A mais recente Lei do nosso ordenamento jurídico, nomeada como Lei Mariana Ferrer entrou em vigor no dia 23 de novembro deste ano (2021) e prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual ou de testemunhas no curso do processo penal.
Ao contrário do que muitos pensam, a nova Lei possui caráter muito mais educativo, que mudanças efetivas na prática.
O fato que motivou sua criação foi o ocorrido durante a instrução do processo criminal que apurava a acusação de estupro praticado contra a influenciadora digital Mariana Ferrer. A vítima denunciou ter sido dopada e estuprada durante uma festa em Santa Catarina, em 2018. Na audiência, a defesa do acusado, utilizando argumentos de caráter machista e em total desrespeito à dignidade de Mariana, exibiu fotos íntimas da vítima e fatos da sua vida pessoal, na tentativa de justificar, de certa forma, a conduta do réu.
Durante a audiência, as condutas da defesa evidenciaram a violência institucionalizada e a revitimização de Marina Ferrer.
Cumpre destacar que na Criminologia, entende-se por vitimização secundária o tratamento inadequado do Estado aos que são vítimas de um fato penal, decorrente da negligência das instâncias formais de controle na punição do delito. Analisando a Constituição sob um enfoque criminológico, devemos concluir que o processo não viola unicamente os direitos do acusado, podendo perfeitamente atingir às vítimas, sobretudo as vítimas de crimes sexuais. As garantias processuais penais devem alcançar todos aqueles que no processo se insiram.
Partindo dessa ideia de proteção às vitimas, a nova Lei altera o crime do artigo 344 do Código Penal, que consiste no uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio, com pena um a quatro anos de reclusão, além de multa. A mudança acrescida pela nova Lei é o aumento da referida pena de um terço até a metade se envolver crime contra a dignidade sexual.
Também houve acréscimo do artigo 400 A do Código de Processo Penal, dispondo que na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir seu cumprimento. Dispõe ainda vedações de manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos; e a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.
Como podemos perceber, a Lei Mariana Ferrer não trouxe mudanças expressivas quanto à responsabilização de quem atentar contra a dignidade das vítimas nos julgamentos, uma vez que a vedação destas condutas já existe em nosso ordenamento jurídico. Analisando o parágrafo primeiro do art. 400 do CPP, há previsão de que as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Ou seja, o Juiz já possui o dever legal de zelar pelo respeito à dignidade das partes envolvidas no processo e indeferir provas impertinentes, o que não foi feito no caso em comento.
A conduta da defesa do acusado durante o processo de Marina Ferrer fere tanto a Ética Profissional, como normas já previstas no Código de Processo Penal, sendo passíveis de responsabilização do Juiz, promotor e advogado, tanto no âmbito criminal, como cível e administrativo.
Portanto, conclui-se que, ao menos, não deveria ser preciso a criação de uma norma para simplesmente reforçar algo já previsto tanto na legislação processual penal, como na Lei Orgânica de Magistratura, no Código de Ética e disciplina da OAB, como em demais normas que regem o comportamento dos profissionais da área de Direito, advogados, juízes e promotores.
A regulamentação destas condutas é de extrema necessidade, porém, nosso ordenamento jurídico está repleto de normas que visam proteger as vítimas, sendo o principal problema a falta e efetivação da lei.
Na prática, em sua maioria, não há uma efetiva responsabilização de Juízes, promotores e advogados autores de condutas que desrespeitam as partes durante o processo. A criação de novas leis como esta apresentam muito mais uma resposta midiática ao público em geral que resultados práticos.