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Usucapião de imóvel hipotecado sob a ótica do novo Código Civil

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Agenda 25/04/2007 às 00:00

4 A usucapião de imóvel hipotecado

4.1 Possibilidade de usucapião sobre bem hipotecado

Quanto aos bens passíveis de usucapião, é de se ressaltar que jamais poderão ser adquiridos por esse meio aqueles que forem fora do comércio, ou aqueles que forem públicos, já que contra estes não corre a prescrição [08] (Art. 2º do Dec. 22.785/33, hoje havendo vedação expressa à usucapião na CF/88, Art. 183, § 3º e no CCB/02, Art. 102.). Nesse sentido, a Constituição de 1988 foi absoluta, vedando qualquer possibilidade de usucapião de bens públicos, antes permitida em alguns casos.

Registre-se que os bens de entes da administração indireta que tenha regime de direito privado não se enquadram, em princípio, nessa categoria (§ 1º, inc. II do art. 173 da CF/88). Contudo, há alguns julgados declarando não ser possível a usucapião de bens de empresas públicas, justificando-o com base no objetivo social da empresa [09], argumento que se torna mais relevante ainda quando o imóvel objeto de usucapião tiver sido adquirido com recursos provenientes do Sistema Financeiro da Habitação ou do FGTS, dos quais a empresa seja agente financeiro.

Quanto a imóveis que estiverem pendentes de hipoteca, ou gravados com outros ônus reais, é de ser salientado que não há qualquer óbice a sua aquisição por usucapião. Isso porque qualquer gravame que tenha sido instituído por ato negocial ou por qualquer outro ato jurídico não torna o bem insuscetível de prescrição aquisitiva, meio originário de aquisição, especialmente em relação ao terceiro usucapiente que não foi sequer parte do negócio. Serpa Lopes (2001, p. 694), quanto aos bens inalienáveis nesses casos, refere que:

Se, porém, a sua inalienabilidade de um ato negocial ou de outro ato jurídico qualquer sob a cobertura do Direito Privado, como no caso de pactos antenupciais, dote, doação, legado, cláusulas testamentárias, o usucapiente é res inter alios acta, e porque a sua aquisição é de caráter originário, nenhum empecilho pode encontrar nessa incomercialidade, porquanto entre o usucapiente e o proprietário contra quem ele adquire não existe a menor relação de sucessoriedade.

Além disso, é de se ressaltar que a usucapião, enquanto fato jurídico, não pode ser obstada por registro de eventual gravame, até porque é da sua essência contrariar o que está registrado na matrícula do imóvel, vez que isso é matéria de direito, e não de fato. Caso o registro da propriedade ou de eventual direito real de garantia sobre o imóvel fosse preponderante sobre a usucapião, esta jamais poderia existir, pois, a despeito dos fatos, prevaleceria como proprietário aquele que tivesse em seu favor a titularidade formal. Nesse sentido escreve, com propriedade, Pontes de Miranda (1958. t. XX, p. 311):

A posse não está no mundo jurídico; é acontecimento do mundo fáctico. O que produz a usucapião é a posse. O possuidor, como tal, não tem de estar a par do que se passa no registro, que é local de atos jurídicos; portanto, espaço do mundo jurídico. Por isso, adquire-se o domínio a despeito do registro e ainda que se conheça o registro.

Em realidade, como referido supra, a hipoteca é um direito real de garantia que tem como característica permitir a livre circulação do bem gravado, sendo irrelevante para efeitos de usucapião que sobre ele penda a garantia. O que se discute, no entanto, são os efeitos dessa declaração de usucapião em relação à hipoteca gravada, tema controvertido que se busca adiante elucidar.

Por fim, é de se ressaltar que, não obstante ser a usucapião meio de aquisição da propriedade e de direitos reais, tais como usufruto, uso, habitação, ela não é hábil à aquisição do próprio direito real de hipoteca, vez que nesse caso, como supra referido, o titular da garantia não exerce qualquer tipo de posse sobre a coisa gravada. Eventual credor do proprietário da coisa gravada poderá até usucapir a coisa, mas jamais usucapirá a hipoteca em si mesma, conforme bem expõe NASCIMENTO (1984, p. 65):

Entre os direitos reais de garantia, imprescritível é a hipoteca. Nesta, o bem hipotecado permanece na posse do devedor hipotecário, que é o proprietário, visto que não há transferência da posse. O credor, que pretendesse adquirir a garantia hipotecária por prescrição aquisitiva, teria contra si um destes dois elementos: ou não teria a posse do bem e, por isso, jamais usucapiria porque usucapião é posse prolongada no tempo; ou teria a posse mas jamais usucapiria a hipoteca, porque a posse do credor é elemento estranho e descaracterizador da hipoteca. A posse mantida poderia justificar a aquisição de qualquer outro direito real, menos o de hipoteca..

