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Sentença condenando banco em operação de crédito rural

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Agenda 01/09/2000 às 00:00

3. A natureza dos créditos concedidos

Todos os créditos descritos na petição inicial são qualificados, pelo próprio réu, em documento cuja veracidade não foi refutada, como créditos rurais. Consta do referido documento: ‘’ As dívidas da empresa, mesmo as operações da Carteira de Crédito Geral – CREGE, são enquadráveis na Resolução 2471 do BACEN-PESA, uma vez que os recursos foram aplicados comprovadamente para liquidação de responsabilidades rurais anteriores a 20.06.95, executadas as parcelas vincendas das operações FINAME’’. As alegações, mais uma vez despidas de elementos probatórios, feitas pela casa bancária ré, de fls. 346. e 349, não retiram do documento, assinado por representantes do réu, a sua validade.

Em face da prova constante dos autos, reconheço todas as operações sub judice como sendo de crédito rural, enquadráveis na Resolução 2471 do BACEN.


4. A unicidade negocial das operações sub judice

Este item constitui-se em questão absolutamente ligada à prova existente nos autos.

Conforme também declarado no documento acima mencionado (item 3 – A natureza dos créditos concedidos), ‘’...os recursos foram aplicados comprovadamente para liquidação de responsabilidades rurais anteriores a 20.06.95, excetuadas as parcelas vincendas das operações FINAME...’’. Serviu-se o Banco réu de operações posteriores para a quitação de operações anteriores, encorpando, neste processo, a mais variada gama de encargos inválidos (que abaixo serão afastados) que acabaram por tornar o seu crédito muito superior ao legalmente admissível.

Além deste documento, a prova técnica existente nos autos, dá conta que o réu realizou estas operações sucessivas de forma encadeada e ilegal.

Desta forma, seguindo a linha jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, reconheço a unicidade negocial das operações sub judice e passo a analisá-las dentro desta ótica. Repito, a fim de motivar minha decisão, as palavras do insigne Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao julgar situação fática idêntica a destes autos:

‘’Tratando-se de uma relação negocial que se prolonga no tempo, em que a formação do débito finalmente apurado decorre de renovações de prazos e de condições, a partir de um contrato básico, parece bem evidente que a revisão do débito depende do reexame dos fatores anteriores que determinaram a última negociação, quando ela é a expressão dessa relação continuativa. Em se tratando de contratos bancários, com aditivos de retificação e de ratificação, todos os seus termos podem ser reexaminados em juízo, assim como nos contratos de abertura de crédito, com periódica apuração de saldo devedor e composição de dívida’’

(STJ – 4ª Turma, REsp 205.532 –RS, rel, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 23.08.99).


5. As taxas de Juros

Conforme se depreende dos documentos acostados aos autos, o banco réu cobrou juros superiores a doze por cento ao ano, sem que tivesse autorização do BACEN para tanto. Trata-se, novamente, de questão probatória, sendo que o ônus pertencia ao banco e ele não trouxe aos autos a prova que poderia lhe socorrer.

Toda a construção criada para limitar a taxa de juros nas operações creditícias firmadas através de cédulas e notas de crédito se iniciou através das alegações relacionadas com a necessidade de autorização expressa do Conselho Monetário Nacional aos bancos para que eles pudessem exigir taxas superiores a 12 % ao ano.

Tendo em vista a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que entendeu não ser auto-aplicável a norma do parágrafo terceiro do artigo 192 da Constituição Federal, os operadores do direito começaram a procurar outras formas de deter a fúria usurária das instituição financeiras.

Assim, surgiu o entendimento de que a cobrança de taxas que excedam o prescrito do Decreto 22.626, de 1.933, quando não autorizada pelo Banco Central, é ilegal, sujeitando-se os seus percentuais aos limites da Lei de Usura e não aos limites estipulados pelo Conselho Monetário Nacional.

Na realidade, ao Conselho Monetário Nacional compete nos termos do artigo 4º. Inciso IX, da lei 4.595/64, ‘’limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover: - recuperação e fertilização do solo...’’

