Resumo: O Estado ou Primeiro Setor é um ente com personalidade jurídica de direito público, com funções públicas essenciais e indelegáveis, que utiliza recursos públicos para fins públicos. Já o mercado ou Segundo Setor abrange pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, que empregam recursos privados para o benefício próprio ou de particular. Diante das dificuldades enfrentadas pelos gestores públicos no que tange à prestação dos serviços públicos, bem como em razão da população brasileira enfrentar diversos problemas sociais atualmente, resultantes de uma economia que favorece detentores de capitais, enquanto que uma grande parcela da população sofre por não ter acesso às necessidades básicas, surgem as organizações do Terceiro Setor, que vem suprir a deficiência do estado no cumprimento destas funções essenciais. Neste contexto, observada a importância do Terceiro Setor na sociedade, deve-se estabelecer estratégias de gestão de recursos para a manutenção do adequado funcionamento destas organizações. Já que, muitas vezes elas dependem exclusivamente de doações e patrocínios, tornando-se bastante vulneráveis, mais susceptíveis a falência. Para isso, foi realizado um estudo teórico contemplando os temas: Terceiro Setor, organização não governamental e gestão estratégica de recursos. Trata-se de uma pesquisa exploratória, no qual foram efetuadas coletas de dados da literatura, pesquisando em fontes como livros, monografias, dissertações, teses e artigos.
Palavras-chave: Gestão estratégica. Terceiro Setor. Eficiência.
1- INTRODUÇÃO
O Terceiro Setor é uma das alternativas escolhidas pelos gestores estatais com a finalidade de proporcionar melhorias nos serviços públicos ofertados. Essas entidades privadas pertencentes ao Terceiro Setor atuam em parceria com o Primeiro Setor da economia Administração Pública, exercendo atividades de interesse social nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde, que não são exclusivos do Estado. Sua utilização está amparada pela Carta Magna de 1988, consoante se verifica em no artigo 199, §1º.
Para que essas entidades paraestatais sejam criadas, basta apenas que preencham os requisitos estabelecidos na Lei nº 9.637/98, que dispõe sobre as qualificações necessárias que elas devem ter, bem como, estabelece outras providências. Insta esclarecer que, a referida lei só é válida para o âmbito da Administração Pública Federal e para que os Estados, Distrito Federal e Municípios possam firmar essa parceria com as instituições interessadas, será necessário que esses entes federativos editem suas próprias leis e disciplinem a matéria.
Sendo assim, para alcançar o nível de excelência na utilização dos recursos públicos por meio das entidades privadas conveniadas com a administração pública, se faz necessário realizar uma gestão de recursos financeiros de modo eficaz. Nesse intuito, os Estados têm firmado contratos de gestão com entidades privadas e por meio dessa parceria, algumas entidades federativas têm conseguido oferecer à população um atendimento com nível de serviço em grau superior àqueles que são ofertados diretamente pela administração direta.
Fato é que, a população brasileira enfrenta diversos problemas sociais atualmente, resultantes de uma economia que favorece detentores de capitais, enquanto que uma grande parcela da população sofre por não ter acesso as necessidades básicas, como moradia, alimentação adequada, trabalho remunerado de maneira justa, lazer, cultura, educação, dentre outros. Dessa forma, verifica-se a importância da existência de entidades voltadas a ações sociais e que tenham como missão primordial contribuir para o bem-estar da população.
O presente trabalho tem como foco desmistificar o entendimento sobre o funcionamento e gestão das organizações não governamentais. Neste contexto, observada a importância do Terceiro Setor na sociedade, deve-se estabelecer estratégias de gestão de recursos para a manutenção do adequado funcionamento destas organizações. Já que, muitas vezes elas dependem exclusivamente de doações e patrocínios, tornando-se bastante vulneráveis, mais susceptíveis a falência.
Os estudiosos sobre o tema até hoje, ainda discutem sobre a relevância dessas organizações para a sociedade, bem como a melhor forma de defini-las. Diante disso, justifica-se este estudo a fim de compreender os elementos mais importantes sobre o Terceiro Setor e sobre as organizações não governamentais, que são um tipo peculiar de entidades deste setor em questão. Além disso, busca-se a análise da eficiência da gestão estratégica de recursos para a adequada manutenção das organizações não governamentais.
