3. PUNIÇÕES AO CONTRABANDO
3.1. Esfera administrativa
Conforme já adiantado, o Decreto-Lei nº 399, de 30 de dezembro de 1968, em seu artigo 3º, caput e parágrafo único, com a redação dada pela Lei nº 10.833, de 20 de dezembro de 2003, art. 78, determina expressamente a pena de perdimento aos cigarros estrangeiros encontrados em situação irregular. Essa pena deve ser aplicável cumulativamente à multa por maço de cigarros e sem exclusão das penalidades cabíveis na esfera penal:
Art 2º O Ministro da Fazenda estabelecerá medidas especiais de contrôle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira.
Art 3º Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem qualquer dos produtos nêle mencionados.
Parágrafo único. Sem prejuízo da sanção penal referida neste artigo, será aplicada, além da pena de perdimento da respectiva mercadoria, a multa de R$ 2,00 (dois reais) por maço de cigarro ou por unidade dos demais produtos apreendidos. (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003).
A Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, através do art. 50, parágrafo único, também estabelece a pena de perdimento aos cigarros de procedência estrangeira submetidos ao despacho de importação com inobservância de qualquer condição estabelecida na norma:
Art. 50. No desembaraço aduaneiro de cigarros importados do exterior deverão ser observados:
I – se as vintenas importadas correspondem à marca comercial divulgada e se estão devidamente seladas; (Redação dada pela Lei nº 12.402, de 2011)
II - se a quantidade de vintenas importada corresponde à quantidade autorizada;
III - se na embalagem dos produtos constam, em língua portuguesa, todas as informações exigidas para os produtos de fabricação nacional.
Parágrafo único. A inobservância de qualquer das condições previstas no inciso I sujeitará o infrator à pena de perdimento.
As mesmas hipóteses de aplicação da pena do perdimento aos cigarros estrangeiros também estão previstas no art. 693. e no parágrafo único do Regulamento Aduaneiro:
Art. 693. A pena de perdimento da mercadoria será ainda aplicada aos que, em infração às medidas de controle fiscal estabelecidas pelo Ministro de Estado da Fazenda para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira, adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem tais produtos, por configurar crime de contrabando ou de descaminho (Decreto-Lei nº 399, de 1968, arts. 2º e 3º, caput e parágrafo único, este com a redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003, art. 78). (Redação dada pelo Decreto nº 7.213, de 2010).
Parágrafo único. A penalidade referida no caput aplica-se, inclusive, pela inobservância de qualquer das condições referidas no inciso I do art. 601, para o desembaraço aduaneiro de cigarros (Lei nº 9.532, de 1997, art. 50, parágrafo único).
A aplicação da multa de R$ 2,00 por maço de cigarros também tem previsão legal no Regulamento Aduaneiro:
Art. 716. Aplica-se a multa de R$ 2,00 (dois reais) por maço de cigarro, unidade de charuto ou de cigarrilha, ou quilograma líquido de qualquer outro produto apreendido, na hipótese do art. 693, cumulativamente com o perdimento da respectiva mercadoria (Decreto-Lei nº 399, de 1968, arts. 1º e 3º, parágrafo único, este com a redação dada pela Lei no 10.833, de 2003, art. 78).
Parágrafo único. A lavratura do auto de infração para exigência da multa será efetuada após a conclusão do processo relativo à aplicação da pena de perdimento a que se refere o art. 693, salvo para prevenir a decadência.
A legislação que rege essa matéria é muito clara, não suscitando discussões já em sede judicial. O maior impasse na seara administrativa diz respeito ao enquadramento da situação fática à hipótese de aplicação da pena de perdimento do veículo usado na prática do ato ilícito. A legislação infraconstitucional trata do assunto da seguinte forma:
Art. 96. do Decreto-Lei nº 37/1966 – As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente:
I – perda do veículo transportador;
Art. 104, inciso V, do Decreto-Lei nº 37/1966 – Aplica-se a pena de perdimento do veículo nos seguintes casos:
...
V- quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção;
Art. 688. do Decreto 6.759/2009. Aplica-se a pena de perdimento do veículo as seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário:
...
V – quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade;
...
§2° Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do proprietário do veículo na prática do ilícito.