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Limitar é uma coisa, liberar é outra, bem distinta, daí o entendimento no sentido de que os estabelecimentos bancários, quando não autorizados, estão impedidos de estabelecer taxas de juros superiores a 12 % a .a.

Assim, ‘’a cobrança de taxas que excedam o prescrito no Decreto 22.626/33, desde que autorizada pelo Banco Central, não é legal, sujeitando-se os seus percentuais aos limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional, e não aos estipulados na Lei de usura’’ (RTJ 79/620).

Esta era a orientação predominante no Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul. No Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, esta tese não foi recepcionada, invocando-se o teor da súmula 596 do STF.

Em um segundo momento, entendeu-se que estariam limitados os juros a 12 % ao ano, nas operações firmadas através de cédulas de crédito rural, visto que o caput do artigo 5º do Decreto-lei 167/67, determina que as importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros às taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar e serão exigíveis em 30 de junho e 31 de dezembro ou vencimento das prestações, se assim acordado entre as partes...

A partir deste raciocínio o Superior Tribunal de Justiça passou a decidir, de forma majoritária, assim:

‘’DIREITOS COMERCIAL E ECONÔMICO. MÚTUO RURAL. JUROS. LIVRE PACTUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO-DEMONSTRAÇÃO DA TAXA ESTIPULADA PELO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL (ARTIGO 5º DO DL 167/67 ESTIPULAÇÃO CONTRATUAL DE ELEVAÇÃO DA ALÍQUOTA PREVISTA PARA HIPÓTESE DE INADIMPLEMENTO DO MUTUÁRIO. ILEGALIDADE ARTIGO 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DL 167/67). PREVISÃO DE INDEXAÇÃO MONETÁRIA PELOS MESMOS ÍNDICES DA CADERNETA DE POUPANÇA. MÊS DE MARÇO/90 (41,28%). LEI Nº 8.088/90, ARTIGO 6º CAPITALIZAÇÃO MENSAL NÃ0-PACTUADA. INADMISSIBILIDADE. SEGURO DOS BENS DADOS EM GARANTIA. IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DO SEU VALOR NA AUSÊNCIA DE PACTO EXPRESSO. PRECEDENTES. RECUSRSO ESPECIAL DESACOLHIDO. I – Em face de norma da administração, inserida na Circular nº. 1.130/BACEN, editada na conformidade da Lei n.º 4.595/64, dispensada está a entidade financeira de demonstrar em cada caso a possibilidade da capitalização. II - Segundo a jurisprudência firmada na 4ª. Turma, defesa é a cobrança de juros além de 12% ao ano se não demonstrada, pelo credor, a prévia estipulação pelo Conselho Monetário Nacional das taxas de juros vencíveis para o crédito rural, correspondentes à data de emissão da cédula . III – Os juros moratórios, limitados, em se tratando de crédito rural, a 1% ao ano, distinguem-se dos juros remuneratórios. Aqueles são formas de sanção pelo não – pagamento no termo devido. Este, por seu turno, como fator de mera remuneração do capital mutuado, mostram-se invariáveis em função de eventual inadimplência ou impontualidade. Cláusula que disponha em sentido contrário, prevendo referida variação, é cláusula que visa a burlar a disciplina legal, fazendo incidir, sob as vestes de juros remuneratórios, autênticos juros moratórios em níveis superiores aos permitidos. IV – Os valores objeto de títulos de crédito rural, emitidos antes da edição do ‘’Plano Collor’’, nos quais prevista correção monetária atrelada aos índices remuneratórios da caderneta de poupança, devem sofrer indexação, no mês de março de 1.990, com base no mesmo critério que serviu à atualização do saldo de cruzados novos bloqueados – variação do BTNf de 41,28 % (artigo 6º., § 2º. Da Lei 8.024/90), mesmo em face do artigo 6º. Da Lei 8.088/90 . V - Possível é a capitalização mensal dos juros nas cédulas rurais, desde que haja autorização do Conselho Monetário Nacional e seja expressamente pactuada, não sendo suficiente a referência ao método hamburguês. VI – Na ausência de estipulação contratual, ou de simples adesão ao seguro, não é possível cobrar do mutuário o valor a ele referente .