2- O SURGIMENTO DO TERCEIRO SETOR
Não há registros que comprovem o exato momento do surgimento do Terceiro Setor no Brasil. Mas, ao analisar momentos históricos alguns estudiosos depreendem que sua criação se deu por volta da década de 70 em meio ao regime militar. Entre os anos de 1964 e 1985 o Brasil vivenciava um ambiente político e social conturbado, em razão do golpe militar ocorrido nesse período que se tornou histórico. O governo Médici estava marcado por uma autonomia repressiva e tecnocrata. Por sinal, foi na sua gestão que o regime militar foi mais intenso, pois havia uma resistência intensa por parte da maioria da sociedade civil e consequentemente o governo agia com bastante repressão aos movimentos que se instaurava contra o regime militar.
De acordo com Santos (2005, p. 13 apud Silva, 2010, p. 1303),
[...] está emergindo uma outra globalização, constituída pelas redes e alianças transfronteiriças entre movimentos, lutas e organizações locais ou nacionais que nos diferentes cantos do globo se mobilizam para lutar contra a exclusão social, a precarização do trabalho, o declínio das políticas públicas, a destruição do meio ambiente e da biodiversidade, o desemprego, as violações dos direitos humanos, as pandemias, os ódios inter-étnicos.
Com isso, é possível inferir que o surgimento do Terceiro Setor foi proveniente de uma manifestação contrária aos desmandes ocorridos no período do regime militar, em que o setor privado necessitou por questões de solidariedade social unir-se com a sociedade civil com o objetivo de fornecer a eles dentro das suas possibilidades, um serviço digno e de qualidade. Contudo, para manterem-se eles também tinham a necessidade de que a sociedade em geral realizasse doações para essas instituições.
3- A ADMINISTRAÇÃO INDIRETA E O TERCEIRO SETOR
Em que pese a Administração Indireta também se basear na descentralização de competências da Administração Pública, esta não deve ser confundida com as entidades pertencentes ao Terceiro Setor. Pois, a Administração Pública Indireta é composta pelas autarquias, fundações públicas, as empresas públicas e sociedades de economia mista. Enquanto que, as entidades do Terceiro Setor são associações privada sem fins lucrativos que possuem personalidade jurídica.
Acerca disso, Matheus Carvalho (2017, p.159) conceitua a Administração Indireta da seguinte forma:
a descentralização trata da repartição de competência entre pessoas físicas e jurídicas. Ocorre porque, tendo em vista a necessidade de especialização dos serviços, o Estado pode transferir a responsabilidade dos exercícios que. lhes são pertinentes, criando pessoas jurídicas especializadas, autorizando que elas executem a prestação dos serviços. Isso é feito porque a transferência a pessoa especializada na prestação de determinado serviço garante uma maior eficiência no desempenho da atividade administrativa, sempre na busca do melhor ao interesse da coletividade.
Da mesma forma, o professor José dos Santos Carvalho Filho (2016, p.602) conceitua a Administração Indireta como: O conjunto de pessoas administrativas que, vinculadas à respectiva Administração Direta, têm o objetivo de desempenhar as atividades administrativas de forma descentralizada.
Dos conceitos acima esposados, percebe-se que apesar da administração indireta e das entidades do Terceiro Setor estarem baseadas na descentralização dos serviços públicos, uma não deve ser confundida com a outra, pois a principal diferença entre elas está no fato de que as entidades da administração indireta são realizadas por meio de lei específica. Enquanto que as do Terceiro Setor se habilitam como tal, após preencherem os requisitos previstos no artigo 2º da lei 9.637/98.
A respeito da hierarquia das entidades da Administração Indireta Ricardo Alexandre e João de Deus (2017, p. 48) afirmam que,
não há qualquer relação de subordinação hierárquica entre a entidade administrativa criada e o seu ente político criador. Contudo, apesar da autonomia decorrente da personalidade jurídica própria, as entidades administrativas criadas não são absolutamente independentes; existe uma relação de vinculação entre a pessoa jurídica administrativa e o ente político que a criou, o que possibilita a este exercer um controle de natureza finalística sobre a atuação da entidade criada.
Ou seja, a Administração Indireta é limitada. Pois, consoante preceitua o artigo 4º, inciso II, do Decreto-lei 200/1967, só pertencem à Administração Indireta as autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. Por sinal, é objeto de celeuma o fato dos consórcios públicos também pertencerem à Administração Indireta.
Art. 4° A Administração Federal compreende:
I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.
II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:
a) Autarquias;
b) Empresas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista.
d) fundações públicas. (BRASIL, 1967).