4.2 Posições divergentes em relação aos efeitos da usucapião sobre a hipoteca

A questão que surge é se, declarada a usucapião, continuarão pendentes sobre o imóvel eventuais hipotecas sobre ele gravadas. Veja-se que, durante o período anterior à declaração judicial da usucapião, vigorará a presunção de validade do gravame, já que constará ele do registro do imóvel, não havendo maiores controvérsias a respeito. O que se impõe verificar é a situação posterior à declaração, ou melhor, os efeitos dela, sendo irrelevante dar-se ela no âmbito da defesa do executado, na excução da coisa dada em garantia, ou no momento em que eventual possuidor requerer judicialmente o reconhecimento da prescrição aquisitiva.

Em outras palavras, o que se impõe verificar é se eventual sentença que reconheça a aquisição da propriedade por usucapião declarará extintas, necessariamente, eventuais hipotecas incidentes sobre o bem ou as manterá gravadas, não obstante o caráter originário da aquisição operada. A questão, como se verá, apresenta várias divergências na doutrina.

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No direito romano, vigorava a idéia de que eventuais garantias reais mantinham-se sobre o bem usucapido, não obstante a aquisição da propriedade por pessoa diversa da do devedor. Isso porque a usucapião, não obstante forma originária de aquisição da propriedade, incidia sobre o bem no estado em que se encontrava, mantendo-se intactos os ônus sobre ele incidentes, a semelhança do que ocorria na mancipatio e na in jure cessio, conforme refere PETIT (1924, p. 272):

Está en la misma situación que si hubiese adquirido la cosa por mancipatio o in jure cessio, porque la adquiere tal como estaba en el patrimonio del antiguo propietario, con todas las ventajas que le estaban unidas, pero también com todas las cargas de que está gravada; de este modo las hipotecas y las servidumbres establecidas sobre la cosa no se extinguen por efecto de la usucapión.

A única exceção encontrada no direito romano seria a remota hipótese de haver justo título e boa-fé de um terceiro possuidor da coisa em relação ao próprio credor hipotecário, no caso, por exemplo, de este efetuar uma venda a non domino do bem gravado. Neste caso, o possuidor poderia invocar como defesa a praescriptio longi temporis contra o credor, já que este foi quem lhe outorgou o justo título (PETIT, 1924, p. 305).

Do direito pátrio, Lafayette (1940, p. 185 e ss.) refere que, se o usucapiente possuiu a coisa como sua, sem qualquer impugnação de eventuais titulares de direitos reais sobre a coisa, a declaração de usucapião tem como conseqüência a extinção de tais gravames. No entanto, se os terceiros que tinham direitos reais sobre a coisa continuaram a exercê-los, ou se o possuidor sabia da existência desses direitos, adquire a coisa, mas subsistem os ônus reais preexistentes" (idem).

Azevedo Marques posiciona-se pela manutenção do gravame no caso de usucapião do bem, referindo que ele o acompanha em qualquer caso de aquisição, incluindo-se a usucapião (1925, p. 163):

Por conseguinte, inscrita e, portanto, tornada pública a hipoteca, ninguém, sob qualquer pretexto, pode ignorá-la; e quem adquirir o imóvel, seja por compra, herança, doação, ou outros títulos, inclusive a prescrição aquisitiva, adquire-o com ônus real da hipoteca, ou outro qualquer inscrito.

Pontes de Miranda entende que, se a usucapião é fenômeno que se dá exclusivamente no mundo dos fatos, e com ela se adquire o domínio, não há porque se manterem eventuais gravames pendentes sobre o bem, pois eles fazem parte do mundo jurídico, e para o adquirente são irrelevantes. Assim escreve o tratadista (1958, t. XX, p. 311):

A extinção da hipoteca pela aquisição por usucapião, livre de gravame o bem, é independente do prazo preclusivo para extinção das hipotecas, que se fixou no art. 817 do Código Civil. Pode o prazo estar precluso, ou não.