A grande maioria dos veículos utilizados para o cometimento de infrações aduaneiras não está registrado em nome do proprietário de fato. O trabalho da fiscalização então é no sentido de provar a relação entre o proprietário de direito e o sujeito identificado transportando a mercadoria estrangeira irregular. Por se tratar de análise permeada por subjetividades, evidentemente que a rediscussão na esfera jurisdicional é o meio frequentemente buscada por aqueles que se sentem lesados.
3.2. Esfera Penal
3.2.1. Diferença entre contrabando e descaminho
Os tipos penais de contrabando e descaminho são figuras tradicionais no nosso ordenamento jurídico, sendo conhecidos por grande parcela da população. É verdade que a distinção técnica entre os tipos muitas vezes se confunde, mas o homem médio tem noção de que a introdução no território nacional de mercadoria estrangeira é cercada de regras e o seu descumprimento pode gerar consequências administrativas e penais. HUNGRIA faz um comparativo entre os tipos penais de contrabando e descaminho de forma simples, porém acertada:
Contrabando é, restritamente, a importação ou exportação de mercadorias cuja entrada no país ou saída dele é absoluta ou relativamente proibida, enquanto descaminho é toda fraude empregada para iludir, total ou parcialmente, o pagamento de impostos de importação, exportação ou consumo (cobrável este, na própria aduana, antes do desembaraço das mercadorias importadas) de mercadorias, que no caso são permitidas. (1959, p. 374)
Antes da publicação da Lei nº 13.008, de 26 de junho de 2014, o descaminho e o contrabando estavam elencados no mesmo tipo penal, possuindo a mesma pena. Com o propósito de se elevar a pena para o contrabando, os delitos foram desmembrados em tipos diferentes com o advento dessa lei. Segue a vigente redação:
Descaminho
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem:
I - pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;
II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho;
III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;
IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.
§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.
§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.
Contrabando
Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem:
I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;
II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;
III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;
IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;
V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.
§ 2º - Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências
§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.
O objeto jurídico tutelado no crime de descaminho é a Administração Pública, mais especificamente no que diz respeito ao erário público. Já objeto material é arrecadação do imposto devido. A mercadoria que o sujeito faz entrar ou sair do território nacional é de comércio permitido. No entanto, há clara intenção de burlar a fiscalização tributária ao não se declarar e recolher os tributos devidos, ainda que em parte:
A simples introdução no território nacional de mercadoria estrangeira sem pagamento dos direitos alfandegários, independentemente de qualquer prática ardilosa visando iludir a fiscalização, tipifica o crime do descaminho.
(REsp 238.373/PE, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Sexta Turma, julgado em 27/04/2000, DJ 22.05.2000, p. 153)
O tipo subjetivo do descaminho é dolo, genérico, consistente na vontade livre e consciente de iludir, no todo ou em parte, o pagamento do tributo. Nenhuma outra conduta é exigida, bastando ao tipo que não se declare, na alfândega, a mercadoria excedente à cota.
(REsp 125.423/SE, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, Quinta Turma, julgado em 13/10/1988, DJ 30.11.1998, p. 184)
Contrabando, por sua vez, segundo o mesmo autor, “vem de contra (oposição) e bando (edito, ordenança, decreto), e, em sentido mais amplo, quer dizer todo comércio que se faz contra as leis” (ibidem, p. 432).
