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O utilitarismo do não aborto para a felicidade de quem não é vítima

Agenda 28/06/2022 às 19:55

Discute-se o caso de repercussão internacional da conduta ideológica de Joana Ribeiro Zimmer, juíza do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Sem imbróglios:

DECRETO-LEI N° 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)

Aborto necessário

(...)

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Vamos ao caso de repercussão nacional e internacional de conduta ideológica de Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). O Intercept Brasil divulgou vídeo com a criança e com a juíza (link: https://youtu.be/VJK1bZxAu7Y)

Pela literalidade na norma do art. 128, do CP, "o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal".

O conteúdo do vídeo mostra induzimento da juíza quanto ao pedido da mãe da criança e da criança (11 anos de idade) estuprada. O que é de estranhar é que o Hospital negou o aborto, sendo a norma do art. art. 128, do CP, solar:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Se admitirmos que o Hospital, qualquer que seja, público ou particular, pode determinar quando a gravidez pode ou não ser interrompida, também podem os hospitais, e até os médicos, decidirem, por eles mesmos, outros fatos. Por exemplo:

DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

Condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012).

Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial: (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012).

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012).

Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte. (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012).

Deflui, da proibição acima, o princípio da dignidade humana, esta insculpida nas normas dos arts. 1º, III, 5º, § 1°, da CRFB de 1988. Ou seja, a vida é o bem maior, este bem está acima do capital. Ora, dizer que os planos de saúde, ou estabelecimentos privados de saúde necessitam de capital para prestarem "bons atendimentos" é, deveras, um "apêndice" de um sistema orgânico.

O Instituto de Defesa do Consumidor disponibilizou, há tempo, uma cartilha informativa sobre os planos privados, o SUS e a dignidade dos consumidores. A cartilha é de 2007, contudo, muito atual quanto às diferenças para a dignidade dos brasileiros:

O dinheiro público que sai do nosso bolso também é usado para a compra de planos de saúde privados dos funcionários públicos. Por ano, só o governo federal sem contar empresas estatais, órgãos de estados e prefeituras desembolsa mais de  R$ 1 bilhão para financiar a saúde privada de seus servidores, inclusive para os funcionários do SUS. Os planos de saúde também têm alto custo social. E quem paga a conta dos planos coletivos, maior fatia do mercado, não são os empregadores, mas sim a sociedade. As empresas embutem os gastos que têm com saúde privada para os funcionários no valor dos seus produtos e serviços. Por exemplo, quando você paga a conta do seu telefone, lá está embutido o custo do plano de saúde dos empregados da companhia telefônica. Há, ainda, a isenção de alguns impostos para vários planos de saúde, como aqueles ligados às Santas Casas ou às cooperativas médicas, que visam lucro assim como os demais. Enquanto os gastos por habitante para usuários do SUS cerca de 80% da população não chegam a R$ 300,00 por ano, o gasto por habitante para clientes de planos de saúde cerca de 20% da população é três vezes maior1 . No final das contas, ninguém está satisfeito com a assistência que recebe.

(...)

As mesmas empresas de planos de saúde que exploram os consumidores, também sugam os insuficientes recursos do SUS. Por exemplo, no momento em que negam coberturas aos consumidores, que acabam sendo atendidos pelo sistema público. A Lei dos Planos de Saúde, para tentar corrigir esse absurdo, criou um sistema de ressarcimento: o SUS tem direito de receber toda vez que um cliente de plano de saúde é atendido em hospital público, desde que a cobertura esteja prevista no contrato do plano. É tão grande o volume de atendimentos feito pelo SUS a pacientes que têm plano de saúde que, desde o início da cobrança do ressarcimento, os planos devem mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Mas deste dinheiro todo, somente 5% retornou ao SUS.

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Ano de 2020, a pandemia por Covid-19. Houve aumento, recente, de 15 % (quinze por cento) nos planos de saúde. Desde 2007, os planos tiveram prejuízos substanciais? Para pensar!

Do direito de propriedade e da autonomia privada: prevalente é a dignidade humana. Eis o fundamento da norma do Art. 135-A, do CP. Isso não quer dizer que o hospital não tenha nenhuma probabilidade de ter os valores pelos seus devidos gastos com o atendimento médico-hospitalar emergencial. Posso estender tal observação para o filme Um ato de coragem. Ao ponderar o filme com a norma do Art. 135-A, do CP, o âmago é a dignidade humana e os limites da ideologia capitalista recomendo ler  O que Michael J. Sandel diria sobre furar filas no SUS e no Congresso brasileiro? (jusbrasil.com.br).

