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Ação de cobrança de indenização securitária por invalidez decorrente do covid-19

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Agenda 23/06/2022 às 15:00

Requer pagamento do valor da cobertura contratada no seguro, a título de antecipação especial por doença, tendo em vista a ocorrência de invalidez funcional.

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE __________

FULANO DE TAL, qualificação, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados ao final assinados, propor a presente

AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA,em face da

NOME DA RÉ, sociedade seguradora devidamente inscrita no CNPJ/MF sob o nº ____________, com sede na _______________, CEP 01205-001, na cidade de _________, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:


I - DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA:

O Autor, apesar de ser servidor público federal, no ano de 2021, após ter contraído COVID 19 e depois de 20 dias de internação no Hospital da Unimed em Bauru, foi desenganado pelos médicos, tendo a partir de então sido transferido para o hospital particular VILA NOVA STAR, de São Paulo, onde continuou o tratamento às próprias custas, gastando, só no tempo de internação, que durou 71 dias no referido hospital, cerca de R$ 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil reais).

Hoje, além dos vários tratamentos que vem realizando, faz hemodiálises quatro vezes por semana, chegando a gastar por mês, só com a hemodiálise, cerca de aproximadamente R$ 15.000,00, conforme comprovantes anexos (DOC. 15, 16, 17 e 18).

Para poder arcar com os pagamentos dos tratamentos, foi obrigado a recorrer a empréstimos bancários, de tal sorte que só de parcelas descontadas em sua folha de pagamento, paga mensalmente R$ 5.327,65 (387,15 +. 717,00 + 4.223,55 = 5.327,65), conforme demonstra o seu contracheque anexo por cópia (DOC. 13).

Finalmente, conforme extrato bancário de sua conta corrente em anexo (DOC. 14), hoje se vê obrigado a usar o limite de seu cheque especial para poder arcar com o pagamento de suas despesas ordinárias.

Isto posto, resta evidenciado que o requerente se encontra em situação de vulnerabilidade financeira, de modo que não tem condições de arcar com as custas do processo.

Assim, com base nos artigos 98 e seguintes do Código de Processo Civil; no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal de 1.988; e nas Leis 1.060/50, 7.115/83 e 7.510/86, postula que lhes sejam concedidos os favores da assistência judiciária gratuita.


II - DOS FATOS

O Autor é segurado da Requerida desde o ano de 2008, com a qual contratou um SEGURO DE VIDA INDIVIDUAL E/OU ACIDENTES PESSOAIS, Apólice nº _______, conforme cópia anexa, prevendo as seguintes coberturas:

RAMO

GARANTIA

CAPITAIS SEGURADOS

PRÊMIOS

1391

Morte (*)

R$ 308.730,41

R$ 3.005,8

1381

Invalidez Permanente Total ou Parcial por Acidente até (***)

R$ 308.730,41

R$ 3.005,8

1391

Antecipação Especial por Doença

R$ 308.730,41

R$ 3.005,8

No dia 04/07/20201, ele foi internado no Hospital _____________ por ter contraído COVID 19, precisando ser intubado.

Apesar do tratamento na Unidade de Tratamento Intensivo daquele hospital, quando já estava melhorando do quadro de COVID 19, seu quadro de saúde foi piorando gradativa e significativamente, vindo a contrair, também, infecção hospitalar e diversas complicações.

Após vários dias de internação, teve uma parada cardiorrespiratória de aproximadamente 15 minutos (12 minutos constante em relatório médico do hospital), tendo os médicos do hospital comunicado a seus pais e parentes que o autor estava com sinais de danos ao tronco, podendo ter uma vida vegetativa com pouquíssimo tempo de sobrevida.

Na sequência, alguns médicos e enfermeiros do hospital comunicaram a seus parentes que se tratava de um quadro de morte cerebral e que o paciente não teria sobrevida além de 48 horas.

Diante deste quadro, o pai do autor tomou a decisão de removê-lo por meio de UTI aérea, para o hospital VILA NOVA STAR, da capital de São Paulo, fato ocorrido no dia 24/07/2021.

