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Relativização do poder jurisdicional do Estado.

A arbitragem na tutela de direitos individuais e transindividuais e a sua aplicabilidade intrínseca no meio ambiental

Agenda 22/10/2021 às 17:56

1 INTRODUÇÃO

Ante a necessidade de rumarmos por uma celeridade processual sólida e amplamente embasada em lei, no que concerne à tutela de direitos transindividuais, vislumbra-se, com a presente pesquisa, a possibilidade de relativização da jurisdição do Estado e de seus princípios existentes, albergados pela lei, como forma de consecução da garantia constitucional rezada no art. 5.º, LXXVIII, da nossa Lei Magna a razoável duração do processo , pugnando pelo reavivamento do instituto da arbitragem como forma de desafogamento do Judiciário, de modo que consigamos que este se torne abrangível àqueles direitos; e o árbitro, por sua vez, possa galgar poder coercitivo nas suas decisões, pois sabe-se que a jurisdição transindividual, exarada pela ação civil pública, possui medida cautelar, forma inexistente na arbitragem.

A pesquisa em espeque se mostra, a priori, relevante no meio social, sobretudo quando vislumbramos que as partes, em determinado conflito horizontal ou vertical emergente, de origem transindividual, buscam do Judiciário, de antemão, por intermédio dos legitimados extraordinários, sendo que poderiam preteri-lo, buscando por formas alternativas de pacificação, muito mais céleres, não recursosas e satisfativas.

Espera-se, com esse temário, que possam, num tempo próximo, sobressair alterações na seara jurisdicional e arbitral, com intuito de se garantir uma maior flexibilização; não de forma a abolir toda a instrumentalidade processual, mas sim, que tornem as causas transindividuais satisfativas, céleres e com expectativas social e política plausíveis. Isso porque princípios voltados ao processo, como a ampla defesa, o contraditório e o duplo grau de jurisdição se voltam contra o próprio sistema, quando usados com abuso e desrespeito à boa-fé.

E note-se, com toda vênia, a adequação do tema à linha de pesquisa por nós difundida quando usamos de um paralelo traçado sobre as ideias de Giuseppe Chiovenda, que nos mostra que o processo civil também possui conciliação, o que torna o arbitramento regulado, também, pelo direito processual civil.[1] Isso, certamente, deixa margem para que infiltremos a arbitragem na tutela de direitos transindividuais, como bem demonstramos ao longo de nossa fundamentação, dada a manifesta necessidade de tutela aos litígios, de forma célere e satisfativa.

1 APLICAÇÃO DOS MEIOS EXTRAJUDICIAIS EM SEARA AMBIENTAL

Em nosso temário, ao darmos gênese ao embate entre formas já sedimentadas de heterocomposição arbitragem e jurisdição , no que se refere ao acesso pleno à justiça e à sua amplitude a direitos individuais e transindividuais, inicialmente devemos tratar o processo civil como braço direito do Estado e mecanismo jurisdicional satisfativo de direito material, cuja função máxima funde-se numa forma lhana e passiva de solvência de crises jurídicas em face de um bem da vida; e a arbitragem, vista numa segunda óptica de nosso estudo, conquanto não menos vigorosa, volta-se aos fatos também conspurcados, embora tão-somente enxergados legalmente como de origem patrimonial disponível.

Somente com este traçado inicial poderemos estruturar e condensar nossos esforços, com vistas à solução de crises jurídicas em face de direitos individuais e transindividuais, quer seja pelo Estado, por intermédio de um rol de legitimados em ação civil pública , quer seja por vias alternativas, por intermédio da arbitragem, cujo propósito, ainda incipiente, se pretende buscar com todas essas premissas, de forma que a jurisdição reste por ela relativizada.

De antemão, é imprescindível que, ao abordarmos o processo como primeiro meio resolutivo e pacificador na atualidade, situemos sua estrutura funcional no tempo e no espaço, bem como exponhamos a gênese dos conflitos erigidos em sociedade.

E neste ínterim, aproveitando da valiosa rubrica de Cândido Rangel Dinamarco, inferimos que [...] os direitos são exercidos e as pretensões incidem [...],[2] o que nos remete pensar que a guarda e a conservação da coisa de quem detém sua posse ou propriedade podem dar azo a diversos conflitos, dada a crescente escassez de bens em sociedade.[3] Para tanto, buscam os particulares uma tutela específica para o problema posto, que, sem a intervenção de um terceiro, equidistante desses e com cognoscibilidade plausível para dar-lhes solução, a autodefesa e a autoexecução do direito fazem emergir o mecanismo da autotutela, atualmente vedada em nosso ordenamento jurídico.[4]

Neste entoar, importante focarmos nossos olhares às primeiras vertentes jurídicas formais, pois o instituto processual que hoje vemos erigido teve berço em feições bárbaras, cujas pretensões eram resolvidas com emprego de força, deturpando o próprio direito posto, ainda que inescrito fosse. E por mais que se buscasse, mais tarde, pela transigência (autocomposição) sumária, uma forma imperativa de decisão era ainda o meio necessário ao deslinde das crises emergentes, já que tampouco eram respeitadas as decisões proferidas no campo pacífico.[5]

Consequentemente, é lúcido vislumbrarmos, vez outra, que o processo passou a ser monopólio estrito do Estado, abolindo formas cruendas e vetustas até então existentes, ganhando, logo após o seu emplacamento, codificações diversas, cuja maior incidência se deu no século XIX, denominadas oitocentistas rígidas, fechadas e ostensivas.[6]

Importante, então, neste ponto, nos pautarmos pela disseminação das ideias absolutistas dos pensadores da época, bem como dos ideais filosóficos acerca da gênese do Estado e das primeiras vertentes de direito material e processual na História.

E neste rumar, poderemos observar a formalidade com que nascera o instituto processual, sendo, mais tarde, amenizado pelos próprios princípios nele insertos, presentes, de igual modo, nas constituições positivadas pelo Estado, arrimados pelas correntes humanistas e jusnaturalistas,[7] bem como por movimentos sociais, com marcha concertada pelos ideais exarados da Revolução Francesa, de 1789,[8] de onde emerge uma total desteologização do Estado, cuja força fora atenuada.