Aliás, passa-se o mesmo a respeito das servidões que se podem adquirir sobre o bem gravado.

O terceiro adquirente que nega a existência da hipoteca ou a sua validade ou eficácia põe-se na situação de quem vai adquirir por usucapião o bem, sem gravame, por ser sem reconhecimento desse gravame a sua propriedade.

Clóvis Bevilacqua tem opinião semelhante. No entanto, não coloca a usucapião em si como fundamento da extinção da hipoteca, mas a prescrição da ação hipotecária, que possuía, pelo código anterior, prazo idêntico ao da usucapião ordinária. Escreve o civilista que a hipoteca estaria extinta por prescrição, que poderia dar-se (1956, v. II, p. 304):

quando um terceiro adquire, como livre, um imóvel hipotecado e o possui por dez ou vinte anos, sem interrupção nem contestação, ignorando a existência do gravame. Para esse adquirente, prescreveu a ação hipotecária.

Ou, em outros termos, o terceiro adquiriu a non domino o bem hipotecado, achando-se de boa-fé, contando o tempo para adquirir o imóvel e tendo título justo. Com a sentença que reconhecer o usucapião, extingue-se a ação hipotecária, do credor, porque o adquirente se tornou proprietário livre desse bem.

Tal opinião tem fundamento, mas não resolve os casos em que os prazos prescricionais da usucapião sejam menores do que os previstos para a ação real, tal como ocorre no caso de usucapião especial, que é de apenas cinco anos.

Da mesma forma, outros autores também se posicionam pela extinção do ônus hipotecário com a declaração da usucapião, com argumentos semelhantes (VENOSA, 2006, p. 583, e PEREIRA,1994, por exemplo).

4.3 A hipoteca e a retroatividade dos efeitos da declaração de usucapião

Analisando os efeitos da declaração de usucapião, verifica-se que a subsistência ou não da hipoteca não pode ser definida de maneira uniforme para todas as situações, de forma absoluta, como ensinam muitos doutrinadores.

Em realidade, o aspecto mais relevante para definir a questão deve obrigatoriamente passar pela análise do momento em que a usucapião efetivamente se opera. Em outras palavras, é necessário saber-se efetivamente quando é que a propriedade do usucapido se extingue e a partir de que momento adquire o usucapiente o domínio da coisa possuída.

Como já referido, a usucapião é um fato jurídico, fenômeno que se opera no mundo dos fatos, e que o direito apenas reconhece, possuindo a sentença natureza eminentemente declaratória. Assim, no momento em que é declarada a usucapião, o que se reconhece é que o possuidor já era proprietário, antes mesmo de completar o prazo previsto na hipótese legal.

Ora, se para usucapir é necessária a posse cum animo domini, essa posse deve existir desde o primeiro dia em que se iniciou a contagem do prazo legal, o que permite afirmar que desde que a coisa foi possuída dessa forma, o usucapiente pode ser considerado proprietário. Por essa razão, diz-se que a sentença que declarar a usucapião o faz com efeitos ex tunc, ou seja, os efeitos dessa declaração retroagem ao termo inicial da posse ad usucapionem.

A respeito desse efeito da sentença, Pontes de Miranda, analisando a usucapião prevista na Constituição de 1946, é expresso ao afirmar que "a sentença a que se refere o art. 156, § 3º, é declaratória e seus efeitos, ex tunc" (1958, t. XI, p. 150). Igualmente, no direito português, a questão foi expressamente positivada no Código Civil de 1966, que dispõe em seu art. 1.288 que "invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse".

No direito brasileiro, quem parece ter analisado a questão de maneira mais completa e adequada foi Lenine Nequete (1981, p. 51), ao trazer como indício da retroatividade da declaração de usucapião o disposto no art. 272 do CCB/1916 (reproduzido no art. 1.661 do CCB/02), que declara que "são incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento". Ora, se tais bens não se comunicam, isso se dá porque a lei os considera adquiridos desde a data inicial da causa, que na hipótese legal em questão seria anterior ao casamento.

Isso é, mutatis mutandis, exatamente o que ocorre no caso da usucapião, que tem como causa a posse qualificada com os requisitos legais. Tal situação se evidencia sobremaneira no caso da usucapião ordinária, vez que nela o possuidor terá justo título desde o início da posse, sendo que a usucapião terá o efeito de consolidar tal título e transmitir-lhe a propriedade. Assim, declarada a aquisição, ela surte efeitos retroativos, considerando-se o usucapiente proprietário desde o início da referida posse.