Neste tipo, o objeto é a importação ou exportação de mercadoria proibida. Ainda que se pretendesse submetê-la ao processo regular de importação ou exportação, tal não seria possível por previsão expressa em lei por motivo de ordem pública. Não haveria permissão dos órgãos anuentes ou de controle. GRECO fornece uma excelente explicação seguida de exemplos:
Para que se configure contrabando, a mercadoria importada ou exportada deve se encontrar no rol daquelas consideradas proibidas no ingresso ou saída do território nacional. Trata-se, portanto, de uma norma penal em branco, uma vez que o Governo brasileiro, por intermédio de seus Ministérios (Fazenda, Agricultura, Saúde etc.), como regra, é que especificará quais são essas mercadorias consideradas proibidas, a exemplo do que ocorre com a importação de: cigarros e bebidas fabricados no Brasil, destinados à venda exclusivamente no exterior; cigarros de marca que não seja comercializada no país de origem; brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir, exceto se for para integrar coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Comando do Exército Brasileiro; espécies animais da fauna silvestre sem um parecer técnico e licença expedida pelo Ministério do Meio Ambiente; espécies aquáticas para fins ornamentais e de agricultura, em qualquer fase do ciclo vital, sem permissão do órgão competente; produtos assinalados com marcas falsificadas, alteradas ou imitadas, ou que apresentem falsa indicação de procedência; mercadorias cuja produção tenha violado direito autoral (“pirateadas”); produtos contendo organismos geneticamente modificados; agrotóxicos, seus componentes e afins; resíduos sólidos perigosos e rejeitos, bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal ou à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reuso, reutilização ou recuperação etc.; ou com a exportação de: peles e couros de anfíbios e répteis, em bruto; cavalos importados para fins de reprodução, salvo quando tiverem permanecido no País, como reprodutores, durante o prazo mínimo de três anos consecutivos etc. (2021, p. 935)
Ou seja, da mesma forma que no descaminho, há lesão ao erário público, mas não somente. São tuteladas também a saúde, a moral e a ordem pública através das proibições. Veja-se que o art. 334-A trata-se de uma norma penal em branco, sendo necessário que a proibição de determinada mercadoria seja complementada por outro comando legal. Colaciona-se, devido à pertinência, o seguinte julgado:
PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO (ART. 334, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA: AUSÊNCIA DE CUMULATIVIDADE DE SEUS REQUISITOS. PACIENTE REINCIDENTE. EXPRESSIVIDADE DO COMPORTAMENTO LESIVO. DELITO NÃO PURAMENTE FISCAL. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. (...). 4. Em se tratando de cigarro a mercadoria importada com elisão de impostos, há não apenas uma lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho. 5. In casu, muito embora também haja sonegação de tributos com o ingresso de cigarros, trata-se de mercadoria sobre a qual incide proibição relativa, presentes as restrições dos órgãos de saúde nacionais. 6. A insignificância da conduta em razão de o valor do tributo sonegado ser inferior a R$ 10.000,00 (art. 20. da Lei nº 10.522/2002) não se aplica ao presente caso, posto não tratar-se de delito puramente fiscal. 7. Parecer do Ministério Público pela denegação da ordem. 8. Ordem denegada.
(HC 100.367/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/08/2011, DJe de 8/9/2011)
3.2.2. O princípio da insignificância e suas nuances
O Princípio da Insignificância (crime de bagatela), fruto de criação jurisprudencial, é tido como causa de exclusão da tipicidade. Reconhece-se que o fato existiu; no entanto, por não ter consequências sociais, dentre outros aspectos, ele não é típico.
Nessa linha, ZAFFARONI defende que o Direito Penal não deve se ocupar com bagatelas, condutas que não causem mal à sociedade como um todo. Crime não é uma simples transgressão à Lei, mas uma conduta que causa grave ofensa ao bem jurídico protegido (2021, p. 217). Assim, o magistrado profere decisão absolvitória por impossibilidade de condenação em virtude de ausência de uma das elementares do crime usando como fundamento o seguinte dispositivo do Código de Processo Penal:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
...
III – não constituir o fato infração penal.
JESUS assevera que:
(...) este princípio recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao Fisco, maus tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de extrema singeleza etc. Hoje, adotada a teoria da imputação objetiva, que concede relevância à afetação jurídica como resultado normativo do crime, esse princípio apresenta enorme importância, permitindo que não ingressem no campo penal fatos de ofensividade mínima. (2005, p. 10)
O Superior Tribunal Federal, em posição majoritária, aceita e aplica o princípio da insignificância desde que preenchidos quatro requisitos de forma cumulativa: mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica:
HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. 1. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. REINCIDÊNCIA. 2. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE REGIME PRISIONAL SEMIABERTO PARA O INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA IMPOSTA AO PACIENTE. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA AO EXAME DO SUPERIOR TRIBUBAL DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. Para a incidência do princípio da insignificância devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 3. Apesar de tratar-se de critério subjetivo, a reincidência deve ser excepcionada da regra para análise do princípio da insignificância, pois não está sujeita a interpretações doutrinárias e jurisprudenciais ou análises discricionárias. O criminoso reincidente, como é o caso do ora Paciente, apresenta comportamento reprovável, e sua conduta deve ser considerada materialmente típica. (…).