Nesta episteme, segundo entendimento de Miguel Reale, de forma assertiva, vemos que [...] os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento [...],[9] o que nos remete inferir que têm lugar reservado e respeitabilidade garantida em todo texto de lei. Protegem, na maioria dos casos, abusos do próprio Estado em face da sociedade que o circunda; e seu ajoujamento ao processo é imprescindível.

Hoje, o processo é visto como meio sumário de jurisdição do Estado, estabelecendo parâmetros de como o juiz deve exercê-lo, ostentado por normas legais, com efetividade garantida pelo princípio constitucional do due process of law.[10]

Porém, problematiza-se que o processo, para que possa tutelar os problemas levados ao Estado e efetivar o direito de ação por ele garantido a todo cidadão seja esse de origem individual ou transindividual , ganhou mecanismos muito amplos, embora menos rígidos que as primeiras codificações, tornando-o moroso e, na maioria das vezes, insatisfatório, dada a gama de peças exordiais ou recursais que se pode impetrar em face de determinado fato ou decisão.[11] Desta feita, ergue-se um paradoxo desconcertado, como se existisse um vício formal congênito. Isso porque nas primeiras vertentes processuais pouco se adimplia das sentenças proferidas; e hoje, com todo esse espeque jurídico, de igual forma, busca-se das vias originária e recursal de forma desregrada, para safar-se de seu cumprimento; e o seu acesso, por mais que favorecido seja por lei,[12] mostra-se conspurcado pelo próprio mecanismo difundido.

E o quesito tempo, por nós enfocado, segundo nos aclara Marinoni, traduz-se pela efetiva tutela, quando executada no prazo.[13] Trata-se do cordão umbilical de todo processo, o seu apojo indispensável, pois quem desse busca para a satisfação de um direito preterido espera que o faça num interstício ponderado e determinável. Não basta, tampouco, difundirmos a garantia de acesso à justiça; é preciso que esta seja, depois de alçada, mantida numa linha cronológica favorável às partes litigantes, culminando num findar palpável humanamente.

Depreende-se, deste ponto, que a tutela do Estado, por mais que bem quista, deve ser realizada num interstício plausível, sob pena de irromper o mais alto princípio do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana ,[14] que, para Barroso, [...] expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade.[15]

Neste dizer, merece destaque dispormos sobre a mais amplificada reforma do Judiciário, proposta pela EC n. 45/2004, que trouxe, dentre várias alterações, uma garantia precípua, aquilatada no art. 5.º, LXXVIII, da Constituição Federal, tida como direito fundamental e consectária do princípio da dignidade da pessoa humana, com traços impostos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992.[16]

Referida cláusula inovadora é tida como norma de aplicabilidade imediata, como bem nos mostra Sérgio Bermudes, que, ao alegar tal roupagem, não se nega em tratá-la como norma programática, em reafirmação às palavras de Pontes de Miranda; ou, na sua perspectiva mais atual, numa norma de cunho idealista,[17] pois traduz a aspiração da própria sociedade no que tange aos quesitos satisfação e celeridade processual.

E como referida reforma se mantém silente a quem ou a que abarca, temos como óbvio que abrangerá, deste modo, as causas envolvendo direitos transindividuais, pois sua proteção e condução se dão mediante a jurisdição estatal.

Contudo, em nova celeuma a ser erigida, ainda nos parece um óbice à agilidade e à acessibilidade já consagradas os princípios da ampla defesa, do contraditório e, como corolário, o duplo grau de jurisdição, que se chocam à razoável duração do processo e à inafastabilidade do controle jurisdicional, de forma que restem mitigados pela vasta gama de feitos e peças recursais morosas existentes em âmbito judiciário, o que faz de alguns buscarem da arbitragem como meio menos desfavorável consequência gerada pelo próprio Estado moderno, quando da insuficiência da summa divisio.[18]

Porém, existem no cenário jurídico brasileiro poucas correntes que difundem o abraçar da tutela arbitral a direitos de natureza transindividual.

Isso porque, quando tratamos de uma tutela desta ordem jurídica, abordamos direitos indisponíveis em sua essência, e, por óbvio, vemos um processo coletivo, ao qual se dependuram inúmeros litigantes, com vistas a aclarar um conflito dessa mesma natureza, em regra representados, extraordinariamente em sua legitimidade, pelo membro do Parquet ou pelos demais legitimados que a Lei n. 7.347/85, em seu art. 5.º, reza.

Vislumbramos tais direitos insertos na conclamada terceira dimensão, conquanto não menos desligada das suas duas precedentes direitos de liberdade e direitos sociais , bem como da sua ulterior direitos de quarta geração , assim difundidos, por Pedro Lenza, como tutelantes do patrimônio genético.[19]

Em regra, para que possamos prover de melhor conceituação nosso temário, pautamo-nos no entendimento às palavras de Hugo Nigro Mazzilli, quando expressa que os direitos transindividuais compreendem uma forma ampla de tutela. Porém, embora excedam o aspecto singular, não alcançam tonalidade de direito público propriamente dito, além do que a tutela de direitos dessa natureza pode ou não decorrer de um liame favorecido por determinada relação jurídica,[20] na qual impera a necessidade de soluções macroscópicas.

Em melhor assunta, em tempos remotos todo desacordo incidia tão-somente em duas únicas vertentes: direito público ou direito privado. Porém, certos conflitos não podiam ser por estes abrangidos; eram verdadeiros focos obscurecidos, além do que, como já expressamos, não eram vistos como direito puramente público (como, p. ex., o direito à saúde), já não era qualquer indivíduo que podia implorar por sua reparação, e nem como direito privado (como, p. ex., o direito ao adimplemento de dívida em contrato de compra e venda); eram, na verdade, essencialmente direito coletivo; um direito individual que perpassava os caracteres privado e público.

