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Arrematação de bem de família.

Ação anulatória x preclusão e coisa julgada

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Agenda 17/01/2010 às 00:00

III – CONCLUSÃO E RESPOSTA AOS QUESITOS

Diante de toda a fundamentação exposta, concluímos:

a)é cabível a Ação Anulatória proposta, não obstante já terem sido ajuizados Embargos à Arrematação;

b)a arrematação em tela é nula, por ausência de garantia e por pagamento tardio do lanço – art. 888, §§ 2º e 4º da CLT;

c)há nulidade processual em razão da inexistência de auto de arrematação – art. 694/CPC;

d)a arrematação é também nula por já ter havido quitação do crédito trabalhista, o que se traduz em violação aos princípios da instrumentalidade das formas e igualdade processual, caracterizando, ainda, subversão da utilidade do processo (tornando-o "fim em si mesmo");

e)tendo em vista que o bem imóvel em questão é habitado também por menor incapaz (conforme documentação que nos foi apresentada), sugere-se que se faça requerimento, dirigido ao Exmo. Relator, em Memorial ou Razões finais, invocando a necessária e obrigatória intervenção do Ministério Público do Trabalho – cuja falta é geradora de nulidade absoluta. Existe, aqui, direito social e moral do incapaz (moradia – art. 6º da Carta Fundamental), exigindo a atuação do parquet;

f)o imóvel penhorado é bem de família, conforme documentação que foi-nos apresentada (anexa a este Parecer). A matéria é de ordem pública, em torno da qual não se opera a preclusão – como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Superior do Trabalho. A proteção é constitucional – arts. 6º e 226. Sugere-se o requerimento, mediante Memorial ou Razões Finais, ao Eg. Tribunal Regional do Trabalho, a fim de que a Corte aprecie, ex officio, a nulidade absoluta em questão, porquanto se trata do último julgamento na instância ordinária, sendo aconselhável cumprir a exigência do prequestionamento – Súmula 297/TST;

g)as nulidades processuais aqui levantadas ostentam nítido caráter constitucional, na medida em que a Carta Maior consagra o princípio do devido processo legal, dispondo expressamente que aos litigantes é assegurada a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes e que ninguém será privado de seus bens sem o due process of law – art. 5º, incisos LIV e LV. Não se trata, apenas, de interesse da parte. Ao revés, há nítido interesse público no sentido de que ninguém sofra expropriação por meio de processo inquinado de nulidades;

h)não se operou aqui a coisa julgada em torno da questão da impenhorabilidade do bem de família. Há, como ensina Humberto THEODORO JÚNIOR, a mera "aparência de coisa julgada" – pois a definitividade não se faz presente. Mas, ainda que de coisa julgada se tratasse, estar-se-ia diante da "coisa julgada inconstitucional" – que torna a sentença nula de pleno direito. E esta nulidade pode ser reconhecida a qualquer tempo, de ofício, e em qualquer procedimento;

i)em caso de julgamento desfavorável no Tribunal Regional, é cabível Recurso de Revista (para Turma do TST), e, após, Recurso de Embargos (para o pleno) por violação direta a norma da Constituição da República. Havendo insucesso no julgamento desses apelos, ainda será cabível Recurso Extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, com o mesmo fundamento. Neste último caso, será necessária a demonstração da "repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso". O conceito de "repercussão geral", a exemplo do que ocorria com o conceito de "relevância", é nebuloso, impreciso, vago e subjetivo. Não obstante, entendemos que está presente, de modo evidente, no caso examinado, a antiga relevância, ora denominada de repercussão geral.

Este é o nosso parecer, s.m.j.

Em 25-4-2007.

ULTIMA RATIO:

Há, no caso em tela, nítido conflito de valores. E, tão-somente, duas decisões possíveis.

O que talvez nós, juristas, não consigamos enxergar, é que, por detrás de todo esse tecnicismo processual aqui discutido, da presença (ou ausência) da preclusão, da configuração (ou não) da coisa julgada, da tempestividade (ou não) das argüições, está-se a travar, lá fora, no mundo concreto dos fatos, uma luta desesperada, que os tribunais não assistem e nem tampouco percebem, como de resto jamais assistem as reais aflições que permeiam as almas humanas...

