RESUMO: A presunção, em suma, consiste em um método de raciocínio que almeja uma conclusão de modo a chegar-se a uma prova. O ponto de partida dessa metodologia é uma prova indireta (um indício relacionado a um fato conhecido que não está diretamente ligado ao objeto da ação) a qual será ligada, através da atividade racional do magistrado, ao fato desconhecido, baseando-se na ordem natural das coisas. Essa metodologia está intimamente ligada à valoração de provas e às máximas da experiência. O presente trabalho tem como objetivos apresentar como a prova pela presunção contribui para o deslinde justo de uma ação judicial, destacando quais seus efeitos sobre o processo, bem como a forma de aplicação desse método probatório, objetivando, também, explicar em que consiste a prova pela presunção e, ainda, analisar a aplicação prática de tal método de prova. Ademais, busca-se apontar em quais situações são necessárias que seja aplicada essa presunção. A metodologia baseia-se na revisão bibliográfica de doutrinas, normas e jurisprudências relacionadas ao tema no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, serão produzidos estudos de casos, que transpassarão ações empresariais ajuizadas nas Varas Cíveis de Coronel Fabriciano.
Palavras-chave: Métodos de prova. Dilação probatória. Razão. Presunção. Máximas da experiência.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A PROVA. 1.1. Conceito e princípios. 1.2. Os tipos de provas. 2. RAZÃO: A PROVA PELA PRESUNÇÃO. 2.1. Valoração das provas. 2.2. As máximas da experiência. 2.3. A presunção. 2.3.1. Presunção legal absoluta. 2.3.2. Presunção legal relativa. 2.3.3. Presunção judicial. 3. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. 3.1. A pessoa jurídica. 3.2. A desconsideração da personalidade jurídica. 3.2.1. Teoria menor. 3.2.2. Teoria maior. 5. A PRESUNÇÃO APLICADA À DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS. ANEXOS.
INTRODUÇÃO
A utilização da presunção é um elemento fundamental, em certos casos, para o deslinde de uma ação judicial, encontrando-se amparada no artigo 212, IV do Código Civil. Esse método probatório é uma consequência que decorre de um fato provado, por muitas vezes, indiretamente, de modo a deduzir a existência de outro não provado.
A questão que permeia o presente estudo baseia-se no que consiste a prova por presunção do magistrado e na sua utilização para o caso de desconsideração da personalidade jurídica pela confusão patrimonial, ante a dificuldade de produção de provas diretas.
Para a compreensão do tema, faz-se necessário um estudo da prova: seus princípios, os tipos, notadamente quanto ao seu objeto, o momento de sua aplicação e a atuação do magistrado na seara processual, avançando para uma distinção acerca de prova direta e indireta. A partir desse ponto é possível progredir para um estudo mais aprofundado da presunção em si, captando sua essência e sua aplicação.
Superadas as questões conceituais que serão tratadas nos primeiros capítulos do presente estudo, será iniciado o debate a respeito da aplicação desse método de prova na desconsideração da personalidade jurídica, utilizando-se do estudo de caso para melhor visualização do tema.
A abordagem do estudo das provas com foco na presunção homini tem sido pouco estudada, sendo até de difícil análise por escassez de autores que propaguem explicações nesse sentido. Entretanto, é fundamental compreender como ocorre tal presunção para que se possa diligenciar da melhor forma possível na fase instrutória do processo. Por isso, busca-se apresentar, na prática, como ocorre a aplicação desse método probatório pelo magistrado.
Dessa forma, o presente trabalho objetiva apresentar de que forma essa probação contribui para o deslinde justo de uma ação judicial, destacando quais os seus efeitos sobre o processo, baseando-se na teoria, no primeiro momento, mas avançando para um campo de visão mais prático.
A metodologia se baseará na revisão bibliográfica de doutrinas, normas e jurisprudências relacionadas ao tema no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, será produzido um estudo de caso, de modo a transpassar duas ações empresariais que permeiam a desconsideração da personalidade jurídica, através dos acervos das Varas Cíveis de Coronel Fabriciano.
De forma geral, embora seja um tema de difícil estudo, tem-se na presunção um vasto campo para análise, de forma que é necessário limitá-lo para centrar as informações e não dispersar o conteúdo. Esse é um dos motivos pelos quais buscou-se abordar, em conjunto, a desconsideração da personalidade jurídica, fechando o cerco para o âmbito cível. Além disso, este instituto foi modificado recentemente através da Medida Provisória número 885/2019, trazendo uma modernização à presente discussão.
Ao final, serão expostas algumas considerações finais relativas a esta temática, sem pretensões de exaustão do assunto, mas apenas de resumir e exemplificar esse início de estudo.
1 A PROVA
1.1 Conceitos e princípios
Segundo leciona Bevilaqua (1980, p. 245), a prova consiste no conjunto dos meios empregados para demonstrar, legalmente, a existência de um ato jurídico. Sua admissão em juízo leva em consideração três critérios: admissibilidade (não podendo haver vedação expressa no ordenamento jurídico quanto à prova levada), pertinência (sendo necessário o foco no litígio) e, por último, concludente (tornando possível a conclusão estritamente dos fatos trazidos em juízo).
Além desses critérios, existem alguns princípios que norteiam a fase instrutória do processo, como a máxima jurídica allegare nihil et allegatum non probare paria sunt que, sob a luz dos ensinamentos de Gonçalves (2018), alegar sem apresentar provas resume-se ao mesmo que não alegar nada, recaindo o ônus probatório, em regra, sobre aquele que proferiu a alegação. Continuando nas lições do referido doutrinador, a prova é direcionada ao fato, não ao direito, pois este decorre, ou não, da situação gerada, sendo atribuição do juiz proceder com a aplicação do direito ao caso concreto.
Ainda, tem-se o entendimento de que os fatos notórios, aqueles de conhecimento da comunidade (e não apenas do juiz), não necessitam ser provados, embora tenham que ser alegados nos autos.
Quanto ao ônus da prova, o Código de Processo Civil é claro, dispondo da seguinte forma:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. (BRASIL, 2015, online)
Do referido dispositivo é possível inferir que existe uma grande flexibilidade em relação ao ônus. Isso é devido ao anseio do equilíbrio na seara processual, tendo como foco a busca pela verdade, possibilitando uma efetiva aplicação da justiça.
Com base nesses princípios, elencados nos artigos 369 a 380 do Código de Processo Civil, o magistrado conduzirá o processo, indeferindo certas provas apresentadas em juízo, redistribuindo o ônus probando, requerendo, de ofício, determinada prova, dentre outros meios necessários para a obtenção da verdade legal no curso do processo.
A prova pode ser classificada de duas formas quanto ao seu objeto: direta, tendo uma ligação imediata com o fato do litígio como, por exemplo, um contrato entabulado entre as partes. Lado outro, a prova indireta possui uma ligação mediata com o fato, necessitando de um raciocínio para estipular um nexo causal de modo a se chegar no fato probando (BORGES, 2016). No mesmo raciocínio, prossegue o autor destacando situações de evidência e de necessidade de demonstrações. Por diversas vezes, alguns fatos são trazidos aos autos de modo tão cristalino que por si só já geram a percepção. Entretanto, em alguns episódios, a percepção se dará de forma mediata, através da razão (BORGES, 2016 apud BONNER 1862).
É mister compreender, também, que quando o juiz determina a produção de provas ex officio não está diminuindo a seara de atuação das partes, tampouco está abstendo-se da imparcialidade necessária à sua atuação, isso porque, quando da determinação oficiosa de provas, seu propósito é, tão somente, a elucidação dos fatos. Ainda, não há que se falar em ausência de imparcialidade quando o magistrado pratica tal ato, eis que não prevê o resultado da prova determinada.