Como decorrência disso, tem-se que os frutos percebidos durante o período prescricional serão sempre de propriedade do usucapiente, ainda que sua posse seja de má-fé, visto que, em sendo declarado proprietário ex tunc, fica elidida essa característica da posse, não se aplicando o disposto no art. 1.216 do CCB/02. Além disso, convalidam-se eventuais direitos reais constituídos pelo usucapiente durante o lapso prescricional, visto que é reconhecida sua legitimidade para fazê-lo nesse período (Art. 1.420, § 1º).

Esse entendimento, no entanto, é criticado por Nelson Luiz Pinto (1991, p. 135 e ss.), para quem os efeitos da sentença que declara a usucapião retroagem à data de consumação dos requisitos, e não à data do início da posse. Alega ele que a sentença declaratória só poderia retroagir à data da constituição do direito ou da ocorrência do fato que se declara. Ora, o fato declarado pela sentença é, essencialmente, a posse qualificada por determinado período, e não apenas a consumação da usucapião, que, como já analisado, dá-se ex lege. Dessa forma, não há razão para não declarar o usucapiente proprietário desde o início da posse, mesmo porque a sentença declara necessariamente que ele agiu cum animo domini desde esse momento. Do contrário, o antigo proprietário seria considerado como tal durante período em que o imóvel foi possuído pelo futuro usucapiente, podendo ser inclusive responsabilizado por danos decorrentes da coisa nesse período, o que não se afigura lógico.

Quanto a eventuais direitos reais gravados no imóvel, incluída aí a hipoteca, o princípio da retroatividade impõe verificar se tais ônus foram constituídos antes ou depois do início do período do lapso temporal da usucapião.

Caso tenha sido instituída a hipoteca depois de iniciado tal lapso, tem-se que a usucapião do imóvel terá como efeito intrínseco a sua extinção, vez que, se declarado o usucapiente proprietário ex tunc, no momento em que foi inscrita a garantia, o seu prestador não mais pode ser considerado como proprietário da coisa, tornando-a insubsistente, por força do art. 1.420 do CCB/02:

Art. 1.420. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca..

Entretanto, se o gravame foi constituído antes de iniciada a posse ad usucapionem, não há como considerá-lo extinto pela simples consumação da usucapião. A hipoteca estará subordinada, exclusivamente, a sua perempção e às demais hipóteses de extinção.

Isso porque a hipoteca, como já referido, é direito real de garantia que se liga à coisa, e a acompanha, permitindo ao credor valer-se do direito de seqüela para excuti-la das mãos de quem quer que se encontre. Isso ocorre tanto no caso de transmissão da coisa gravada quanto no caso de sua aquisição por usucapião. Ressalte-se que a manutenção do gravame não tem como fundamento, nesse caso, a transmissão do bem, dado que isso não ocorre na usucapião, que é forma originária de aquisição. Tal situação é decorrente da característica real da hipoteca, que fica vinculada à coisa usucapida, tanto que a ação hipotecária é de cunho eminentemente real, e não pessoal, podendo ser direcionada inclusive a pessoa que não seja devedora da obrigação principal.

Em realidade, ninguém pode usucapir mais do que o próprio bem, sendo que os gravames nele validamente constituídos dele fazem parte, não havendo razão para desconsiderar tais direitos reais em face do reconhecimento do domínio a terceiro, até porque se ligam à coisa, e não ao titular que os tenha constituído. É situação semelhante ao que ocorre com as obrigações propter rem, as quais jamais serão extintas pelo reconhecimento da prescrição aquisitiva, vez que estão vinculadas ao bem em si, independentemente do seu dominus.

Nesse aspecto, quanto à extinção da hipoteca constituída durante o lapso temporal da usucapião, é de se dizer que não há qualquer lesão ao direito do credor. Isso porque, no momento em que aceitou o bem gravado como garantia, deveria ter-se certificado de que não pendia sobre ele alguma causa anterior que lhe pudesse alterar a titularidade do domínio, vindo, assim, a elidir a legitimidade do sujeito passivo hipotecário. Além disso, poder-se-ia, até mesmo, exigir do devedor que comprovasse sua legitimidade, bem como a inexistência de situação prévia contrária a ela, inclusive com a interrupção de eventual prazo prescricional em curso.