Por isso, para que se evitassem decisões divergentes sobre a mesma matéria, haveria de existir, para o caso, um processo essencialmente coletivo.[21] E sob este prisma, devemos ponderar, em foco do nosso temário, a existência das seguintes subdivisões: a) direitos individuais homogêneos; b) direitos coletivos stricto sensu; c) direitos difusos. Essas dimensões, por sua vez, encontram-se sedimentadas no art. 81, parágrafo único, I a III, do Código de Defesa do Consumidor.[22]

Segundo melhor explicação do exposto, é difuso o direito cuja decisão se aproveita a todos, indistintamente (p. ex., uma chaminé poluidora, uma propaganda enganosa etc.). Abrange a todos os entes insertos em tal condição, com base num simples fato; e não numa mera relação jurídica. Seus titulares são indetermináveis, com mesmo pedido e sentença única a todos, ou seja, indivisível. No que tange aos direitos coletivos stricto sensu há uma relação jurídica definida entre as partes (p. ex., um sindicato, os alunos de uma universidade etc.). Além disso, por ser a causa de pedir única a todos, da mesma forma lhes será a sentença, isto é, de caráter indivisível. Por fim, são individuais homogêneos aqueles direitos que possuem abrangência a uma determinada classe de pessoas, sem a existência de uma relação jurídica anterior, mas tão-somente a presença de um fato (p. ex., os acidentados de um avião de determinada companhia aérea). Note, segundo nosso exemplo, que inexiste relação jurídica anterior, o que nos infere expor que os efeitos da sentença abarcarão somente aos litisconsortes ativos da ação, isto é, a sentença será divisível em sua essência, cada qual com sua parte indenizável cabível.

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Assim, muito diferente das demandas puramente individuais, em que reinam face a face autor e réu,[23] a tutela de direitos transindividuais se mostra inversamente proporcional à regra, já que sua defesa percorre vias extraordinárias de legitimidade.

E como mecanismo formal e jurisdicional do Estado para a defesa dos direitos dessa natureza, temos de demonstrar, com enfoque máximo neste trabalho, a ação civil pública, situando-a no tempo e no espaço. E seu nome assim o é, pois a mesma é perpetrada, em regra, por um dos membros efetivos do Estado o Ministério Público , conquanto haja outros legitimados legalmente postos.[24]

Referida ação nada mais é do que um mecanismo puramente coletivo, com formas idênticas aos remédios constitucionais coletivos existentes: mandado de segurança coletivo e ação popular.[25]

Contudo, ao tratarmos da defesa de direitos transindividuais, ainda que enfoquemos, num aspecto dissertado, a ação civil pública, demonstraremos o embate desta ao instituto da arbitragem, que, até a atualidade, não tutela direitos dessa natureza propósito que se pretende demonstrar mediante a relativização daquela.

E referido choque em nosso temário foca-se na insuficiência que a jurisdição estatal carrega, pecando pela morosidade. Daí o porquê de vermos como solução plausível a infiltração de meios alternativos de resolução, ainda que a Doutrina majoritária, neste caminhar, exponha a possibilidade de se buscar pelo princípio da proporcionalidade jurisdicional,[26] de forma seja possível peneirar os nortes resolutivos em conflito, e que daí possa advir uma solução única, satisfativa e justa,[27] seja por adequação, necessidade ou pela própria medida de proporção de ideias.

De forma contrária ao norte principiológico exposto, tampouco há que se falar em dignidade se não nos for acessível a justiça. E sabe-se que esta o é,[28] conquanto sua concessão tardia ataque insidiosamente o respeito de todo ente ou bem coberto pelo manto estatal, que passa a preteri-lo em face de outros meios cabíveis e desburocratizados, como a arbitragem segundo braço resolutivo às crises jurídicas havidas.

O instituto arbitral, desde que fora agraciado no Brasil, sob a Lei n. 9.307/96, ainda que seja um mecanismo muito mais vetusto que a própria jurisdição, é bem quisto apenas pelas grandes entidades empresariais e sociais, já que sua difusão a classes minoritárias se faz de forma pachorrenta, pois estas insistem em perscrutar pelo Estado-juiz na resolução de suas crises jurídicas, com certeza pela aparência de senso de justiça que traz o Judiciário na solvência dos litígios, até os dias atuais, o que certamente causa desprestígio, mitigação e descaso pelas formas particulares legais, ainda que céleres, econômicas e, na maioria dos casos, mais eficientes.[29]

Ademais, em complementação ao comento supraexposto, o instituto arbitral tendeu à expansão apenas na sua forma centrífuga do Brasil aos Estados Internacionais , e que, segundo Ricardo Carvalho Almeida, é tida como jurisdição privada.[30]

Depreende-se de nosso entendimento que a própria reforma do Judiciário, trazida pela EC n. 45/2004, não se mostra tão eficaz na tutela dos direitos transindividuais quanto o instituto arbitral vigente, no que se refere à celeridade e satisfação. E mesmo que tais direitos não sejam por ela abraçados, inexiste nesta seara extrajudicial o quesito mora, dado o próprio conjunto de atos de que se reveste, como bem nos mostra o próprio art. 23 da Lei de Arbitragem, in verbis: a sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses [...].[31]

Deste modo, pretende-se demonstrar que as formas de resolução de litígios hoje existentes, sejam elas voltadas a direitos puramente individuais ou transindividuais, chocam-se entre si pelo critério tempo e pelo excesso de pormenores e princípios não garantidores de uma tutela satisfativa, vistos incisivamente na jurisdição, que podem culminar na própria responsabilização objetiva ou subjetiva do Estado à parte lesada, pelo desrespeito à dignidade da pessoa humana, no que concerne à razoável duração do processo, que, vez outra, faz com que o ente preterido queira meios alternativos para galgar o escopo máximo instituído materialmente e vedante da autotutela: a paz social.[32]

Desta feita, a ampliação das causas abarcadas pela arbitragem, sua possível obrigatoriedade como forma de resolução litigiosa a direitos transindividuais, amplificando os poderes do árbitro, aliada à relativização da esfera jurisdicional processual e seus princípios constitucionais e infraconstitucionais é proposta de efetividade para a tutela de direitos dessa dimensão, no que concerne à celeridade imposta pela própria Constituição Federal, bem como ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, junto à efetivação absoluta da própria dignidade da pessoa humana, quando se pende pela razoável duração do processo.