Nesse hospital, o paciente chegou praticamente em óbito, conforme relatório de internação anexo (DOC. 09) e transcrição abaixo:

Declaro para os devidos fins que o sr. ______________, dn 29/01/1975, encontra-se internado nesta unidade de terapia intensiva desde o dia 24/07/2021, sem previsão de alta. Recebemos este paciente transferido de hospital em Bauru/SP, após 20 dias de internação com múltiplas complicações decorrentes do covid-19.

O Sr. _______ apresenta os seguintes diagnósticos de internação:

COVID-19 tardio, traqueostomizado em ventilação mecânica. Cid: B34-2

Choque séptico foco pulmonar complicado com empiema (18/07/2021). Submetido a decorticação dia 20/07/2021. Cid J86

Parada cardiorrespiratória por hipóxia (18/07/2021) duração 12 minutos. Cid 146

Pneumotórax à esquerda, drenado (21/07/2021) e pneumomediastino importante. J93

Insuficiência renal aguda em hemodiálise (20/07/2021). N17

Neuromiopatia grave do doente crítico.

No momento evoluindo com melhora das complicações infecciosas, alternando ventilação mecânica com nebulização em cateter de alto fluxo. Mantendo-se em hemodiálise. O prognóstico neurológico é incerto devido encefalopatia anóxico-isquêmica, após parda cardíaca. Não obedece a comandos, não se comunica, acompanha movimento com o olhar de forma inespecífica. Diante disso, não encontra-se apto para responder a atos da vida civil.

No hospital Vila Nova Star, contrariando as expectativas do hospital _________________ de Bauru, ele sobreviveu, vindo a ter alta no dia 03 de outubro de 2021, depois de 91 dias de internação.

Apesar da alta hospitalar, o requerente está FUNCIONALMENTE INVÁLIDO, SENDO PORTADOR DE DOENÇA RENAL CRÔNICA, além de outras sequelas decorrentes das complicações hospitalares contraídas durante a internação.

E, inclusive, desde a época de sua internação, está afastado do seu trabalho, sem perspectivas reais de recuperação, com diversas complicações, além do quadro atual de doença renal crônica, precisando fazer hemodiálise quatro vezes por semana no período das 10:00 às 12:00 horas, conforme relatórios médicos anexos (DOC. 04, 05 e 06), do qual destaca-se a descrição do seguinte diagnóstico:

Diante disto, o Autor, no dia 18/01/2022, requereu administrativamente a ANTECIPAÇÃO ESPECIAL POR DOENÇA, conforme demonstra o DOC. 06. No entanto, a requerida negou o pagamento da indenização, alegando que as complicações de saúde informadas são decorrentes do COVID 19, que, por se tratar de Epidemia declarada ou não, faz parte dos riscos excluídos das Condições Gerais da apólice.

É importante ressaltar que, no momento em que requereu administrativamente o pagamento da garantia de seu seguro de vida/doença, seu corretor de seguros informou que no ano de 2021 o Sindicato de Corretores de Seguros de São Paulo se reuniu com praticamente todas empresas de seguros do Brasil e ficou acertado que os seguros de vida/invalidez/doença cujos titulares viessem a óbito por causa da infecção COVID-19 não haveria negativa de pagamento da indenização assegurada. Assim, o corretor de seguros disse haver grande possibilidade de êxito do autor, pois caso tivesse morrido por COVID-19 sua família receberia a indenização segurada, ou seja, o mesmo raciocínio se aplicaria a doença incapacitante decorrente de COVID-19.

Contrariamente do que era previsto pelo corretor de seguros, a ré negou o pagamento da indenização ao autor sob a justificativa de que o fato se dera em período de Epidemia declarada ou não.

Entretanto, durante o período da epidemia do Covid-19, ela efetuou diversos pagamentos aos portadores do mesmo tipo de seguro, mas que vieram a óbito.

Destarte, ao mesmo fato, aplica-se o mesmo direito.

Assim, respeitosamente, recorre ao Estado-Juiz, pleiteando seja declarado o seu direito à COBERTURA SECURITÁRIA pelo evento invalidez por doença, condenando-se a requerida ao pagamento da indenização prevista na apólice de seguro.