Pelo ensejo, do fato escandaloso, quanto à decisão da juíza, em relação ao aborto do nascituro no ventre da criança estuprada:  Direitos Humanos na Administração da Justiça: Um Manual de Direitos Humanos para Juízes, Procuradores e Advogados. Traslado:

Capítulo 4

A AUTONOMIA E A IMPARCIALIDADE DE JUÍZES, PROMOTORES E ADVOGADOS

No Estado constitucional moderno, o princípio da autonomia do Judiciário possui sua origem na teoria da separação dos poderes, na qual o Executivo, o Legislativo e o Judiciário formam três partes separadas do governo, formando um sistema de balança e fiscalização mútua, que visa a prevenção de abusos de poder em detrimento de uma sociedade livre. Essa autonomia significa que tanto o Judiciário, como uma instituição, quanto os juízes, ao decidirem os casos específicos, devem poder exercer suas responsabilidades profissionais sem a influência do Executivo, do Legislativo ou qualquer outra fonte imprópria.

Somente um Judiciário autônomo pode promover a justiça de forma imparcial e baseada na lei, protegendo também os direitos humanos e as liberdades fundamentais do indivíduo. Para que esta tarefa essencial seja cumprida eficientemente, o povo deve ter confiança total na habilidade do Judiciário em exercer as suas funções de uma maneira autônoma e imparcial. Toda vez que esta confiança se desgasta, nem o Judiciário como uma instituição, nem os juízes individualmente conseguirão exercer completamente esta importante tarefa, ou pelo menos não serão facilmente vistos exercendo-a.

Consequentemente, o princípio da autonomia dos juízes não foi criado para o benefício dos próprios juízes, mas sim para proteger os seres humanos contra abusos de poder. Este princípio determina que os juízes não podem atuar de nenhuma forma arbitrária, decidindo os casos conforme suas preferências pessoais, mas que seu dever é, e continuará sendo, a aplicação da lei. No campo de proteção aos indivíduos, isso também significa que os juízes possuem a responsabilidade de aplicar, quando pertinente, as leis locais e internacionais sobre os direitos humanos.

Um ordenamento jurídico baseado no respeito à lei também precisa de uma promotoria forte, autônoma e imparcial, disposta a investigar e denunciar crimes suspeitos cometidos contra seres humanos, mesmo quando estes crimes são cometidos por pessoas no exercício do dever legal.

A não ser que os juízes e promotores cumpram completamente suas funções fundamentais em manter a justiça na sociedade, existe um sério risco de que a cultura da impunidade se enraíze, aumentando, desta forma, a distância entre a população em geral e suas autoridades. Se as pessoas encontrarem problemas em conseguir justiça para si mesmas, podem ser levadas a fazer justiça com as próprias mãos, resultando em mais deterioração na administração da justiça e, possivelmente, novas explosões de violência.

Capítulo 10

OS DIREITOS DA CRIANÇA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

4.2 O melhor interesse da criança

O artigo 3(1) da Convenção sobre os Direitos da Criança é a disposição essencial sobre o princípio do melhor interesse e reza conforme segue:

1. Em todas as ações relacionadas às crianças, sejam elas empreendidas pelas instituições de bem-estar social públicas ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou entidades legislativas, o melhor interesse da criança constituirá a consideração principal.

4.3 O direito da criança à vida, sobrevivência e desenvolvimento

A redação do artigo 6(2) da Convenção sobre os Direitos da Criança também deixa claro que os Estados partes poderão ter que tomar medidas positivas a fim de maximizar a sobrevivência e o desenvolvimento das crianças sob sua jurisdição.

Assim, pode ser necessário que os Estados tomem medidas apropriadas, interagia, para diminuir a mortalidade de bebês e crianças, ou fornecer às crianças os cuidados com a saúde e a assistência médica necessária (cf. art. 24 da Convenção sobre os Direitos da Criança).

4.4 O direito da criança de ser ouvida

Um outro princípio geral importante é encontrado no artigo 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança, segundo o qual:

1. Os Estados Partes assegurarão à criança que é capaz de  formar suas próprias opiniões o direito de expressar livremente essas opiniões em todos os assuntos que afetem a criança, as opiniões da criança recebendo a devida ponderação em conformidade com a idade e a maturidade da criança.

2. Para esta finalidade, será propiciada à criança a oportunidade de ser ouvida em qualquer processo judicial e administrativo que a afete, seja diretamente, ou através de um representante ou uma entidade apropriada, de forma consistente com as regras processuais da legislação nacional.

