Continua grassando controvérsia acerca do tema em epígrafe.
O art. 156, § 2º, inciso I da CF prescreve:
“§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”
Durante décadas a jurisprudência, amparada na doutrina majoritária, enxergava no inciso I retrotranscrito uma única frase, ignorando a segunda frase “nem sobre a transmissão”.
Sustentava-se que a imunidade do imposto na incorporação de imóvel para integralização do capital subscrito é hipótese de imunidade objetiva.
Dessa forma, a Constituição estaria imunizando o ato de integralizar o capital mediante dação de bens e direitos.
O equívoco é manifesto, pois não resiste ao exame à luz do princípio da razoabilidade.
De fato, se assim fosse o interessado poderia subscrever um capital de R$ 10.000,00 e integralizar esse capital com bens imóveis no valor de R$ 100.000.000,00 ou R$ 1.000.000.000,00, pois, se é objetiva a imunidade o valor do bem dado em pagamento do capital passa a ser irrelevante.
É claro que até intuitivamente é possível detectar o equívoco de semelhante tese que não se atina com a lógica, nem com o princípio da razoabilidade.
Essa tese é sustentada por autores que enxergam na referida imunidade um instrumento de elisão fiscal, ou seja, do planejamento tributário para dar saída ao bem imóvel sem pagamento de imposto.
E prosseguem, incorrendo em segundo equívoco mais grave, dispondo que a única condição para a fruição dessa imunidade é que a atividade preponderante do adquirente não seja a “compra e venda desses bens e direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Em outras palavras, a imunidade pura que está na primeira parte do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF passa a ser condicional, devendo preencher, para sua fruição, os requisitos que estão previstos na segunda parte do dispositivo de início transcrito, prejudicando aqueles que buscam a imunidade pura como instrumento de criação de empresas, ou expansão das existentes, como forma de elevar a capacidade produtiva do país.
Continuam criticando com veemência o voto condutor proferido pelo Ministro Alexandre de Moraes que, calcado na nossa doutrina separa de forma lapidar as duas imunidades: a) a pura e incondicional, limitada a imunidade ao valor do capital subscrito e integralizado.
Esse entendimento seguido pela maioria dos ministros é incensurável.
Se o valor do bem imóvel excede o valor do capital integralizado, por óbvio, a parte excedente não estará ao abrigo da imunidade.
Entender de outra forma seria o mesmo que admitir a existência de doação do valor excedente, hipótese em que deverá haver o lançamento do ITCMD pela alíquota de 4% contra os 2% do ITBI.
b) imunidade condicionada prevista na segunda parte do citado inciso I subordinada à observância dos requisitos previstos em sua parte final, aplicável apenas nas hipóteses em que a incorporação ao patrimônio do adquirente resultar de incorporação, fusão, cisão ou dissolução parcial de empresa.
A duas teses aduzidas pelo Ministro Alexandre de Moraes, Relator do RE nº 796.376-SC julgado sob a sistemática de repercussão geral (Tema 796), mostra-se corretíssima e incensurável.
Todavia, os defensores da tese da imunidade objetiva, que imuniza a incorporação de imóveis de qualquer valor para integralizar o capital subscrito, ainda que de elevado valor que supera o valor do capital integralizado, continuam guerreando o escorreito voto condutor proferido pelo Ministro Alexandre de Moraes.
O referido Ministro foi o único que deixou de fazer download de acórdãos em sentido contrário, dispondo-se a pesquisar em profundidade a matéria, examinando a evolução do ITBI desde a Constituição de 1934, 1937, 1946, Emenda 18/65, Constituição de 1967/69 até a Constituição de 1988. Foi assim que encontrou a nossa obra ITBI doutrina e prática que faz esse exame histórico para demonstrar que a imunidade condicionada que existia era aquela prevista na Emenda 18/65 (art. 9º) a qual, a partir da Constituição de 1967, ficou limitada apenas à hipótese de incorporação de bens ou direitos decorrentes de incorporação, fusão, cisão e dissolução parcial de pessoas jurídicas.
Os que contestam a decisão do STF estão rezando com a cartilha de 1965, como se pode perceber não apenas de artigos escritos, como também, de palestras que vêm proferindo nos simpósios e congressos jurídicos.
Realmente, dispunha o art. 9º da Emenda n° 18/1965:
“ Art. 9º Compete aos Estados o imposto sobre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza ou por cessão física, como definidos em lei, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia.
§ 1º O imposto incide sobre a cessão de direitos relativos à aquisição dos bens referidos neste artigo.
§ 2º O imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos neste artigo, para sua incorporação ao capital de pessoas jurídicas, salvo o daquelas cuja atividade preponderante, como definida em lei complementar, seja a venda ou a locação da propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição”.
E no regime da Constituição de 1946, essa operação era inteiramente tributada, conforme art. 19:
“Art. 19. Compete aos Estados decretar impostos sobre:
[...]
III – transmissão de propriedade imobiliária intervivos e sua incorporação ao capital da sociedade”.
A partir da Constituição de 1967, o legislador constituinte passou a distinguir a imunidade pura da imunidade condicionada como está no texto da atual Constituição de 1988. É preciso, fazer exame da evolução história desse imposto regulado pela Carta Magna ao longo do tempo.
Divergir é direito de todos.
Por isso devemos respeitar as opiniões em contrário, mas, é preciso preservar a letra e espírito de Constituição vigente.
Por fim, enxergar o inciso I, do § 2º do art. 156 da CF uma única frase é o mesmo que enxergar uma frase só no período abaixo:
Maria não irá à casa de Izabel, nem Joaquim irá à casa de Manuel, salvo se ele estiver doente.
Não se pode deduzir desse período que Izabel esteja doente.