Seguindo esse raciocínio,
Se a lei deseja que o juiz julgue, não é concebível que ele não efetue o julgamento, tanto quanto possível, bem informado. Logo, não deve impedi-lo do que necessário, pelos meios que tenha à mão, para a obtenção da prova adequada para a solução da demanda, complementando a atividade instrutória das partes (BORGES, 2016, p. 56).
Não discrepa a posição de Pinto (2012, p. 138), senão vejamos: Se queremos continuar a ter juízes nos processos, temos de aligeirar a carga fáctica que lhe é presente: não podem estar prisioneiros de um processo de partes.
Partindo desse entendimento, é importante, ainda, compreender que, quando das determinações oficiosas do magistrado, as garantias processuais das partes devem ser asseguradas, sempre oportunizando a elas a possibilidade de impugnação da decisão do juiz e a participação na prova designada. Quanto ao método de presunção, as garantias do contraditório e ampla defesa são asseguradas em sede recursal, mas não somente, através do raciocínio desenvolvido pelo togado na fundamentação da decisão, que deve estar devidamente demonstrado.
1.2 Os tipos de provas
A prova divide-se, basicamente, em cinco categorias que estão dispostas, exemplificativamente, no artigo 212 do Código Civil:
Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:
I - confissão;
II - documento;
III - testemunha;
IV presunção;
V perícia. (BRASIL, 2002, online)
Dessa forma, por ser um rol meramente exemplificativo e, ainda, com base no artigo 369 do Código de Processo Civil, sendo a prova moralmente legítima, em regra, será aceita no ordenamento jurídico. Um exemplo probatório muito utilizado atualmente, que não se encontra elencado na legislação brasileira, são as reproduções digitais de computadores e smartphones, através do print screen proveniente de redes sociais, como WhatsApp e Facebook que, entretanto, equiparam-se aos documentos.
A confissão, já conceituada no Código de Processo Civil, no artigo 389, consiste na situação em que a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário (BRASIL, 2015, online), ou seja, o sujeito se pronuncia reconhecendo como verdadeiros os fatos trazidos pela parte contrária. Entretanto, a confissão não é admitida contra direitos indisponíveis, nem será eficaz quando proferida por sujeito incapaz civilmente, podendo, ainda, estar vinculada à confissão do cônjuge ou companheiro em casos nos quais o regime de casamento não for o de separação absoluta de bens, sendo possível a anulação por erro ou coação. Leciona Santos (1971) que a confissão é indivisível, não podendo ser parcialmente aceita de forma a causar prejuízo ao confitente.
Segundo Venosa (2019), existem, legalmente, dois tipos de confissão. A judicial, mais robusta por ser perpetrada perante o juiz, podendo ocorrer em qualquer momento do curso processual, sendo, porém, o momento oportuno quando do depoimento pessoal da parte. Em contrapartida, tem-se a extrajudicial, que apresenta fragilidade quanto a sua validação, proveniente de um momento à parte da ação judicial.
Na sequência dos ensinamentos do ilustríssimo doutrinador, a confissão ainda pode ser expressa, quando feita através de meios verbais, escritos ou presumidos, ante a ausência da expressão, mais conhecida como confissão tácita (pela não manifestação da parte) ou ficta (decorrente de uma ficção jurídica), bem comum nos casos de revelia.
Quanto à prova documental, Santos (1971) difere instrumento de documento, sendo este gênero daquele. Enquanto o documento pode vir a ser usado como prova, o instrumento foi criado com tal finalidade. Importante destacar que o documento não está limitado à forma escrita, tendo como objetivo perpetuar um pensamento.
À luz do artigo 224 do Código Civil, os documentos redigidos em língua estrangeira deverão ser, obrigatoriamente, traduzidos para o Português, sendo necessário que tal tradução seja feita por tradutor juramentado. Seguindo para o próximo artigo, 225, as reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas (BRASIL, 2002, online) são aceitas como prova documental quando autenticadas ou não impugnadas. A lei traz, ainda, no mesmo diploma legal, os livros e fichas dos empresários, considerando-os provas documentais contra quem os pertence, cabendo a utilização favorável, apenas, quando escriturados sem vício e sustentados por outras provas.
Já a prova testemunhal, nos ensinamentos de Venosa (2019), consiste no depoimento de um sujeito, alheio ao processo, que afirma em juízo fatos conexos ao objeto da demanda (testemunha judiciária) ou quando manifesta-se em instrumentos, como instrumentos públicos e testamentos (testemunha instrumentária).
O Código de Processo Civil traz, em seu artigo 447, o depoimento dos impedidos, incapazes ou suspeitos na qualidade de testemunha. Entretanto, em alguns casos de necessidade, é facultado ao magistrado a oitiva de tais sujeitos na qualidade de informantes, onde o depoimento é tomado sem o compromisso imputado às testemunhas (§5º do mesmo dispositivo legal). Nos casos dos depoimentos prestados sem o compromisso, o magistrado fará a devida valoração da prova quando da sentença, sendo inegável que um depoimento sob compromisso legal tem maior peso do que aquele com ausência de tal imposição.
Arrolada a testemunha, ela não poderá esquivar-se de prestar o depoimento, salvo nos casos previstos no artigo 448 do Código de Processo Civil, quando afirmação em juízo lhe gerar grave dano, ou nos casos em que a testemunha seja cônjuge/companheiro ou parente até terceiro grau ou, ainda, quando possuir o dever legal de guardar sigilo.
Avançando para a alínea seguinte do diploma legal supracitado, de acordo com Gonçalves (2019, p. 459) presunção é a ilação que se extrai de um fato conhecido para se chegar a um desconhecido, enquanto o indício é uma ferramenta que auxilia o alcance da conclusão.
Nas lições de Venosa (2019), a presunção classifica-se como comum, sendo baseada no senso comum e naquilo que acontece com certo hábito na sociedade, inadmitida nos casos em que também não se admite a prova testemunhal; e legal, subdividindo-se entre absoluta, com a impossibilidade de produção de prova em contrário como, por exemplo, um sujeito não pode alegar que desconhece a lei, pois presume-se que todos a conhecem e relativa, admitindo-se prova em contrário a título de exemplificação, os casos de comoriência, afastando-se a presunção ao apresentar prova que diferencie os horários dos óbitos.
Dessa forma,
Para distinguirmos, na prática, quando se está perante uma presunção absoluta ou presunção relativa, devemos ter em mira o seguinte: as presunções relativas formam a regra, as absolutas são a exceção; são presunções relativas aquelas cuja lei declara admitir prova em contrário, colocando no próprio texto, salvo prova em contrário, ou outra equivalente. Nos casos de dúvida, a presunção será tida como absoluta tão só quando se refira a matéria de ordem pública ou de interesse coletivo [...] (VENOSA, 2019 apud SANTOS, 1971, p. 471).
Por fim, a prova pericial, prevista também no artigo 156 do Código de Processo Civil, é utilizada quando a demanda versa sobre assunto técnico, do qual o juiz necessita do auxílio de um profissional da área específica para elucidação das questões de modo imparcial. Contudo, mesmo com tamanha importância, a prova pericial não vincula o convencimento do magistrado (VENOSA, 2019). É o que se pode inferir do que disposto no artigo 479 do Código de Processo Civil, in verbis, Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito (BRASIL, 2015, online).
