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O ridículo jurídico e o ridículo ridículo mesmo

Agenda 21/06/2022 às 18:00

Medidas do STF sobre motociata nos EUA e desaparecimentos na Amazônia - crítica.

1-PRELÚDIO

Dizem que a vida imita a arte e vice versa. Mas, a realidade costuma suplantar a ficção com certa frequência sem que sequer seja possível classificar alguns acontecimentos de acordo com os termos artísticos.

Abordaremos dois episódios recentes que poderiam, inicialmente, ser considerados cômicos. Porém, a comédia tem a característica de, burlescamente, tecer uma fina crítica social, o que não se coaduna com as situações. Apresenta-se ali uma crítica sim, mas falsa, uma narrativa fictícia que se quer passar por verdadeira.

Talvez a farsa, com seu elemento humorístico, mas sem preocupações com valores ou virtudes, apenas se ocupando do aspecto de comicidade do episódio. Contudo, a comicidade é apenas aparente e tem a característica de transitar entre a provocação do riso e do choro desesperado, bem como da indignação, muito rapidamente.

Estaríamos então diante de uma tragédia? Também não. Nesta há a expressão da grandeza do homem, tentando, ainda que de modo falho, superar as tramas do destino que o enreda. Não há nada de nobre nesses episódios. A tal ponto a baixeza presente é marcante que sequer é possível classificá-los com um termo composto como, por exemplo, tragicomédia. É que, como já se disse, não há traços de grandeza e o cômico se transmuda em dramático muito facilmente.

O único recurso razoável é apelar para a semântica comum, lembrando a palavra ridículo com toda sua força significativa. Etimologicamente significa aquilo que provoca riso (do latim, ridere, ridiculum). A palavra é adequada dada sua amplitude, pois esse riso provocado pode ser sardônico, denotando ironia, zombaria ou desprezo e não necessariamente o riso solto que demonstra alguma alegria ou diversão. [1] É nessa concepção que se pode afirmar que os acontecimentos a serem descritos e brevemente criticados são mesmo altamente ridículos.

2-ATO 1- A INCOMUNICAÇÃO DO NADA E DO PÚBLICO E NOTÓRIO

O PT acionou o STF alegando que o Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro e o Ministro da Justiça, Anderson Torres, teriam praticado crime de Prevaricação (artigo 319, CP), devido a terem participado de uma motociata nos EUA onde estava presente o jornalista Allan dos Santos, que responde a inquéritos no Brasil e tem ordem de Prisão Preventiva decretada. Para o PT havia obrigação dos agentes políticos sobreditos de comunicarem o fato às autoridades norte americanas, o que não foi feito. Distribuído o pedido à Ministra Carmén Lúcia, esta abriu vistas para manifestação da Procuradoria Geral da República. [2]

É mais que evidente que o pleito formulado pelo PT não tem a mais mínima sustentação jurídica. Trata-se de um ridículo jurídico seu acatamento, ainda que seja por mera praxe. Caberia à magistrada simplesmente indeferir in limine por total falta de justa causa. Acontece que quando decretada a Prisão Preventiva de Allan dos Santos no bojo dos questionáveis feitos do STF, a própria INTERPOL se negou a acatar a ordem de divulgação do sujeito passivo da medida como procurado internacional. Isso, conforme nota na qual esclarece que analisa os pedidos de inclusão para averiguar se não se tratam de casos de perseguições políticas, raciais ou religiosas. Eis o texto:

Esta revisão leva em consideração as informações disponíveis no momento da publicação, e um Edital só é publicado se estiver em conformidade com a Constituição da Organização, segundo a qual é estritamente proibido à Organização realizar qualquer intervenção ou atividade de caráter político, militar, religioso ou caráter racial. [3]

Bastaria isso para perceber que a ordem de prisão, sob o prisma internacional, restou totalmente desmoralizada e carente de legimidade. Mas há mais:

Foi pedida a extradição de Allan dos Santos ao governo norte americano e até o momento não existe qualquer mandado de extradição ou ordem de prisão válida naquelas paragens, de modo que o jornalista é um cidadão livre. Isso inobstante, a mando do Ministro Alexandre de Moraes e de ofício, haver reiterações do pedido pelo Ministério da Justiça brasileiro. [4] A ordem de prisão tupiniquim não logrou reconhecimento internacional e é, até o momento, um nada jurídico.