III DA APÓLICE DE SEGURO

Na cláusula 3.8, a apólice prevê a Antecipação Especial por Doença nos seguintes termos:

3.8 Antecipação Especial por Doença

3.8.1 Consiste na antecipação do pagamento da indenização relativa a garantia de Morte Natural e Acidental, que será paga ao segurado, curador ou a quem o represente juridicamente, desde que requerido, nos casos em que este apresente quadro clínico irreversível, em fase terminal, em decorrência das doenças devidamente cobertas por esta garantia, observados os riscos excluídos. Ainda está previsto como evento coberto, o estado de perda de inexistência independente do segurado, por motivo de doença, apenas nos casos em que este se encontre dentro das características relacionadas pelo item VII abaixo.

3.81.1 Considera-se segurado com quadro clínico irreversível e em fase terminal aquele que apresente estado clínico gravíssimo, sem perspectiva de recuperação, devidamente comprovado por profissional legalmente habilitado, nos casos das enfermidades abaixo cobertas:

I Deficiência visual, decorrente de doença:

  1. Cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica;
  2. Baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica;
  3. Casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou,
  4. Ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores.

II Coma irreversível por doença, exceto decorrente do uso de álcool e drogas.

II.a Entende-se por coma o estado de inconsciência, sem resposta a estímulo externa, persistindo continuamente com as medidas de suporte de vida por um período de pelo menos 96 (noventa e seis) horas e resultante em déficits neurológicos permanentes.

III Doenças terminais.

III.a Entende-se por doenças terminais como aquelas em fase avançada, progressiva e incurável, sem possibilidade de respostas a nenhuma medida terapêutica, conhecida e aplicada, sem expectativa de cura ou prolongamento da sobrevida, onde o esperado é o óbito.

IV Alienação mental decorrente de doença, manifestada e diagnosticada durante a vigência do seguro.

IV.a Entende-se por alienação mental, distúrbio mental ou neuromental grave e persistente no qual, esgotados os meios habituais de tratamento, haja alteração completa ou considerável da personalidade, tornando o paciente total e permanente impossibilitado para qualquer trabalho e incluso na qualificação de curatelado(a) em definitivo.

V Insuficiência cardíaca, refratária ao tratamento, com classificação funcional, grau IV, de acordo com a tabela NYHA, exceto doenças congênitas.

V.a Entende-se por Insuficiência cardíaca ou cardiopatia grave, doença que curse com alterações hemodinâmicas evidentes e marcadas, com disfunções locais e ordem rítmica, isquêmica, obstrutivo-restritivas ou de mortalidade e/ou com acometimento dos órgãos-alvo, representando-se como condição funcional de grau IV (NYHA), tornando o paciente incapaz de atividade física de qualquer espécie. Esta condição deve ser comprovada pelo exame físico e métodos complementares que a medicina especializada venha a exigir.

VI Doenças Crônicas

VI.a Entende-se por doenças crônicas, as que atingem os portadores de doenças incuráveis, que são mantidos definitivamente no leito, com ou sem ajuda de aparelhos, com caráter progressivo, com manifestações clínicas avançadas acometendo órgãos-alvo (consumptivas), sem prognóstico terapêutico favorável e que não mais estejam inseridas em protocolos de tratamento direcionados a cura e/ou seu controle clínico.

VII Perda de existência independente do segurado.

VII.a Entende-se perda de existência independente do segurado, aquele que por motivo de doença, vier a apresentar alguns dos estados mórbidos relacionados a seguir:

  1. Perda completa e definitiva da totalidade das funções de dois membros;
  2. Perda completa e definitiva da totalidade das funções de uma das duas mãos ou de dois pés;
  3. Perda completa e definitiva da totalidade das funções de uma das mãos associada a de um dos pés.

VIII A constatação da Antecipação Especial por Doença, conforme definida no subitem 3.8.1 se fará por declaração médica subscrita por profissional, devidamente habilitado na sua especialização e perícia realizada na esfera administrativa ou judicial.

VIII.a A concessão desta garantia não está vinculada a aposentadoria por invalidez concedida por instituições oficiais de previdência social, ou assemelhadas.