O direito de uma criança de ser ouvida, segundo o Artigo 12 da Convenção, não significa, entretanto, que a criança tem direito de autodeterminação, mas somente que ela tem direito de se envolver na tomada de decisão.(30) Essa participação precisa ser autêntica, e não pode ser reduzida a uma formalidade. Além disso, quanto mais velha e mais amadurecida for a criança, maior peso será dado às suas opiniões. Isso significa que é preciso dar um peso particular às opiniões do adolescente no decorrer do processo com relação à pessoa do adolescente.

Com relação à adjudicação e disposição dos adolescentes, a Regra 14(2) das Regras de Beijing também dispõe que:

O processo deve ser conducente ao melhor interesse do adolescente, e será conduzido em uma atmosfera de compreensão, o que deve permitir que o adolescente participe do mesmo e se expresse livremente.

O direito de ser ouvido em um processo judicial referente a si mesmo, como tem sido visto nos Capítulos 5 a 7 deste Manual, é reconhecido para adultos e constitui uma importante salvaguarda do processo. Entretanto, é um direito que adquire ênfase particular quando se relaciona a crianças, pois poderão ser necessários esforços especiais para se assegurar que uma criança seja autenticamente ouvida.

Perguntar sobre o aborto. A criança deve ou não saber dos prós e contras pelos juízes (homens, mulheres ou LGBT+)? Juízes perguntarem, não há nada demais, pois, como ocorre em outros processos, não de estupros, é comum perguntar sobre a consciência do fato, isto é, o que de fato ocorreu, o que está ocorrendo durante a audiência etc. No entanto, a partir do momento em que há perguntas (juízes), mas logo em seguida transmite uma ideia, que não faz parte da certeza de quem é interpelado, ou se este tem consciência/conhecimento e sofre insistência ideológica de quem pergunta, há persuasão. É de conhecimento geral que, salvo alguns juízes, intimidam advogados, jurados, réus e testemunhas. Uma voz poderosa no Tribunal. 

"Presume-se que que o juiz é pessoa de fino trato, aprimorado no bom convívio social. Não lhe podem faltar cortesia, polidez e a delicadeza, que se adquirem também pelo trato do mundo.

(...) Infelizmente, há ainda juízes, raros, é verdade, que são verdadeiras bestas, não sabendo que a testemunha presta um favor à Justiça, que o advogado não é seu subordinado hierárquico e que o réu é um ser humano como eles, merecendo respeito." (O Juiz, o Promotor, o Advogado Seus poderes e deveres. Francisco Vani Benfica).

Para muitos brasileiros, desprovidos de conhecimentos sobre os direitos humanos, a simples palavra autoridade já causa medo. Não é difícil encontrar, nas redes sociais, trechos de vídeos claramente com abusos por parte de juízes, policiais etc. Com a promulgação da CRFB de 1988, com o aperfeiçoamento dos operadores de Direito aos direitos humanos, ocorreram profundas mudanças na cultura jurídica brasileira, o mesmo na própria cultura brasileira.

Ir ao Tribunal já causa mal-estar aos jurados, estudantes de Direito, réus etc. Não pelo fato de saber quem é o (a) juiz (a), contudo, pelo fato de ser Tribunal e estar de frente ao (à) juiz (a). Séculos de uma imagem negativa, de que o Estado e de quem está revestidos dos poderes (transitórios) concedidos pelo Estado podem tudo fazer com os cidadãos. Esse mal-estar, infelizmente, gera consequências negativas para os próprios juízes, uma vez que das desconfianças dos cidadãos com o Estado e com os seus agentes, um "estado psíquico de desconfiança" se instala. Não é demais frisar sobre tentativas de desacreditar tanto o Estado quanto os agentes, quando grupos antidemocráticos, na figura da "maioria", querem desestabilizar o Estado Democrático de Direito. Aos opositores da "maioria", sejam eles operadores de Direito ou não recomendo ler  Asilo político para advogada. O Brasil vive uma ditadura?  as suas dignidades ficam reduzidas, ou ameaçadas de morte.

Nos trechos que se seguem do vídeo, não houve imparcialidade da juíza. Sobre o aborto, trago, novamente, as normas do Código Penal:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: (Vide ADPF 54)

Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54)

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Não há de se falar em crime quando o aborto é permitido pelo Estado, como bem descrito na redação do art. 128, II, do CP. Entre a decisão dos profissionais da área de saúde, das normas dos estabelecimentos de saúde (hospitais, clínicas) e da vontade da mulher cisgênero e da vontade do homem transgênero nasceu com os órgãos sexuais masculinos, mas se identifica, emocional e psiquicamente, como mulher , devem prevalecer a vontade da mulher cisgênero e a vontade do homem transgênero. Se da negativa, não há como aplicar, por exemplo:

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. (Código de Ética Médica) (grifo do autor)

Não há vontade, por ideologia, do profissional de saúde de "empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas" e, sim, "levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal". Age o profissional sem cometer crime:

DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

Exclusão de ilicitude (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

(...)

