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Da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica sem a instauração de incidente processual

19/09/2022 às 15:45
Leia nesta página:

É possível o pleito de desconsideração da personalidade jurídica no bojo da petição inicial do processo de conhecimento e de execução?

O Código de Processo Civil, em seu art. 133, prevê que a desconsideração da personalidade jurídica, em regra, deve ser procedida por meio da instauração de incidente próprio.

Com efeito, em tal incidente são produzidas provas, a fim de verificar se está presente ou não o abuso de personalidade, consubstanciado no desvio de finalidade ou/e na confusão patrimonial. Em caso positivo, será devida a desconsideração da personalidade jurídica, com fulcro no art. 50 do Código Civil.

Por seu turno, se não restar demonstrada a presença dos requisitos do art. 50 do Código Civil, deve-se julgar improcedente tal incidente e, por conseguinte, não poderão ser incluídos no polo passivo da demanda principal os sócios ou demais empresas que tinham sido indicadas como violadoras do último dispositivo citado.

Isto posto, entende-se que o mens legis da produção probatória do IDPJ (Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica), com a citação dos sócios ou empresas que se deseja incluir no polo passivo da demanda principal, é a comprovação cabal do abuso de personalidade, repita -se, quer pelo desvio de finalidade, quer pela confusão patrimonial.

Todavia, vale frisar que o Código de Processo Civil preceitua, de forma expressa, que a desconsideração da personalidade jurídica não precisa se dar de forma incidental na hipótese do § 2º, do art. 134, do Código de Processo Civil: quando o pedido de desconsideração for feito diretamente na petição inicial.

Por oportuno, dada a relevância da norma supra, vale ofertar abaixo os seus termos:

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

Com a devida vênia, nos parece ser muito claro tal dispositivo, ao ponto de não ser passível interpretação diversa, sob pena de violar, frontalmente, o seu teor.

Nada obstante isso, vale frisar que há quem defenda que a desconsideração da personalidade jurídica deve se dar, necessariamente, por incidente próprio em alguns casos v.g., processo executório.

Todavia, essa conclusão não se sustenta, permissa venia, pois, repise-se, há previsão clara e expressa da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em função de pedido constante de petição inicial, independente de instauração do incidente, com base no § 2º, do art. 134, do Código de Processo Civil.

Ora, se o art. 134 do CPC prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica tanto no processo de conhecimento como nas execuções e, logo em seguida, no art. 134, § 2º, do mesmo diploma, é disposto que não é preciso a instauração de incidente se o pedido de desconsideração constar da inicial (sem quaisquer ressalvas sobre se isto seria aplicável apenas ao processo de conhecimento ou aos executórios), sem sombra de dúvidas, deve-se aplicar tal norma a todos procedimentos.

E mais, isso não causaria quaisquer prejuízos à dilação probatória necessária a comprovar a presença ou não dos requisitos necessários à desconsideração da personalidade jurídica, porquanto não se pode confundir a possibilidade de inclusão do pedido sem a instauração de incidente com o desrespeito à produção fático-probatória exigida para efeito de desconsideração da personalidade jurídica, e, por conseguinte, aos requisitos exigidos à espécie pelo art. 50 do Código Civil.

Assim, respeitado o entendimento diverso encabeçado por juristas de renome, imperiosa a observância do cristalino teor do art. 134, § 2º, do CPC, que admite que se requeira a desconsideração da personalidade jurídica no bojo da petição inicial.

Nesse mesmo diapasão, confiramos lição constante de julgado do E. Tribunal de Justiça de São Paulo:

O pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado na petição inicial dispensa a instauração de incidente, no entanto o sócio ou a pessoa jurídica que se pretende incluir no polo passivo deve ser citado para o oferecimento de defesa (CPC, art. 134, §2º).

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2121022-25.2022.8.26.0000; Relator (a): Rebello Pinho; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Monte Aprazível - 2ª Vara; Data do Julgamento: 01/09/2022; Data de Registro: 01/09/2022)

Desta feita, esse aresto trata, justamente, de processo executório, sendo oportuna outra ressalva que nele é apresentada: malgrado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica possa ser feito na petição inaugural, isso não afasta a necessidade de citação do sócio ou pessoa jurídica que se deseja incluir no polo passivo, para que apresente defesa.

Com isso, mais uma vez, fica claro que o fato de se admitir o pedido de desconsideração da personalidade jurídica na petição inicial não afasta a possibilidade de defesa pelos sócios ou pessoa jurídica arrolada como violadora do art. 50 do Código Civil.

Por todo exposto, entende-se que é possível o pleito de desconsideração da personalidade jurídica no bojo da petição inicial do processo de conhecimento e de execução (judicial ou extrajudicial), repise-se, com fulcro no art. 134, §2º, do Código de Processo Civil.

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Sobre o autor
Victor Hélio Paes da Silva

Advogado, Pós-Graduando em Direito Empresarial pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUCRS; Graduado em Direito pelo Ibmec-SP; Cursos de Extensão em Direito de Família pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e em Recursos Cíveis pelo Ibmec-SP. Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito Civil da OAB-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Victor Hélio Paes. Da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica sem a instauração de incidente processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7019, 19 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100202. Acesso em: 22 dez. 2024.

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