(HC 109.739/SP, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 13/12/2011, DJe 14.02.2012).
Debate-se, então, a conveniência da sua aplicação nos casos concretos dos crimes de contrabando e descaminho.
No caso específico do crime de descaminho, não encontramos maiores divergências doutrinárias nem jurisprudenciais sobre a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, desde que respeitado o teto de R$ 20.000,00 de tributos ilididos e que não seja apurada a reiteração da conduta delitiva do agente: “a insignificância nos crimes de descaminho tem colorido próprio, diante das disposições trazidas na Lei n. 10.522/2002”, o que não ocorre com outros delitos, como o peculato, etc.”
(AgRg no REsp 1346879/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, julgado em 26/11/2013, DJe 04/12/2013).
A falta de pagamento do tributo muitas vezes alcança valores mínimos, causando prejuízo do erário quase que insignificante. A administração fiscal não pode negar-se a apurar as consequências administrativas do comportamento ilícito, não há dúvidas. No entanto, por configurar-se típica infração penal de bagatela, é possível a não submissão do comportamento para análise da estrutura penal, atendendo-se aos princípios da conveniência e economicidade:
O direito penal não cuida de bagatelas, nem admite tipos incriminadores que descrevam condutas capazes de lesar o bem jurídico. Se a finalidade do tipo penal é tutelar bem jurídico, quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não é possível proceder ao enquadramento, por absoluta fala de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. Somente a coisa de valor ínfimo autoriza a incidência do princípio da insignificância, o qual acarreta a atipicidade da conduta. (CAPEZ, 2006, p. 519)
Nesse cenário, o cerne da questão seria entender o que é insignificante para o Direito Penal na hipótese do crime de descaminho de bens. Apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter publicado a Súmula 599 no ano de 201713, esse Tribunal já flexibilizou e admite a incidência do princípio em análise:
(...) A despeito do teor do enunciado sumular n° 599, no sentido de que o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública, as peculiaridades do caso concreto – réu primário, com 83 anos na época dos fatos e avaria de um cone avaliado em menos de R$ 20,00, ou seja, menos de 3% do salário mínimo vigente à época dos fatos – justificam a mitigação da referida súmula, haja vista que nenhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva lesão jurídica provocada.
(Recurso Ordinário em HC 85.272/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 14.08.2018, DJe 23.08.2018)
In casu, o Ministro Relator usou a construção jurisprudencial do STF para afastar a aplicação daquela súmula. É o entendimento do Pretório Excelso:
1. No crime de descaminho, o Supremo Tribunal Federal tem considerado, para a avaliação da insignificância, o patamar de R$ 20.000,00, previsto no art. 20. da Lei n.º 10.522/2002 e atualizado pelas Portarias n.º 75 e n.º 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 2. Na espécie, como a soma dos tributos que deixaram de ser recolhidos perfaz a quantia de R$ 19.750,41 e o paciente, segundo os autos, não responde a outros procedimentos administrativos fiscais ou processos criminais, é de se afastar a tipicidade material do delito de descaminho com base no princípio da insignificância. 3. Ordem concedida para se restabelecer o acórdão de segundo grau, no qual se manteve a sentença absolutória proferida com base no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal”
(HC 155.347/PR, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, jugado em 17.04.2018, DJe 07.05.2018).
A linha jurisprudencial dominante, portanto, é a de que seria insignificante o montante de até R$ 20.000,00 (vinte mil reais), compreendidos o débito tributário e a multa correspondente. Essa tese tem origem em dispositivos legais14 15 que permitem à Fazenda Pública não cobrar tributos em atraso até o referido montante:
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20. DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, na avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20. da Lei 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Descaminho envolvendo elisão de tributos federais em montante pouco superior a R$ 12.965,62 (doze mil, novecentos e sessenta e cinco reais e sessenta e dois centavos), enseja o reconhecimento da atipicidade material do delito dada a aplicação do princípio da insignificância. 4. Ordem de habeas corpus concedida para reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, com o restabelecimento do juízo de absolvição exarado pelo magistrado de primeiro grau.
