuições institucionais que lhe permitam proceder ao controle de constitucionalidade – concentrado ou difuso – referente a leis e a atos estatais em geral, ...”
A mesma ratio decidendi, que põe em destaque o perfil estritamente administrativo do Conselho Nacional de Justiça e que lhe nega competência para interferir na esfera orgânica de outros Poderes, foi repetida no julgamento do Ag. Reg. no Ag. Reg. na Medida Cautelar em Mandado de Segurança n. 32.582-DF, que também teve como relator o Ministro Celso de Mello[10].
Como se observa, a questão dos limites da atuação do CNJ em relação à não aplicação de leis visivelmente inconstitucionais ainda não ficou completamente assente no STF, em razão da complexidade da questão. A tendência parece ser no sentido de confirmar essa possibilidade, nos casos em que exista jurisprudência pacífica anterior da Corte Suprema sobre a matéria tradada na lei e sua inconstitucionalidade for gritante.