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Os crimes contra a organização do trabalho no Código Penal

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Agenda 30/12/2021 às 15:50

8. O artigo 204: frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho

Nesta seção, discutiremos o artigo 204 do Código Penal, tendo como base as referências indicadas ao final deste trabalho. Segundo Greco e Bitencourt, o bem jurídico tutelado é o interesse na nacionalização do trabalho, particularmente o interesse do Estado em garantir a reserva de mercado para os brasileiros, em seu próprio território.

Segundo Greco (2021), o sujeito ativo deste crime geralmente é o empregador, embora nada impeça que qualquer pessoa possa figurar nessa condição, pois é um crime comum. Para o autor, o sujeito passivo é o Estado, que vê frustradas suas medidas criadas em benefício dos trabalhadores nacionais. (GRECO, 2021).

O crime do art. 204 corresponde à frustração, mediante violência ou fraude, de direito assegurado pela legislação do trabalho. Ou seja, mais uma vez o meio deve ser violência (vis corporalis) ou fraude, sem ameaça sendo meio possível. Para Bitencourt, que reitera que se trata de norma penal em branco, a ação do agente visa frustrar obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho, isto é, as normas legais que determinam o emprego de mão de obra nacional, mais especificamente as leis trabalhistas (BITENCOURT, 2012).

Já Greco, inclusive citado por Bitencourt, assim como cita Bitencourt em várias passagens de sua obra (autores que convergem na maioria das vezes), afirma que a finalidade dessa norma é responsabilizar criminalmente o agente que dirigir sua conduta no sentido de frustrar, mediante fraude ou violência, obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho, quer dizer, à proteção que a lei confere aos trabalhadores nacionais, a exemplo do que ocorre com a regra da proporcionalidade, prevista nos arts. 352 e 354 da CLT

Necessário haver dolo, sem previsão de modalidade culposa. Ameaça não tipifica esse crime. Não há exigência do injusto. Crime consumado com frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho. E admite-se a tentativa. As penas cominadas são, cumulativamente, detenção de um mês a um ano e multa, além da correspondente à violência.

Por fim, a ação penal é de natureza pública incondicionada.


9. O artigo 205: exercício de atividade com infração de decisão administrativa

Nesta antepenúltima seção, discutiremos o artigo 205 do Código Penal, tendo como base as referências indicadas ao final deste trabalho. O bem jurídico tutelado é, segundo a doutrina consultada, o interesse do Estado no cumprimento de suas decisões administrativas relativas a trabalho, ofício ou profissão, sem que infração a outras decisões administrativas correspondam a este tipo penal.

O sujeito ativo é quem está impedido de exercer alguma atividade administrativa. Por isso, a doutrina consultada, tanto Greco quanto Bitencourt, consideram crime próprio, mesmo sem exigir uma qualidade especial, com a ressalva de que somente quem está proibido de exercer uma atividade pode desobedecer a tal proibição. Já o sujeito passivo é o Estado, que é, nas palavras de Bitencourt, titular do interesse violado.

A doutrina aponta que este crime tem a natureza de habitualidade, não caracterizando essa infração à prática isolada de uma única ação, mesmo violando decisão administrativa. Daí a crítica, por exemplo, de Bitencourt a uma decisão do STF sobre a conduta do art. 205 em relação à conduta do art. 282. Não nos ateremos neste ponto, por economia de espaço, mas ressaltamos que há muitos aspectos do art. 205 que chamam a atenção, ao serem abordados pela doutrina consultada, como a referida decisão do ministro Sydney Sanches do STF, tratada por Bitencourt, e a necessidade do impedimento do exercício por decisão administrativa, e não judicial, para corresponder ao tipo penal deste artigo (e não ao art. 330 ou 359, CP), assim como a distinção do delito previsto no art. 205 e a figura delitiva do art. 324 (exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado).

Encaminhando para o final de uma análise sobre o art. 205, importante destacar que é necessário o dolo, sem ser admitida modalidade culposa e não sendo exigido o injusto. O crime é consumado com a prática reiterada dos atos próprios da atividade que se está impedido de exercer administrativamente, sendo um crime habitual, para o qual não se admite tentativa.

Por fim, as penas cominadas alternativamente são detenção de três meses a dois anos ou multa e a natureza da ação penal é pública incondicionada. Como não há previsão de uso de violência, não se comina cumulativamente pena correspondente à violência.


10. O artigo 206: aliciamento para o fim de emigração

Nesta seção, discutiremos o artigo 206 do Código Penal, tendo como base as referências indicadas ao final deste trabalho. Trata-se do penúltimo artigo do Código Penal tratado neste trabalho. Segundo a doutrina consultada, o bem jurídico protegido é o interesse do Estado em manter a mão de obra no território nacional.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, pois é um crime comum. Já o sujeito passivo mediato é o Estado e imediato pode ser qualquer pessoa na condição de trabalhador que seja recrutada mediante fraude, nas palavras de Bitencourt. O tipo penal cita trabalhadores no plural, portanto é necessário haver pluralidade, no mínimo três pessoas com qualificação profissional. E o tipo pune apenas emigração fraudulenta, mas não emigração espontânea. Um exemplo típico é trazido pela doutrina consultada:

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Exemplo típico ocorre com o aliciamento de mulheres para trabalhar no exterior, exercendo atividades dignas, com altos salários, quando, na verdade, a finalidade é exercer a prostituição. O aliciamento para fim de emigração exige a elementar normativa da fraude no recrutamento. Simplesmente recrutar trabalhadores com o fim de levá-los para o exterior em si mesmo não é crime, ainda que possa caracterizar-se como ilícito em outras searas jurídicas. (BITENCOURT, 2012)

Necessário haver dolo e o injusto. Além disso, necessária a finalidade de levar os trabalhadores para exterior, pois para outro lugar do território nacional configurará o crime do art. 207. O crime do art. 206 se consuma com o aliciamento de trabalhadores, recrutados com emprego de fraude, visando levá-los para o exterior, independentemente se for bem-sucedida a emigração. Trata-se, portanto, de crime formal, em que a tentativa é admissível.