Entretanto, um óbice que iremos enfrentar ao longo de nossa proposta, num primeiro momento, é quanto ao desconsentimento trazido pelo art. 1.º da Lei de Arbitragem, quando remete o instituto apenas a litígios envolvendo direitos patrimoniais disponíveis.[33] Consequentemente, as causas ambientais ou relativas a direito das relações de consumo, p. ex., que são tidas como de direitos transindividuais, não seriam por esta forma alternativa abarcada.

Outro embate refere-se ao art. 25 da mesma Lei, que versa sobre a remessa obrigatória do feito arbitral ao Judiciário quando nele se encontrarem causas de direitos indisponíveis, para que, somente depois de resolvida tal celeuma, possa o processo retornar ao árbitro.

Contudo, relativizar toda a base jurisdicional e principiológica processual existente no Estado, nesta visão tampouco absolutista e reacionária, não implica, pois, o rompimento com todo o formalismo processual e sua instrumentalidade, mas sim, regrar as condutas das partes no que tange à perpetração de causas transindividuais por vias mais céleres, alternativas e desburocratizadas, desafogando as instâncias a quo e ad quem, e, consequentemente, proporcionando aos próprios litigantes a razoabilidade temporal esperada, o acesso satisfatório e com um fim determinável pelo homem médio.

2 FORMAS DIVERSAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Inicialmente, a problemática instaurada com referida pesquisa volta-se às vetustas formas de resolução de crises jurídicas existentes atualmente em sociedade: uma estatal a jurisdição , e a outra, também garantida por lei, conquanto tida como método alternativo a arbitragem , de forma que possamos tender à tutela de interesses transindividuais, bem como da efetivação do princípio da razoável duração do processo (CF, art. 5.º, LXXVIII), em relativização dos espeques máximos da jurisdição estatal, que favorecem o desprestígio decisório, desde quando o Estado se viu em meio à insuficiência da summa divisio.

O foco clímax de nosso propósito reside no aspecto temporal de ambos os institutos e no ataque ao princípio da dignidade da pessoa humana,[34] perpetrado unicamente pela jurisdição, quando se cogita a razoável duração e a tramitação processual do Estado, que, nesta esfera, remonta um interstício suficientemente possível de corromper toda a sua eficácia estrutural e de causar insatisfação ou senso de não-tutela, dada a emergência que exaram as causas transindividuais, a exemplo da poluição ou uma relação de consumo, que, quanto mais morosa for sua decisão, menos amplo e benéfico será sua tutela, já que, em que pese toda problemática transindividual e as questões que abarca, bem como a incapacidade de total recuperação, conforme o caso, tempo é quesito imprescindível para que se obtenha um fim lídimo e palpável humanamente.

Em contrapartida, vê-se como forma ascendente de solvência litigiosa a arbitragem, com forças legais abrangentes,[35] célere e desburocratizada, embora sem muita procura pelas classes minoritárias, que abarrotam de feitos o Judiciário, esperando dele um provimento. Além disso, pautamos pela previsibilidade de amplificação dos seus dispositivos legais no que concerne à tutela transindividual, já que sua abrangência, segundo o art. 1.º da Lei que a regula, abraça apenas causas patrimoniais disponíveis.

Ademais, o norte de toda essa assuada tem gênese quando do início das primeiras codificações processuais, em meados do século XIX,[36] rígidas e com excesso de formalismo extremo, atualmente carregadas de princípios e regras tendentes a chocarem entre si, e que, por mais que se criem mecanismos voltados à celeridade, seja em textos constitucionais ou não, o excesso de defesa processual ainda nos parece desproporcional à realidade atual.

Neste entoar, ainda que, pelo entendimento de Hans Kelsen, que nos mostra que o senso de justiça está preso à felicidade do ser,[37] desprendido do direito legalmente posto, sua consecução, por meio deste, ao qual deveria estar atrelada, se mostra inalcançável, o que gera tamanho desprestígio em face do Estado e, consequentemente, sua responsabilização, seja de ordem objetiva ou subjetiva.

Além disso, essa descrença se mostra idêntica ao vetusto período processual em que imperava a autocomposição, e que, por ausência de força sentencial, na maioria dos casos, buscava-se, vez outra, pela autossatisfação e autodefesa dos próprios direitos a autotutela.

Não bastam, para tanto, reformas, mas sim, a quebra de principiologia imoderada, que requer, atualmente, uso de proporcionalidade no seu aclarar.

Há de se pautar, vez outra, pela mitigação de alguns dos espeques principiológicos existentes em nosso ordenamento jurídico, propondo forças à arbitragem, por ser forma célere e desburocratizada, cuja sentença se propala em tempo indiscutivelmente ínfimo e com exequibilidade garantida.

Já conseguimos dirimir o duplo grau de jurisdição à Corte Suprema, com o instituto da repercussão geral,[38] súmulas vinculantes, bem como com o acréscimo do art. 543-C ao Diploma Processual Civil.[39] Contudo, ainda não fomos capazes de retirar do Judiciário a gama maior de processos,[40] com caminhar moroso e insatisfatório.

A relativização da forma jurisdicional no que concerne aos direitos transindividuais, com a consequente abertura à sua tutela por meio do instituto da arbitragem, ainda que pereça de força social e amplitude, desafoga o Judiciário.

Além disso, por óbvio, sabemos que o árbitro, até o momento, padece de poder coercitivo, o qual deverá, de igual forma, ser revisto, para que direitos de terceira geração sejam tutelados.

Com a efetivação dessa medida ampliativa, ver-se-á brotar, de forma centrífuga, a redução de causas com solução improvável ou mesmo recursos protelatórios indetermináveis, já que neste meio alternativo não há que se falar em duplo grau de jurisdição, corolário da ampla defesa, pois há debate suficientemente possível para que se possa aclarar a lide por completo.

Enquanto a arbitragem for tida legalmente como simples acesso alternativo e sem propalação às formas de direitos de terceira dimensão, e o Judiciário mantiver toda a base principiológica paternalista, absolutista e recursista, a celeridade processual, garantida expressamente em texto constitucional, pelo art. 5.º, LXXVIII, jamais galgará plena eficácia; e o processo, no que concerne aos aspectos temporal e conclusivo, tampouco eclodirá como meio certo, justo e satisfativo de direito material transindividual.