Superior Tribunal de Justiça, 4ª. Turma, v.u., Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – REsp nº. 111.160. (96/0066473-0) –RS – julg. 24.03.97’’.

No corpo do aresto, observam-se os seguintes ensinamentos:

‘’ O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA RELATOR):

1. – Afasta-se, de início, o cabimento do recurso especial quanto à negativa de vigência da Circular 1.130/87 e Resolução 1.064/85 do Bacen, uma vez que circulares e resoluções, embora tenham natureza normativa, não viabilizam a abertura da via especial, consoante já se afirmou, dentre outros, no julgamento do REsp 36.234 –MG (DJ 18.12.95), desta Turma, por mim relatado, verbis: ‘’ Conquanto resoluções, circulares, portarias e instruções tenham natureza normativa, suposta violação das mesmas não enseja a abertura da instância especial, por não se adequarem ao requisito de ‘lei federal’ previsto no permissor constitucional’’.

2. – Inocorre a citada nulidade do aresto recorrido. A simples circunstância de o Tribunal ter exigido prova de determinado fato ao examinar a apelação, o que não havia sido cogitado anteriormente no processo, não leva a uma afronta ao devido processo legal consubstanciado na violação dos vários dispositivos legais suscitados. Não houve inovação do juízo da apelação, mas tão-só expressão do princípio do livre convencimento do juiz insculpido no artigo 130 do Código de Processo Civil.

3. – Quanto a possibilidade ou não de se pactuar juros acima do limite da "Lei de Usura" e de haver aumento dos mesmos em caso de inadimplemento, bem como o indexador para o financiamento no mês de março/90, essas matérias já se acham pacificadas na jurisprudência desta Corte.

4. – Quanto à validade dos juros contratados independentemente do teto de 12% da "Lei da Usura" – esta Turma, alterando posição anteriormente tomada (REsps 77.424- RS, 92.925-RS, 93.461-RS, 94.037-RS, 94.758-RS, 95.592-RS, 97.423-RS e 97.771-RS), veio a entender ser necessária a demonstração, pelo credor, da prévia estipulação pelo Conselho Monetário Nacional da taxa de juros do financiamento rural, consoante termos do art. 5.º do Decreto-lei 167/67.

Nesse sentido, o REsp 84.815-RS (j.3.96), relatando pelo Sr. Ministro Barros Monteiro, do qual colho a seguinte passagem:

"Em substância, a alegação formulada pelo banco para contraditar a exigência feita pelo V. Acórdão é a de que a autorização do Conselho Monetário Nacional para trabalhar-se com as taxas de juros livremente convencionadas se faz dispensável, até porque a ela não se refere a súmula n.º 596 – STF e ainda porque o Banco Central do Brasil e o Conselho Monetário Nacional desconhecem toda e qualquer limitação imposta aos juros. Há dificuldades para compreender-se a fundamentação expendida no recurso especial interposto, de forma a ter-se até mesmo como invocável aqui o teor da súmula n.º 284 do Pretório Excelso. É que sustenta o banco credor ser prescidível a autorização referida do Conselho Monetário Nacional para operar com taxas acima do teto legal, mas, contraditoriamente, invoca ele o preceituado no art. 4.º, inc. IX, da Lei n.º 4.595/64, que às expressas outorga poderes ao supramencionado órgão federal para limitar, sempre que necessário, as taxas de juros. Saliente-se, ademais, que um dos arestos paradigmas invocados pelo estabelecimento bancário (RTJ 79/620-621) reporta-se de maneira explícita à sujeição da cobrança da taxa de juros aos percentuais fixados pelo mesmo Conselho Monetário Nacional. Mais que isso, o art. 5.º, caput, do Dec. Lei n.º 167/67, reza que as importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros às taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar. De sorte que, além de impreciso o apelo excepcional insurge-se contra algo que a lei e a jurisprudência estão a exigir para a cobrança da taxa de juros: a prévia estipulação pelo Conselho Monetário Nacional".

