4. NOTITIA CRIMINIS NAS FAKE NEWS
Na data de 04/08/2021, o ministro Alexandre de Moraes do STF acatou uma notícia-crime do TSE, para inserir o Presidente da República, Jair Bolsonaro no inquérito das fake news , com esteio de apurar as declarações proferidas contra o processo eleitoral.
Nessa decisão o ministro determinou a tomada de depoimentos de todos os envolvidos na live produzida pelo Presidente Bolsonaro na data de 29/07/2021, incluindo-se o Ministro da Justiça, Anderson Torres, além da transcrição oficial da transmissão. Ademais, o Presidente havia prometido apresentar uma “prova bomba” em torno das possíveis fraudes nas eleições de 2014 e 2018. Contudo, o Presidente afirmou que havia apenas indícios de irregularidades.
Em razão desses fatos, o ministro Moraes afirmou que a investigação vai apurar se o Presidente praticou os crimes de calúnia, difamação e injúria, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa e denunciação criminosa, inclusive de crimes previstos na LSN e no Código Eleitoral, nos termos da decisão seguinte:
“O pronunciamento do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, se revelou como mais uma das ocasiões em que o mandatário se posicionou de forma, em tese, criminosa e atentatória às instituições, em especial o Supremo Tribunal Federal, imputando aos seus ministros a intenção de fraudar as eleições para favorecer eventual candidato, e o Tribunal Superior Eleitoral, no contexto da realização das eleições prevista para o ano de 2022”.
No contexto da decisão, Morais rebusca os avanços de duas investigações no STF, ou seja, o inquérito da fake news e o inquérito dos atos com pautas antidemocráticas, quando, segundo o ministro, o primeiro revelou a existência do chamado “gabinete do ódio”, dirigido a propagação de notícias falsas e ofensas contra os membro do STF, enquanto que o segundo, apontou a existência de uma organização criminosa de forte atuação digital, voltada para atacar as instituições democráticas.
Ademais, segundo o ministro do STF, houve citações do Presidente contra o STF, declarando que o STF impediu o governo federal de atuar na pandemia e sobre as ilegalidades nas decisões que anularam as condenações impostas ao ex-presidente Lula do PT.
Em seguida, o TSE apresentou outra notícia-crime contra o Presidente Jair Bolsonaro, por vazamento de inquérito sigiloso da Polícia Federal. Nos termos do ofício, 7 ministros do TSE solicitam que o Presidente Bolsonaro seja investigado, pela prática de possível conduta criminosa, relativa à divulgação indevida de informações sigilosas ou reservadas do TSE, com potencial prejuízo para a Administração Pública. Acrescenta, ainda, o pedido que “por se tratar de conjunto de informações que deveriam ser de acesso restrito e podem causar danos à Justiça Eleitoral e ao próprio processo democrático de realização e apuração das eleições, e solicitam remover as referidas publicações das redes sociais”.
Ademais, os ministros pediram que as investigações sejam inseridas no inquérito das fake news , que está apurando disseminação de informações falsas e ataques contra as instituições. A decisão é do relator Alexandre de Moraes, que atualmente é ministro do TSE, além de haver também assinado o ofício.
Segundo o ofício, a citação de que o Presidente Bolsonaro divulgou no dia 4 de agosto do corrente exercício, em redes sociais, um link com a íntegra do inquérito sigiloso da Polícia Federal, a respeito de ataque ao sistema interno do TSE, ocorrido em 2018. De acordo com o inquérito, um hacker teve acesso ao código-fonte das urnas.
No pertinente ao relato da lavra dos ministros do TSE, “tais informações sigilosas ou reservadas foram divulgadas pelo Presidente da República, via redes sociais, após o levantamento do sigilo, pelo Delegado de Polícia Federal, presidente do inquérito policial, e que posteriormente os autos foram enviados ao deputado federal, Felipe Barros”.