3 A TUTELA TRANSINDIVIDUAL e a arbitragem

Inicialmente, sempre tivemos o processo como um instrumento para a realização do direito material legalmente posto, fosse aquele satisfativo, célere e não-recursoso, ou mesmo tardio e complexo, certamente pelo abundante conjunto de atos de que se reveste. Contudo, para traçarmos um caminho sobre toda a óptica do direito processual, devemos nos ater, primeiramente, ao que sabiamente expõe Norberto Bobbio, in litteris: [...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos [...],[41] isto é, necessitam ser vistos num campo muito maior e abrangente do que o atual.

Por isso, é lúcido observarmos que o direito material, desde a sua gênese, não se perfaz de per si; necessita piamente de algo para tocá-lo, movimentá-lo como um instrumento, um meio, cujo nome viu-se sabiamente denominar processo , que, segundo sua vertente denotativa no dicionário corrente, consiste numa [...] série ordenada de atos praticados pelo órgão judicial, pelas partes e eventualmente por outras pessoas, toda vez que se provoca o exercício da função jurisdicional em determinado caso.[42]

Entretanto, não somente nos basta a conceituação de processo como um simples instrumento, que, na ideia de Cândido Rangel Dinamarco, deve esse conter objetivos precípuos, isto é, os fins a que se destina, fulcrados por escopos, os quais determinar-lhe-ão a sua utilidade nos meios social, político e jurídico.[43] Disto exposto, em insigne complementação, o autor expõe, ainda, que [...] a perspectiva instrumentalista do processo é teleológica [...], que, em nosso primado consenso, está intimamente acostada aos objetivos que devem ser por ele satisfeitos.

Deste modo, tampouco é ousado aquilatarmos que inexiste satisfação de direito material sem processo. E nesta angusta afirmação, podemos extrair, dentre os escopos informadores do mesmo,[44] o seu caráter político, que, segundo nos conta Arruda Alvim, compreende premissas [...] que informam o sistema e que têm de ser conhecidas para a feitura correta da lei e para a sua aplicação,[45] que, como regra, sobrepõem-se aos demais fins, já que a norma é consistente num ato político.

Infere-se, portanto, que a forma e o procedimento de aplicação das leis civis encontram berço noutra lei, que se serve dos princípios legais para fazer nascer a forma exteriorizada de satisfação daquelas: o direito processual civil,[46] atualmente vigente sob a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Assim, seja uma simples demanda individual ou uma ação civil pública em face de direitos transindividuais, sua satisfação somente se dará por intermédio de um conjunto de atos denominado processo.

Todavia, nem sempre a atualidade reflete o que antes existia como processo em si.

Na sua gênese, a priori, os atos precedentes, pautados pela autotutela, hoje amplamente vedada pela legislação corrente,[47] certamente em nada garantiam para que se obtivesse uma decisão justa e bem solidificada em face das crises jurídicas havidas entre as partes, uma vez que a detrição de um em favor de outrem visava tão-somente à satisfação do objeto em litígio e jamais do que se via, com bons olhos, como senso de justiça comum, como uma tutela que satisfizesse na totalidade as partes, ainda que uma delas houvesse sucumbido.

Assim, ao contrário do que se pretendia buscar, mirava-se por retirar das mãos de um a coisa obtida de forma não leal, usando, para tanto, da própria força. Desta forma, cortar-lhe-iam os braços, se preferível fosse à punição; retirar-lhe-iam a propriedade, se benéfico fosse ao ente preterido. Não havia, no caso, a satisfação plena e justa de um direito, mas sim, a simples consecução ou o reaver de um bem perdido, que, diga-se de passagem, também pelo uso da força.

Isso se via claramente no Direito Romano, precisamente na Lei das XII Tábuas (450 a.C.), da qual enfocamos a Tábua Sétima Dos Delitos , n. 17, que assim reza: se alguém matar um homem livre e empregar feitiçaria e veneno, que seja sacrificado com o último suplício.[48]

Consequentemente, ainda que mais tarde passasse a existir traços límpidos de transigência, numa fase processual denominada autocomposição,[49] a presença de um ente despersonalizado o Estado sempre foi um ponto discutido contundentemente à época, fosse pela aparente força arbitrária ou mesmo pela consecução de porções de bilateralidade e equidade, incapazes de serem obtidas intrapartes. Isso porque a autodefesa dos próprios direitos preteridos era cada vez mais imprensada, posta de lado, tida como forma desumana de aclarar conflitos.

Ocorre que nem mesmo o Estado, ainda que arbitrário seja, sobrevive sem uma ordem imposta à conduta humana, pois requer, para tanto, a presença de normas sólidas, bem organizadas, ainda que insurgente a sociedade majoritária. E estas normas, como ápice de toda a manifestação política do ente maior, caminharam por receber da própria sociedade a sua máxima eficáciaervir de subslabor dispensado e,desta forma, s e bibliografias.de campo, aliada ja delimitaçde forma que possamos traçar um com, ainda que não partisse dela, diretamente, a vontade política da sua confecção.

As leis foram, assim, sendo erigidas por escritos lhanos, que, embora sem muita amplitude, rumaram pelo exaurimento das barbáries até então presentes, já que toda conduta humana deveria sim ser regrada por atos normativos, pois a busca incessante de bens era cada vez maior, e esses, cada vez mais escassos.[50]

E neste contexto histórico, embora a passos lentos, algumas dimensões de direitos codificados já começavam a dar as caras no cenário social.

Primeiramente, em fins do século XVIII e início do XIX, em meio à opressão imposta pelo próprio Estado absolutista e arbitrário , com impulso dos ideais liberalistas da Revolução Francesa, nascia a primeira dimensão de direitos legalmente postos: os direitos relativos à liberdade,[51] que versavam, de forma soberana, sobre garantias fundamentais de todo indivíduo.[52]

Consequentemente, já no século XX, frente à Revolução Industrial emergente, erigia forte a segunda dimensão de direitos positivados: os direitos sociais, numa perspectiva garantista, pautada pelo labor humano versus máquina.[53] Esta propalava amplas benesses, tanto em campo individual quanto em vieses coletivos, num entoar vivenciado pelos ideais Marxistas, quando da formação das primeiras organizações sindicais e de inúmeros movimentos socioliberalistas.