Porém, os consórcios públicos de direito privado são espécies do gênero empresa pública, uma vez que, mesmo com suas notórias peculiaridades, observam todos os elementos do conceito desta.
Insta destacar que, as entidades do Terceiro Setor são pessoas jurídicas de direito privado, que estão autorizadas no artigo 1º da lei 9.637/98, a firmarem contrato de gestão, para executar serviços públicos nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde.
Art. 1º O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nestas lei.(BRASIL, 1998)
Diante da burocracia dos processos licitatórios para que a execução dos serviços públicos sejam realizados por entidades pertencentes à Administração Indireta, este acaba se tornando inviável se observado pelo aspecto da agilidade na contratação dos serviços. Logo, resta configurado mais um benefício na concretização de contratos de gestão com as entidades privadas pertencentes ao Terceiro Setor, pois além de tratar-se de serviços constitucionalmente garantidos à população brasileira, a ineficiência na execução deles poderá ocasionar a violação do bem jurídico mais precioso, qual seja a vida.
5- ESTRATÉGIAS DE GESTÃO DE RECURSOS NO TERCEIRO SETOR
Conforme retro exposto, as entidades pertencentes ao Terceiro Setor podem estar presentes nas mais diversas áreas do setor público. Desse modo, para analisar as estratégias de gestão eficiente dos recursos públicos, será analisado de forma breve os dados relacionados às entidades atuantes na área da saúde. Com a finalidade de reduzir os gastos saúde pública, e ao mesmo tempo melhorar os serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os Estados têm firmado frequentes contratos de gestão com as Organizações Sociais de Saúde (OSSs), tal modalidade de contratação também objetiva oferecer à população um atendimento mais aproximado aos que são ofertados pela rede privada de saúde.
A delegação da prestação de serviços para uma organização filantrópica tem objetivos bem claros: facilitar o acesso aos serviços de saúde para responder ao princípio da equidade, buscar fórmulas para conhecer e moderar o crescimento do gasto, dotar o sistema de estabilidade financeira e garantir a melhoria da qualidade dos serviços.( SOUZA, 2010, p. 07)
Sendo assim, a Administração Pública decidiu adotar um novo modelo gerencial que tivesse os mesmos princípios basilares da gestão privada. Qual seja: eficiência, concorrência e produtividade, e ao mesmo tempo permanecer no controle, regulando e fiscalizando a execução dos serviços.
Ao analisar o relatório de execução do contrato de gestão do ano de 2014 disponibilizado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) do Estado de Pernambuco, depreende-se que, os pacientes atendidos por essas Organizações Sociais, mostraram-se satisfeitos com o atendimento prestado. Como exemplo, pode-se citar o caso do Hospital Metropolitano Sul Dom Hélder Câmara (Organização Social: Fundação Prof. Martiniano Fernandes - IMIP Hospitalar), localizado no bairro do Cabo de Santo Agostinho que do total de 5.445 pesquisas realizadas com pacientes e acompanhantes a classificação foi de regular a bom.
Acerca desse assunto, o Jornal do Comércio de Pernambuco publicou em seu portal eletrônico os seguintes dados:
[...] os hospitais da administração direta teriam custado mais de R$ 1,3 bilhão em 2014, contra R$ 421,5 milhões daqueles geridos por OSS's. Apesar de gastar pouco mais de 24% das despesas hospitalares, as unidades administradas parcerias teriam realizado mais de 36% dos 2,9 milhões de serviços e atendimentos. (ALMEIDA, 2017)
O referido jornal local também menciona que, o gasto da União com a saúde entre os anos de 1980 e 1990 correspondia a mais de 70% enquanto que no ano de 2017 esse gasto estava abaixo de 40%.
Contudo, posicionamentos contrários à criação das OSSs levaram questionamentos ao Superior Tribunal Federal (STF), por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Dentre os motivos que desencadearam tal movimentação da máquina judiciária, se deve ao fato de que para esses requerentes, o poder público é exclusivamente responsável em executar serviços sociais.
Acerca disso Luís Eduardo Patrone Regules e Alberto Shinji Higa(2015) posicionam-se da seguinte forma:
[...] a Constituição da República, no que toca aos serviços não exclusivos do Estado arrolados no citado artigo 1º, autoriza tão somente uma atuação dos entes do terceiro setor de modo complementar e não uma atuação substitutiva do Poder Público como se pretende com a qualificação dessas entidades como organizações sociais.
Aqueles que se posicionaram contrários à atuação das paraestatais sustentaram seus argumentos na alegação de inconstitucionalidade da lei 9.637/98 e do inciso XXIV do artigo 24 da lei de licitação de número 8.666/93.