Ademais, o evento de que participaram o Presidente e o Ministro da Justiça sempre foi de conhecimento público, divulgado amplamente na grande mídia e nas redes sociais em geral. Na mesma medida o foi a presença de Allan dos Santos. Desse modo, se tratava de acontecimento público e notório que, obviamente, dispensa qualquer comunicação. As autoridades norte americanas sabiam do evento, como, aliás, o mundo todo. Se nada fizeram foi simplesmente porque nada havia a ser feito. E, consequentemente, nada havia a ser informado pelo Presidente, pelo Ministro da Justiça ou por quem quer que fosse.

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Sequer cogitar de prevaricação por uma omissão da comunicação de um nada que, ademais, é público e notório, sequer admitir que isso precisa ser apurado, ainda que por mera praxe, é, no mínimo, a expressão de uma burrocracia (misto de burrice com burocracia). Quanto a se tratar de mera limitação intelectual, negligência ou atuação com conotação política se sobrepondo ao aspecto estritamente jurídico, é conclusão a ser tirada por cada um. Mas uma coisa é certa. O pedido do PT e seu acatamento faz lembrar o brocardo latino que diz Asinus asinum fricat (Um asno afaga ou coça o outro asno).

3-ATO 2 A COMISSÃO DE INEXPERTOS

Com o desaparecimento de um indigenista e um jornalista estrangeiro na Amazônia, cujos corpos no momento já foram encontrados e a autoria do crime deslindada pela Polícia Federal, seguindo as investigações, [5] passou-se a pretender imputar a tragédia com atores específicos a uma abstrata imputação de negligência da segurança pública e fiscalização na região. Em especial o Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, oficiou ao Executivo, apresentando prazo para a resolução do episódio! [6] Não se tem notícia de que tenha sido expedido algum documento, agora parabenizando a Polícia Federal e outros órgãos envolvidos nas buscas e apurações quanto à celeridade no encontro dos corpos em região tão inóspita, bem como o esclarecimento do crime.

Mas, pouco antes que tudo fosse deslindado por quem deve ser e sabe o que está fazendo, o Ministro Luiz Fux determinou a formação de um Grupo de Trabalho para fiscalizar, apresentar propostas e colaborar na apuração dos fatos e na busca. Tal grupo é composto por um fotógrafo, uma juíza auxiliar, uma antropóloga e um ator de cinema e televisão! [7] Eis a notícia de um autêntico grupo de inexpertos formado para colaborar, sabe-se lá como, a não ser com gasto de dinheiro público. Ainda que tal grupo também se destine a formular propostas para o tratamento jurídico de questões ambientais e conflituosas na região, tirante a juíza auxiliar e, eventualmente, a antropóloga, não se vislumbra atuação plausível. Mesmo as atuações dessas duas pessoas seriam muito limitadas e não passam de simbolismo vazio. Será que o Ministro Fux confunde ficção com realidade e pensa que o ator Wagner Moura é mesmo o Capitão Nascimento retratado no Filme Tropa de Elite!? E o fotógrafo, seria ele uma versão brasileira de Clark Kent calvo que, a qualquer momento, se transformará em uma espécie de Super Homem, com a vantagem de poder documentar seus atos por meio de belas fotos artísticas?

Novamente a única definição razoável para tudo isso é a palavra ridículo. E, ainda uma vez mais, é de lembrar a expressão latina já antes mencionada, Asinus asinum fricat, na medida em que a nomeação se dá e as pessoas a aceitam sem questionamento quanto às suas reais capacidades de atuação concreta.