Em suma, toda a presente discussão técnico-jurídica gravita, na verdade, em torno das seguintes linhas:

Se a Ação Anulatória, ao final, for julgada procedente, será anulada a arrematação. Conseqüência: o retorno das partes ao statu quo ante. O arrematante reaverá o lanço ofertado; sua dignidade não terá sofrido qualquer arranhão. E a casa retornará à propriedade do Autor.

Se, ao revés, a Ação Anulatória, ao cabo, for julgada improcedente, será mantida a arrematação. Conseqüência: a família NOGUEIRA FRANCO perderá sua moradia. O arrematante, em nítido enriquecimento sem causa (e à custa do sofrimento e da angústia da família que está no outro pólo da lide) terá adquirido, por míseros R$90.000,00 (noventa mil reais), uma casa que vale R$600.000,00 (seiscentos mil reais). De resto, haverá ofensa a direito social e moral de menor incapaz.

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Qualquer que seja a decisão final, o único que não tem nada a perder ou ganhar é trabalhador hipossuficiente, o Reclamante da demanda trabalhista (curiosamente, o único que o processo do trabalho busca proteger) – que, de há muito, já recebeu seu crédito. A ele pouco importa o resultado da demanda: seja o infortúnio de um, seja o imoral enriquecimento do outro.

Em qual dessas duas decisões possíveis terá havido Justiça – finalidade última do Direito [40]?


Notas

  1. MATA-MACHADO, Edgar de Godoi da. Elementos de Teoria Geral do Direito. Introdução ao Direito. 3ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1986, p.155.
  2. Curso de Direito Processual Civil. Processo de Execução e Processo Cautelar. Vol.II. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.239.
  3. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p.307.
  4. Cf. TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Execução no Processo do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1991, p.394.
  5. Catedrático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Titular da Universidade de Brasília, além de professor honorário de quinze Universidades nacionais e estrangeiras e doutor "honoris causa" pela Faculdade de Direito de Bordéus (França).
  6. Além de suas funções na magistratura internacional: instalou o Tribunal Administrativo da OEA, em Washington, do qual foi o primeiro presidente, e integrou o Tribunal Administrativo do BID, também em Washington.
  7. RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. Vol.II. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.872-3
  8. A vida do Direito e a inutilidade das leis. São Paulo: Edijur, 2002.
  9. Consolidação das Leis do Trabalho Comentada. 27ª ed. São Paulo: LTr, 1993, p.546
  10. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol.VII. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.141.
  11. Op.cit. p.456-7.
  12. Op.cit. p.141.
  13. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Código de Processo Civil Anotado. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p.414.
  14. Cf. NEVES, Celso. Op.cit. p.394.
  15. GONÇALVES. Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992, Op.cit. p.11.
  16. Op.cit. p.29.
  17. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.181.
  18. Cf. CINTRA et alii. Op.cit. p.43.
  19. República e Constituição. 2ª ed. Atualização de Rosoléa Miranda FOLGOSI. São Paulo: Malheiros, 2001, p.41-2.
  20. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. I. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p.314
  21. Cf. BERLIRI, Luigi Vittorio. El Impuesto Justo. Trad. Fernando Vicente-Arche Domingo. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1986.
  22. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p.106.
  23. Comentários à Constituição do Brasil. Vol.I. São Paulo: Saraiva, 1988, p.425
  24. Código de Processo Civil Anotado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.191.
  25. Nesse sentido:
  26. PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE TERCEIRO – CONSTRIÇÃO SOBRE IMÓVEL RESIDENCIAL – IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA – LEGISLAÇÃO ESPECIAL – LEI 8.009/90 – DIREITO À MORADIA – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA – APRECIAÇÃO EQUITATIVA – MANUTENÇÃO – PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.

    Recurso desprovido.

    1.Embargos de terceiro – impenhorabilidade de bem de família. A impenhorabilidade do imóvel residencial prevista na Lei 8009/90 não visa a proteção do devedor, mas o direito de moradia da família que nela habita. (Ap.Cív. 362.911-0, 10ª CCiv.-TJPR, Rel. Des. Jurandir Souza Júnior, pub.29-6-2006)

