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Abordagem policial e o uso arbitrário de suas prerrogativas

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4 Pesquisa de campo

A pesquisa foi realizada com trinta e sete pessoas distintas, através do preenchimento de um questionário de investigação quantitativa e qualitativa elaborado através da plataforma de pesquisa Google Forms, contendo 4 (quatro) perguntas objetivas e 2 (duas) perguntas subjetivas.

O público alvo da pesquisa foram pessoas que já foram submetidas ao procedimento de abordagem, sendo este o único critério para participar da investigação, que tem por objetivo ouvir a experiência dessas pessoas e conhecer a forma que a abordagem policial é desenvolvida na prática.

4.1 Análise dos dados da pesquisa

Neste capítulo, serão analisados os resultados da pesquisa de campo, cujo público-alvo restou configurado com pessoas de idade, gênero, classe e estados diversificados, que já foram submetidas ao procedimento de abordagem, seguido de gráficos com porcentagem dos resultados obtidos na pesquisa, bem como o depoimento de alguns participantes, relatando suas experiências ao serem submetidos ao procedimento supramencionado e as sugestões de melhoria que acreditam que contribuirá para o melhor desempenho desta.

A pesquisa foi realizada com as seguintes indagações:

(i) Quando abordado pela polícia você se sente seguro ou amedrontado ?

(ii) Quando abordado, você estava em atitude suspeita ?

(iii) Se a sua resposta para a pergunta anterior foi SIM, descreva o porquê

(iv) Você conhece os seus direitos e garantias ao ser abordado pela polícia ?

(v) Você está satisfeito com a forma que a polícia trata os cidadãos quando os aborda ?

(vi) Descreva, resumidamente, a sua opinião quanto a abordagem policial, e as sugestões de melhoria que julga eficiente para tal.

Seguem os dados obtidos e a respectiva análise:

Gráfico 1 Satisfação com a forma de abordagem policial.

Fonte: Pesquisa de campo (2021).

O gráfico 1 procurou investigar se os respondentes estão satisfeitos com a abordagem desenvolvida pelos agentes policiais. A maioria 43,2% afirmou estar um pouco satisfeita. 37,8% dos respondentes disseram estar totalmente insatisfeitos, e 18,9% declararam estarem muito satisfeitos com a forma que a abordagem é desenvolvida.

Gráfico 2 A sensação de segurança diante da abordagem.

Fonte: Pesquisa de campo (2021).

O gráfico 2 buscou conhecer a sensação que a abordagem policial despertou nos respondentes. Embora 36,1% dos que responderam a pesquisa tenham tido a sensação de segurança quando submetidos ao procedimento, a maioria, sendo 63,9%, sentiu medo.

Gráfico 3 A situação fática-jurídica em que os respondentes se encontravam quando foram abordados pela polícia.

Fonte: Pesquisa de campo (2021).

O gráfico 3 buscou identificar a condição em que cada um dos respondentes se encontrava quando foram abordados pela polícia, isto é, se encontravam-se em atitude suspeita ou não quando a abordagem ocorreu. 80,6 % dos respondentes consideram que não estavam em atitude suspeita quando foram abordados pela polícia, enquanto apenas 19,4% dos respondentes acreditam que estavam em atitude suspeita.

Gráfico 4 Conhecimento dos respondentes acerca dos seus direitos e garantias ao serem abordados pela polícia.

Fonte: Pesquisa de campo (2021).

O gráfico 4 buscou identificar se os respondentes são conhecedores dos direitos e garantias que lhes são assegurados constitucionalmente, que limitam a atuação dos agentes policiais para que não ocorra excesso no desempenho de suas funções. A maioria dos respondentes, com 43,2% disseram conhecer apenas alguns desses direitos e garantias; 32,4% disseram serem conhecedores e 24,3% votaram para não e afirmaram total desconhecimento.

4.2 Depoimentos dos respondentes acerca do procedimento de abordagem e sugestões que julgam eficiente para contribuir com a melhoria do serviço.

Dos depoimentos realizados foi possível observar que a maioria dos respondentes considera o procedimento de abordagem como sendo realizado sem a incidência de critérios, o que despertou nestes o sentimento de desrespeito e medo quando submetidos ao procedimento de abordagem policial. Apesar de haver, poucos foram os depoimentos que relataram uma boa experiência e descreveram a abordagem como sendo respeitosa e segura.

Dentre as principais características relatadas pelos respondentes como estando presente durante a abordagem encontraram-se a incidência da abordagem sem fundada suspeita; uso excessivo da força; arrogância e discriminação, o que culminou na insatisfação de mais da metade dos participantes da pesquisa de campo realizada.

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Perguntados sobre as alternativas que consideram como sendo eficientes para contribuir com a melhoria do procedimento de abordagem, os respondentes sugeriram a realização de cursos de aprimoramento; acompanhamento psicológico; a prevalência de diálogo e respeito durante a realização do procedimento e a valorização da classe profissional na busca pelo melhoramento na abordagem policial atualmente desenvolvida na sociedade.


Conclusão

Observou-se através dos resultados obtidos nas pesquisas que as prerrogativas dos órgãos policiais, instituídas pelo Estado na busca pela promoção da segurança pública, estão colidindo com os direitos e garantias fundamentais, o que decorre da realização de uma abordagem sem critérios e sem preservar o que dispõe a Constituição Federal de 1988. Como consequência dessa ausência, origina-se uma nova forma de violência, que foge da finalidade do próprio órgão que busca combatê-la.