(HC 131.057, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, Relatora Acórdão: Ministra. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 20.09.2016, DJe 22.11.2016);
“Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado, pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp 1.112.748/TO – Tema 157, de forma a adequá-lo ao entendimento externado pela Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias 75 e 130/MF – R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho. 2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20. da Lei 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda”
(REsp 1.688.878/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 28.02.2018, DJe 04.04.2018);
“Em se tratando de suposta prática do delito de descaminho, previsto no 334 do Código Penal, e sendo o montante dos impostos federais iludidos, com a introdução irregular de mercadorias estrangeiras, inferior ao limite mínimo de relevância administrativa, aferível a insignificância penal, excluindo-se a tipicidade da conduta, importando a existência de autuações e procedimentos administrativos, ações penais em andamento ou mesmo condenações, desde que sem trânsito em julgado ou que não configurem reincidência específica ou multirreincidência” (TRF4, Apl. 5003929-90.2014.4.04.7121-RS, Rel. NIVALDO BRUNONI, Oitava Turma, juntado aos autos em 12.07.2018).
No entanto, ressalta-se que os Tribunais Superiores afastam o princípio da insignificância, mesmo que nos casos de descaminho, quando caracterizada a habitualidade delitiva do sujeito mesmo que os valores de cada conduta sejam inferiores a R$ 20.000,00. Nessa ótica:
1. A parte recorrente não impugnou, especificamente, os fundamentos da decisão agravada, o que impossibilita o conhecimento do recurso, na linha da pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). 2. O STF já decidiu que, em se tratando de crime de descaminho, deve ser considerada a soma dos débitos consolidados para a análise do preenchimento do requisito objetivo necessário à aplicação do princípio da insignificância. Hipótese em que a notícia de que o ora agravante responde a outros procedimentos administrativos fiscais inviabiliza, neste habeas corpus, o pronto reconhecimento da atipicidade penal. Precedentes. 3. Agravo regimental não conhecido”
(HC 167.235 AgR/RS, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 10.05.2019, DJe 17.05.2019)
A reincidência faz tornar evidente um infrator ser um agente contumaz, que vive do descaminho como atividade habitual. Revela-se a destinação comercial das mercadorias introduzidas em solo nacional ou dele retiradas de forma recorrente, o que fomenta a concorrência desleal.
De outra banda, maior cautela deve ser tomada quanto à aplicação do princípio da insignificância nos casos contrabando. Diferentemente ao que ocorre no crime de descaminho, os tribunais superiores em regra resistem aplicar este princípio ao tipo penal disposto no art. 334-A do Código Penal, uma vez que se tutela não apenas o erário público, mas também a saúde, moral, higiene e segurança pública. Nesse sentido:
No crime de contrabando, é imperioso afastar o princípio da insignificância, na medida em que o bem jurídico tutelado não tem caráter exclusivamente patrimonial, pois envolve a vontade estatal de controlar a entrada de determinado produto em prol da segurança e da saúde pública.”
(AgRg no REsp 1.479.836/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 08.08.2016, DJe 24.08.2016);
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. IMPORTAÇÃO DE ARMA DE PRESSÃO DE USO PERMITIDO. CALIBRE IGUAL OU INFERIOR A 6 MILÍMETROS. PRODUTO CONTROLADO PELO EXÉRCITO. CRIME DE CONTRABANDO. PROIBIÇÃO RELATIVA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A importação de arma de pressão por ação de gás comprimido, de calibre igual ou inferior a 6mm, de uso permitido, submete-se a uma proibição relativa, por se tratar de produto controlado pelo Exército. 2. A importação, sem autorização prévia do Exército, de arma de pressão por ação de gás comprimido, de calibre igual ou inferior a 6mm, de uso permitido, tipifica o crime de contrabando. 3. O princípio da insignificância não se aplica ao crime de contrabando. Precedentes. 4. Ordem denegada.