Outrossim, num caminhar muito mais contemporâneo, em meio a todas as mudanças emanadas nos planos social, político e jurídico, com a tecnologia em plena ascensão, o vivenciar de economia de massas e a necessidade de soluções macroscópicas às crises emergentes, vem à tona, ainda no século XX, a terceira dimensão de direitos: os direitos transindividuais,[54] que, num primeiro momento, exararam estranhezas a uma vasta classe de pessoas.

Entretanto, tutelar direitos até então pouco difundidos e explanados e garantir aos seus detentores o acesso à resolução de crises em face destes era medida ainda mais rugosa ao Estado, fosse na seara jurídica ou mesmo política.

Isso porque, segundo sábias palavras de Cândido Rangel Dinamarco, indivíduos e grupos de indivíduos envolvem-se [constantemente] em conflitos com outros, relativamente a bens materiais ou situações desejadas ou indesejadas, nem sempre chegando a uma solução negociada.[55]

Assim, depreende-se desta premissa a necessidade com que o ente supremo tinha no que concernia à busca de soluções pautadas por pura imposição normativa, de forma a conter abusos claros de direito. Isso porque o Estado, quando avocou para si toda força de resolutividade, o fez por meio do instituto chamado jurisdição, uma forma verticalizada, exarada da máxima processual na resolução de conflitos e substituta das precedentes (autotutela e autocomposição): a heterocomposição, da qual, segundo nos conta Guilherme, funde-se naquela e noutra, muito mais antiga, havida como arbitragem, que será mais adiante versada, pois resume celeridade e desburocratização num único concertar.[56]

Neste entoar, ao tratarmos do processo como mecanismo atrelado à jurisdição, (forma máxima de heterocomposição), vemos que as próprias Constituições, nascidas ao longo de todo o iter jurídico-processual, tidas como normas soberanas e constituídas como fortes espeques para todo um ordenamento, tratadas, de forma majestosa, por José Afonso da Silva, como [...] organização e funcionamento do Estado [...] [e o] estabelecimento das bases da estrutura política,[57] já enxergavam o processo como premissa fundamental na consecução da paz social e da justiça, que, na ideia de Hans Kelsen, ainda reside na [...] felicidade social.[58]

Por consequência, novamente o avolumar de formas litigiosas horizontais era emergente crises jurídicas entre particulares , ora insolúveis pela matéria versada, pois não obtinham sequer o manto estatal, pois pouco se havia decodificado da terceira dimensão; e, se o obtivessem, não eram, na sua amplitude, tuteladas, fosse pela morosidade com que percorriam os feitos ou mesmo pelo difícil acesso ao Judiciário a causas versadas sobre direitos pouco difundidos: os direitos transindividuais. Enxergava-se, neste ponto, o que se conclamava insuficiência da summa divisio,[59] pois a imprecisão na tutela de tais direitos, não insertos nem como privados nem como públicos, era gritante.

E não raras vezes, a decisão proferida não era tampouco adimplida, fosse pela indeterminalidade de sujeitos-partes ou pelo próprio bem em comento.

E note-se que a paz social, como bem nos mostra Wambier, sempre foi tida como escopo máximo da jurisdição,[60] tratada de modo uniforme em face de qualquer crise ou bem jurídico intransigente. Entretanto, como propalarmos paz a um direito pertencente a muitos, ora indetermináveis, por meio de uma jurisdição esfacelada pela morosidade?!

Muito diferente do que se tem hoje, sabe-se que é direito fundamental do homem médio o acesso à justiça quando vir preterido ou ameaçado um direito seu, com redação expressa no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal de 1988.[61]

Além disso, segundo nos conta Marmelstein, como os juízes atuam com amplitude, em virtude de se prevenir o uso abusivo ou a descrença em face dos direitos fundamentais, institutos como o devido processo legal também foram sendo enxertados nos textos legais, dele sobressaindo a ampla defesa, o contraditório, a vedação de provas ilícitas, o duplo grau de jurisdição[62] etc.[63]

Entretanto, vez outra não se via no Direito um único e angusto caminho de satisfação, mas sim, uma tutela ampla, difusa, muito diferente da anterior, que não se mirava somente em um único objeto.

E vale dizer, ainda, que a legislação, desde as suas raízes, caminhava por ver enfatizado o acesso à justiça num espeque máximo, como ápice de consecução dos direitos fundamentais, de forma que fossem oportunizadas às partes num processo as maiores garantias, apoiadas pelos movimentos de direitos humanos e correntes jusnaturalistas, sem desprezarmos os ideais exarados na Revolução Francesa, de 1789, hoje sedimentados nas constituições por intermédio dos aconselhamentos impostos pelos Tratados e Convenções Internacionais ratificados.

Contudo, a satisfação de causas individuais não propunha celeridade, forçando as partes a buscarem de institutos cada vez mais alheios ao cenário jurídico, a exemplo da arbitragem, que ergue-se, na atualidade, como segundo braço da heterocomposição, paradoxalmente à jurisdição.

E neste ponto, porém, não somente causas individuais emergiam no cenário jurídico brasileiro, mas também aquelas de cunho transindividual, como já enfocamos.

Assim, não era incomum que se propalassem, à época, as seguintes indagações: quando se lesionava o meio ambiente, v. g., quem seria o titular ordinário para perpetrar a ação? E numa relação de consumo, quem seriam os verdadeiros titulares do direito? E note-se que as mesmas indagações ocorriam, v. g., em casos de propaganda enganosa etc. Via-se, neste ponto, a possibilidade de se fazer nascer uma legitimidade extraordinária, de modo que o titular da ação não seria o titular real do direito lesado um contrassenso ao formalismo processual até então vigente.