Para adentrar na presunção, é importante falar sobre os indícios. Eles são um ponto de partida para que seja possível a aplicação dessa metodologia. Nas palavras de Didier Júnior (2005, p. 477), o conhecimento de determinado fato pode ser induzido da verificação de um outro fato. Indício é este fato conhecido, que, por via de raciocínio, sugere o fato probando, do qual é causa ou efeito. Em contextualização, para a teoria se tornar visível através da prática, em uma audiência de instrução e julgamento, quando a testemunha é contraditada e afirma ter amizade íntima com as partes, esse fato caracteriza-se como um indício. A partir disso, o juiz pode exercer o raciocínio, à luz do que hodiernamente se espera, utilizando-se da presunção para concluir que, em uma relação de amizade as pessoas tentam beneficiar umas às outras, agindo de forma tendenciosa. Note que é possível que aquela testemunha não aja dessa forma, todavia é muito provável que esse comportamento seja assumido.
2 RAZÃO: A PROVA PELA PRESUNÇÃO
2.1 Valoração das provas
Para o presente estudo, é importante compreender, ainda que superficialmente, a valoração das provas. A começar pela prova legal também conhecida como tarifada , Neves (2016) leciona que a norma já traz em si o peso para valorar cada prova, abrindo mão da qualidade, cabendo ao juiz apenas aplicar a matemática para somá-las encontrando aquele que atingiu o maior número de pontos. Tal contexto limita rigidamente o magistrado, pouco importando o seu convencimento desde que siga o que determinado quanto à valoração. Continua o referido doutrinador ensinando sobre o sistema de livre convencimento ou persuasão íntima, o qual visa, unicamente, o convencimento do juiz, dispensando explicações e fundamentações, podendo até mesmo ir contra as provas produzidas nos autos. Por fim, ele expõe o sistema adotado no Brasil, qual seja a persuasão racional, onde o magistrado conta com certa liberdade, podendo valorar as provas de acordo com seu entendimento, atendo-se ao que consta no processo.
Nesse diapasão, o sistema vigente no Brasil, atualmente, é um misto, conforme se depreende do que disposto no artigo 375 do Código de Processo Civil, nas seguintes palavras: Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial (BRASIL, 2015, online).
Portanto, deve o juiz verificar, a priori, se não há regra específica quanto à valoração de certa prova, como ocorre nos casos de limitações de meios probatórios ou presunções legais. Na ausência de tal especificidade, o togado aplicará as máximas da experiência, à luz do que disposto no artigo 375 do Código de Processo Civil, pois
[] ante o resultado probatório, não se admite ao juiz que permaneça indiferente. Utilizando seu raciocínio, é necessário que daí ele infira determinadas conclusões. As conclusões críticas tiradas do acervo probatório representam, em última análise, a valoração da prova. É o uso do raciocínio judicial enfocado na atividade probatória ainda que seja legalmente imposto de quando em vez é que caracteriza a valoração da prova. [] São princípios de aplicação direta e imediata, resguardando eventual arbitrariedade do Estado-juiz na valoração da prova e cuja inobservância resulta, sendo o caso, na nulidade da decisão []: (i) a exaustividade, (ii) a congruência, (iii) a integridade e a comunidade da prova e (iv) a imparcialidade (BORGES, 2016, p. 134 137).
É importante entender que existe uma linha tênue entre a presunção e a valoração, sendo fácil confundir ambas. Enquanto a valoração distribui o peso das provas nos autos, a presunção vai além.
Ela busca cumprir o papel da justiça na medida da capacidade de raciocínio do magistrado. Havendo provas, ainda que indiretas, a verdade deve ser buscada, sendo possível aplicar ao caso probabilidade e lógica, somadas às máximas da experiência e a sociedade na qual a situação encontra-se inserida.
2.2 As máximas da experiência
O conhecimento humano é algo que é acumulado, seja ao longo da vida de um indivíduo em específico, seja como produto da cultura e ciência de um povo. Por fazer parte do homem em um todo, esse conhecimento não pode ser desvinculado do judiciário sendo, de certa forma, positivo, eis que proporciona que o direito se atualize de acordo com o meio social no qual é aplicado. Entretanto, na figura do julgador, essa fonte de saber pode interferir na imparcialidade, sendo necessário controlá-la.
O Código de Processo Civil prevê as máximas da experiência nos seguintes termos: Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial (BRASIL, 2015, online).
A máxima da experiência ocorre através da repetição das situações, observando-se causa e efeito. Ou seja, como resultado de observação de casos semelhantes, é possível inferir que do fato X decorre, ordinariamente, o fato Y. Importante destacar que esse conhecimento está sempre ao alcance do homem médio, dispensando perícia. Portanto, pode ser essa máxima que cria o elo entre o fato conhecido e o desconhecido.
São exemplos de regras da experiência o fato de que o álcool é um elemento inflamável (técnica) ou que é possível a criação de perfis falsos em redes sociais (comum). Entretanto, as máximas não se confundem com os fatos notórios. Neves (2016) esclarece a diferença de ambos
Importante notar que os fatos notórios não se confundem com as máximas de experiência, que são diferentes espécies do gênero saber privado do juiz. Enquanto os fatos notórios se referem a fatos determinados que ocorrem, a cuja existência têm acesso, de maneira geral, as pessoas que vivem em determinado ambiente sociocultural, as máximas de experiência são juízos generalizados e abstratos, fundados naquilo que costuma ocorrer, que autorizam o juiz a concluir, por meio de um raciocínio intuitivo, que em identidade de circunstâncias, também assim ocorra no futuro (NEVES, 2016, p. 652).
Conforme é possível depreender da explicação do aludido doutrinador, os fatos notórios possuem um alto grau de especificidade em relação ao contexto social no qual encontra-se inserido, variando muito de região para região. Essa variação é muito visível quando se pensa na estrutura do Brasil, eis que existem muitas diferenças culturais e de estruturação social, como por exemplo, no interior, onde as relações jurídicas tendem a ser menos formais, ocorrendo, muitas vezes, verbalmente.
É por isso que o juiz deve sempre estar atento à sociedade na qual está inserido, para mensurar se a decisão atenderá aos princípios daquela região, haja vista que o decisum precisa ser coerente com a população local de modo a surtir os efeitos esperados, atendendo ao anseio de justiça daquele povo.
Assim como a presunção, as máximas da experiência também encontram limitações, para que evite-se, ao máximo, arbitrariedades do juiz. Elas devem estar claramente demonstradas na sentença, especificando a motivação para sua aplicação e como elas foram utilizadas.
2.3 A presunção
No geral, as presunções têm relação com um raciocínio lógico e se decompõem em duas categorias: legal e judicial.
Com um árduo caminho a ser percorrido, tanto na doutrina quanto na legislação, a presunção, notadamente a judicial, embora esteja disposta no rol de tipos de provas, no artigo 212 do Código Civil, não é bem uma prova, à exceção da presunção iuris et de iure, mas sim um meio utilizado para chegar-se à prova do fato, até então, desconhecido.
Nas palavras de Borges (2016), a presunção consiste em
[] um raciocínio conclusivo que resulta na prova, sempre possível de infirmação, de um fato desconhecido, tomando como base o liame, estabelecido em lei ou aferido caso a caso pelo juiz com base na ordem natural das coisas, que existe entre ele e um ou mais fatos conhecidos [rectius: devidamente provados no processo], voltada à formação do convencimento do juiz sobre as alegações de fato realizadas pelas partes (BORGES, 2016, p. 231).
Desse modo, ela está intimamente ligada ao convencimento do juiz, sendo por ele exercida, embora seja possível que os advogados diligenciem no intuito de refutar seus caminhos e conclusões, ou auxiliá-lo a ter a visão de algumas teorias.
Mister destacar que o fato conhecido deve ser provado, em qualquer das presunções, sendo necessário diligenciar no intuito de constituir evidência do fato presumido. O que ocorre, em alguns casos, é a prescindibilidade da prova sobre o nexo causal.