(HC 131.943. Rel. Ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 07.05.2019, DJe 10.03.2020);
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. POMADA CHINESA "DRAGON & TIGER". AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. ART. 273, § 1º-B, INCISOS I E V, DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. A conduta de introduzir no país produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem registro no órgão de vigilância sanitária competente ou de procedência ignorada se subsumi ao delito do artigo 273, §§ 1º, 1º-B, I e V, do CP, sendo equivocada a desclassificação da conduta para o crime do art. 334. do Código Penal (descaminho), por afronta ao princípio da especialidade da norma penal imputada ao réu. 2. A jurisprudência deste Sodalício orienta-se no sentido de ser descabida a incidência do princípio da insignificância na hipótese em que o agente introduz no território nacional medicamentos não autorizados pelas autoridades competentes, in casu a importação de oitocentas unidades da pomada Dragon and Tiger, produto não registrado na ANVISA, diante da potencial lesividade à saúde pública. 3. Embora haja relevância jurídica em se punir tais condutas, verifica-se a necessidade de atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, do Código Penal. 4. Determinação de prosseguimento da ação penal, com a adoção, se for o caso, de alternativas para o fim de evitar a imposição de penas desproporcionais às condutas praticadas. 5. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1.618.458/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 24.04.2018, DJe 01.05.2018);
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO FIRMADO PARA O CRIME DE DESCAMINHO. FIGURAS DIVERSAS. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Em que pese ser entendimento consolidado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça a aplicação do princípio da insignificância à conduta descrita no art. 334. do Código Penal, seguindo orientação do Supremo Tribunal Federal, quando o valor a ser utilizado como parâmetro para sua incidência é o previsto no art. 20. da Lei 10.522/02, ou seja, tributo devido em quantia igual ou inferior a R$10.000,00 (vide REsp 1.112.748/TO - representativo da controvérsia), in casu a conduta perquirida na ação penal é de "importar ou exportar mercadoria proibida", não havendo, daí, falar em valor da dívida tributária nos crimes de contrabando. 2. Assim, a atipia por insignificância da conduta daquele que pratica descaminho, sob o viés do quantum do tributo iludido (no máximo 10 mil reais), não encontra campo de aplicação analógica no crime do art. 334, primeira figura, do Código Penal. 3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1325931/RR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 23.10.2012, DJe 06.11.2012)
No entanto, a análise em concreto de alguns casos, levando em consideração o valor ínfimo das mercadorias e a não afetação de interesse nacional ou particular, tem gerado decisões que excepcionam a regra da não aplicação do princípio da bagatela aos crimes de contrabando. São casos em que a quantidade de mercadoria apreendida é pequena e claramente destinada ao consumo próprio:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTOS DE ORIGEM ESTRANGEIRA. PEQUENA QUANTIDADE PARA CONSUMO PRÓPRIO. HIPÓTESE EXCEPCIONAL DE INCIDÊNCIA DO CRIME DE BAGATELA. RECURSO MINISTERIAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. 1. Em regra, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não admite a incidência do princípio da insignificância aos delitos de contrabando de medicamentos. 2. Em hipóteses excepcionais, contudo, a orientação desta casa permite o reconhecimento da infração bagatelar se a quantidade apreendida é pequena e destinada ao consumo próprio, como considerou o acórdão recorrido. Isso ocorre tendo em vista a falta de lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado pela norma penal incriminadora, sob o ponto de vista da tipicidade material. Precedentes. 3. Na hipótese, a Corte regional decidiu que a agravada adquiriu pequena quantidade de fármaco a preço mais favorável e para consumo pessoal. Fixadas pelo aresto recorrido a ausência de potencial lesivo à saúde pública e a falta de destinação comercial dos produtos, rever esse entendimento, como alega o Ministério Público, demandaria o reexame dos elementos fático-probatórios, o que é defeso em recurso especial, em virtude do que preceitua a Súmula n. 7. desta Corte. 4. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, é defeso, em âmbito de agravo regimental, ampliar a quaestio veiculada nas razões do recurso especial. 5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1.724.405/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 18.10.2018, DJe 06.11.2018)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PEQUENA QUANTIDADE DE SEMENTES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Inicialmente, vale frisar que, nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal, do inquérito policial ou do procedimento investigativo por meio do habeas corpus é medida excepcional. Por isso, será cabível somente quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. 