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IV - DO DIREITO

O contrato de seguro avençado entre as partes decorre de pacto de livre manifestação de vontade com o objetivo de garantir o pagamento de uma indenização ao segurado ou aos seus beneficiários na ocorrência de um dos eventos cobertos pelas garantias contratadas, com base no art. 757, do CC, além dos artigos 776 e 779, do mesmo Códex, em destaque:

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

(...)

Art. 776. O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa.

(...)

Art. 779. O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa.

Afinal, em nítida boa-fé, o segurado firmou o contrato de seguro com a expectativa de ter a cobertura financeira no caso da ocorrência de algum sinistro, sendo abusiva a negativa da sua cobertura.

IV.I - DO ENQUADRAMENTO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR:

No presente caso, tem-se de forma nítida a relação consumerista caracterizada, conforme redação das seguintes normas do Código de defesa do Consumidor:

Lei 8.078/90

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Veja-se que a Lei 8.078/90, que rege a proteção dos direitos do consumidor, define, de forma cristalina, que o consumidor de produtos e serviços deve ser abrigado das condutas abusivas de todo e qualquer fornecedor.

O artigo 3º, no seu §2º acima transcrito, enfatiza que a atividade securitária está incluída nas atividades abrangidas pelo CDC.

Assim, conclui-se que a relação jurídica firmada entre seguradora e segurado é uma relação jurídica de consumo.

E, uma vez reconhecido o Autor como destinatário final dos serviços contratados e demonstrada sua hipossuficiência técnica, tem-se configurada uma relação de consumo, conforme entendimento doutrinário sobre o tema:

"Sustentamos, todavia, que o conceito de consumidor deve ser interpretado a partir de dois elementos: a) a aplicação do princípio da vulnerabilidade e b) a destinação econômica não profissional do produto ou do serviço. Ou seja, em linha de princípio e tendo em vista a teleologia da legislação protetiva deve se identificar o consumidor como o destinatário final fático e econômico do produto ou serviço."(MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 6ª ed. Editora RT, 2016. Versão ebook. pg. 16).

Portanto, a ré não pode se eximir das responsabilidades inerentes à sua atividade, dentre as quais prestar a devida assistência técnica, visto que se trata de um fornecedor de produtos que, independentemente de culpa, causou danos efetivos a um de seus consumidores. Aliás, assim não se recusou a pagar a mesma indenização àqueles que vieram a óbito decorrente de COVID-19.

IV.II - DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA:

O Código de Defesa do Consumidor, representando uma atualização do direito vigente e procurando amenizar a diferença de forças existentes entre os polos processuais, onde se tem, de um lado o consumidor como figura vulnerável, e noutro, o fornecedor como detentor dos meios de prova que são muitas vezes buscados pelo primeiro e, aos quais este não possui acesso, adotou teoria moderna onde se admite a inversão do ônus da prova justamente em face desta problemática.

Havendo uma relação onde está caracterizada a vulnerabilidade entre as partes, como de fato há, o consumidor deve ser agraciado com as normas insculpidas na lei consumerista, principalmente no que tange aos direitos básicos do consumidor.

A inversão, na dicção do caput do art. 6º do CDC c/c seu inciso VIII, constitui um direito básico do consumidor e tem por escopo a facilitação de seus direitos, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Vejamos:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Sendo assim, requer a reversão do ônus da prova para que a requerida apresente todas as provas pertinentes ao processo.

IV.III - DA NEGATIVA DE COBERTURA SOB A ALEGAÇÃO DE QUE AS DOENÇAS DECORRENTES DO COVID 19 FAZEM PARTE DOS RISCOS EXCLUÍDOS:

O Autor requereu administrativamente a cobertura securitária, a qual foi negada sob o seguinte fundamento (DOC. 07):

Informamos que não temos como acolher o pedido de Indenização por Antecipação Especial por Doença (AED), tendo em vista que o relatório médico informa que o senhor apresenta complicações de COVID 19, que faz parte dos riscos excluídos das Condições Gerais da apólice, que abaixo transcrevemos:

.

Riscos Excluídos

.