Diante dessa ocorrência fática, os ministros do TSE querem saber se o Presidente Bolsonaro cometeu crime previsto no Código Penal ao divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, definidas em lei, inseridas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da administração pública. Ademais, o deputado Felipe Barros disse que não havia, até o presente, sido notificado, mas que estava disponível para os devidos fins e efeitos processuais, enquanto que o Palácio do Planalto não se manifestou.
No pertinente às essas duas precitadas ocorrências, consideradas, em tese, como notícias-crimes pelo ministro Alexandre de Moraes, envolvendo a pessoa do Presidente da República, Jair Bolsonaro, não passam de insinuações desprovidas de tipicidades penais, a começar pela acusação do STF de que o Presidente havia se manifestado sobre o impedimento do Governo Federal atuar com prioridade e nacionalmente, no combate a pandemia da Covid-19, quando do julgamento.
Neste sentido, é cediço que, quando do surgimento da pandemia da Covid-19, o Presidente da República de imediato criou a MP nº 926, de 20/03/2020, alterando o texto da Lei n° 13.979, de 2020, com o escopo de dispor sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência da saúde pública de importância internacional decorrente da coronavírus, publicada no DOU em 20/03/2020, cuja medida provisória foi transformada na Lei nº 14.035, de 11/08/2020.
Em resposta contrária a esse atitude do Presidente da República, o partido político PDT ingressou com a ADI nº 6.341-DF, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, quando na data de 15/03/2020, ocorreu o julgamento liminar da precitada ADI no plenário do STF, por unanimidade, o entendimento de que as medidas adotadas pelo Governo Federal na MP nº 962, de 2020, visando atuar nacionalmente no enfrentamento da Covid-19, não afastam a competência concorrente da União, pelos entes federativos.
Neste caso, verifica-se de pronto, a ausência de inconstitucionalidade da medida provisória editada pelo Presidente da República, devidamente votada pelo ministro relator, Marco Aurélio, mas a MP não afasta os atos a serem praticados pelos entes federativos, nos termos do artigo 23, inciso II, da CF/88. Ademais, reconhece o ministro-relator, que a norma apenas trata das atribuições das autoridades em relação às medidas a serem criadas em face da pandemia, além de ressaltar que a medida provisória, em face da urgência e da necessidade de disciplina, foi editada com o fito de mitigar os efeitos da chegada da pandemia ao Brasil e que o Governo Federal, ao editá-la, atuou a tempo e modo, perante a urgência e da necessidade de uma disciplina de abrangência nacional sobre a matéria sanitária.
Por conseguinte, todas as medidas legais e cabíveis foram tomadas pelo Governo Federal, inclusive assumindo de pronto, toda a responsabilidade na administração e controle da pandemia do coronavírus em nível nacional. Contudo, por intervenção de partidos de esquerda, com base em interesses políticos e financeiros, ingressaram com ações judiciais contra o Governo Federal para afastá-lo dessa competência ímpar, para, na data de 15/04/2020, o plenário do STF, por unanimidade ratificar o entendimento de que as medidas tomadas pelo Governo Federal, no âmbito da MP nº 926, de 2020, para o enfrentamento da pandemia da Covid-19, não afastam a competência concorrente, tampouco a tomada de providências.
De efeito, ressalte-se que, diante da decisão supracitada, ratificada pelo plenário do STF, datada de 15/04/2020, os membros da Corte Maior já tinham conhecimento do escândalo envolvendo o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, na Operação Calvário/Juízo Final da Polícia Federal, em recebido de propinas, em detrimento da Saúde Pública do Estado.
Em ato contínuo, no mês de janeiro de 2020, Sérgio Cabral foi condenado pelo Juiz Federal, Marcelo Bretas, a pena de 14 anos e 7 meses, pela prática dos crimes de corrupção passiva, pelo recebimento de propinas em contratos da área da saúde estadual, em ação penal que envolve o valor de R$ 16 milhões de reais em propinas, por meio de compras superfaturadas e licitações dirigidas a produtos hospitalares. Nesse patamar, as penas de Sérgio Cabral já somam mais de 280 anos de prisão.