2. "Por ocasião do julgamento dos HCs n.º 144.161/SP (DJe 14/12/2018) e 142.987/SP (DJe 30/11/2018), ambos impetrados pela Defensoria Pública da União, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, por maioria de votos, que não se justifica a instauração de investigação criminal – e, por conseguinte, a deflagração de ação penal – nos casos que envolvem importação, em reduzida quantidade, de sementes de maconha,'especialmente porque tais sementes não contêm o princípio ativo inerente à substância canábica'." (REsp 1.838.937/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 20/11/2019; sem destaques no original). 3. O relator dos referidos HCs, Ministro Gilmar Mendes, entendeu que as sementes, por não apresentarem a substância tetrahidrocanabinol (THC), não podem ser consideradas drogas ou matérias-primas para a produção da droga ilícita. Foram afastadas, assim, as hipóteses de enquadramento da conduta no art. 33, § 1.º, da Lei n.º 11.343/2006 e no art. 334-A do Código Penal, bem como no delito de tráfico transnacional. 4. O Supremo Tribunal Federal tem decidido reiteradamente pelo trancamento das ações penais em que há importação de pequena quantidade de sementes de maconha, que não possuem a substância psicoativa (THC), em aplicação do princípio bagatelar. Nesse sentido, as seguintes decisões monocráticas: HC 163.730/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 23/10/2018, DJe 26/10/2018; HC 131.310/SE, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 19/12/2019, DJe 03/02/2020; HC 173.965/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019; HC 173.346/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 1/08/2019, DJe 06/08/2019; HC 148.503/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgado em 01/08/2019, DJ-e 06/08/2019; entre outros.5. Embora não se admita a aplicação do Princípio da insignificância no delito de contrabando, esta Corte vem admitindo sua incidência em situações semelhantes à presente, isto é, quando a quantidade de medicamentos para consumo próprio seja reduzida. 6. E ainda que se entendesse pelo enquadramento da conduta na figura típica do art. 28. da Lei 11.343/2006, a importação de apenas 31 sementes de maconha não se apresenta relevante do ponto de vista penal, devendo ser considerada materialmente atípica, em aplicação do princípio da insignificância, consoante entendimento desta Corte. 7. Recurso provido para determinar o trancamento da Ação Penal n.º 0009931-64.2015.403.6181, em tramitação perante o Juízo da 5.ª Vara Criminal da 1.ª Subseção Judiciária de São Paulo.
(RHC 115605/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Terceira Seção, julgado em 14.10.2022, DJe 03.12.2022)
Em ambos os casos, e em julgamentos semelhantes, leva-se em consideração que os produtos importados de forma irregular se destinam a uso próprio e não são capazes de causar lesividade suficiente à saúde pública ou economia nacional. Na Edição nº 81 da ferramenta Jurisprudência em Teses do STJ, que diz respeito aos Crimes Contra a Administração Pública16, temos o enunciado 04 que versa justamente sobre esse entendimento que vem se consolidando:
4) A importação clandestina de medicamentos configura crime de contrabando, aplicando-se, excepcionalmente, o princípio da insignificância aos casos de importação não autorizada de pequena quantidade para uso próprio.
3.2.2.1. O caso específico do contrabando de cigarros
No âmbito da Tribunal Federal da 4ª Região, tem-se entendido que a regra, no caso de contrabando de cigarros seria a não aplicação do princípio da insignificância. No entanto, este Tribunal vem admitindo a aplicação do princípio despenalizante quando mínima a quantidade de maços apreendidos, conforme se observa de recente julgado assim ementado:
PENAL. DENÚNCIA POR CONTRABANDO. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. QUANTIDADE ÍNFIMA DE CIGARROS. princípio DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. A importação irregular de mínima quantidade de cigarros de procedência estrangeira (500 maços), constitui fato insignificante perante o Direito Penal, em razão de sua ínfima dimensão, incapaz, portanto, de atrair sobre si a incidência das sanções previstas na norma penal.
(TRF 4, ACR 5009251-26.2015.404.7002, Relator RODRIGO KRAVETZ, Sétima Turma, juntado aos autos em 27/01/2016)
“O entendimento desta Corte, em consonância com os precedentes do STF e do STJ, no sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância ao contrabando de cigarros, apenas é excepcionado quando for ínfima a quantidade de cigarros encontrados em poder do acusado, essa entendida como parâmetro de até 500 maços”
(TRF 4, ACR 5007726-58.2019.4.04.7005, Relatora CLAÚDIA CRISTINA CRISTOFANI, Sétima Turma, juntado aos autos em 24/02/2021).