Ocorre que, em 1988, com a entrada em vigor da nossa Constituição cidadã, esta tratou logo de inserir, dentre as suas garantias fundamentais, a garantia de defesa aos direitos até então intuteláveis: os direitos de terceira geração ou terceira dimensão.[64]

E já era vigente no cenário brasileiro a Lei n. 7.347/85,[65] que garantia, por meio de uma ação civil, a proteção a direitos como: meio ambiente, consumidor etc. Esta, porém, somente com a Lei Magna de 1988, ora por ela recepcionada, teve sua maior propulsão, pois expressamente se declarava como garantia fundamental a defesa do consumidor (CF, art. 5.º, XXXII), bem como a concessão de força à proteção do meio ambiente e demais direitos, como se observa, v. g., em seu art. 129, III, in verbis: são funções institucionais do Ministério Público: [...] III promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.[66]

No cenário atual, a ação civil pública é o mecanismo processual lídimo para que os entes legitimados[67] possam impetrar demanda versando sobre a proteção de um direito transindividual preterido. E note que, para autores como Hugo Nigro Mazzilli, assim será denominada quando intentada for pelo órgão do Parquet; e coletiva será quando pelos demais legitimados do rol, já que não se pode alegar legitimidade exclusiva daquele.[68]

Destas premissas, sobressaem os princípios da obrigatoriedade, pondo o Ministério Público como fiscal da lei (custus legis) a todo o momento, e da discricionariedade controlada, quando dispensada a sua presença por não haver pleno interesse social na causa.[69]

Sob este prisma, para elucidarmos mais a fundo o objeto de referida ação, devemos ponderar as seguintes subdivisões:[70] a) interessados determináveis e interesses divisíveis, unidos por determinada causa ou lesão: direitos individuais homogêneos; b) interessados determináveis unidos por determinada circunstância ou relação jurídica: direitos coletivos stricto sensu; c) interessados indetermináveis, numa mesma situação fática, mas com dano também indivisível: direitos difusos.[71]

Assim, muito diferente das demandas puramente individuais, em que reinam face a face autor e réu,[72] a tutela de direitos transindividuais se mostra inversamente proporcional à regra, já que a sua defesa percorre vias extraordinárias de legitimidade.

E note que, conquanto a tutela individualizada seja amplamente morosa e contraditória, dada a vasta gama recursal existente, a tutela coletiva, que deveria pautar-se pela economicidade e celeridade, de forma a restabelecer tão logo o status quo ante,[73] caminha a passos também burocratizados, seja pela inefetividade com que percorrem os processos no Judiciário ou mesmo pela ineficácia no determinar dos verdadeiros responsáveis pelo ato inquinado.

Para reafirmar nosso comento, Eduardo Damião Gonçalves aduz que, por mais que a seara processual seja repleta de sincretismo e mecanismos avançados, o excesso de rigidez processual ainda provoca descaso em face das demandas perpetradas, e que ora padecem de solvência.[74] Ipso facto, como efetivar a garantia de tutela de direitos de terceira geração se o próprio mecanismo processual se mostra inoperante na sua totalidade?

E é desta premissa que pugnamos pela relativização da jurisdição processual, quando da possibilidade da defesa de tais direitos ser feita por intermédio da arbitragem. E não se trata, contudo, de buscar reformas reacionárias ou mesmo de provocar o Constituinte Originário para diferimento principiológico constitucional.

O instituto arbitral, como bem nos mostra Beneli, consiste num [...] meio alternativo de solução de controvérsias que versem sobre direitos disponíveis [...].[75] Além disso, conforme salienta Luciano A. R. dos Santos, [...] marca-se pela celeridade e desburocratização processual [...].[76] Isso porque a decisão é proferida por pessoa o árbitro com conhecimentos técnicos plausíveis, capaz de dar solvência à lide imposta de forma idêntica à do Estado, e que, nas palavras do autor retrocidado, não se trata de pessoa alienígena ao fato inquinado, mas sim, daquela com cognoscibilidade suficientemente possível e dotada de capacidade resolvente.[77]

Note-se, desde então, que a arbitragem é instituto antigo, já empregado na solução de lides há séculos atrás, mantendo seus traços na atualidade com sedimentação plena, concedida pela Lei n. 9.307/96, a qual disciplina o instituto na sua integralidade.

Entretanto, em coerente complementação e contraposição às palavras em epígrafe:

[...] em que pesem todas as beneficências apontadas com relação à arbitragem, esta tem despertado maior interesse somente entre grandes empresas, com certeza pela clara celeridade que necessitam em conflitos de ordem até mesmo internacional, já que as pequenas classes de pessoas ainda persistem em implorar ao Judiciário pela solvência de seus litígios.[78]

Assim, por mais que meios alternativos atuem em paralelo à jurisdição estatal, para ver determinada crise jurídica solvida, perscrutar por aquela ainda é meta maior na mente de cada parte litigante, o que certamente demanda maior operacionalização do próprio Estado para a consecução processual e oferecimento de tutela específica a cada caso, que se abre como leque na distribuição recursal, dada a vasta esfera de méritos incutidos nos direitos transindividuais.

É não é porque a arbitragem se volta apenas aos casos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis que a torna instituto com menos cognoscibilidade, mas sim, porque o Estado ainda exala na vida de cada ente o senso de justiça e paz, deturpando formas extrajudiciais muito mais céleres e, sem sombra de dúvidas, mais eficazes, mitigando-as, por vez, pela própria lei.

Consequentemente, inúmeras reformas processuais têm sido erigidas pela Corte Legislativa, de forma que se mitiguem formas equivocadas de jurisdição, diminuindo recursos, tolhendo formas e preceitos, redimensionando princípios etc.

Ocorre que, na maioria das vezes, esbarra nosso legislador nos princípios paternalistas da ampla defesa e contraditório, garantidos constitucionalmente, clausulados petreamente,[79] a exemplo dos direitos transindividuais, como a defesa do consumidor, tidos como indisponíveis.

Quando a Constituição de 1988 foi promulgada, buscava a Assembleia Constituinte uma libertação de toda opressão militar com que passava o país, já esfacelado pelos movimentos sociais crescentes, abolicionistas e liberalistas. Deste modo, era mais que óbvio que fossem criadas regras pétreas, de garantias mais humanas à sociedade, e que em face destas fosse expurgada qualquer lesão ou ameaça a direito.

Para tanto, seria responsável pela sua consecução o processo, durasse este o tempo que fosse.

Neste rumar, contudo, já se via que tempo era sinônimo de injustiça; e o processo, ainda que perfeitos fossem os seus atos, amparados por bases principiológicas rígidas, caminhava à extinção. Isso porque, como bem salienta Cândido Rangel Dinamarco, [...] o processo precisa ser apto a dar a quem tem um direito [...].[80] Se não o é, de nada vale e nada tutela.

