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Memoriais em crime de competência do tribunal do júri

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Agenda 18/05/2019 às 10:16

Da Inexigibilidade de Conduta Diversa___________________________

Caso o Emérito Julgador não entenda cabível a configuração da Legítima Defesa, adequa-se ainda, perfeitamente ao caso, a inexigibilidade de conduta diversa. Trata-se aqui de causa excludente da culpabilidade do agente.

Há grande discussão teórica a respeito da inclusão ou não da culpabilidade no conceito analítico ou dogmático de crime. Para uns, o crime seria uma ação típica, ilícita e culpável; para outros o crime não passa de uma ação típica e ilícita, ficando a culpabilidade apenas como pressuposto da pena.

Não cabe agora discutir qual o entendimento doutrinário correto. É necessário ressaltar apenas que não sendo culpável o réu (e será cabalmente comprovado adiante que não o é), estará isento de pena.

Inicialmente, deve-se atentar ao conceito de culpabilidade, este retirado do Código Penal Comentado de Guilherme de Souza Nucci:

“Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o  fato e seu autor, devendo o agente (...) ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo”.

Do conceito dado por Nucci, logo se podem tecer duas observações muito pertinentes ao caso. Em primeiro lugar, sobre o juízo de reprovação social, que sociedade teria condições de censurar um homem que almeja salvar sua própria vida, mesmo que para isso tenha optado pelo caminho do juridicamente incorreto? E mais, haveria possibilidade de que ele se valesse de outra forma que não esta? Havia exigibilidade de que, no calor do momento, agisse de maneira diversa?

O mesmo autor faz ainda outra brilhante constatação:

“A culpabilidade é o elemento essencial, moral e ético, que serve  de ligamento entre crime e pena, justamente por estar presente nos dois cenários: é imprescindível para a constatação do crime, mas também para a aplicação da pena. (...) Cometido o fato típico e antijurídico, para verificarmos se há crime, é imperioso constatar a existência de reprovabilidade do ato e de seu autor.”

O Código Penal Brasileiro, em seu art. 22, assim dispõe:

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita  obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Assim, o autor enquadra-se na situação de inexigibilidade de conduta diversa, ensejada por coação irresistível. Os elementos da coação serão a seguir descritos, e restará clara sua condizência com o caso em análise:

a) Existência de uma ameaça de dano grave, injusto e atual, extraordinariamente difícil de ser suportado pelo coato;

Ora, não se pode falar em ameaça maior que a de morte, como a vítima reiteradamente fez contra o réu e sua família. Esta afirmação é corroborada nos autos, como mostra o trecho do depoimento prestado em juízo por ................:

“..................................”.

b) Inevitabilidade do perigo na situação concreta do coato;

Uma vez que a vítima resolvesse concretizar suas ameaças e atirar, o dano poderia ser irreversível, e quanto a isso não há dúvidas.

c) Ameaça voltada diretamente contra a pessoa do coato ou contra suas pessoas queridas;

Como exaustivamente demonstrado, a vítima ameaçava não só a integridade do réu como a de seus familiares, inclusive sua esposa.

d) Irresistibilidade da ameaça avaliada segundo o critério do homem médio.

Não era de se esperar conduta diversa de qualquer outro homem de cognição normal. Ora, é o instinto humano de sobrevivência! Para proteger a própria vida, qualquer ser humano seria capaz de se valer de qualquer meio que tivesse à sua disposição para tal. O réu não realizou nenhum comportamento repreensível, apenas seguiu sua natureza e se defendeu.