Em outra situação, o Presidente da República ingressou com a ADI nº 6764 no STF, na data de 18/03/2021, com pedido liminar, com o esteio de suspender os decretos da Bahia, do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul, que estabelecem medidas restritivas no combate a Covid-19, como fechamento de atividades não essenciais e toque de recolher noturno, como alhures comentado. Contudo, na data de 23/03/2021, o pedido foi rejeitado, em decisão monocrática do ministro Marco Aurélio do STF.
Na data de 08/04/2021, o julgamento pelo STF decidiu que os governadores e prefeitos podem proibir a realização presencial de missas e cultos, para evitar a propagação da pandemia do coronavírus, cuja decisão foi estendida para todo o país.
Neste sentido, vislumbra-se que a partir do primeiro escândalo sobre desvios milionários de verbas públicas destinadas à Saúde, com a prisão preventiva decretada contra o secretário de saúde do Rio de Janeiro, César Romero, na data de 16/01/2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), já ficou ciente do animus rem sibi habendi (intenção de ter a coisa para si), por parte de governadores e prefeitos. Contudo, a Corte Maior permaneceu concedendo, cada vez mais, o poder absoluto aos governadores e prefeitos brasileiros, mesmo sabendo dos milionários desvios de verbas públicas da União, praticados por tais gestores públicos, nos termos de suas decisões prolatadas no período de 18/03/2021 a 08/04/2021.
No que concerne aos crimes de desvios de verbas da União, para o combate a pandemia da coronavírus (Covid-19), leva-se a ter em vista, desde logo, que todo aquele empenho dos governantes estaduais e municipais e dos seus pares, em ingressar com ações judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF), para conduzir com exclusividade todos os meios logísticos e restritivos à população, em face da pandemia do Corona vírus-19, objetivava a prática delitiva de desvios de dinheiro, destinados ao combate da Covid-19.
Porquanto, diante de todas essas ilegalidades precitadas, nada mais poderia esperar do nosso Presidente da República, Jair Bolsonaro, em utilizar-se do seu direito de Chefe Maior da Nação Brasileira, quando demonstrou toda sua insatisfação com as atuações dos Poderes Legislativo e Judiciário, além do direito consagrado pela Carta Fundamental vigente, no inciso IV, do artigo 5º, concernente à livre manifestação de pensamento, com a vedação do anonimato.
Quanto a segunda notitia criminis elaborada originalmente pelo Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, além de ser incompetente para transformar um procedimento administrativo interno do TSE, em um inquérito administrativo anômalo para apurar “fatos que possam configurar abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições de 2022”, faltou-lhe os requisitos mínimos como a narrativa dos fatos, qualificação do provável autor do crime e, de preferência, as provas do ocorrido, ou quiçá tenha deixado para a autoridade processante, o papel de nominar do suposto autor dos crimes apontados.
Segundo a boa doutrina penal, a mencionada notitia-criminis é de cognição indireta ou mediata, que se formaliza quanto a autoridade policial toma conhecimento de uma infração penal, por meio de uma comunicação oficial, mediante uma requisição de um juiz, do ministério público, do ministro da Justiça ou da própria vítima, através de uma representação, desde que preenchida com os requisitos necessários.
Vale ressaltar, que se deve atentar para o fato do autor da notícia crime, noticiar falsamente um crime, ou apontar um inocente como um infrator penal, podendo ocasionar consequências penais.
Em nosso Código Penal existem dois crimes, denominado na esfera jurídica de tipo penal, a denunciação caluniosa, tipificada no artigo 399 do CPB e a Comunicação Falsa de Crime ou Contravenção, prevista no artigo 340 do CPB.
A figura do artigo 339 do Código Penal conceitua a Denunciação Caluniosa, identificada a sua prática, quando alguém dá causa à instauração de inquérito policial, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, com a imputação de crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo à outra pessoa que o denunciante sabe que inocente.
