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A responsabilidade civil das pessoas que perseguem obsessivamente (stalking)

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Agenda 29/10/2017 às 09:44

Fenômeno mundial - e assustador! - mas ainda de pouca relevância jurídica, o Stalking representa um risco às suas vítimas, podendo vir a causar resultados bem mais graves do que somente transtornos mentais. Entenda que conduta é essa e quais as ferramentas disponíveis no direito pátrio para combater esta que vem se tornando uma perigosa epidemia global.

“Stalking é quando duas pessoas vão para uma longa caminhada amorosa mas, só uma delas sabe disso.” (DUMP A DAY, 2012)

Introdução

Crescente em nossa sociedade mas, ainda de pouca relevância no mundo jurídico, o evento ao qual o agente persegue obsessivamente outrem, causando-lhe os mais variados transtornos, é mundialmente conhecido stalking e, para muitas autoridades internacionais, se trata de uma epidemia em escala global.

Segundo pesquisa do Centro Nacional para Vítimas de Crimes dos Estados Unidos, (The National Center For Victims Of Crime), 7.5 milhões de pessoas são perseguidas por ano, uma em cada seis mulheres e um a cada dezenove homens são vítimas de perseguidores, estes, motivados pelos mais variados sentimentos e objetivos, invadem a esfera de privacidade da vítima causando-lhe os mais indesejáveis sofrimentos. (STALKING RESOURCE CENTER, 2015)

Face ao aludido, fica clara a gravidade do evento, que é emergente, mundial e de difícil identificação. A rápida evolução das relações sociológicas e tecnológicas são fatores que fortalecem o surgimento em massa de perseguidores.

Infelizmente, a Legislação Penal Brasileira é antiquada, (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) e deixa de acompanhar as constantes evoluções da nossa sociedade e dos crimes que a assombram.

Não há outra saída, senão buscar, através do Diploma Civil Brasileiro, uma forma de tutelar os bens jurídicos do ofendido, que são comumente hostilizados pelos seus perseguidores, reparando ainda todo o prejuízo perpetuado.

Diante dos poucos casos levados ao exame do poder judiciário, fica extremamente difícil definir uma vertente robusta à qual o magistrado poderá seguir, mas, com o auxílio de outras fontes subsidiárias de estudo, traz-se à lume, todos os elementos necessários para responsabilizar civilmente estes algozes do cotidiano.


1. Estudo etimológico do termo stalking

O termo stalking[1] tem origem na língua inglesa, nos transmite a concepção de perseguir, espreitar, andar com cautela, ato de aproximar-se silenciosamente, sorrateiramente, com intenção obsessiva, como o tigre persegue silenciosamente sua presa.

Expressão comumente utilizada no âmbito da caça, tendo como principal referência o predador que persegue a presa de forma contínua e obsessiva, assim como, o stalker[2], que também persegue, do mesmo modo, insistentemente, sua vítima.


2. Definição

Stalking também é conhecida como perseguição insidiosa, obsessiva, insistente, persistente ou assédio por intrusão. Esta se configura quando o agente, por meio de vários artifícios, invade a rotina e a esfera de privacidade de outra pessoa repetitivamente, na maioria dos casos, sem violência física, resultando em considerável sofrimento mental, psicossomático e social não só à vítima, mas também as pessoas mais próximas a esta.

Na prática, o evento poderá se manifestar de variadas formas, como por exemplo: perseguição no trabalho, na rua, em casa, em redes sociais, inúmeras mensagens, cartas ou presentes enviados ao mesmo destinatário, inúmeras ligações, repetidas injúrias, espera de passagem nos lugares que frequenta, ofensas, difamações ou declarações em locais públicos para uma pessoa, dentre muitas outras.

Inúmeros são os motivos inspiradores para perseguidores darem início a uma perseguição, os mais comuns são: violência doméstica, inveja, vingança, rejeição, ódio, brincadeira ou/e erotomania[3].

Não é possível estabelecer um perfil exato de um perseguidor em potencial, os agentes comumente flagrados realizando estas condutas são: companheiros, ex-companheiros, amigos, ex-amigos, namorados, ex-namorados, admiradores e inimigos.


3. Aspectos doutrinários relevantes

Pioneiro no Brasil, o Ilustre Professor Damásio de Jesus define o stalking como uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo, incessantemente, a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, contratação de detetives particulares, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. (JESUS, 2009)

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Damásio discrimina seis peculiaridades da perseguição obsessiva: invasão de privacidade da vítima, repetição de atos, dano à integridade psicológica e emocional do sujeito passivo, lesão à sua reputação, alteração do seu modo de vida, restrição à sua liberdade de locomoção.

São livres e inúmeras as formas de se perseguir alguém, como por exemplo, chantagens, calúnias, difamações, espalhar boatos, tudo em pró da criminalização do cotidiano da vítima, para assim, conquistar aos poucos, o controle sobre a vida desta.