Por fim, as penas cominadas, cumulativamente, são detenção de um a três anos e multa e a natureza da ação penal é pública incondicionada.


11. O artigo 207: aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional

Finalmente, nesta seção, discutiremos o artigo 207, e seus §§1º e 2º, do Código Penal, tendo como base as referências indicadas ao final deste trabalho. Como a doutrina consultada aponta, apoiada, inclusive, na doutrina de terceiros, o bem jurídico protegido é o interesse do Estado em evitar o êxodo de trabalhadores no território nacional, evitando o êxodo de mão de obra barata, proveniente de zonas desfavorecidas do País, produzindo concentrações urbanas e desajustes socioeconômicos (BITENCOURT, 2012; GRECO, 2021).

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, pois se trata de crime comum. O sujeito passivo mediato é o Estado e imediato é qualquer pessoa na condição de trabalhador que seja aliciada (na hipótese do § 1º, mediante fraude, como reitera a doutrina). A grande diferença do art. 206 é que, aqui, neste crime, em vez da emigração, se objetiva, com o recrutamento, deslocar trabalhadores dentro do próprio território nacional. Também é necessária uma pluralidade (no mínimo 3) de trabalhadores, pois o artigo usa o plural. E a doutrina consultada aponta que há entendimento jurisprudencial que entende ser necessária uma demonstração de prejuízo efetivo para a região onde o aliciamento ocorre.

É necessário dolo. Crime consumado com o aliciamento de trabalhadores, mesmo que o êxodo não ocorra, sendo um crime formal: o crime se consuma com o convencimento do trabalhador se transferir para outra localidade do território nacional, acertadas as condições. Admite-se a tentativa.

Sobre os §§ 1º e 2º do art. 207, diz Bitencourt:

A Lei n. 9.777, de 29 de dezembro de 1998, acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 207; no primeiro, cria nova figura penal; no segundo, uma majorante, elevando a pena de um sexto a um terço. O tipo descrito no § 1º é um misto das infrações descritas nos arts. 206 e 207, ao menos em uma de suas modalidades, onde consta como meio executório mediante fraude. Daquele dispositivo contém a exigência de fraude, e, desse, o êxodo de trabalhadores limita-se ao território nacional. Apresenta três formas: (a) mediante fraude; (b) cobrança de valores do trabalhador; e (c) não assegurar condições de retorno ao local de origem. As duas primeiras modalidades são de fácil comprovação; a terceira apresenta uma dificuldade dogmática: prática condicional do crime. A ação típica nuclear será o recrutamento de trabalhadores ou a não facilitação do retorno à origem? E se o trabalho no local recrutado durar dez anos? Qual será o iter criminis? É de difícil configuração. Nesse dispositivo não se pune a transferência de trabalhadores dentro do território nacional; pune-se a transferência mediante aliciamento. (BITENCOURT, 2012)

Por fim, as penas cominadas são, cumulativamente, detenção de um a três anos e multa. E a doutrina aponta que mais uma vez, constata-se uma exasperação absurda, desproporcional e injustificada das penas cominadas. Na previsão do § 2º, a pena deverá, obrigatoriamente, ser majorada entre um sexto e um terço. (BITENCOURT, 2012) Bitencourt faz a mesma crítica do §2º do art. 203 ao sinalizar que, pela redação, que é taxativa, parece que houve aí uma preocupação com as minorias. (BITENCOURT, 2012). A ação penal é pública incondicionada.

Antes de encerrarmos o presente trabalho, cabe salientarmos que concordamos com a crítica de Bitencourt sobre o art. 207, do qual poderíamos dizer, como costuma falar em suas aulas sobre alguns artigos a professora Patrícia Glioche, que cheira a naftalina. Para não repetirmos o que diz o referido doutrinador em sua crítica, já apoiada em doutrina de terceiros (no caso Magalhães Noronha), com a qual Greco (2021) não sinaliza concordar ou discordar, transcreveremos o trecho da crítica abaixo:

Trata-se, na verdade, de um tipo penal esdrúxulo, desnecessário, superado e, na atualidade, absolutamente injustificado. Nos primórdios da nossa República, ou, vá lá, na primeira metade do século XX até se podia admitir que houvesse esse tipo de preocupação nacional. Contudo, na atualidade, num país absolutamente povoado, com tanta carência de emprego em todos os recantos, sobrando mão de obra em todos os segmentos sociais, essa criminalização perdeu sua razão de ser, pois, como destacava Magalhães Noronha, a lei tem em vista a regularidade, a normalidade do trabalho no país, evitando que regiões mais favorecidas corram o risco do chômage, enquanto outros, que não oferecem as mesmas vantagens, se despovoem e lutem com a falta de braços. Tal fato rompe a harmonia e o equilíbrio necessários à ordem econômica e social. (BITENCOURT, 2012)

E, assim, encerramos este artigo sobre os crimes contra a organização do trabalho (art. 197 ao art. 207) no Código Penal brasileiro segundo Cezar Bitencourt e Rogério Greco.


Referências bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, Vol. 3: parte especial dos crimes contra o patrimônio até dos crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos. São Paulo: Saraiva, 2012.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Vol. 2 artigos 121 a 212 do Código Penal. São Paulo: Atlas, 2021.

Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Carlos Eduardo Oliva Carvalho. Os crimes contra a organização do trabalho no Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6756, 30 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95614. Acesso em: 22 nov. 2024.

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