O advento de uma nova espécie de violência apresenta-se diante da violação da dignidade da pessoa humana e a prática de atos para além do que dispõe a lei que, de forma conjunta, resultam em ilegalidade, desvio de finalidade e desrespeito às garantias e princípios basilares do ordenamento jurídico do país.

A importância na observância ao princípio da dignidade humana no desempenho da abordagem policial reforça-se pela necessidade de que haja vida para que se usufrua dos demais direitos, pois ainda que não haja hierarquia entre os direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, o direito a vida requer uma atenção maior para que os outros direitos venham a ser desfrutados.

Dentre as atribuições conferidas aos órgãos policiais, encontra-se a busca pela promoção da segurança pública que, embora não seja dever apenas destes, mas da população em geral, possuem autonomia e recursos maiores para alcança-la em comparação aos cidadãos comuns.

Sendo a segurança pública dever de todos, a realização de procedimentos necessários na busca desta, pautado na dignidade humana somado à cooperação dos civis, revela-se como sendo uma alternativa de trabalho conjunto e eficaz para se alcançar resultados satisfatórios na busca pela paz social.

A construção de uma relação de confiança entre a população e os agentes públicos, que finde o temor da abordagem construído ao longo dos anos, revertendo-o em sentimento de segurança é possível de ser alcançado através de da prevalência do respeito e da cooperação entre o agente e o cidadão.

A abordagem policial é instrumento necessário na busca pela promoção da segurança pública, mas deve ser realizada com planejamento, inteligência, mediante critérios que permitam, conjuntamente, a realização do ofício e a preservação dos direitos e garantias da população, pois só desta forma, a finalidade instituída ao órgão estará sendo realizada de forma eficiente.

Em casos onde haja fundada suspeita, os agentes policiais tem a disposição diversos instrumentos que possibilitam a realização de suas atividades de forma eficiente sem que esta resulte em arbitrariedade, ilegalidade e até mesmo violência; conduzir até a delegacia de policia para apuração dos fatos e tomada das diligências necessárias são uma delas.

A partir dos resultados obtidos na pesquisa de campo, foi possível identificar que parte dos respondentes alegaram já terem sido subjugados a situações que, analisadas no caso concreto, se emolduram nas circunstâncias tipificadas como prática de tortura, mais precisamente enquadradas no que dispõe artigo 1º, inciso I, alíneas a e b e inciso II parágrafo 1º da lei 9.455 de 07/04/1997, quando submetidos a constrangimentos com emprego de violência ou grave ameaça, e que apesar de não concordarem com a conduta dos agentes, não souberam identifica-la como sendo uma conduta ilegal.

A polícia não possui como uma de suas atribuições à aplicação da pena e, ainda que assim fosse, a violência jamais seria uma pena sentenciada a ser cumprida, pois é expressamente vedada no ordenamento jurídico brasileiro.

A problemática levantada acerca da abordagem policial requer a criação de um órgão fiscalizador que regule a atuação desses agentes de forma eficiente; impondo limites e estabelecendo deveres que reforcem o que dispõe o texto constitucional no capítulo destinado as garantias fundamentais e as demais legislações já mencionadas, buscando a diminuição na incidência da arbitrariedade durante a abordagem policial.

É indispensável a realização de cursos de aprimoramento em busca de melhorias nas atividades desempenhadas pela classe; acompanhamento psicossocial visando à construção de uma relação mais humana e menos discriminatória entre o agente e o cidadão que, conjuntamente, tornem o procedimento de abordagem policial mais preventivo e menos repressivo.

A valorização da classe é também indispensável diante da grandiosidade de trabalho exercido por estes agentes e exposição a risco constante a que se submetem, de modo a reconhecer a importância social do serviço desempenhado por esses agentes públicos e recompensá-los de forma equivalente.

Faz-se necessário, ainda, a criação de programas educacionais voltados a levar a conhecimento dos agentes públicos e da população, os direitos e garantias fundamentais assegurados constitucionalmente, para que saibam identifica-los na prática, buscando a preservação destes.

Com o conhecimento acerca dos direitos e garantias fundamentais, o agente público buscará a realização da abordagem pautada em critérios constitucionais; e a população saberá identificar caso estes critérios se façam ausentes, para desta forma, buscarem meios de repará-los.


Referências:

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Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.

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KUMAGAI, Cibely, NADER Taís. Princípio da dignidade da pessoa humana. Âmbito jurídico. Ano 2010.

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ALVES, Pedro. Na contra mão do Brasil, PE tem aumento de 58% no número de mortos por policiais; variação é a segunda maior do país. Portal G1, Pernambuco, 2021.

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MATTOS, Adriana; CARVALHO, Talita. Artigo Quinto, 6 de junho de 2019. Disponível em www.politize.com.br/artigo-5/tortura/.

Sobre os autores
Aldo Raphael Mota de Oliveira

Advogado, Docente do curso de Graduação em Direito da UNINORTE-SER, Pós-Graduado em direito Civil e Processo Civil ESA/AM, Membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas ABRACRIM, Mestrando em direito pela Universidade La Salle/Canoas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Larissa Amoêdo; OLIVEIRA, Aldo Raphael Mota. Abordagem policial e o uso arbitrário de suas prerrogativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6838, 22 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96685. Acesso em: 22 dez. 2024.

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