A respeito disso, referindo-se a dispositivos do CCB/1916, Lenine Nequete (1981, p.. 57) ensina que:

consumada a usucapião, o possuidor, como já se viu, reputa-se proprietário desde o começo da sua posse, e, conseqüentemente, não podem prevalecer contra ele os ônus constituídos, posteriormente, por quem nesse interregno perdeu a titularidade do domínio. A ofensa que assim se faz ao direito do credor, por outro lado, não repugna, pois estava em seu poder diligenciar para interromper a prescrição.

(...)

Em suma, estabelecida ao depois de iniciada a prescrição do imóvel, perece a hipoteca, consumada a usucapião; e, constituída antes, pode ela extinguir-se (prescrição extintiva) nos termos do art. 849, IV, do CC, em relação ao adquirente, nos mesmos prazos e nas mesmas condições estipuladas para a prescrição extintiva dos direitos reais (CC , art. 177), aplicados adequadamente os arts. 550 e 551, do referido diploma.

No mesmo sentido, escreve RIBEIRO (2003, p. 1.407):

Aquela hipoteca existente antes do início do exercício da posse pelo usucapiente perdurará e poderá extinguir-se, em relação ao terceiro adquirente, nos mesmos prazos e condições estipulados para a prescrição extintiva de direitos reais, observadas as disposições dos arts. 550 e 551 do Código Civil de 1916 (arts. 1.238 e 1.242 do novo Código Civil).

Iniciada, porém, a posse ad usucapionem sem qualquer gravame, mas vindo o proprietário verdadeiro a constituir ônus sobre o imóvel em época posterior, não reclamando até que se complete o lapso prescricional, a aquisição se dará livre.

Outro aspecto relevante para o entendimento ora esposado é que é da essência da hipoteca que o credor hipotecário não tenha a posse da coisa. Assim, não tem ele legitimidade para valer-se de nenhum dos instrumentos possessórios disponíveis para impedir eventual consolidação da usucapião que se opera sobre o bem hipotecado. Mais do que isso, o credor hipotecário não tem sequer direito a se opor à posse de qualquer terceiro no imóvel, até porque a posse é decorrente do direito de fruição da coisa, que emana da propriedade do devedor, mantida pela hipoteca.

Algo que poderia fazer o credor hipotecário para interromper a prescrição aquisitiva seria, a título de terceiro interessado, interpor eventual protesto contra o ocupante do imóvel (CCB, Art. 202), a fim de evitar a consolidação da usucapião, como lhe assiste o art. 203 do CCB. Essa situação, considerando a sistemática da hipoteca, parece deveras esdrúxula, pois não é razoável que tenha o credor, a quem assistem todas as prerrogativas dos direitos reais de garantia, que velar pela regularidade da posse do bem dado em garantia, até porque lhe faltaria legitimidade.

Melhor alternativa seria, segundo PINTO (1991, p. 142), considerar eventual início de posse ad usucapionem como causa para vencimento antecipado da dívida, sendo considerada a posse em questão como "depreciação da coisa", com base no inciso I do Art. 1.425 do CCB. Igualmente, poder-se-ia considerar o início da posse cum animo domini como uma forma de vencimento antecipado por analogia ao disposto no Art. 1.475, § único do CCB/02, que prevê a possibilidade de convencionar o vencimento antecipado da dívida hipotecária em caso de alienação do bem com ela gravado. Contudo, o fato é que tais hipóteses seriam de difícil instrumentalização prática, vez que não haveria, ainda, o reconhecimento judicial da usucapião.

Por essas razões, não há como se reputar a usucapião como causa hábil de extinção da hipoteca regularmente constituída antes do início do respectivo lapso temporal. Tal entendimento, além de lesar injustificadamente o direito do credor, pode permitir até mesmo a fraude por parte do devedor, que poderá efetuar a alienação irregular do imóvel, como forma de possibilitar que o terceiro comprador venha a ser declarado usucapiente do bem, elidindo a garantia.

Sobre o autor
Éder Maurício Pezzi López

especialista em Direito Civil e Processo Civil, Advogado da União em Rio Grande-RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÓPEZ, Éder Maurício Pezzi. Usucapião de imóvel hipotecado sob a ótica do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1393, 25 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9792. Acesso em: 22 nov. 2024.

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