Assim já decidiu o TRF da 4ª Região:

Ementa: PENAL. FALSO TESTEMUNHO.  AUTOINCRIMINAÇÃO. INEXIGIBILIDADEDE CONDUTA DIVERSA. EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE. DÚVIDA RAZOÁVEL.ABSOLVIÇÃO. 1. Embora as narrativas apresentadas pelo apelante durante o inquérito policial e a ação cível sejam contrapostas, não há nos autos elementos suficientes para se aferir qual delas é verdadeira. 2. Existindo a possibilidade de que a versão apresentada no inquérito policial seja falsa, deve ser ponderado que ninguém é obrigado a se autoincriminar ou a produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), podendo o cidadão potencial cometedor de um crime não apenas permanecer calado, mas também tecer alegações inverídicas, narrando a versão que mais lhe beneficie, sem que, com esse agir, venha a sofrer persecução criminal.Trata-se de corolário do direito à autodefesa, erigido pela Constituição Federal de 1988 à condição de garantia fundamental do cidadão (artigo 5º, inciso LXIII). 3. Com a alteração do art. 386 , VI , do Código de Processo Penal introduzida pela Lei nº 11.690 /08, a dúvida acerca da excludente de culpabilidade (inexigibilidade deconduta diversa) resolve-se em benefício do réu, impondo-se sua absolvição. (APELAÇÃO CRIMINAL ACR 7204 SC 0001569-28.2008.404.7204, Data de publicação: 06/06/2013)

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Tendo em vista a acertada decisão, inegável a necessidade de absolvição nos casos de inexigibilidade de conduta diversa.


Do Afastamento da Qualificadora_______________________________

A qualificadora de recurso que dificulta ou impossibilita a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV, do C.P) somente se caracteriza quando este recurso for, no mínimo equivalente àquelas situações descritas no início do inciso, ou seja, este recurso tem que ser revestido de características insidiosas, traiçoeiras, totalmente inesperadas, não existiu nos autos prova que esta situação tenha ocorrido, aliás, a própria denúncia não descreve com objetividade as circunstâncias em que o crime teria ocorrido.

Comungando de idêntico entendimento é a manifestação do Tribunal de Justiça de São Paulo, inserta na RT nº 643/274, cuja compilação afigura-se obrigatória, por abordar situação análoga, embora diversa, da presente:

"A qualificadora do homicídio consistente no emprego  de recurso que dificulte ou impossibilite a defesa do ofendido não resta demonstrada se não se pode falar em ataque sorrateiro, insidioso, inesperado, a tanto não correspondendo a circunstância de o acusado ter segurado a vítima enquanto o co-réu a esfaqueava uma vez verificados os fatos no curso de uma briga, traduzindo mero desdobramento do entrevero".

Ante pois, a tal contexto, impossível é manter-se a qualificadora.

Explicita CEZAR ROBERTO BITENCOURT que:

“a surpresa constitui um ataque inesperado, imprevisto  e imprevisível, além do procedimento inesperado, é necessário que a vítima não tenha razão para esperar a agressão ou suspeitar dela”.  (g.n.)

Acrescenta, ainda: “A surpresa assemelha-se muito à traição. Não basta que a agressão seja inesperada; é necessário que o agressor atue com dissimulação, procurando, com sua ação repentina, dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima”


Dos Requerimentos____________________________________________

Diante da exaustiva exposição, requer-se:

a) no mérito, seja o Réu absolvido sumariamente, por ter agido em legítima defesa;

b) não sendo este o entendimento de V. Exa., seja aplicada a inexigibilidade de conduta diversa, e, portanto, a exclusão da culpabilidade do réu.

c) no caso de eventual decisão de pronúncia, que seja afastada a qualificadora descrita no inciso IV do Parágrafo 2º do Artigo 121 do Código Penal (recurso que...), diante da manifesta deficiência probatória de sua ocorrência.

d) ainda no caso de eventual decisão de pronúncia, que seja dado ao réu a oportunidade de aguardar seu julgamento em liberdade, diante dos motivos já elencados.

Nesses termos,

Pede deferimento.

De São Paulo para Itabaiana, ... de... de 2017.

José Roberto Telo Faria

Advogado – OAB/SP 207.840

Sobre o autor
José Roberto Telo Faria

Advogado Criminalista, Bacharel em Direito pela Universidade de Guarulhos (2002); Pós Graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela FMU (2015); Secretário Adjunto da Comissão do Tribunal do Júri da OAB/SP - Sub Seção de Santo Amaro (2011).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA, José Roberto Telo. Memoriais em crime de competência do tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5799, 18 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/65838. Acesso em: 27 dez. 2024.

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