Sobre o tema, Eduardo Luiz Santos Cabette entende que a expressão "Assédio por Intrusão", e o termo em inglês "Stalking", designam a ação de perseguição deliberada e reiterada perpetrada por uma pessoa contra a vítima, utilizando-se das mais diversas abordagens tais como agressões, ameaças ou ofensas morais reiteradas, assédio por telefone, e–mail, cartas ou a simples presença afrontante em determinados lugares freqüentados pela vítima (escola, trabalho, clubes, residência etc.). (CABETTE, 2010)

O Dr. Wanderley Elenilton Gonçalves Santos, parafraseando o professor Jorge Trindade, entende que é bastante difícil delimitar os comportamentos que configuram o fenômeno do stalking. Na realidade, trata-se de uma constelação de condutas que podem ser muito diversificadas, mas envolvem sempre uma intrusão persistente e repetida através da qual uma pessoa procura se impor à outra, mediante contatos indesejados, às vezes ameaçadores, gerando insegurança, constrangimentos e medo na vítima. Em decorrência dessa invasão na sua privacidade, a vítima também inicia um conjunto de comportamentos evitativos, tais como trocar o número do telefone, alterar a rotina diária, os horários, os caminhos e os percursos que costumava fazer, deixar avisos no trabalho ou em casa, ou aumentar os mecanismos de segurança e proteção pessoal, podendo transitar da evitação para a negociação e mesmo para o confronto. (SANTOS W. E., apud TRINDADE, 2008, p. 352-323)

Casos envolvendo perseguições decorrem do término indesejado do relacionamento são considerados os mais recorrentes, principalmente logo após a separação do casal. Talvez pela inferioridade física, ou então, pela dependência econômica no âmbito familiar, as mulheres são as principais vítimas não só das perseguições, mas também das mortes que sucedem a estas.

Por muitas vezes, a vítima, se acostuma com a rotina perturbada do stalker ou, cansada das incessantes perseguições por parte de seu ex-companheiro, muda seu estilo de vida, horários, afazeres, hobbies, esportes, faculdade, carro, local da residência e até local de trabalho.

Embora as condutas variem mantém em comum certos traços como a reiteração dos atos, a violação da intimidade e da privacidade da vítima e o constrangimento com consequente dano psicológico e emocional ao ofendido. Nesse quadro será também comum a ofensa à reputação da vítima, mudanças forçadas de seu modo de vida e restrições à sua liberdade de ação e locomoção (JESUS, 2009).

Como retromencionado, não existe uma formalidade ou um padrão seguido por perseguidores, mas, através de relatórios oficiais e relatos de vítimas, podemos concluir que modus operandi de um stalker consiste em basicamente: ofensas sexuais, violência doméstica, vandalismo, cyberstalking, introdução a espaços vedados, uso abusivo do telefone, violações de restrições judiciais ou medidas protetivas, assédio, maus tratos a animais, voyeurismo, violência em local de trabalho ou estudo, agressões, furtos e invasão à residência da vítima, envio de inúmeras mensagens, visita aos locais que frequenta, publicação ou circulação de fotos ou informações íntimas da vítima, monitoração de computadores e do histórico de internet, relevar informações pessoais da vítima, homicídio e instigação ao suicídio.

Apresentadas as peculiaridades das perseguições obsessivas, surge a necessidade de individualiza-las em meio a outros eventos que com ele se assemelham, (bullying e mobbing).

A palavra bullying é originada do termo inglês bully[4] e, ocorre predominantemente no ambiente escolar, sendo comumente praticado por crianças e adolescentes, são nada mais que atitudes agressivas, intencionais, repetitivas e diretas à uma pessoa, com o único e exclusivo propósito de sub julga-la, ao contrário do stalking, que busca reatar ou criar laços de afeto com a vítima.

O mobbing é a sucessiva humilhação da vítima em decorrência de tratamento vexatório por um grupo de pessoas. A coletividade é a característica marcante deste fenômeno, pois, a vítima segue intimidada pelo grande número de pessoas as quais a submetem a este tratamento degradante. As diferenças dos institutos retro evidenciados são claras, todos possuem suas especificidades quanto a intenção e seu modus operandi[5], mas em todos os casos, assedia-se a moral da vítima, merecendo assim, serem estudados e legalmente combatidos no âmbito de suas competências.


4. Cyberstalking

Na atualidade, a maioria dos eventos envolvendo stalkings são pela internet ou tiveram alguma contribuição desta, surgindo a modalidade de cyberstalking. É o uso da internet, e-mail, ou outro tipo de tecnologia computadorizada para a prática de assédio ou perseguição. (Carvalho apud Gregorie, 2001).