O próprio Ministério Público Federal tornou público o seu posicionamento sobre a questão consubstanciando-o no Enunciado 90 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, aprovado na 177ª Sessão Virtual de Coordenação, de 16 de março de 2020:
Enunciado 90: É cabível o arquivamento de investigações criminais referentes a condutas que se adéquem ao contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não superar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto. As eventuais reiterações serão analisadas caso a caso.17
Fixado, assim, parâmetro de 1.000 (um mil) maços de cigarros para promoção de arquivamento formulada por membro do Parquet.
Diferente é o posicionamento dos Tribunais Superiores: não é admitido o abrandamento da aplicação da norma penal quando se trata de contrabando de cigarros. É o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal Federal conforme o seguinte julgado, colacionado de forma exemplificativa:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME DE CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. O princípio da insignificância é inaplicável ao delito de contrabando. 3. Inexistência de manifesto constrangimento ilegal ou teratologia no ato apontado como coator que, fundado nas especificidades circunstanciais do caso concreto, manteve o afastamento do vetor reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, para não aplicar o princípio da insignificância. 4. Agravo regimental conhecido e não provido.
(HC 184.586 AgR/SP, Rel. Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 07.12.2020, DJe 10.12.020)
Referida matéria já foi submetida a julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça em mais de 1.500 oportunidades18. De antemão, lembremos que também na Edição nº 81 da ferramenta Jurisprudência em Teses do STJ, que diz respeito aos Crimes Contra a Administração Pública19, foi publicado enunciado que trata especificamente sobre o contrabando de cigarros ou gasolina:
3) A importação não autorizada de cigarros ou de gasolina constitui crime de contrabando, insuscetível de aplicação do princípio da insignificância.
Apesar de a Edição nº 81 ter sido publicada em 17 de maio de 2017, o entendimento de que não pode ser invocado no caso de contrabando de cigarros o princípio da insignificância segue sendo aplicado pelo STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CPP. NÃO CABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Esta Corte possui entendimento firmado no sentido de que a importação não autorizada de cigarros constitui crime de contrabando insuscetível de aplicação do princípio da insignificância, não importando a quantidade de maços apreendidos, considerando que o bem jurídico tutelado não se restringe à arrecadação tributária (ut, AgRg no AgRg no AREsp n. 1.850.734/RN, relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, DJe de 6/5/2022. (...) 3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1993858/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 24.05.2022, DJe 30.05.2022)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. É inaplicável o princípio da insignificância ao crime de contrabando de cigarros, pois a conduta não se limita à lesão da atividade arrecadatória do Estado, atingindo outros bens jurídicos, como a saúde, segurança e moralidade pública. 2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AgRg no AREsp 2053171/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 24.05.2022, DJe 31.05.2022)
O processo nº 0000338-71.2018.4.03.6127, oriundo do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, teve Recurso Especial registrado sob o nº 1.977.652 distribuído em 16 de dezembro de 2021. Já no dia seguinte o Ministério Público Federal foi intimado para se manifestar a respeito da admissibilidade deste recurso como representativo de controvérsia. Mesma decisão foi proferida nos autos do Recurso Especial 1º 1.971.993/SP.
Em sessão virtual realizada entre os dias 06 e 12 de abril de 2022, a Terceira Seção do STJ, por unanimidade afetou os recursos especiais à sistemática dos recursos repetitivos (acórdãos publicados no DJe de 29.04.2022). A tese controvertida, catalogada sob o Tema STJ nº 1.143, foi delimitada da seguinte forma:
O princípio da insignificância não se aplica aos crimes de contrabando de cigarros, por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial, pois a conduta atinge outros bens jurídicos, como a saúde, a segurança e a moralidade pública.
Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais foram comunicados sobre o teor do acórdão no dia 03/05/2022, em que pese não ser necessária a suspensão do trâmite dos processos pendentes naquele Tribunais que tratam sobre o mesmo tema.
Até o momento da publicação deste artigo, não foi proferida decisão final dos Recursos Especiais nº 1.971.993/SP e 1.977.652/SP, mas se acredita que o Superior Tribunal de Justiça irá ratificar o seu entendimento.