O comportamento das partes ao longo do processo também é objeto de presunção, tanto judicial quanto legal. O primeiro caso pode ser exemplificado através de uma situação em que a parte obsta ou dificulta a produção de uma determinada prova quando, pelo raciocínio natural, o mais provável seria que ela estivesse interessada em solidificar suas alegações quando corretas. Já quanto ao segundo caso, existe um claro exemplo disposto na Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis, Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade (STJ, 2004, online).
Nesse diapasão, em ações de investigação de paternidade, onde há resistência para a realização de exame que comprove o vínculo sanguíneo entre as partes, a posição do Tribunal de Justiça de Minas Gerais não discrepa da referida súmula, senão vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DE DNA - RECUSA INJUSTIFICADA DOS HERDEIROS - PRESUNÇÃO RELATIVA DE PATERNIDADE - PROVA TESTEMUNHAL FAVORÁVEL À AUTORA - SENTENÇA REFORMADA. 1. O direito ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem genética, por dizer respeito à própria personalidade do indivíduo, constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível (Súmula nº. 149 do STF), calcado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR/88), devendo ser respeitada a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica. 2. Em ação de investigação de paternidade, a presunção relativa de paternidade (Súmula nº. 301 do STJ), decorrente da recusa em se submeter ao exame de DNA, não se limita à pessoa do investigado, devendo atingir os réus que, injustificadamente, se recusam à realização do exame. 3. O fato de os herdeiros terem se recusado, injustificadamente, a se submeterem ao exame de DNA, requerido diversas vezes pela autora que, inclusive, se dispôs a custeá-lo, gera presunção iuris tantum de paternidade, mormente em se considerando, ainda, que a prova testemunhal foi uníssona no sentido de que a autora é filha do falecido. 4. Dar provimento ao recurso. (TJMG - Apelação Cível 1.0056.12.009438-0/001, Relator(a): Des.(a) Teresa Cristina da Cunha Peixoto , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/09/2019, publicação da súmula em 16/09/2019)
Embora seja pouco comentada e estudada, a presunção está muito mais presente no universo jurídico e processual do que se imagina. É que, por se tratar de um exercício de raciocínio, ou de aplicação legal, ela ocorre de forma fluida e natural, sem que muitos a percebam e reflitam sobre seus reflexos. Isso, talvez, porque ainda há muito preconceito a respeito do tema, principalmente sobre a praesumption hominis, tendo em vista que a nomenclatura desse meio de prova, em geral, induz a vê-la como mero achismo proveniente de conclusões sem fundamentos.
A presunção está intimamente ligada à razão. Razão essa conceituada no dicionário Michaelis como
Faculdade do ser humano que lhe permite conhecer, julgar e agir de acordo com determinados princípios; raciocínio []. 9 Filos Indução ou dedução definida pela capacidade de raciocinar []. 10 Filos Capacidade de estabelecer relações constantes entre as coisas, partindo de conceitos a priori, independentemente da experiência [] (RAZÃO, 2020).
Muito se confunde e se mescla presunção, máximas da experiência e valoração de provas, mas é imprescindível saber separá-las, pois cada uma tem seu lugar e sua importância ao longo do processo.
Quanto à limitação da presunção notadamente a relativa, eis que a absoluta encontra-se estritamente definida em lei , até o início do ano de 2015, o Código Civil dispunha da seguinte forma, em seu artigo 230, As presunções, que não as legais, não se admitem nos casos em que a lei exclui a prova testemunhal (BRASIL, 2002, online). Isso porque existem determinados casos em que a lei não admite prova testemunhal, como exemplo o que disposto no artigo 443, incisos I e II do Código de Processo Civil, quando relacionada a confissão ou a fatos já provados por meio documental. Também não se admite prova testemunhal quando a lei exige prova escrita, a menos que haja começo de prova escrita, admitindo-se a prova testemunhal em sua forma subsidiária (artigo 444 do Código de Processo Civil).
Ocorre que a Lei 13.105/2015 revogou o artigo 230 do Código de Processo Civil, reduzindo a limitação da aplicação da presunção. Embora seja ainda mais necessário atentar-se para a arbitrariedade, prudente voltar-se para a fundamentação da sentença, que indicará se houve abuso ou não.
Em parte, essa abertura para a presunção é extremamente positiva para que a prática da mesma seja difundida e passe a ser vista de forma natural, como o é. Pois é fato que muitas sentenças são prolatadas através da convicção do juiz construída por ela e é fato também que muitos ocultam esse caminho percorrido. Mas é necessário que sejam criadas normas regulamentadoras a respeito do tema, para gerar maior segurança jurídica e maior entendimento para os profissionais da área.
2.3.1 Presunção legal absoluta
Também conhecida como iuris et de iure, essa presunção não aceita prova em contrário. Ela decorre de estipulação em lei, com a intenção de facilitar determinada prova e retira do magistrado a possibilidade de exercer o livre raciocínio sobre essa situação específica, eliminando o nexo lógico entre a prova indireta do fato conhecido e do fato presumido.
Um exemplo dessa modalidade está disposto no artigo 185 do Código Tributário Nacional, o qual dispõe que presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa (BRASIL, 1996, online). Nesse dispositivo, o fato desconhecido consiste na fraude contra a Fazenda Pública, o qual se presume, a partir do fato conhecido, no exemplo em tela, a existência do crédito tributário inscrito regularmente na dívida ativa associada à alienação ou oneração de bens.
Todavia, em relação ao nexo causal, a aplicação do raciocínio e lógica administrados pelo juiz, são submergidos pela imposição legal que, nesse ponto, limita a atuação do togado.
Em que pese a presunção iuris et de iure não admitir prova em contrário, patente a necessidade de se constituir o fato conhecido que enseja a presunção. Caso contrário, impossível a aplicação da lei no intuito de facilitar a prova.
Prudente realçar, ainda, que apesar da nomenclatura, a presunção legal absoluta não possui uma natureza probatória. Isso porque ela cria um vínculo decorrente de um fato, gerando consequências com influências futuras.
2.3.2 Presunção legal relativa
A presunção iuris tantum é aquela que decorre de estipulação legal, mas admite prova em contrário do nexo de causalidade e lógica aplicados pelo juiz. Nessa situação, provado o fato conhecido (indireto), aplica-se o que determinado no dispositivo legal, suprindo o nexo lógico e culminando na presunção do fato desconhecido (ligado diretamente ao objeto da demanda). Ou seja, o nexo lógico na presunção legal é a própria norma, não havendo exercício de raciocínio por parte do magistrado. Aqui, cabe à parte prejudicada pela presunção fazer prova contrária dessa designação legal, demonstrando a impossibilidade de aplicação ao caso sobre análise.
Fácil vislumbrar a aplicação desse meio probatório através do artigo 204 do Código Tributário Nacional, que dispõe da seguinte forma
Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.
Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite. (BRASIL, 1996, online)
Na situação sub examen, a inscrição regular da dívida consiste no fato conhecido, que passa pelo nexo lógico estipulado pelo referido dispositivo legal, chegando ao fato presumido, qual seja, a certeza e liquidez da dívida. A diferença para a presunção absoluta está no parágrafo único, o qual possibilita que a parte rompa com o nexo lógico, fazendo com que não chegue a constituir o fato presumido.
2.3.3 Presunção judicial
Uma das análises principais do presente estudo gira em torno da praesumptio hominis. A presunção judicial amplia, significativamente, a atuação do magistrado, carecendo de prudência para não beirar a arbitrariedade. Todavia, quando se reflete sobre o significado do justo e justiça, a utilização dessa metodologia se faz necessária para a efetiva aplicação de tal poder estatal quando as provas diretas carreadas aos autos pelas partes restam insuficientes para o correto deslinde do feito.
