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Exceção de suspeição contra juiz que deferiu tutela antecipada

Ré alega que o juiz, por ter deferido a tutela antecipada, é suspeito para proferir a sentença.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA [X]ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE [CIDADE].

Processo nº 2001/2010 : OBRIGAÇÃO DE FAZER

Autora: [AUTORA]

Ré : [RÉ]

[RÉ], por seus advogados e procuradores (mandato nos autos), vem, perante Vossa Excelência, com o mais absoluto respeito, oferecer EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO, pelos fatos e fundamentos que seguem:


IDÉIA CENTRAL SOBRE O QUE SEGUE:

"O juiz da urgência NÃO pode ser o mesmo juiz da sentença"

1. Após ajuizamento da ação, Vossa Excelência concedeu à autora tutela antecipada de nítido caráter SATISFATIVO, consistente em determinar que a ré-excipiente custeasse cirurgia ortopédica, mais prótese, em favor da Sra. [AUTORA], e tudo mediante astreintes de R$ 10.000,00/dia para o caso de não cumprimento da respectiva decisão judicial.

Tão logo foi citada/intimada da respectiva ordem, a [RÉ], de imediato, providenciou o necessário para seu integral cumprimento.

2. O respectivo pronunciamento judicial foi levado a efeito em caráter inaudita altera parte, de modo que NÃO foi garantido à ré-excipiente o exercício das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. São estas categorias jurídico-constitucionais que dão suporte à idéia de PROCESSO, sem o qual não é legítimo ao Estado – inclusive ao Judiciário – exercer o "Poder" que lhe é próprio contra o individuo e/ou a sociedade.

Por isso é que aprendemos desde as primeiras lições sobre "processo" que os chamados Institutos (=ou Categorias) Fundamentais do Direito Processual são: AÇÃO-PROCESSO-JURISDIÇÃO.

Ou seja, a através da AÇÃO, o jurisdicionado exerce o direito de instaurar o PROCESSO para que no seu curso (=tutela de urgência), ou ao final (=tutela definitiva), possa o Judiciário exercer o Poder que lhe é próprio, ou seja, a JURISDIÇÃO.

É essa a dinâmica que orienta o direito processual e os fenômenos que dele derivam.

3. No caso dos autos a [RÉ] teve contra si uma ordem judicial SATISFATIVA sem que lhe fosse viabilizado/garantido/permitido o direito de defesa e ao contraditório. A [RÉ] simplesmente teve contra si um ato de Poder (=jurisdicional) sem ter tido a chance de se defender previamente, como quer a CR.

4. Sabe-se que o posicionamento de Vossa Excelência em conceder tutela SATISFATIVA inaudita altera parte segue a "cartilha" do que se apregoa em sede doutrinária e jurisprudencial aqui no Brasil.

Mas, ainda assim, posicionamentos dessa natureza devem ser repensados e é isso que esta exceção de suspeição se propõe a fazer.

5. Não há dúvida de que a IMPARCIALIDADE judicial é uma das derivações da cláusula constitucional do due process of law estampada no art. 5º, LIV, da Constituição da República.

E ainda que assim não fosse, ainda que não tivesse assento constitucional, a IMPARCILIDADE é conditio sine qua non para o exercício do sacrossanto Poder de exercer a JURISDIÇÃO sobre a sociedade democraticamente organizada.

Em miúdos: PROCESSO constitucionalmente legítimo e democrático é aquele em que a sociedade em geral, e o jurisdicionado em especial, pode ter a certeza/garantia de que será levado avante sob o comando de um juiz assepticamente IMPARCIAL. Até aqui, nada mais acaciano.

6. Contudo, situações como a dos autos (=tutela SATISFATIVA antes da ampla defesa e do contraditório), são observadas com freqüência no dia-a-dia do foro.

Os juízes, em geral, ao deferirem pedidos de tutela antecipada, comumente o fazem em caráter inaudita altera parte e, o que ainda é mais grave, SATISFAZEM a pretensão do autor sem que ao réu tenha sido dada a oportunidade de defender-se. É o caso dos autos.

E mesmo depois de SATISFEITA a pretensão da parte autora através da tutela antecipada inaudita altera parte que lhe foi concedida, as partes, seus advogados, e o próprio magistrado, seguem com o desenvolvimento do dito "processo" num verdadeiro "faz-de-conta" – data venia – que estão cumprindo a Constituição e que estão, efetivamente, viabilizando aos sujeitos processuais a ampla defesa e o contraditório que a todos é garantido.

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Na verdade, todos os trâmites processuais que se têm após uma tutela antecipada SATISFATIVA – como o foi nestes autos – nada mais é do que um "arremedo" de devido processo legal.

Sim, pois diante da pretensão SATISFEITA do autor, de que vale a defesa e o contraditório? Sim, pois depois que o juiz concedeu a tutela SATISFATIVA, e em caráter inaudita altera parte, quantas vezes esse juiz, que via de regra será o mesmo a prolatar a sentença final, voltará atrás do posicionamento inicial e SATISFATIVO adotado?