Com o mesmo entendimento, ainda, o REsp 95.540-RS (j.3.9.96), de que foi relator o Sr. Ministro Ruy Rosato de Aguiar, que assinalou no seu voto:

"A cobrança de juros acima do limite legal, - que predominantemente se entende possível depois da edição da Lei 4.595/64, de que é fruto a Súmula 596/STF, ainda em vigor, - está condicionada à autorização do Conselho Monetário Nacional, conforme previsto naquele diploma legal e no artigo 5.º, caput, do Dec. Lei 167/67, sobre o crédito rural".

E, ainda, dentre outros, o REsp 103.319-RS (DJ 11.11.96), de minha relatoria. Mais recentemente, esta mesma 4ª Turma, no REsp 98.616-RS (DJ 3.2.97), ementou:

"4. Para praticar acima dos limites legais, o credor deve demonstrar nos autos a existência da autorização da autoridade financeira (CMN), bastando para isso a indicação da resolução que a contenha.

5. No caso do crédito rural, os juros de cédula rural pignoratícia são os autorizados pelo CMN (art. 5.º, caput, do DL 167/67), tendo o credor demonstrado que a cláusula de juros constante do contrato estava permitida pela autoridade financeira, indicando os atos publicados sobre a matéria". Ficou assentado, destarte, que efetivamente deve haver a autorização do Conselho Monetário Nacional para a prática de juros acima da taxa permitida pela "Lei de Usura".

Fica bem claro na exposição realizada pelo Ministro Sálvio de Figueiredo que a atual posição dominante do Superior Tribunal de Justiça, com relação ao limite de 12%, trata-se de uma alteração de posicionamento anterior (a posição anterior 4. Quanto a validade dos juros contratados independentemente do teto de 12% da "Lei de Usura" – esta Turma, alterando posição anteriormente tomada (REsps 77.424-RS, 92.925-RS, 93.461-RS, 94.037-RS, 94.758-RS, 95.592-RS, 97.423-RS e 97.771-RS), veio a entender ser necessária a demonstração, pelo credor, da prévia estipulação pelo Conselho Monetário Nacional da taxa de juros do financiamento rural, consoante termos do art. 5.º do Decreto-lei 167/67) o que revela a necessidade de os operadores do direito jamais desistirem de suas convicções, desde que amparadas na lei.

Outro bom exemplo:

"DIREITOS COMERCIAL E ECONÔMICO. MÚTUO RURAL. JUROS. LIVRE PACTUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO- DEMONSTRAÇÃO DA TAXA ESTIPULADA PELO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. CIRCULAR 1.130 DO BANCO CENTRAL. AGRAVO DESPROVIDO. I- Vem entendendo a 4ª turma ser defesa a cobrança de juros além de 12% ao ano se não demonstrada pelo credor, a prévia estipulação pelo Conselho Monetário Nacional das taxas de juros vencíveis para o crédito rural, correspondentes a data de emissão da cédula. II – Não se considera suficiente para efeito de demonstração da prévia estipulação do Conselho Monetário Nacional a simples indicação da circular 1.130 do Banco Central, por não se tratar esta especificamente da referida autorização".

(Relator MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4ª Turma, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 0123754-1996-RS, v.u., publicação DJ 24/03/97, pág. 9037).

Afasto desta forma, ante a ausência de prova de autorização do BACEN ao réu, de todas as operações sub judice, em que os juros foram superiores a doze por cento ao ano, as taxas remuneratórias que sobejarem este patamar.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONFIM, Sebastião Joaquim Lima. Sentença condenando banco em operação de crédito rural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1034, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/noticias/16318. Acesso em: 23 dez. 2024.

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