4-FECHAM-SE AS CORTINAS

As fronteiras entre o ridículo jurídico e o ridículo propriamente dito, sem mais qualificações, estão atualmente obnubiladas. Os elementos externos ao Direito se infiltram na seara jurídica de forma alopoiética tresloucada, movida e motivada por critérios político ideológicos capazes de desfigurar qualquer ideia de Justiça ou mesmo noção do ridículo.

Enquanto isso... asinus asinum fricat.


REFERÊNCIAS

PALAVRA ridículo. Origem da Palavra. Disponível em https://origemdapalavra.com.br/palavras/ridiculo/#:~:text=E%20ao%20seu%20lado%20vemos,denota%20ironia%2C%20zombaria%2C%20desprezo , acesso em 16.06.2022.

COSTA, Crystian. Carmén Lúcia cobra PGR sobre conduta de Bolsonaro em moticiata nos EUA. Disponível em https://revistaoeste.com/politica/carmen-lucia-cobra-pgr-sobre-conduta-de-bolsonaro-em-motociata-nos-eua/ , acesso em 16.06.2022.

GOULART, Josette. Por que Allan dos Santos ainda não está na lista vermelha da Interpol? Disponível em https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/por-que-allan-dos-santos-ainda-nao-esta-na-lista-vermelha-da-interpol/ , acesso em 16.06.2022.

SANTOS, Rafa. Alexandre cobra informações sobre extradição de Allan dos Santos. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-mar-14/alexandre-cobra-informacoes-extradicao-allan-santos , acesso em 16.06.2022.

IRMÃOS confessam assassinato de indigenista e jornalista desaparecidos no Amazonas. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/republica/irmaos-teriam-confessado-assassinato-de-indigenista-e-jornalista/ , acesso em 16.06.2022.

BARROSO dá 5 dias para governo prestar contas sobre busca na Amazônia. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jun-10/barroso-dias-governo-explicar-buscas-amazonia2 , acesso em 16.06.2022.

COSTA, Anna Gabriela. Ministro Fux anuncia criação de grupo para acompanhar buscas por desaparecidos na Amazônia. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jun-10/barroso-dias-governo-explicar-buscas-amazonia2


  1. PALAVRA ridículo. Origem da Palavra. Disponível em https://origemdapalavra.com.br/palavras/ridiculo/#:~:text=E%20ao%20seu%20lado%20vemos,denota%20ironia%2C%20zombaria%2C%20desprezo , acesso em 16.06.2022.
  2. COSTA, Crystian. Carmén Lúcia cobra PGR sobre conduta de Bolsonaro em moticiata nos EUA. Disponível em https://revistaoeste.com/politica/carmen-lucia-cobra-pgr-sobre-conduta-de-bolsonaro-em-motociata-nos-eua/ , acesso em 16.06.2022.
  3. GOULART, Josette. Por que Allan dos Santos ainda não está na lista vermelha da Interpol? Disponível em https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/por-que-allan-dos-santos-ainda-nao-esta-na-lista-vermelha-da-interpol/ , acesso em 16.06.2022.
  4. SANTOS, Rafa. Alexandre cobra informações sobre extradição de Allan dos Santos. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-mar-14/alexandre-cobra-informacoes-extradicao-allan-santos , acesso em 16.06.2022.
  5. IRMÃOS confessam assassinato de indigenista e jornalista desaparecidos no Amazonas. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/republica/irmaos-teriam-confessado-assassinato-de-indigenista-e-jornalista/ , acesso em 16.06.2022.
  6. BARROSO dá 5 dias para governo prestar contas sobre busca na Amazônia. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jun-10/barroso-dias-governo-explicar-buscas-amazonia2 , acesso em 16.06.2022.
  7. COSTA, Anna Gabriela. Ministro Fux anuncia criação de grupo para acompanhar buscas por desaparecidos na Amazônia. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jun-10/barroso-dias-governo-explicar-buscas-amazonia2 , acesso em 16.06.2022.
Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O ridículo jurídico e o ridículo ridículo mesmo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6929, 21 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98680. Acesso em: 23 nov. 2024.

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