A Medida Provisória nº 1.068, de 6 de setembro de 2021, realizou diversas alterações no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). De forma genérica:
(a) revogou o § 2º do art. 11 (aplicação da lei brasileira a pessoas jurídicas sediadas no exterior que ofertem serviço ao público brasileiro – ressalta-se que a regra passou a constar do parágrafo único do art. 1º, e que o art. 3º, II, da LGPD, contém regra semelhante, incidente sobre os meios on-line e off-line) e o art. 12 (sanções específicas pelo descumprimento das normas legais, que passaram a constar do art. 28-A) do Marco Civil da Internet;
(b) alterou os incisos VII e VIII do art. 5º do Marco Civil da Internet (de modo formal, considerando que o conteúdo não foi modificado);
(c) acrescentou o parágrafo único ao art. 1º, os incisos IX e X e o parágrafo único ao art. 5º, os arts. 8º-A a 8º-D, e o art. 28-A, ao Marco Civil da Internet;
(d) acrescentou o art. 109-B à Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98), sobre direitos do titular de conteúdo protegido por direitos autorais tornado indisponível em redes sociais;
(e) e concedeu o prazo de 30 dias, a partir de 6 de setembro de 2021, para os provedores de redes sociais adequarem as suas políticas e aos seus termos de uso às novas normas do Marco Civil da Internet.
De modo mais específico, a MP 1.068/2021 promoveu as seguintes mudanças sobre o Marco Civil da Internet:
(f) inseriu no glossário do art. 5º os conceitos de rede social e de moderação em redes sociais: (f.1) a rede social é definida como a “aplicação de internet cuja principal finalidade seja o compartilhamento e a disseminação, pelos usuários, de opiniões e informações, veiculados por textos ou arquivos de imagens, sonoros ou audiovisuais, em uma única plataforma, (...)”, excluídas as aplicações de internet destinadas à troca de mensagens instantâneas e às chamadas de voz, e aquelas que tenham como principal finalidade a viabilização do comércio de bens ou serviços, enquanto (f.2) a moderação em redes sociais é conceituada como as “ações dos provedores de redes sociais de exclusão, suspensão ou bloqueio da divulgação de conteúdo gerado por usuário e ações de cancelamento ou suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades de conta ou perfil de usuário de redes sociais”;
(g) incluiu uma seção específica com os direitos e as garantias dos usuários de redes sociais (arts. 8º-A a 8º-D), que assegura os direitos de acesso a informações claras, públicas e objetivas (na eventual moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo), de contraditório, ampla defesa e recurso (aplicáveis obrigatoriamente nas hipóteses de moderação de conteúdo), de restituição do conteúdo disponibilizado pelo usuário (especialmente de seus dados pessoais), de restabelecimento da conta, do perfil ou do conteúdo no mesmo estado em que se encontrava (na hipótese de moderação indevida), de não exclusão, cancelamento ou suspensão, total ou parcial, de serviços e funcionalidades da conta ou do perfil (exceto quando ocorrer por justa causa), de não exclusão, suspensão ou bloqueio da divulgação de conteúdo gerado pelo usuário (exceto quando ocorrer por justa causa) e de acesso a resumo dos termos de uso da rede social, com destaque às regras de maior significância para o usuário (art. 8º-A do Marco Civil da Internet);
(h) definiu como regra que a exclusão, o cancelamento ou a suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil de usuário de redes sociais somente poderá ser realizado com justa causa e motivação, em respeito à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, e definiu as situações de caracterização da justa causa: (h.1) inadimplemento do usuário, (h.2) contas criadas com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público, ressalvados o direito ao uso de nome social e à pseudonímia e o explícito ânimo humorístico ou paródico, (h.3) contas preponderantemente geridas por qualquer programa de computador ou tecnologia para simular ou substituir atividades humanas na distribuição de conteúdo em provedores, (h.4) a prática reiterada das condutas previstas no art. 8º-C, (h.5) contas que ofertem produtos ou serviços que violem patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual, (h.6) e no cumprimento de determinação judicial (art. 8º-B, caput e § 1º, do Marco Civil da Internet);