Estão expressamente excluídos da garantia deste seguro os sinistros decorrentes de:

.

(...)

Epidemias declaradas ou não;

Diante do exposto encerramos o sinistro sem indenização".

No caso presente, depara-se com uma típica relação de consumo, pois as partes enquadram-se nos conceitos de consumidor e fornecedor descrito nos artigos 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor.

Incontroverso que o autor contratou um seguro de vida com cobertura para doenças graves. E, em julho de 2021, foi diagnosticado com COVID 19, quase morrendo, tendo ficado internado durante 91 dias.

Mesmo após a alta clínica, as complicações decorrentes da doença continuaram, evoluindo para estado irreversível, conforme demonstram os relatórios médicos anexos (DOC. 04, 05 e 06).

Entretanto, ao requerer o pagamento da cobertura securitária, teve seu pedido negado ao argumento de que riscos por epidemias estão excluídos das garantias do seguro contratado.

Sucede que, pelas regras do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas que implicam limitação de direitos devem ser redigidas de forma clara e destacada, permitindo sua imediata identificação e compreensão (art. 6º, inc. III, e 54, §§3º e 4º, ambos do CDC).

Assim, torna-se evidente a ofensa aos direitos básicos do consumidor à informação adequada e clara sobre os produtos e serviços, bem como à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, ao colocar produto/serviço no mercado de consumo com deficiência de informações, capaz de induzir o consumidor leigo em erro ao não adverti-lo de modo claro a respeito da perda de eventual direito à cobertura em razão de cláusula excludente, independentemente de seu conteúdo, consoante preconizado nos artigos 6º, incisos III e IV, e 37, ambos do Código de Defesa do Consumidor.

Vejamos pela própria dicção das normas citadas:

Lei 8.078/90

(...)

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

(...)

Art. 37 É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

(...)

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

(...)

§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008).

§ 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

No caso específico dos autos, a mencionada exclusão de epidemia declarada ou não não veio redigida em destaque, de modo a permitir a sua imediata compreensão, tanto nas propostas como nas condições gerais do seguro, deixando de atender também ao disposto no artigo 54, §4º, do Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, o autor, ao assinar o contrato de adesão, não foi devidamente informado acerca das condições gerais do seguro, tampouco tinha conhecimento quanto à exclusão alegada.

Além disto, dispõe o art. 46 do CDC que os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Vejamos:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

De outro lado, o contrato com o plano de saúde é de relação de consumo, na qual as cláusulas do pacto devem ser interpretadas de forma mais favorável ao consumidor, considerando-se abusivas aquelas que limitam os seus direitos.

Aliás, neste ponto, a matéria está contemplada pela regra do art. 47 do CDC, verbis:

Art. 74. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Sem dúvida, isto implica dizer que se faz necessário aquilatar, além da prévia ciência do conteúdo ao segurado, inclusive da cláusula atinente à pandemia, a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor, no caso, ao segurado.

Portanto, supondo que assim tenha agido a demandada e que a referida cláusula tenha produzido efeitos perante o segurado, ainda que interpretada favoravelmente ao consumidor, o segundo fundamento da presente ação, que embasa a causa de pedir desta exordial, guarda relação com a abusividade ou não da cláusula do contrato de seguro que exclui o RISCO DECORRENTE DE PANDEMIA DECLARADA OU NÃO.

Neste ponto, é imprescindível que a requerida comprove como agiu quando começou a pandemia. Na verdade, é imperioso que ela comprove como agiu durante a pandemia e antes da contaminação do segurado. Por isto, indaga-se à requerente: houve redução do valor da apólice? Houve a emissão de alguma circular ou comunicado noticiando que os segurados NÃO ESTAVAM COBERTOS PELA PANDEMIA RECÉM DECRETADA PELO ÓRGÃO COMPETENTE?

Sem dúvida, Excelência, o segurado não sabia dessas limitações e muito menos que estava descoberto de seu seguro de vida em razão da decretação do estado de pandemia declarado por órgão oficial.

Justamente por isto que o requerente se socorre também de normas do Código Civil para embasar a sua pretensão, dentre as quais aquelas previstas nos artigos 422 e 765, in verbis:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. (Grifo e destaque nosso).