Não seria coerente faltar com a efetiva prestação do serviço da justiça pela falha do Poder Judiciário. Então, é nessa seara que a presunção se faz importante. Ela é um caminho a ser percorrido para chegar-se à conclusão de um fato desconhecido, trabalhando através de teorias, com as máximas da experiência e probabilidades.
Para a presunção, os métodos de raciocínio mais relevantes são a indução e abdução, ambos trabalhando com a probabilidade. No primeiro, observa-se se um fato já conhecido repete-se em circunstâncias semelhantes. Já o segundo comporta-se da mesma forma, entretanto, com o objetivo de reconstruir um fato já acontecido, ou seja, com foco no passado.
A importância do método presuntivo pode ser percebida através da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 101.519/São Paulo, na qual, através da presunção, impede-se que o indivíduo burle as leis, tirando vantagem para ações ilícitas. In verbis:
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PRESUNÇÃO HOMINIS. POSSIBILIDADE. INDÍCIOS. APTIDÃO PARA LASTREAR DECRETO CONDENATÓRIO. SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. REAPRECIAÇÃO DE PROVAS. DESCABIMENTO NA VIA ELEITA. ELEVADA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. CIRCUNSTÂNCIA APTA A AFASTAR A MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06, ANTE A DEDICAÇÃO DO AGENTE A ATIVIDADES CRIMINOSAS. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio processual penal do favor rei não ilide a possibilidade de utilização de presunções hominis ou facti, pelo juiz, para decidir sobre a procedência do ius puniendi, máxime porque o Código de Processo Penal prevê expressamente a prova indiciária, definindo-a no art. 239 como a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. Doutrina (LEONE, Giovanni. Trattato di Diritto Processuale Penale. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. p. 161-162). Precedente (HC 96062, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 06/10/2009, DJe-213 DIVULG 12-11-2009 PUBLIC 13-11-2009 EMENT VOL-02382-02 PP-00336). 2. O julgador pode, através de um fato devidamente provado que não constitui elemento do tipo penal, mediante raciocínio engendrado com supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela ocorrência de circunstância relevante para a qualificação penal da conduta. 3. A criminalidade dedicada ao tráfico de drogas organiza-se em sistema altamente complexo, motivo pelo qual a exigência de prova direta da dedicação a esse tipo de atividade, além de violar o sistema do livre convencimento motivado previsto no art. 155 do CPP e no art. 93, IX, da Carta Magna, praticamente impossibilita a efetividade da repressão a essa espécie delitiva. 4. A reapreciação do acervo probatório é vedada na via estreita do habeas corpus, conforme a remansosa jurisprudência desta Corte Suprema. Precedentes (HC 106393, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 15/02/2011; RHC 98731, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010; HC 72979, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 23/02/1996; HC 93369, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/09/2009). 5. In casu: (i) consta dos autos que o paciente, em concurso com um adolescente, transportava e tinha em depósito, para consumo de terceiros, 6,280 Kg (seis quilos e duzentos e oitenta gramas) de maconha, e 787,9 gramas de cocaína em pedra, acondicionadas em invólucros, disso resultando sua condenação a 5 (cinco) anos de reclusão e a 500 (quinhentos) dias-multa, em regime inicial fechado, por estar incurso no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006; (ii) para fundamentar a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, o Juízo de origem ponderou negativamente as circunstâncias do crime, destacando a forma como a droga estava acondicionada e o concurso de pessoas, com envolvimento de adolescente, de forma a facilitar a comercialização, tudo conduzindo à conclusão de que não se trata de uma ação individual e ocasional, mas sim que o paciente se dedicava a atividades criminosas; (iii) apesar da robusta fundamentação, sustenta o impetrante que não houve adequada motivação do arredamento da aludida minorante, pois entende que teria sido considerada apenas a quantidade da droga. 6. O juízo de origem procedeu a atividade intelectiva irrepreensível, porquanto a apreensão de grande quantidade de droga é fato que permite concluir, mediante raciocínio dedutivo, pela dedicação do agente a atividades delitivas, sendo certo que, além disso, outras circunstâncias motivaram o afastamento da minorante. 7. Ordem denegada. (HC 101519, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012) - grifo nosso
É possível compreender a apreensão que as pessoas têm sobre o exercício desse raciocínio que influi significativamente no resultado do processo. Esse temor gira em torno da possibilidade da falha, presente nas ações advindas de homens. Mas é necessário compreender que a presunção judicial trabalha com o convencimento do juiz. Embora busque-se a verdade real da situação trazida em juízo, é sabido que cada parte apresenta aos autos aquilo que lhe favorece, chegando ao magistrado uma história com duas perspectivas diversas. Diante dessa situação, é preciso aplicar o raciocínio sobre o material produzido para que, quando da prolação da sentença, se tenha real convencimento daquilo que se apoia.
Não se nega a possibilidade de falhas, ainda que haja um extremo convencimento da decisão. Ocorre que a sociedade, como um todo, é regida por essas incertezas, ou melhor, por probabilidades. Nenhuma verdade é absoluta diante da imensidão de fatos desconhecidos pelo homem, sendo prova disso toda a evolução científica pela qual a humanidade passou, na qual, dentre muitas teorias, algumas foram descartadas, algumas confirmadas mas posteriormente tomadas como inverídicas e algumas consideradas verdadeiras até os dias de hoje, sendo possível que, no futuro, também sejam modificadas. Entretanto,
Isso não significa evidentemente que o conhecimento baseado em leis probabilísticas (científicas ou derivadas do senso comum) não tenha utilidade, não seja válido e confiável, a menos que se adote a ideia perfeccionista de que a nossa percepção do mundo somente será válida quando fundada em bases objetivas de constatação para que se a considere absolutamente fora de dúvida. Mas, então, seríamos levados a um ceticismo tão nobre como estéril. Para que se dê algum sentido à objetividade do conhecimento empírico ou científico, impõe-se que rechacemos a ideia de que uma teoria seja arbitrária a menos que fulcrada em um fundamento indubitável [] (BORGES, 2016, p. 402).
É por isso que a sentença deve ser muito bem fundamentada, mostrando quais caminhos foram percorridos e porque se chegou àquela conclusão. É exigido clareza de modo que indique o motivo de tal teoria ser a mais aceita.
Pode acontecer que o juiz fique em dúvida, a princípio, entre duas ou mais teorias. Essa situação é resolvida em etapas. O primeiro passo é verificar atentamente se há alguma prova constituída nos autos que refute a teoria. Superada essa fase, é necessário analisar qual das hipóteses flui de forma mais natural e, em sequência, de forma mais coerente. Importante também que se estabeleça a congruência das hipóteses com os fatos, devendo incluir tudo o que foi provado nos autos, imprescindível que haja correspondência entre os fatos e a norma jurídica.
Inegável, também, a importância do contraditório, não só como mais uma barreira para diminuir as chances de erros, mas como segurança processual, já garantida amplamente no artigo 9º do Código de Processo Civil. Ocorre que os problemas surgem à medida que este instituto segue sem muita regulamentação. Embora prevista no código e em concordância com a Constituição Federal (artigo 5º, inciso LV), sendo simples de achar sua limitação, é complexo compreender seu desenvolvimento e formação.