(i) definiu como regra que a exclusão, a suspensão ou o bloqueio da divulgação de conteúdo gerado por usuário somente poderá ser realizado com justa causa e motivação, em respeito à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, e definiu as situações de caracterização da justa causa: (i.1) quando o conteúdo publicado pelo usuário estiver em desacordo com as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.69/90), (i.2) quando a divulgação ou a reprodução configurar nudez ou representações explícitas ou implícitas de atos sexuais, (i.3) ou prática, apoio, promoção ou incitação de crimes contra a vida, pedofilia, terrorismo, tráfico ou quaisquer outras infrações penais sujeitas à ação penal pública incondicionada, (i.4) ou apoio, recrutamento, promoção ou ajuda a organizações criminosas ou terroristas ou a seus atos, (i.5) ou prática, apoio, promoção ou incitação de atos de ameaça ou violência, inclusive por razões de discriminação ou preconceito de raça, cor, sexo, etnia, religião ou orientação sexual, (i.6) ou promoção, ensino, incentivo ou apologia à fabricação ou ao consumo, explícito ou implícito, de drogas ilícitas, (i.7) ou prática, apoio, promoção ou incitação de atos de violência contra animais, (i.8) ou utilização ou ensino do uso de computadores ou tecnologia da informação com o objetivo de roubar credenciais, invadir sistemas, comprometer dados pessoais ou causar danos a terceiros, (i.9) ou prática, apoio, promoção ou incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado, (i.10) ou utilização ou ensino do uso de aplicações de internet, sítios eletrônicos ou tecnologia da informação com o objetivo de violar patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual, (i.11) ou infração às normas editadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária referentes a conteúdo ou material publicitário ou propagandístico, (i.12) ou disseminação de vírus de software ou qualquer outro código de computador, arquivo ou programa projetado para interromper, destruir ou limitar a funcionalidade de qualquer recurso de computador, (i.13) ou comercialização de produtos impróprios ao consumo, nos termos do disposto no § 6º do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) , (i.14) ou mediante requerimento do ofendido, de seu representante legal ou de seus herdeiros, na hipótese de violação à intimidade, à privacidade, à imagem, à honra, à proteção de seus dados pessoais ou à propriedade intelectual, (i.15) ou em cumprimento de determinação judicial;
(j) definiu o procedimento para a aplicação da justa causa para a exclusão, o cancelamento ou a suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil de usuário de redes sociais, ou para a exclusão, a suspensão ou o bloqueio da divulgação de conteúdo gerado por usuário, com a notificação prévia do usuário (art. 8º-B, §§ 2º a 4º, e art. 8º-C, §§ 2º a 4º, do Marco Civil da Internet);
(k) definiu as regras de motivação da decisão que aplicar a justa causa, que deverá: (k.1) indicar a parte específica do contrato de prestação de serviços ou do termo de uso relativo aos serviços fornecidos pelo provedor de aplicações de internet que foi violada, (k.2) especificar a postagem ou a conduta considerada afrontosa ao contrato de prestação de serviços ou ao termo de uso, (k.3) e informar o fundamento jurídico da decisão (art. 8º-D do Marco Civil da Internet);
(l) e passou a listar as sanções específicas pelo descumprimento das normas legais (que estavam no art. 12) no art. 28-A.
Portanto, de forma específica para as redes sociais, houve o esclarecimento e a especificação das regras gerais previstas no art. 21 do Marco Civil da Internet, que já impede o provedor de aplicações de internet de excluir conteúdo sem ordem judicial, a menos que se trate de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado (após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal).
Contudo, na prática os provedores de aplicações de internet realizam a denominada “moderação de conteúdo”, para realizar o bloqueio, suspensão e exclusão de conteúdo ou da própria conta do usuário, sem determinação judicial e sem o enquadramento em uma das hipóteses do referido art. 21, mas com base apenas em normas genéricas (e nem sempre compreensíveis) de seus termos e condições de uso.
Ao mesmo tempo em que não são responsáveis pelo conteúdo produzido pelos usuários, os provedores de aplicações de internet eliminam contas e conteúdos com base em “probabilidade de causar danos aos outros usuários ou terceiros”, “gerar responsabilidades legais”, “prejudicar a plataforma, os usuários ou terceiros”, “criar risco ou exposição legal para a rede social”, entre outras situações genéricas.
Além disso, é comum o uso de automação e de inteligência artificial para a tomada de decisões sobre o bloqueio, suspensão e exclusão de conteúdo ou da conta do usuário, sem que este sequer seja esclarecido sobre as razões específicas adotadas, e sem assegurar o direito à revisão (assegurado no Brasil desde 18 de setembro de 2020 pelo art. 20 da LGPD).
Assim, apesar de ainda depender de conversão em lei (o que pode levar inclusive a novas alterações no Marco Civil da Internet), a MP 1.068/2021 impulsionou o debate legislativo necessário para que o Poder Público – e não um pequeno número de empresas privadas – atualize e delimite as regras de uso da internet no Brasil.