Basta percorrermos os olhos nos repertórios de jurisprudência, além de nos socorrermos da nossa memória na experiência forense, para concluirmos que NUNCA – ou quase nunca – o juiz da urgência, que SATISFEZ liminarmente a pretensão do autor, voltará atrás no momento em que for proferir a respectiva sentença.

Ou seja: tudo o que vier depois da tutela antecipada SATISFATIVA será um "faz-de-conta", nada mais que um "arremedo" de PROCESSO e de devido processo legal.

E mais: se é DEFESO ao juiz exercer suas funções no processo "que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão" (CPC, art. 134, III), como é que podemos admitir, sem maiores críticas, que o mesmo juiz pode DECIDIR SOBRE A URGÊNCIA, em tutela antecipada, e depois, ainda, SENTENCIAR???

Ora, se o juiz que atuou no processo em primeiro grau, caso seja promovido ao seu Tribunal, NÃO pode atuar nos mesmos autos em grau de recurso ou de ação rescisória, deve – ou ao menos deveria – ser natural que "o juiz da urgência NÃO pode ser o mesmo juiz a proferir a sentença"...

7. Mas como consertar essa distorção que a tutela antecipada brasileira acaba por permitir?

Se tivermos em mente que: i) o art. 134, III, dispõe sobre uma hipótese de VEDAÇÃO de o juiz participar, em segundo grau, do processo que conheceu na primeira instância; ii) se tivermos em mente, ainda, que o art. 135, parágrafo único, afirma que o juiz poderá (=DEVERÁ) dar-se por SUSPEITO por motivo de foro íntimo; iii) se prosseguirmos tendo em mente que a analogia legis é um dos recursos de complementariedade e concretização do ordenamento jurídico; iv) se ainda tivermos em mente que em nome da boa-fé objetiva o juiz DEVE dar-se por SUPEITO para que o processo tenha legitimidade; É PERFEITAMENTE POSSÍVEL CONCLUIR QUE O JUIZ QUE DETERMINOU A TUTELA DE URGÊNCIA SATISFATIVA NÃO PODERÁ SER O MESMO JUIZ A SENTENCIAR O FEITO, JÁ QUE INVARIAVELMENTE ESTARÁ COM SUA IMPARCIALIDADE COMPROMETIDA!!! Ou seja: tal juiz terá o dever de – de ofício – dar-se por SUSPEITO e remeter os autos ao seu substituto legal para que prossiga com os trâmites processuais até o advento da sentença definitiva.

Claro, pois se a tutela antecipada SATISFEZ em caráter inaudita altera parte, nada mais haverá que ser alterado diante da própria SATISFAÇÃO da tutela antecipada concedida, ao menos para o juiz que liminarmente CONVENCEU-SE que o autor "tem razão". E tudo isso sem a ampla defesa e o contraditório EXIGIDOS pela Constituição da República para que o Estado possa exercer Poder.

8. À guisa de conclusão – e isso é dito com o mais absoluto respeito pelo signatário –, por ter conhecido e SATISFEITO a pretensão da parte autora, Vossa Excelência NÃO poderá prosseguir na condução do presente processo. Do contrário, estaremos trabalhando num feito sem que se tenha a certeza/garantia JURÍDICA de que esta causa está sendo tocada, daqui em diante, por um juiz assepticamente IMPARCIAL, garantia que a Constituição outorga aos litigantes em processos jurisdicionais.

9. Em suma: se o juiz que conheceu a causa em primeiro grau não poderá atuar no mesmo processo caso esteja integrando o respectivo Tribunal (CPC, art. 134, III), parece lógico concluir que "o juiz da tutela de urgência NÃO poderá ser o mesmo juiz a proferir a respectiva sentença". Do contrário teremos um mesmo juiz decidindo DUAS VEZES sobre o mesmo objeto: na concessão da tutela de urgência e, depois, ao proferir a sentença final.

Pelo exposto, roga-se a Vossa Excelência que, com base no permissivo contido no art. 135, parágrafo único, do CPC, dê-se por SUSPEITO e remeta a causa ao seu substituto legal para que este possa instruir e, finalmente, proferir uma sentença que – ao menos no plano jurídico – venha a ser prolatada sob irrestrita IMPARCIALIDADE. E tudo mediante analogia à causa de IMPEDIMENTO prevista no art. 134, III, do mesmo Código.

É o que se requer.

[CIDADE], 18 de janeiro de 2011.

TASSO LUIZ PEREIRA DA SILVA

OAB/SP nº 178. 403

GLAUCO GUMERATO RAMOS

OAB/SP nº 159.123


Veja também: Sistema de enjuizamento escalonado (ou procedimento judicial funcionalmente escalonado). Repensando o modelo de processo
Sobre os autores
Glauco Gumerato Ramos

Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Tasso Luiz Pereira; RAMOS, Glauco Gumerato. Exceção de suspeição contra juiz que deferiu tutela antecipada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2792, 22 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/18534. Acesso em: 1 mai. 2024.

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