A questão em apreciação diz respeito aos efeitos jurídicos e decisões a serem tomadas pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) em face da tese fixada pelo STF, em regime de repercussão geral, no que tange à imunidade tributária tratada no art. 40, § 21, da Constituição da República.
Ab initio, cumpre-nos estabelecer que o art. 40, § 18, da Constituição da República, impõe expressa obrigação de que os aposentados e pensionistas dos RPPS que usufruam benefício previdenciário superior ao limite-máximo de benefícios do RGPS, contribuam sobre a parcela que exceder o referido teto.
Por sua vez, o art. 40, § 21, da Constituição Republicana, previa espécie de imunidade de contribuição previdenciária para os beneficiários portadores de doença incapacitante, referente às parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que superassem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do RPGS.
Frise-se que diz-se imunidade, pois, tecnicamente, sob o prisma do sistema tributário nacional, é toda e qualquer hipótese de não incidência tributária constitucionalmente qualificada. Por outro lado, a isenção é benesse tributária na qual também não há a incidência de tributo mas está legalmente qualificada, ou seja, prevista em lei.
Em suma, sempre que a Constituição da República previr hipótese de não incidência tributária, há que se falar em imunidade. Já quando a lei previr a não incidência tributária, denomina-se isenção.
Pois bem.
A Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, dentre as diversas modificações implantadas, revogou, expressamente, o § 21 do artigo 40 da Constituição, que concedida a referida imunidade.
Contudo, a despeito de a EC 103/19 ter revogado o referido dispositivo, é valiosa a presente análise, uma vez que tal espécie de imunidade tributária ainda alcança os entes federativos que não promoveram essa alteração na legislação local.
Com efeito, é imperiosa a análise da cláusula de vigência contida da Emenda Constitucional nº 103/19.
Eis o teor do art. 36 da EC 103/19:
Art. 36. Esta Emenda Constitucional entra em vigor:
I - no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da data de publicação desta Emenda Constitucional, quanto ao disposto nos arts. 11, 28 e 32;
II - para os regimes próprios de previdência social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quanto à alteração promovida pelo art. 1º desta Emenda Constitucional no art. 149 da Constituição Federal e às revogações previstas na alínea "a" do inciso I e nos incisos III e IV do art. 35, na data de publicação de lei de iniciativa privativa do respectivo Poder Executivo que as referende integralmente;
III - nos demais casos, na data de sua publicação.
Os incisos I e III não deixam dúvidas.
O primeiro refere-se ao período de observância ao princípio da anterioridade nonagesimal de que trata o art. 150, III, c, da Constituição da República, para as alterações relativas a contribuições, dada a sua natureza tributária. O segundo, de caráter residual, alcança todas as disposições não excepcionadas nos incisos I e II.
A questão reside, justamente, na tormentosa redação do inciso II, quando lida (como deve ser) em conjunto com o caput do artigo.
Depreende-se que para os RPPS a Emenda Constitucional entra em vigor na data de publicação de lei de iniciativa privativa do respectivo Poder Executivo, que referende integralmente a alteração promovida pelo art. 1º no art. 149 da Constituição Federal e a alínea a do inciso I e os incisos III e IV do artigo 35.
Aqui é mister verificar o disposto no art. 35 da Emenda Constitucional nº 103/19, in verbis:
Art. 35. Revogam-se:
I - os seguintes dispositivos da Constituição Federal:
a) o § 21 do art. 40;
Conjugados os dispositivos atrás transcritos, chega-se à conclusão de que a revogação do § 21 do artigo 40 da Constituição da República, só valerá para os RPPS dos entes federativos (EC 103/19, art. 35, I, a) quando estes referendarem a alteração promovida no art. 149 da Constituição Federal e o disposto no art. 35, I, a, da aludida Emenda (EC 103/19, art. 36, II).
Desse modo, o dispositivo, nos termos do disposto no art. 36, II, somente será revogado quando os Estados e Municípios editarem suas respectivas leis nesse sentido.
Isso significa que, até a edição dessas leis, permanecem em vigor as leis locais que preveem essa imunidade.
Por isso, reforçamos ser considerável a análise dos consectários jurídicos decorrentes do entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, eis que tal imunidade ainda alcança todos os entes subnacionais que não promoveram alterações na sua lei local.