  27. TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Op.cit. p.90.
  28. THEODORO JÚNIOR, Humberto et FARIA, Juliana Cordeiro de. A Coisa Julgada Inconstitucional e os Instrumentos Processuais para seu Controle. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil n. 19. Porto Alegre: Síntese, set-out/2002, p.8.
  29. THEODORO JÚNIOR, Humberto et FARIA, Juliana Cordeiro de. Op.cit., p.22-3.
  30. Idem. p.28.
  31. Direito e Processo do Trabalho. Estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p.502-3.
  32. Cf. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.122.
  33. Ensinou Ronaldo Cunha CAMPOS: "Ao nosso ver estas figuras, a cujo conjunto se denomina o devido processo legal, consistem em explicitações, modos de realização de uma norma (norma processual fundamental), onde, assegurado o monopólio do poder estatal, garante-se ao litigante o poder de participar da composição da lide. O Estado não partilha o poder, mas o sujeito da lide pode influenciar, através desta participação no processo, a decisão do Judiciário. Se o litigante não participa da decisão, participa da atividade que conduz à sua formação".
  34. (Garantias Processuais. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coordenador). Mandados de Segurança e de Injunção. Estudos de Direito Processual-Constitucional em memória de Ronaldo Cunha Campos. São Paulo: Saraiva, 1990, p.4)

  35. Op.cit. p.78.
  36. É o que esclarece RUSSOMANO, comentando o § 4º do art. 896/CLT:
  37. "O parágrafo 4º criou outra restrição:

    Não se permite recurso de revista das decisões dos Tribunais Regionais ou de suas Turmas quando proferidas em execução de sentença. Proferida a decisão que julgou os embargos à execução, a parte vencida poderá agravar. O agravo de petição será julgado pelo Tribunal Regional respectivo. Dessa decisão – ao contrário do que acontecia antigamente – não caberá recurso de revista.

    Foi uma simplificação.

    Sempre, porém, que se configurar ofensa, à Constituição, em face da decisão do Tribunal Regional, mesmo não cabendo recurso de revista e, exatamente, porque não há margem para nenhum outro apelo, poderá haver recurso extraordinário, dirigido ao Supremo Tribunal Federal.

    Esse entendimento – que sustentamos há muitos anos – não encontrou ressonância no Supremo Tribunal Federal, por motivos óbvios, entre os quais ressalta a preocupação daquela Corte em impedir a avalanche de processos que, todos os dias, cai sobre seu protocolo, a maioria da vezes sem relevância que autorize pedir-se o pronunciamento do mais alto tribunal da República.

    Ministro Xavier de Albuquerque, então Presidente, sustentou – com o beneplácito do Supremo Tribunal – que quando, no julgamento do agravo, houver ofensa à Constituição, caberá, contra a decisão do Tribunal Regional, não o recurso extraordinário previsto na Constituição, como nós entendíamos, mas o recurso de revista, apesar da proibição taxativa do § 4º, do art. 896, da Consolidação.

    A tese de Xavier de Albuquerque foi vitoriosa na jurisprudência do Supremo Tribunal e, por extensão, do Tribunal Superior do Trabalho, estando, hoje, consagrada no § 4º do art. 896, em sua redação atual".

    (Op.cit. p.999)

  38. SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. VIANNA, Segadas. TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. Vol.II. 15ª ed. São Paulo: LTr, 1995, p. 1.287
  39. Disponível em: <<www.htj.adv.br>>. Acesso em: 15-4-2007.
  40. CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Da argüição de relevância no recurso extraordinário. Revista Forense n. 259. Rio de Janeiro: 1977, p.14.
  41. LINS E SILVA, Evandro. O recurso extraordinário e a relevância da questão federal. Revista Forense n. 255. Rio de Janeiro, p.43.
  42. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. apud CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Da argüição de relevância no recurso extraordinário. Revista Forense n. 259. Rio de Janeiro, 1977, p.15.
  43. Lembremos-nos, por derradeiro, das palavras de Eduardo COUTURE:

LUTA

TEU DEVER É LUTAR PELO DIREITO; PORÉM, QUANDO ENCONTRARES O DIREITO EM CONFLITO COM A JUSTIÇA, LUTA PELA JUSTIÇA.

direito não é um fim, mas um meio.

Na escala dos valores, não aparece o direito. Aparece, no entanto, a justiça, que é um fim em si, e a respeito da qual o direito é tão-somente um meio para atingi-la. A luta dever ser, pois, a luta pela justiça.

(Os Mandamentos do Advogado. 3ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1987, p.39-40)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Arrematação de bem de família.: Ação anulatória x preclusão e coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2391, 17 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16911. Acesso em: 5 nov. 2024.

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