No caso do referido inciso da lei de licitação, objeto de discussão sobre sua eficácia constitucional, o mesmo regula os casos em que a licitação será dispensável. Sendo importante destacar que, os contratos de prestação de serviços pactuados com as Organizações Sociais estão inseridos nessa previsão normativa.
Art. 24. É dispensável a licitação:
XXIV - para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.(BRASIL, 1993).
Contrariamente a essa linha interpretativa, o Superior Tribunal Federal (STF), não reconheceu a alegada inconstitucionalidade. Por sinal, a ministra Carmem Lúcia fundamentou seu voto com a seguinte afirmação: o particular pode prestar os serviços em questão, porém com a observação dos princípios e regras da Administração Pública. (STF, 2015).
Isto é, na fundamentação do voto da Excelentíssima Ministra do STF, os contratos de gestão são válidos, mais para isso, deverão seguir os princípios da moralidade atuar com ética, legalidade fazer apenas o que estiver estabelecido em lei, impessoalidade o administrador deverá atuar de acordo com a finalidade pública e não visando interesses particulares, publicidade os atos deverão ser realizados com transparência e as informações como os relatórios financeiros, por exemplo, deverão está disponíveis para que a população possa consultar. Pois, em regra os atos administrativos não são sigilosos. Por fim, as OSS deverão respeitar também o princípio da eficiência que serve tanto para avaliar o desempenho do Estado como do servidor público.
Similarmente, o ministro Gilmar Mendes fundamentou seu voto reforçando a importância do Tribunal de Contas em controlar, e do Ministério Público em fiscalizar tais contratos. Uma vez que, os recursos continuam sendo proveniente dos cofres públicos.
Infelizmente a atuação das OSSs não seguem um padrão de eficiência e qualidade em todos os setores da Administração Pública. Consequentemente o seu sucesso fica comprometido em alguns estados. Pois, os resultados positivos estão diretamente relacionados ao modo como cada ente federativo administra e fiscaliza a atuação de cada entidade paraestatal parceira.
O Rio de Janeiro é um desses Estados que no ano de 2016 não obteve resultados satisfatórios proveniente da gestão das OSSs. Pelo contrário, oito das dez OSS que tinham contratos de gestão firmados com o setor público, foram alvo de investigação do Ministério Público (MP).
Das dez organizações sociais (OSs) que administram 108 das 248 unidades de saúde da prefeitura do Rio, oito são investigadas em procedimentos no Ministério Público (MP) estadual e em ações no Tribunal de Justiça (TJ) do Rio por suspeitas de irregularidades. Há desde denúncia de não fornecerem condições adequadas aos pacientes, até casos de supostos desvios de recursos públicos. A maioria das investigações teve por base 16 auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). Em alguns casos, os auditores constataram sobrepreços de até 508% na compra de medicamentos. (BOTTARI, 2016)
Das irregularidades encontradas, pode-se afirmar que a falha não estava no modelo de gerenciamento do Terceiro Setor. O problema foi a falta de fiscalização dos recursos que estavam sendo destinados para tais fins. Pois, de acordo com a reportagem publicada no portal do jornal O Globo, de autoria de Antônio Werneck e Elenilce Bottari (2016):
Até 2015, as oito investigadas foram contratadas para receberem um total de cerca de R$ 9,2 bilhões, ficando efetivamente com 64% do valor: aproximadamente R$ 6 bilhões. No orçamento de R$ 4,9 bilhões da saúde para 2016, aprovado pela Câmara, as organizações sociais terão 38,8%, ou R$ 1,9 bilhão. O valor é maior do que a maioria dos orçamentos previstos para os 32 órgãos do Poder Executivo, só perdendo para Educação (R$ 6,6 bilhões), Saúde (R$ 4,9 bilhões), Administração (R$ 4,8 bilhões), Obras (R$ 2,7 bilhões) e Conservação (R$ 2,6 bilhões).
Ou seja, não é apenas o fato de transferir (ou de dividir) os serviços públicos com as Organizações Sociais de Saúde que solucionará o problema na má prestação dos serviços. Sem dúvida que, a atuação do Terceiro Setor nas atividades da área da saúde é bastante viável tanto do ponto de vista financeiro como operacional, como foi o caso do Estado de Pernambuco. Contudo, é necessário que o gestor público encare o problema da saúde pública com a seriedade merecida. Caso contrário o problema só irá persistir.