A tese firmada pelo STF possui o seguinte enunciado:
O art. 40, § 21, da Constituição Federal, enquanto esteve em vigor, era norma de eficácia limitada e seus efeitos estavam condicionados à edição de lei complementar federal ou lei regulamentar específica dos entes federados no âmbito dos respectivos regimes próprios de previdência social
Antes de adentrar-se no mérito da decisão propriamente dita, é mister, para melhor intelecção do debate aqui posto, entender qual o significado da expressão norma constitucional de eficácia limitada.
Aqui, vale destacar que não há nenhuma normativa, seja no âmbito nacional, estadual ou municipal, que se preocupou em tratar da aplicabilidade das normas constitucionais ou dos seus efeitos.
Foi a doutrina que, com essa árdua tarefa, se prontificou em consignar, seccionando as normas constitucionais por suas eficácias plena, contida e limitada, em regra.
Conforme leciona o Erival da Silva Oliveira, norma constitucional de eficácia limitada são aquelas que dependem da emissão de uma normatividade futura que o legislador ordinário, integrando-lhes a eficácia, mediante lei, lhes dê capacidade de execução em termos de regulamentação dos interesses visados [1].
Nota-se que a norma constitucional de eficácia limitada depende de regulamentação infraconstitucional para que o seu exercício seja efetivado, ou seja, dependente de edição de lei específica.
Portanto, o STF concluiu, pela tese firmada, que a imunidade tributária dos beneficiários, conferida pelo art. 40, § 21, da Constituição da República, só poderá surtir efeitos quando houver lei regulamentando a matéria.
Até a data presente não se tem notícias de que haja lei regulamentando o dispositivo constitucional, para que o direito ali previsto pudesse ser exercido pelos beneficiários dos RPPS.
É importante esclarecer que a Suprema Corte, ao definir a necessidade de complementação da matéria constitucional, exigiu a existência de lei para regulamentar quais as doenças incapacitantes aptas a conferir ao servidor o direito à referida não incidência de contribuição previdenciária, não podendo qualquer RPPS valer-se de outras legislações ou de mera interpretação fática para assegurar o direito aos seus beneficiários, ainda que o direito esteja na Constituição ou replicado na lei local.
Nesse diapasão, inexistindo lei regulamentando a situação, não podem os entes federativos, que possuem Regime Próprio de Previdência Social, conceder tal imunidade, ainda que haja previsão do direito na lei local (como na própria Constituição), posto que a exigência é de regulamentação e definição das doenças incapacitantes ensejadoras da imunidade tributária.
Repita-se que o STF entendeu não ser possível a analogia com o rol de doenças previstas em outras legislações (como para a isenção do IR e o rol de doenças graves da aposentadoria por invalidez, por exemplo), exigindo-se lei específica regulamentando a matéria, bem como dispondo sobre o rol específico de doenças que ensejam a imunidade do § 21 do artigo 40 da Constituição.
Destarte, sugere-se aos gestores dos Regimes Próprios de Previdência Sociais que já concederam em favor dos aposentados e pensionistas, a imunidade prevista no dispositivo em debate, que procedam à revisão de tal benesse, a fim de que sejam cessadas, posto inexistir previsão legal nesse sentido.
Não se olvide, de outra banda, que houve modulação dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal, de modo a não incidir cobrança dos valores imunitários concedidos em favor dos beneficiários.
Isto é, os valores que já serviram de benesse para os aposentados e pensionistas, não serão passiveis de cobrança, considerando-se que estes receberam de boa-fé, consoante a Súmula 249 do Tribunal de Contas da União[2].
Assim, recomenda-se que, procedendo-se à revisão desses benefícios, antes de cessá-los, cabe ao RPPS notificar expressamente os beneficiários acerca da revisão administrativa realizada, ante o entendimento firmado pelo STF.
Por derradeiro, informamos que não é recomendável manter-se, quando for promovida a reforma previdenciária municipal, a imunidade constitucional, eis que o art. 35, I, a, da EC 103/19, prevê que o disposto no § 21 do artigo 40 da CF só permanecerá em vigor para os entes federativos enquanto estes não fizerem a sua reforma a adotarem a revogação do dispositivo constitucional.
- OLIVEIRA, Erival da Silva. Prática Jurídica Constitucional, 11ª Edição, 2019, Editora Saraiva, p. 46
- É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.