Conjugando estes princípios ao cenário atual e ao contrato entabulado entre segurado e seguradora, respeitar a boa-fé equivaleria a oportunizar ao segurado a possibilidade de adquirir esta cobertura pandemia declarada ou não ou de ver o prêmio do seguro reduzido, pois com tal situação (pandemia) perdurando por mais de ano, a requerida passa a experimentar uma vantagem manifestamente excessiva.

Aliás, novamente socorrendo-se das regras estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor, prevê o artigo 51 c/c com seu inciso IV, que:

São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

....

IV estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. (Grifamos).

Logo, é perfeitamente possível concluir que a recusa externada pela ré não encontra guarida em nosso ordenamento jurídico, seja por ausência de informação prévia que deveria ter prestado ao segurado, seja por ausência de conhecimento do segurado acerca da pandemia, seja, ainda, por não agir imbuída de boa-fé, experimentando uma vantagem excessiva, em detrimento do consumidor, sem contar, ainda, que ela pagou a indenização a diversos portadores do mesmo seguro que vieram a óbito (talvez porque o número de óbitos seja bem menor do que o de doentes incapacitantes).

Conclui-se, assim, que a negativa foi abusiva e ilegal, restando demonstrada a falha na prestação dos serviços da ré.

A jurisprudência sobre o tema COVID 19 ainda está se formando, mas nos poucos julgados que se tem notícia, de forma unânime os Magistrados têm rechaçado as cláusulas dos contratos de seguro que excluem os pagamentos das indenizações sob o fundamento de que os sinistros decorrentes de pandemia estão expressamente excluídos da garantia securitária.

A 11ª Vara Cível de Santos, ao julgar o processo n° 1016257-17.2021.8.26.0562, reconheceu o direito da mulher a receber indenização referente à cobertura de seguro de vida de segurado que faleceu em razão da pandemia de Covid-19. De acordo com os autos, após o falecimento de segurado, a empresa alegou que, conforme condições gerais da apólice, o contrato previa a exclusão de cobertura para pandemia, pois se tratava de risco impossível de ser assumido, e se negou a pagar o seguro contratado. Segundo o juiz Daniel Ribeiro de Paula, o caso deve ser analisado sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, que prevê o direito à informação adequada e clara sobre os produtos e serviços. A observância do referido dever de informação implica direito amplo, que nem sempre se efetiva pela mera disponibilização do contrato, ressaltou. Para o magistrado, a ré não comprovou que cumpriu o dever de esclarecer quanto à cláusula excludente de cobertura. Em regra, não tendo o consumidor recebido previamente as informações pertinentes às condições de cobertura do seguro, notadamente em relação àquelas excludentes do risco, não poderá a seguradora se eximir do pagamento da indenização, com base nas cláusulas nele previstas, mas das quais o segurado não teve ciência no momento da contratação, escreveu o magistrado. E concluiu: Contrato faz lei entre as partes e as prestações devem ser cumpridas. Ordinariamente é o esperado, desejável e faz parte do Judiciário contribuir para que a segurança jurídica seja honrada e respeitada em conformidade com os fins sociais da lei, a proteção contratual e a expectativa de que as prestações foram firmadas para serem cumpridas.. Sentença anexa (DOC. 13), cuja ementa destaca-se:

Ante o exposto com base nos artigos 3º, 6º, incisos III e IV, e 37, do Código de Defesa do Consumidor, no artigo 5º da LINDB, artigos 8º e 355, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido para reconhecer à autora o direito de receber a indenização reclamada, tomando por base a quantia fixada na apólice, sobre a qual foi cobrado o prêmio e condenar a ré a pagar à autora o valor da cobertura contratada para o evento morte, cujo valor segurado equivale a R$ 90.420,00 (Noventa mil, quatrocentos e vinte reais), e que deve ser devidamente atualizado por ocasião do efetivo pagamento.

Cabe recurso da decisão.

Processo nº 1016257-17.2021.8.26.0562.