A utilização da internet como ferramenta para obtenção de dados pessoais de terceiros em redes sociais é um exemplo marcante da modalidade. Seguem alguns relatos de ciberstalkers, (perseguidores cibernéticos):

Eu trabalho com segurança em TI então tenho acesso a algumas ferramentas pra Stalker, tenho keyloggers e VNC[6] oculto em 7 computadores de 6 pessoas diferentes, na verdade nem são necessariamente mulheres apenas algo como aquele ditado: "Mantenha seus amigos próximos e seus inimigos mais próximos ainda". (Forum UOL, 2014, sic.)

Segundo pesquisa realizada pela Universidade de Bedfordshire, na Inglaterra, a incidência de casos onde e-mails e aplicativos de mensagens instantâneas são utilizados para perseguir e importunar ingleses são colossais.

A pesquisa ainda constatou que, do ano de 2005 ao ano de 2009, a perseguição virtual e o bullying, aumentou cerca de 300%. Houveram 53 mil denúncias, mas apenas 8.650 casos foram julgados na corte inglesa. Desse número, somente 6.646 foram considerados culpados. Em 2010, houve 10.990 julgamentos e 8.487 condenações. (MARTZ, 2012)


5. Evolução histórica

Stalking é um fenômeno tão antigo quanto o próprio homem, a primeira referência ao evento foi encontrada no ano de 527 D.C., no Código Justiniano, mais precisamente no quarto livro, título IV, capítulo IV, onde dispunha da seguinte redação: “Ser um incômodo, seguindo uma mulher casada, menino ou criança poderá levar à acusação”.[7]

Em 1886 na Alemanha, Richard von Krafft-Ebing, pioneiro ciência psiquiátrica, já havia escrito sobre mulheres que, de forma obsessiva perseguiam e viajavam atrás de atores aos quais idolatravam.

Em 1921, outro psiquiatra francês Gaëtan Gatian de Clérambault, em sua obra Les Psychoses Passionelles, em português, As Psicoses Passionais, apresentou a Síndrome de Clèrambault, também conhecida como Erotomania. (GRAMARY, 2008)

Em suma, a patologia consiste na convicção por parte do paciente que, uma pessoa estranha é apaixonada por este. Nas palavras da Professora Juliana Bressanelli e do Professor Antônio M. Ribeiro Teixeira, ambos da UFMG:

“é a certeza de estar em comunhão amorosa com um personagem eleito, isto é, a convicção do sujeito que o outro o ama”. (BRESSANELLI e TEIXEIRA, 2012)

Há quem entende que o stalker sofre de um amor patológico, uma espécie de doença, esquecendo de todas as suas obrigações e responsabilidades para iniciar uma empreitada eterna em busca da correspondência de seu afeto. J. Reid Meloy, psicólogo especializado em medicina legal e professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia (San Diego), em meados de 1980 coletou dados sobre o assunto e concluiu que o stalking poderia ser definido um comportamento anômalo e extravagante, causado por vários distúrbios psicológicos como o narcisismo patológico, pensamentos obsessivos, entre outros, nutridos por mecanismos inconscientes como raiva, agressividade, solidão e inaptidão social, podendo ser classificado como patologia do apego. (ALMEIDA, 2009)

O stalking servia de prelúdio para a execução de outros crimes, nem o então candidato a presidência dos Estados Unidos, em 1981, Ronald Reagan, escapou de acontecimentos envolvendo perseguidores.

Rebecca Schaeffer, modelo e atriz, foi assassinada em 1989 por um fã na porta do edifício ao qual morava. Robert Jhon Bardo, assassino e fã incondicional, perseguia insistentemente Schaeffer a aproximadamente três anos, tendo esta, registrado por diversas vezes queixas nas delegacias da região, estas reclamações foram parar na mão da imprensa, causando impacto negativo às autoridades da época.

Após o assassinato de Schaeffer, no mesmo ano, morreram mais quatro mulheres, vítimas de constantes perseguições de ex-companheiros, todas haviam registrado queixas às autoridades e, infelizmente, desamparadas de qualquer diploma legal da época, foram esquecidas, resultando assim em suas mortes.

Nos Estados Unidos, Hollywood, os atores mundialmente conhecidos estão acostumados com o assédio dos fãs, já experimentaram desta situação perturbadora: Alec Baldwin, George Harrison, Jennifer Aniston, John Lennon, Kirsten Dunst, Lindsay Lohan, Madonna, Paris Hilton e Paula Abdul. (REVISTA QUEM ON-LINE, 2015)

Recentemente, merece destaque também o ocorrido no Brasil, com Ana Hickman, modelo e apresentadora da Rede Record, que sofreu um grave atentado contra sua vida culminando na morte do agressor, além de sua assessora gravemente ferida por arma de fogo.

Infelizmente, só após sucessivos acontecimentos reprováveis como os citados, foram capazes de incentivar discussões e criações de medidas específicas por parte das autoridades competentes.

Sobre o autor
Bruno Bottiglieri

Advogado. Graduado pela Universidade Santa Cecília. Mestrando no curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Saúde: Dimensões Individuais e Coletivas pela mesma universidade.

Informações sobre o texto

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