Por outra parte, o artigo 340 do CPB dispõe sobre a figura da Comunicação Falsa de Crime ou Contravenção, cuja identificação da ocorrência deste crime, configura-se quando o denunciante faltar com a verdade sobre o fato criminoso. Enquanto que, na Denunciação Caluniosa, é verídico o fato imputado, porém, o denunciante mentiu em relação à autoria do delito. No pertinente à Comunicação Falsa de Crime ou Contravenção, a infração é inexistente.
Destarte, nos termos em que a notitia-criminis foi elaborada, sem a exposição do fato criminoso e sem a qualificação do nome do suposto autor, ou mesmo com esclarecimentos que possam identificá-lo, pode a notícia crime ser considerada inepta, com rejeição por parte da autoridade processante.
Ademais, vale ressaltar que, o ministro Alexandre de Moraes está se utilizando deste expediente, em enquadrar o Presidente da República no inquérito das fake news , uma vez que a única lei ora vigente no país, tipificando como crime o uso de notícias falsas é a Lei Eleitoral nº 13.834, de 2019, no mais toda conduta relacionada as fake news é considerada atípica.
Quanto à questão das peças do inquérito policial, consideradas pelos ministros do TSE como informações sigilosas ou reservadas, que deu azo à instauração pela Polícia Federal, para apurar possíveis ataques ao sistema interno do TSE, por parte de um hacker que teve acesso ao código-fonte das urnas, no ano de 2018, cujos os autos foram entregues ao deputado federal, Felipe Barros, pelo Delegado da Polícia Federal.
Ademais, segundo noticiado, o ofício dirigido ao STF foi assinado por ministros do TSE, dentre eles o próprio ministro Alexandre de Moraes do STF e atuante também no TSE que, inclusive, assinou o ofício, para ele mesmo tomar as providências de estilo.
No pertinente ao sigilo do inquérito policial, revela-se ser compreensível que ostente a característica de ser sigiloso, uma vez que na fase investigatória os autos fossem expostos ao público, certamente a apuração estaria prejudicada, no concernente às futuras diligências. Por conseguinte, nesse aspecto há previsão do artigo 20 do CPP, prevê que, “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
Neste sentido, vislumbra-se que o sigilo do inquérito policial não é absoluto, mas restrito aos pressupostos em torno da necessidade da investigação não ser revelada, sob pena de não ser colhidos os elementos de provas, ou, quando presente o interesse social, visando preservar a intimidade do agente investigado de um crimes sexual.
Por outro lado, a manutenção do sigilo do inquérito policial, em face da sua restrição e por se tratar de um procedimento inquisitorial, fica a critério absoluto da Autoridade Policial manter ou não o seu sigilo, principalmente quando as investigações atingirem todas as fases diligências, redundando com a expedição do relatório final, salvante os crimes sexuais que envolvem a intimidade, principalmente de crianças e adolescente.
Coerente com tais critérios, buscar-se-á compilar a tendência jurisprudencial do STF a respeito, in verbis:
“Nada, absolutamente nada, respalda ocultar de envolvido – como é o caso da reclamante – dados contidos em autos de procedimento investigativo ou em processo alusivo à ação penal, pouco importando eventual sigilo do que documentado. Esse é o entendimento revelado no verbete vinculante 14 (...). Tendo em vista a expressão “acesso amplo”, deve-se facultar à defesa o conhecimento da integralidade dos elementos resultantes de diligências, documentados no procedimento investigatório, permitindo, inclusive, a obtenção de cópia das peças produzidas. O sigilo refere-se tão somente às diligências, evitando a frustração das providências impostas. Em síntese, o acesso ocorre considerando as peças constantes dos autos, independentemente de prévia indicação do Ministério Público. 3. Defiro a liminar para que a reclamante, na condição de envolvida, tenha acesso irrestrito e imediato, por meio de procurador constituído, facultada inclusive a extração de cópia, aos elementos constantes do procedimento investigativo (...).
(RcI nº 31213 MC, Rel. Min Marco Aurélio, Dec. Monocrática, j. 20/8/2018, DJE 174, de 24/8/2018). (Grifei).