Muito comum nas decisões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, posicionamentos pela ocorrência do dano moral, em casos consumeristas, através de raciocínios construídos pela presunção homini amparada nas máximas da experiência. Senão vejamos
AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CONTRATO - CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS CELEBRADOS MEDIANTE DOLO - NULIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS - AUTOR - PESSOA IDOSA - ART. 37, IV DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - CONTRATO CELEBRADO A MANDO DO CORRENTISTA/CONSUMIDOR - COMPROVAÇÃO - DEVER DA REQUERIDA - PRECEDENTES DO STJ - AUSÊNCIA DE PROVA - DANOS MORAIS - DESCONTOS INDEVIDOS - SENTENÇA MANTIDA. Tratando-se de relação de consumo, a responsabilidade imposta no art. 14 do CDC, pelo fato do serviço, é objetiva, independente de culpa, baseando-se no defeito, dano e nexo causal entre o dano ao consumidor-vítima e o defeito do serviço prestado, só não sendo responsabilizado o fornecedor do serviço quando o defeito inexiste ou se houver culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. O dano moral existe in re ipsa derivando do próprio fato ofensivo, de tal sorte que, provada a ocorrência do fato lesivo, a sequela moral aflora como presunção hominis (ou facti), que decorre das regras da experiência comum, daquilo que ordinariamente acontece. A fixação do quantum indenizatório a título de danos morais deve obedecer aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, observados o caráter pedagógico, punitivo e reparatório. A repetição de indébito prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, tem como requisito a presença de má-fé do credor. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.16.086968-1/001, Relator(a): Des.(a) Aparecida Grossi , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/08/2017, publicação da súmula em 24/08/2017)
A priori, é confuso entender qual o momento certo do contraditório. Alguns entendem que ele ocorre apenas em sede recursal, mas é preciso ver o processo como uma obra completa, sendo extremamente importante o conhecimento dos advogados a respeito da presunção. Em determinado momento processual, é oportunizado às partes a especificação de provas, momento no qual são juntados aos autos documentos, testemunhas, provas periciais e etc. Algumas vezes, essas provas serão indiretas, gerando indícios que serão ligados ao fato principal. Quando o advogado tem conhecimento sobre a presunção, nessa fase processual, utilizando-se do contraditório, poderá apresentar ao juiz teorias que contrariem aquilo que a outra parte tenta provar, bem como também pode romper, através de alguma prova, ou teoria, o nexo que liga aquele fato indireto ao fato principal.
Entretanto, em virtude do escasso conhecimento a respeito da presunção, mais precisamente a praesumptio hominis, é comum que o referido contraditório aconteça apenas através de recurso, quando o patrono se dá conta de que existe outra teoria que rebate aquela tese apresentada pelo magistrado. Como não é possível apresentar prova nova para rediscussão da matéria, cabe ao advogado tão somente romper com o nexo causal da teoria, demonstrando a inaplicabilidade ao caso concreto do que discorrido na decisão, tornando a presunção inaplicável aos autos.
Conforme já abordado anteriormente, a presunção judicial é relativa, admitindo prova em contrário. Embora cause estranheza, a possibilidade de afastá-la reflete grande segurança jurídica, senão vejamos: se de alguma forma, pela presunção, resta comprovado que o devedor não quitou com o débito, basta que ele apresente o comprovante de pagamento para romper com o nexo causal da situação presumida.
É possível que se confunda presunção e valoração de provas. Isso é devido à linha tênue que as divide. Entretanto, como já mencionado, a valoração tem relação com o peso dado pelo juiz às provas produzidas nos autos, ao passo que a presunção liga-se ao convencimento do magistrado. Fato é que uma não anula a outra, estando a valoração sempre presente quando da sentença e a presunção sempre que necessária.
3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PELA CONFUSÃO PATRIMONIAL
A presunção, inclusive a hominis, é perfeitamente aplicável a todos os ramos do direito, ante tudo o que já exposto anteriormente mas, em suma, por se tratar de uma atividade de raciocínio.
A título de exemplificação, é possível imaginar uma situação de desvio de clientela envolvendo três empresas, X (ramo de materiais de construção), Y (ramo de materiais de construção) e Z (ramo de construções e conserto de asfalto). A empresa X fornece materiais para a Z, que realizará obras em uma das ruas da cidade após vencer a licitação municipal. Aproveitando desse vínculo, o responsável pela empresa X acorda, verbalmente, com Z para atrasarem as obras que estão interditando a rua na qual Y está situada, de modo que os clientes desta encontrem acesso fácil à empresa X, localizada na rua anterior. Dificilmente será possível a produção de provas diretas relacionadas a esse desvio de clientela. Mas seria possível aplicar um certo raciocínio, a partir de indícios, como ofertas de preços muito baixos para a empresa Z, ou a transferência de valores de X para Z.
Recentemente, houve uma alteração no Código Civil através da Medida Provisória número 885/2019, a qual trouxe atualidade para discussão a respeito da desconsideração da personalidade jurídica, ante as novas conceituações implementadas ao Código.
Estabelecendo uma ligação entre esses dois assuntos, percebe-se que existem algumas situações em que a desconsideração da personalidade jurídica ocorrerá através do convencimento pela presunção, ante a dificuldade de se produzir determinada prova.
Para a realização da análise prática, através do estudo de caso, é necessário fazer um apanhado a respeito da pessoa jurídica e do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
3.1 A pessoa jurídica
Essencialmente importante para a economia do país, a atividade empresarial apresenta grandes riscos para quem, nela, decide investir. Foi objetivando fomentar a atividade empresarial que criou-se a Pessoa Jurídica, de modo a resguardar o patrimônio dos empresários. É por esse motivo que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica apenas deve ser aplicado como exceção, restando comprovado o uso indevido de tal proteção. Importante frisar, ainda, que a desconsideração não anula a personalização da pessoa jurídica, servindo tão somente para corrigir um abuso de sua utilização, de modo a responsabilizar os responsáveis que objetivam lesar terceiros.
A Pessoa Jurídica encontra respaldo legal nos artigos 40 e 41 do Código Civil:
Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código. (BRASIL, 2002, online)
Segundo dispõe Gonçalves (2019), existem quatro requisitos para se constituir a personalidade jurídica, sendo eles (i) vontade humana de duas ou mais pessoas, unidas pelo affectio societatis, (ii) a criação do ato constitutivo, através de estatuto ou contrato social, sendo formalmente exigido pela lei, (iii) o consequente registro no órgão competente, para que seja de fato concebida e, por último, (iv) liceidade do objetivo, devendo, ainda, ele ser determinado e possível.
A partir da criação da personalidade jurídica, os membros criadores investem uma parcela de seu patrimônio nas sociedades sobre o qual haverá uma limitação da responsabilidade que eventualmente recaia sobre a empresa a depender do tipo societário, como se verá logo adiante.
Pode-se dizer, basicamente, que as sociedades dividem-se em duas categorias quanto à responsabilidade dos sócios: limitada e ilimitada. Nas sociedades de responsabilidade limitada, via de regra, a empresa responderá até o limite de seu capital devidamente integralizado, protegendo, de certa forma, o patrimônio de seus sócios, como nos casos das sociedades limitadas, anônimas e EIRELI. Lado outro, nas sociedades de responsabilidade ilimitada, todos os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais, como por exemplo a Sociedade em nome coletivo, onde o patrimônio dos sócios pode ser atingido em decorrência de responsabilidade inerente à empresa.
Embora exista uma proteção ao patrimônio dos sócios em certos casos, a legislação prevê a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica para que esse privilégio não se transforme em um instrumento para fraudar os credores.
3.2 A desconsideração da personalidade jurídica
Bruschi et al. (2015, p. 138) conceituam a desconsideração da personalidade jurídica
como um meio de repressão à frustração da atividade executiva, caracterizado pela decretação da inoponibilidade (ineficácia relativa) do limite patrimonial da pessoa jurídica, permitindo que sejam atingidos os bens de seus sócios, ex-sócios, acionistas, ex-acionistas, administradores, ex-administradores e sociedades do mesmo grupo econômico [].
Prevista no artigo 50 do Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerida em duas situações: quando há desvio de personalidade o qual não é o foco do presente estudo, portanto se passará brevemente por seus conceitos ou nos casos em que há confusão patrimonial.