Pelo mesmo fundamento, a 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais de Curitiba/PR, ao julgar o Processo nº 0004529-48.2021.8.16.0182, assim se pronunciou:

RECURSO INOMINADO. SEGURO. CONTRATAÇÃO PARA DOENÇA GRAVE. AUTOR DIAGNOSTICADO COM COVID-19. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA SEGURADORA. PRELIMINAR. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO VERIFICADA. MÉRITO. NEGATIVA DE COBERTURA COM BASE EM AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. LIMITAÇÃO CONTRATUAL NÃO ESCLARECIDA AO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO (ART. 6º, INC. III, DO CDC). INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA DEVIDA. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais - 0004529-48.2021.8.16.0182 - Curitiba - Rel.: JUÍZA DE DIREITO SUBSTITUTO JÚLIA BARRETO CAMPELO - J. 21.03.2022.

(TJ-PR - RI: 00045294820218160182 Curitiba 0004529-48.2021.8.16.0182 (Acórdão), Relator: Júlia Barreto Campelo, Data de Julgamento: 21/03/2022, 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Data de Publicação: 21/03/2022).(Grifamos).

Sensível ao tema, o Senado Federal aprovou por unanimidade, com 77 votos, a inclusão das mortes decorrentes da pandemia de coronavírus na cobertura dos seguros de vida ou invalidez permanente. O mesmo se aplica à assistência médica ou hospitalar para os planos de saúde nos casos de infectados pela covid-19.

O projeto (PL 2.113/2020), da senadora Mara Gabrilli, determina que o seguro, inclusive o já celebrado, não poderá conter restrição de cobertura a qualquer doença ou lesão decorrente de emergência de saúde pública (Lei 13.979, de 2020). Verbis:

Art. 1º A Lei no 13.979, de 6 de fevereiro 2020, passa a vigorar acrescida do art. 6°-E, com a seguinte redação:

Art. 6°-E. O seguro de assistência médica ou hospitalar, bem como o seguro de vida ou de invalidez permanente, não poderá conter restrição de cobertura a qualquer doença ou lesão decorrente da emergência de saúde pública de que trata esta Lei.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

O espírito deste projeto de lei vem justamente louvar o direito consumerista à informação adequada e clara sobre os produtos e serviços e, por conseguinte, inibir as cláusulas abusivas inseridas disfarçadamente nos contratos de seguro, camufladas pelas demais cláusulas, conforme se evidencia da seguinte transcrição:

PROJETO DE LEI Nº , DE 2020

[...]

JUSTIFICAÇÃO

O presente projeto de lei tem por objetivo obrigar as seguradoras a manter a cobertura a qualquer doença ou lesão decorrente da pandemia do novo Coronavírus, abrangendo a assistência médica ou hospitalar e o contrato de seguro de vida ou de invalidez permanente.

O enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional responsável pelo surto do Coronavírus requer medidas que impliquem solidariedade social, inclusive no âmbito do caráter garantidor do contrato de seguro.

Eventual negativa de cobertura pela seguradora encontra óbice no adequado dever de informação dos termos do contrato pela fornecedora, bem como na abusividade de cláusula de exclusão contratual que afaste a responsabilidade da seguradora, em negócio no qual o consumidor somente adere às cláusulas impostas pela fornecedora. (Grifo nosso).

Por fim, não há dúvida de que é abusiva a cláusula inserida em contrato de seguro de vida que, ao limitar o risco do segurador, pretende afastar sua responsabilidade pelo pagamento da indenização quando o evento garantido ocorrer em razão da COVID 19, durante a pandemia.

Some-se a tal fato o de que nenhum médico ou hospital constatou que a perda da função renal do autor e demais complicações crônicas advieram da infecção COVID-19, pois o mesmo sofreu inúmeras doenças incidentais quando internado, tal como septsemia por outras bactérias diferentes do vírus COVID-19, sendo estas as que o levaram a óbito de 15 minutos.

Sobre o autor
Evany Alves de Moraes

Advogado na cidade de Bauru/SP, especialista em Direito Administrativo e Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Evany Alves. Ação de cobrança de indenização securitária por invalidez decorrente do covid-19. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6931, 23 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/98747. Acesso em: 22 dez. 2024.

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