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Leciona Nucci:

Atualmente, somente para exemplificar, vem sendo praticada a ortotanásia, aprovada, inclusive, como conduta ética dos médicos pela Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina:

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal (DOU 28.11.2006, Seção I, p. 169). Cuida-se de procedimento comum nos hospitais, apoiado não somente pelos médicos, mas pelos próprios interessados os  pacientes terminais e seus parentes. Atinge o âmbito do consentimento do ofendido, mas, antes de tudo, consiste em conduta socialmente adequada, logo, atípica. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado / Guilherme de Souza Nucci. 17. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017)

Há a morte natural pela ortotanásia. Não se mata, contudo, abrevia-se. Se a vida é o bem maior, como defendida, todos os procedimentos devem ser aplicados para salvar vidas. Em 2020, na pandemia por Covid-19, o "kit-Covid" foi largamente defendido por alguns profissionais da área de saúde, pela justificativa de autonomia médica. O Conselho Federal de Medicina asseverou o direito de autonomia médica   CFM: tratamento precoce contra covid-19 não é recomendável, mas médicos têm autonomia Rádio Senado.

Se há autonomia médica, considera-se provável que os médicos podem desobedecer ao art. 41 do Código de Ética Médica? Tais profissionais não possuem plena autonomia, pois estão "subjugados" ao Conselho recomendo ler  Profissionais da área de saúde e as entidades de atendimento médico-hospitalar emergencial diante do CDC, da CF/1988, do CP e do CC.

Depreende-se. Tanto os agentes públicos, os não agentes, desde morador de rua até profissionais da área de saúde, ninguém possui direitos absolutos. Por isso, o Estado Democrático de Direito. Da ideologia atual, a dos direitos humanos, a dignidade humana é princípio norteador do Estado brasileiro e da sociedade brasileira, ainda que na sociedade existem pluralidades ideológicas.

O hospital deveria ter feito o aborto, e não seria necessário o Judiciário e tanto sofrimento para a criança estuprada. O feto não tem culpa, a estuprada também. 

Para refletir.

Os conservadores dirão "Ela (juíza) agiu bem, em defesa da vida". Ocorre que os conservadores também afirmam que o Supremo Tribunal Federal usurpou poderes do Poder Legislativo ao permitir o casamento homoafetivo pelo ativismo judicial contra o art. 226, § 3º da Constituição Federal.

Realmente, a criança não tem culpa, muito menos o feto. Antes das novas redações e revogações no Código Penal, havia perdão para quem estuprava e casava.

Criança e feto não têm culpa nenhuma. Todavia, quem vai cuidar da criança e do feto dela? Quem doará alimentos, fraldas? Após a vida intrauterina, quem vai cuidar do novo ser humano? E a criança-mãe, ela terá infância? Como estudará?

Vamos admitir que os contrários aos aborto cedam partes de suas economias para a criança-mãe e filho (a).

Ainda assim, como a criança grávida não tem como deliberar por ela, já que não tem conhecimentos como os adultos, como moral, imoral, amoral, compreender os prós e contras da gravidez precoce, do aborto, os adultos deliberação por ela, mas por qual ideologia? Conservadora, liberal, libertária? Se os adultos sabem o que é bom para a criança, e cada cultura tem seus valores, qual cultura está correta e qual está errada?

Os juízes devem agir pelo positivismo ou pelo pós -positivismo? A "livre escolha do juiz" deve ser pelas normas ou ir além das normas como a metafísica?

Mesmo assim, tudo é criação humana, pelo entendimento humano, melhor, da espécie humana; cada grupo com sua ideologia.

Se a juíza decidiu pela vida do nascituro, o motivo do não aborto. Desconsiderou a vontade da criança, da família da criança. Então o Estado pode decidir tudo, enquanto os cidadãos nada podem fazer? O Estado sabe o que é bom e ruim para os cidadãos? A "maioria" deve determinar a vida individual? Isso não é "ditadura da maioria" contra a "minoria"? Contra a liberdade individual?

Se a vida é "Direito Sagrado", o aborto, um crime aos Olhos de Deus, é de se considerar adoções de crianças por casais LGBT+. Entretanto, o Estado laico não deve existir neste caso. A proibição de adoção por casais LGBT+ não pode acontecer, no sentido de não ser permitido pelo Estado (teológico).

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. O utilitarismo do não aborto para a felicidade de quem não é vítima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6936, 28 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98807. Acesso em: 22 dez. 2024.

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