Ademais, segundo nos mostra sabiamente Carvalho, a razoabilidade de tempo na prestação jurisdicional consiste em efetividade da mesma.[81]

Ocorre que, desde 1992 o Brasil já era signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificada por meio do Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. Referida Convenção já trazia, em seu art. 8.º, 1, a previsão de durabilidade processual garantida, ainda que de forma razoável.[82]

Além disso, seu próprio art. 25, 1 é claro no que se refere aos recursos e sua durabilidade ponderada.[83]

E, neste cenário indagante, vem à tona a Emenda Constitucional n. 45/2004, considerada, para a maioria dos operadores legais, como reformista geral do Poder Judiciário, reduzindo iniciativas originárias à Corte Suprema,[84] e, como imposição de nova garantia pétrea, a razoável duração do processo, já abarcada pelo Pacto de São José da Costa Rica, agora disposta como cláusula fundamental no art. 5.º, LXXVIII, da Constituição Federal.[85]

Contudo, ainda nos parece distante um instrumentalismo possível e efetivo do processo. Segundo Kazuo Watanabe, de forma crítica no seu visualizar sistemático, os institutos processuais devem ser adaptados ou reformulados, ou mesmo com instituição de novos, de forma que o processo abranja a realidade na qual se insere.[86] Além disso, bem nos mostra o autor quando infere que, para que haja tutela jurisdicional de direitos, uma organização judiciária se faz iminente, pois as leis materiais ou processuais, ainda que perfeitas, não se realizam de per si,[87] o que reforça ainda mais a ideia já pactuada por nós.

E não há, a nosso ver, perspectivas sólidas de mudanças no quadro jurisdicional. Possuímos o melhor instrumento de defesa do consumidor, uma ação civil completa, regida por lei, para tutelar direitos dessa natureza, remédios constitucionais, mas a processualidade exarada no meio jurídico ainda se mostra morosa e ineficaz a possibilitar o pleno acesso à justiça, que, em repetição aos termos já citados por Kelsen, resume-se na felicidade do ser.[88]

Há, com galhos ainda brotos, um anteprojeto no Senado Federal que visa à reprimenda recursal, relativização de formalismo, embora ainda em constante discussão pelas máximas Cortes jurídicas. Para o Senador Renato Casagrande (PSB-ES), é medida urgente a inserção de cláusulas processuais com vistas a eliminar a vasta quantidade de recursos protelatórios existentes na atualidade, tornando a Justiça muito mais morosa,[89] além de afirmar, com veemência, que o atual Código de Processo Civil é vetusto, pois reina soberano desde 1973,[90] de forma retalhada.

Deste modo, não menos radical, mas prudente, acolhemos a vertente de concessão de maior abrangência à tutela arbitral, de modo que possa também abarcar causas versadas sobre direitos transindividuais e efetivar a sua máxima tutela.

Contudo, deve-se pôr à prova a possibilidade de direitos desta geração serem tutelados de forma privada, embora os mesmos já venham sendo resguardados por meros Termos de Ajustamento de Conduta.[91]

Num primeiro embate óptico, nos parece impossível transpormos direitos dessa natureza à condição particularizada, já que a própria Lei de Arbitragem nos mostra tal impossibilidade.[92]

Ocorre que, como bem nos mostra Charles Jarrosson, há de se levantar a bandeira do que seriam os tais direitos disponíveis que referida Lei trata,[93] pois não há, na verdade, uma lista de quais direitos seriam disponíveis e quais não seriam. Além disso, sabe-se que o árbitro é pessoa eleita pelas partes e possui força decisória idêntica à do magistrado togado, embora não pratique atos de polícia.

Percebe-se, de antemão, que a natureza de tal litígio se mostra petreamente indisponível. Porém, a obrigação imposta já tem tendido à transação, quando da aplicação de Termos de Conduta em face de direitos ambientais e do consumidor, já que nem sempre se é possível perpetrar ação civil pública, dada a ausência de economicidade processual que galga.[94]

O próprio Eduardo Damião Gonçalves apresenta, em apud a Ada Pellegrini Grinover, um anteprojeto de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, cuja decisão do juiz poderá tender à arbitragem ou a outras formas de conciliação quando na tutela desses direitos.[95]

Como exemplo, seria de grande possibilidade a aplicação arbitral no caso de dano reparável a determinada porção de terra, por veneno agrícola de pouco rijo, querendo as partes lesantes a completa reparação do dano, cuja demora somente aumentaria os riscos iminentes, aparentemente irrelevantes.[96]

Note que não há, a nosso ver, um rápido aproximar de tal incidência. Porém, como inexiste até o momento um rol taxativo de direitos que tutela a arbitragem, causas que se mostram regularmente fundadas num simples acordo,[97] cujo objeto seja um direito transindividual, ou mesmo em fundada dúvida de ser ou não um direito de tutela pública, a busca pelas vias alternativas se mostra muito menos danosa.

Neste sentido, a própria Corte Suprema já se manifestou pendente a tal favorabilidade, como vemos no AgRg/MS n. 11308/DF (Agravo Regimental no Mandado de Segurança n. 2005/0212763-0), in verbis:

O STF sustenta a legalidade do juízo arbitral em sede do Poder Público, consoante precedente daquela corte acerca do tema, in Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória, publicado na Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Editora Revista dos Tribunais, Ano 5, outubro - dezembro de 2002, coordenada por Arnold Wald, e de autoria do Ministro Eros Grau, esclarece às páginas 398/399, in litteris: Esse fenômeno, até certo ponto paradoxal, pode encontrar inúmeras explicações, e uma delas pode ser o erro, muito comum de relacionar a indisponibilidade de direitos a tudo quanto se puder associar, ainda que ligeiramente, à Administração.[98]

Sendo assim, ainda que indeterminados sejam os titulares, não há por que não haver arbitramento coletivo, a exemplo de causas que padecem apenas de indenização, oriundas de uma propaganda enganosa, por exemplo. Neste caso, o próprio ente público poderia promover a transação nas vias arbitrais, com legitimidade também extraordinária.

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