Antes de 2019, a redação do artigo 50 do Código Civil era a seguinte:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (BRASIL, 2002, online)
Entretanto, houve uma alteração no Código Civil quanto ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica, conceituando alguns pontos que a doutrina vinha discutindo há alguns anos, encontrando-se com a atual redação mais complexa, conforme pode se verificar:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (BRASIL, 2002, online)
É possível perceber que a nova redação dada reforça a ideia de desconsideração da personalidade jurídica como uma exceção, eis que a lógica é proteger o patrimônio do empresário ante a importância econômica da atividade. Ademais, confusão patrimonial e desvio de finalidade foram conceituados, simplificando o entendimento de tais pontos. Em adição, empresas do mesmo grupo econômico apenas serão cobradas se forem constatados os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, além de exigir clareza quanto à fraude para atingir o patrimônio dos sócios. Ainda, não se exige mais o dolo específico para que reste caracterizada o desvio de finalidade. E, por fim, é possível perceber que o dispositivo trouxe, em seu parágrafo 3º, o instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica, abrangendo os sócios e os administradores na referida norma.
Em que pesem as conceituações apontadas nos parágrafos 1º e 2º, o inciso III deixa, novamente, em aberto para discussão a respeito de situações de descumprimento da autonomia patrimonial.
Recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais demonstra a possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica a partir de indícios, dispensando a prova cabal. In verbis:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - FASE EMBRIONÁRIA DO PROCEDIMENTO - REQUISITOS CONSTANTES DO ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL - DESNECESSIDADE DE PROVA CABAL DA PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS - SUPOSTO ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DA PESSOA JURÍDICA, PORÉM COM CADASTRO AINDA ATIVO JUNTO À FAZENDA PÚBLICA - INDÍCIOS DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR - SÚMULA 435 DO STJ -ELEMENTOS INDICATIVOS DE DESVIO DE FINALIDADE. - Tratando-se de fase ainda prematura do incidente de desconsideração de personalidade jurídica, já que se procederá apenas ao exame de sua admissibilidade, não se exige a demonstração cabal dos pressupostos constantes do art. 50 do Código Civil - Havendo indícios de dissolução irregular da pessoa jurídica executada, haja vista a manutenção de cadastro ativo junto à fazenda pública, a despeito do suposto encerramento de suas atividades, tem-se por atendido os requisitos para instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. - Agravo a que se dá provimento. V.V - A desconsideração da personalidade jurídica é uma medida de transposição da proteção jurídica dos sócios concernente à autonomia patrimonial da empresa, para atingir o patrimônio daqueles, nas hipóteses em que haja abuso decorrente de desvio de personalidade ou confusão patrimonial, nas definições dadas pelo art. 50, caput e parágrafos, do Código Civil. - Consoante dispõe o Código de Processo Civil, compete ao requerente apontar o preenchimento dos requisitos legais da desconsideração da personalidade jurídica, mas não se exige prova pré-constituída para a instauração do incidente, porquanto a prova para o convencimento de suas alegações poderá ser realizada posteriormente, no decorrer da instrução processual. - Se a parte exequente alega a existência de uma das hipóteses previstas na legislação civil para a desconsideração da personalidade jurídica, mas não descreve quais condutas do executado corresponderiam às definições legais, não deve ser admitida a instauração do incidente. - As alegações de dissolução irregular de uma empresa e de inexistência de bens penhoráveis não fazem presumir a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza, sendo necessário o apontamento de circunstâncias específicas que façam incidir essa conclusão. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.035278-9/001, Relator(a): Des.(a) Fernando Lins , 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/06/0020, publicação da súmula em 17/06/2020) - grifo nosso.
Como é possível depreender do referido decisum, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser determinada a partir de presunção. Entretanto, a mera alegação de dissolução irregular da empresa não demonstra, diretamente, a ocorrência de uma das hipóteses de confusão patrimonial ou desvio de finalidade. É que a presunção baseia-se em situações que se repetem em casos similares, e no caso de dissolução irregular existem vários fatores que não necessariamente o abuso de personalidade como, por exemplo, o que disposto na Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça, “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente” (STJ, 2010, online).
3.2.1 Teoria menor
Sendo a primeira norma a prever o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, o Código de Defesa do Consumidor adota a Teoria Menor. De acordo com Tomazette (ANO, p. 275 apud COELHO, 2006, p. 46), tal teoria
afirma que basta o não pagamento de um crédito para se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica. Se a sociedade não tiver patrimônio para honrar suas obrigações, mas os sócios forem solventes, deve‐se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica.
Em virtude da fragilidade do consumidor, a norma consumerista prioriza a proteção deste em razão da pessoa jurídica. Entretanto, tal corrente é duramente criticada por ir contra o instituto da personalidade jurídica. Isso porque a mera insolvência do devedor não enseja a desconsideração, que só pode ser determinada havendo fraude.
3.2.2 Teoria maior
Já a teoria maior, adotada pelo Código de Processo Civil, tem um maior respeito pelo instituto da personalidade jurídica, eis que exige a comprovação de abuso de personalidade. Ela toma como base dois elementos subjetivos, quais sejam fraude e abuso de direito.
Pereira (2011, p. 448) discorre que a fraude é, “segundo os princípios assentados em nosso direito, em consonância com as ideias mais certas, a manobra engendrada com o fito de prejudicar terceiro”. O que caracteriza a fraude é justamente essa vontade de afetar negativamente outrem, agindo de má-fé.
Em complementação, o abuso de direito está intimamente ligado à proteção garantida por lei à pessoa jurídica, ocorrendo em uma situação, por exemplo, onde há o desvio dessa finalidade para a prática de um ato ilícito.
Nesse sentido, o Código Civil, em seu artigo 187 dispõe que
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL, 2002, online)
Por se tratar de um critério subjetivo, o magistrado encontra-se livre para formar seu convencimento quanto à aplicação da desconsideração ou não.
4 A PRESUNÇÃO APLICADA À DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Conforme se depreende das sentenças encontradas em anexo, o assunto de ambos processos são estritamente semelhantes, abordando a desconsideração da personalidade jurídica ante a confusão patrimonial. Ocorre que, diante de algumas distinções ao longo da fase de instrução processual, os resultados das ações divergem. Em uma delas, caminhou-se pela procedência, ao passo que, na outra, o desfecho foi pela improcedência.
Na sentença proferida nos autos de número 0014194-41.2018.8.13.0194 é possível perceber que a fundamentação começa trazendo o dispositivo legal para a realidade do caso concreto, mostrando ser possível a aplicação do mesmo na situação levantada em juízo. Isso porque, para prosseguir para o convencimento, é necessário saber se o requerimento das partes é possível dentro do universo jurídico.
Adiante, o magistrado pontua seu posicionamento e passa a explicá-lo. Os primeiros indícios levantados são a identidade do ramo negocial das empresas e semelhança nas atividades empresariais. O segundo indício consiste no fato de a pessoa física que constituiu a empresa executada estar presente na empresa suscitada, tendo recebido a intimação dirigida ao responsável pela suscitada. O terceiro e último indício apresentado adveio da oitiva das testemunhas, que sustentaram a identidade entre as empresas em razão da adoção do mesmo nome fantasia bem como afirmaram que o estoque de ambas é o mesmo.
Dentre as teorias formuladas pelo magistrado quando da análise dos fatos, não houve provas que afastassem todas. Como explicado no decisum, a empresa suscitada não comprovou que adquiriu onerosamente o estoque da empresa executada, sequer alegando tal possibilidade. Também não foi comprovado que o sócio responsável pela empresa suscitada teria poderio econômico para dispor do valor necessário para levantamento do capital social.
Diante dos indícios apresentados e dos nexos causais possíveis, bem como da ausência de contraprova que rompesse com o raciocínio, é possível que o juiz presuma que de fato houve confusão patrimonial. Motivo pelo qual o magistrado determinou a desconsideração da personalidade jurídica.
Já a sentença prolatada nos autos de número 0029543-55.2016.8.13.0194, de igual forma, demonstra a adequação da norma jurídica ao caso concreto. Todavia, compreendeu o magistrado haver a necessidade de provas robustas que gerassem certeza, de forma absoluta, da ocorrência de abuso da personalidade jurídica.
Voltando para o ônus da prova, a parte autora não demonstrou os fatos constitutivos do seu direito, não tendo nem que se falar em aplicação da presunção. Isso porque não existiu indício, não teve prova indireta da qual o juiz pudesse exercer o raciocínio para chegar a uma conclusão.
A alegação autoral baseou-se na ausência de patrimônio da executada para requerer a desconsideração da personalidade jurídica, sem comprovar, por seu turno, uma fraude ao credor decorrente da alienação de bens ou o desaparecimento dos sócios responsáveis após transferências de valores e bens da empresa.
Sobre esse segundo caso, a parte poderia ter comprovado que a empresa executada procedia com transferências de valores para as demais empresas das quais é sócia, mascarando seu patrimônio. Seria esse um indício sobre o qual o togado poderia exercer seu raciocínio, ligando-o a outras provas e concluindo pela existência de abuso da personalidade jurídica.
Notório que, diante da peculiaridade de cada situação, é comum que ações semelhantes culminem em diferentes resultados, haja vista que a dilação probatória, diretamente ligada à decisão final, difere caso a caso. Ademais, o entendimento e posicionamento varia de acordo com o juiz, sendo sempre primordial o convencimento deste. Por isso é importante a clareza na fundamentação da sentença, para que esteja disponível a todos a motivação para a procedência ou improcedência de uma ação, tornando possível a reforma ou não da decisão.
Certo é que cada magistrado adota uma metodologia para estruturar a sentença e que nem todos são adeptos à utilização da presunção. Certo, ainda, que muitos a utilizam, mas mascaram sua presença na fundamentação por ainda existir um pensamento que considera que os frutos desse mecanismo resultam em algo fraco e aberto para reforma.
Esse comportamento de ocultação contribui para reforçar o preconceito acerca da presunção, minimizando sua credibilidade ao invés de reforçá-la.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em linhas gerais, é possível inferir que a presunção judicial está fortemente presente no universo jurídico, essencial, em muitos casos, para que se chegue à justa solução do litígio. Trata-se de assunto complexo e de difícil esgotamento de estudo, principalmente no ordenamento jurídico brasileiro, ante a escassez de regulamentações a respeito.
Percebe-se que as presunções dividem-se em dois tipos, sendo legal ou judicial. A primeira encontra-se disposta expressamente em lei, sendo dispensado o nexo causal, eis que suprimido pelo dispositivo legal. A segunda cinge-se, resumidamente, em verdades hipotéticas, frutos do raciocínio do juiz.
Assim sendo, a presunção legal decompõe-se em duas classes, admitindo prova em contrário (relativa) ou não (absoluta). Quando se menciona a possibilidade de constituir prova em contrário, tem-se que o nexo causal é o elo que efetiva a ligação ao fato presumido, tendo em vista que o fato indireto, enquanto objurgado pela presunção, deve restar comprovado nos autos.
O método presuntivo permite o alcance de uma conclusão a partir de um fato conhecido, chegando-se ao desconhecido, foco principal da ação. É através dele que muitas ações não são extintas com base na ausência de provas, eis que muitas das causas trazidas em juízo são de difícil, se não impossível, produção de provas diretas.
Mas, antes da presunção, o magistrado exerce a valoração, ponderando e atribuindo peso a cada prova constituída nos autos. É na valoração que, por exemplo, se pontua que o depoimento de uma testemunha compromissada tem maior peso do que o de uma testemunha que foi ouvida como mera informante, não tendo prestado compromisso em juízo. Ou ainda, é a partir dessa premissa que o laudo pericial passa a ter maior relevância se comparado com a peça técnica produzida pelo assistente técnico escolhido pela parte, percebendo-se assim a conservação da imparcialidade de julgamento.
Pelos indícios acostados aos autos, e já com o processo da valoração, dá-se início ao raciocínio, apoiando-se, em diversas ocasiões, nas máximas da experiência. Isso, contudo, sem extrapolar a linha limitadora daquilo que foi constituído na ação pois, apesar da abertura para o exercício da razão, o juiz deve se ater ao processo.
Por seu turno, as máximas são frutos de casos semelhantes, nos quais restou possível inferir algumas regras pela experiência e observação, dada a fluidez natural das coisas e da relação criada entre os fatos. Elas baseiam-se em saberes culturais e pessoais do juiz, permeando conhecimento empírico ou técnico. Por ter profunda ligação com a sociedade, são extremamente importantes para a aplicação e modernização do direito.
As atividades exercidas por um magistrado são complexas e esse universo de estudo é primordial para a fluidez em uma ação. Se os advogados compreendem de qual forma se dá o convencimento do juiz é mais simples visualizar as possibilidades para diligenciar da melhor forma, consignando o melhor interesse do cliente e, consequentemente, garantindo maior celeridade processual e efetividade na busca pela defesa do direito do judicializado.
Apesar de a presunção ser aplicada unilateralmente pelo magistrado, não se pode esquecer das garantias processuais. O contraditório está sempre presente à medida que é oportunizado às partes manifestação quanto às provas a serem produzidas ou já encontradas nos autos. Como a presunção decorre de um fato indireto provado nos autos, o contraditório ocorre durante a fase instrutória do processo ou em sede recursal.
Além disso, a limitação que havia no ordenamento jurídico, limitando a presunção aos casos em que é aceito a prova testemunhal, foi revogada em meados de março de 2015. Isso não significa que ela se encontra irrestrita. Sua barreira vai de encontro com a arbitrariedade, não podendo o juiz utilizar-se da presunção para portar-se de forma arbitrária.
Diante de tudo que foi exposto, é possível perceber que a certeza é uma convicção subjetiva, diretamente relacionada à probabilidade e comprovação. De várias teorias, acolhe-se aquela mais provável e plausível. Posto isso, pode-se afirmar que a presunção não é uma prova em si, mas sim uma metodologia decorrente do raciocínio.
Prudente entender, ainda, que é necessário um aprofundamento sobre o tema não só no meio acadêmico, mas estendendo-se ao ordenamento jurídico. A falta de regulamentação a respeito do presente assunto contribui para escassez de estudos desse método, que ganha pouca visibilidade. É que a presunção ocorre de forma natural, eis que fruto do raciocínio, passando despercebida em muitas ocasiões.
Um bom ponto de partida seria conceituar a presunção hominis no Código, mostrando e marcando sua presença e abrindo campo para discussão. De igual forma, é muito importante que seja possível encontrar na lei a limitação desse método para que a compreensão seja mais simples e clara, até mesmo para proporcionar uma maior segurança jurídica.
O importante é perceber a presunção como um exercício de raciocínio lógico e não como meras suposições, devendo sempre ser acompanhada de uma clara fundamentação que demonstre o nexo lógico estabelecido entre a prova indireta e o fato presumido, evidenciando sua progressiva necessidade de figuração em processos judiciais. Assim, torna-se possível que, se necessário, a parte demonstre que o raciocínio estabelecido está equivocado de modo a romper a ligação, em sede recursal.
Em suma, o método de ilação presuntiva possui três pilares que o sustentam: fato conhecido, nexo de causalidade e fato desconhecido.