Artigo Destaque dos editores

O Conselho Nacional de Justiça e a permissibilidade da aposição de símbolos religiosos em fóruns e tribunais:

uma decisão viola a cláusula da separação Estado-Igreja e que esvazia o conteúdo do princípio constitucional da liberdade religiosa

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

Notas

01DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 55.

02CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra, Almedina, 2000, p. 1125.

03A Suprema Corte Americana, no caso School Dist. V. Schenpp (1963) rejeitou argumentos fundados no desenvolvimento moral dos cidadãos como fator de legitimação de exercícios religiosos desenvolvidos em escolas públicas.

04Para Thierry Rambaud: "Resulta dessa primeira análise que três garantias principais de um regime de separação dos cultos e do Estado podem ser identificados: a neutralidade do Estado de um ponto de vista axiológico; o igual tratamento de todas as coletividades religiosas, nenhuma podendo receber um tratamento particular que lhe seja favorável ou desfavorável (digo eu, requisito intrínseco à idéia de neutralidade axiológica, a implicar um comportamento que impeça o Estado de enviar mensagens no sentido da preleção de uma determinada crença em detrimento das demais ou das convicções de ateus e agnósticos); a incompetência do Estado para conhecer de questões religiosas e eclesiásticas e seu corolário, o reconhecimento da liberdade institucional das coletividades religiosas". RAMBAUD, Thierry. Le principe de séparation des cultes et de l´état en droit public comparé: analyse comparative des regimes français et allemand. Paris: L.G.D.J, 2004, p. 7-8.

05 "O Estado crê e confessa, considerando umas determinadas crenças como as únicas verdadeiras. Não só valora negativamente a falta de crença como também qualquer outra crença que não seja a do Estado: cuius regio eius religio". LLAMAZARES FERNANDEZ, Dionísio. Principios, tecnicas y modelos de relación entre Estado y grupos ideologicos religiosos (Confessiones religiosas) y no religiosos. Revista de Estudios Políticos, n. 88, p. 54, abr./jun. 1995.

06Sobre as dificuldades que a Suprema Corte encontrou para fazer valer tal decisum, relativo às orações escolares, Cf. RODRIGUES, Lêda Boechat. Suprema Corte dos Estados Unidos: Liberdade de Religião e Separação da Igreja e do Estado. Revista Brasileira de Estudos Políticos, São Paulo, n. 44, p. 73-102.

07Sobre o assunto, conferir: PFEFFER, Leo. Creeds in competition. New York: Harper § Brothers, 1958.

08Nos dizeres de Jónatas Machado, "...competindo as confissões religiosas no mercado das idéias como alternativas entre si, a sua igual liberdade é, a um tempo, uma conseqüência necessária e uma condição indispensável da e para a liberdade religiosa individual". MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Pré-compreensões na disciplina jurídica do fenômeno religioso. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 68, p. 176, 1992.

09A expressão livre mercado de idéias religiosas é atribuída, por Jónatas Machado, a Oliver Holmes, que se baseou, para cunhar tais dizeres, nos ensinamentos de Stuart Mills. MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva – dos direitos da verdade aos direitos dos cidadãos. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 349, 1996.

10Em outro trabalho, Jónatas Machado faz uso da expressão "mercado da concorrência espiritual". Nele, apesar de questionar a utilização de termos econômicos em tema de liberdade religiosa (temendo, com tal utilização, uma "banalização do fenômeno religioso pelos diversos operadores jurídicos, levando-os a pretender regulá-lo como se o mesmo dissesse respeito à produção e a comercialização de um bem ou de um serviço"), o autor afirma que "O que caracteriza o fenômeno religioso, em toda a sua riqueza e complexidade, é o estado de concorrência espiritual que se verifica entre os diversos movimentos, independentemente da sua dimensão. Cada um deles autocompreende-se, geralmente, como possuindo a experiência religiosa mais autêntica, pura e completa, procurando apresentar-se como tal aos olhos da comunidade. Esta depara-se, desde logo, com o facto social da pluralidade religiosa, ou seja, com uma competição entre confissões religiosas tipicamente marked based, que naturalmente requer o estabelecimento de um merco livre das idéias (free marketplace of ideas).

A analogia do mercado permite iluminar alguns aspectos da relação das confissões com o Estado, evidenciando, desde logo, que, por detrás desta jaz o problema fundamental da relação das confissões religiosas umas com as outras". MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. A Constituição e os movimentos religiosos minoritários. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 72, p. 201-203, 1996.

11GIANNELLA, Donald. Religious liberty, nonestablishment, and doctrinal development – Part II. The nonestablishment principle. Harvard Law Review, v. 81, p. 517, 1968.

12PFEFFER, Leo. Freedom and separation: america´s contribution to civilization, Journal of Church and State, v. 2, p. 105, 1960.

13WOOD JR., James E. Separation vi-à-vis accommodation: a new Direction in american church-state relation?, Journal of Church and State, p. 204, 1989.

14MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. A Constituição e os movimentos religiosos minoritários, cit., p. 229.

15LAYCOCK, Douglas. Theology scholarships, the pledge of allegiance, and religious liberty: avoiding the extremes but missing the liberty. Harvard Law Review, v. 118, p. 418-419, 2004.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

16Id. The underlying unity of separation and neutrality. Emory Law Journal, v. 46, p. 72, 1997.

17A expressão "lesão estigmática" foi cunhada por Hirsch, quando o autor aborda a questão da necessidade de se tratar com "empatia" as "classes suspeitas", excluídas social e juridicamente. HIRSCH, H. N. A theory of liberty: the Constitution and minorities. New York: Routledge, 1992. p. 194 e ss.

18A jurisprudência da Suprema Corte Americana é vacilante na matéria, levando em consideração o contexto em que inseridos os símbolos religiosos para perquirir da mensagem que eles podem enviar (se de endosso estatal, ou não). Cf: Lynch v. Donnelly 465 U.S. 668 (1984) e County of Allegheny v. ACLU 492 U.S. 573 (1989).

19Também nesse sentido o posicionamento de Jónatas Machado, que postula uma "separação simbólica" entre Estado e Igreja. MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva – dos direitos da verdade aos direitos dos cidadãos, cit., p. 359.

20 CONNOR, M. Colleen. The constitutionality of religious symbols on government property: a suggested approach. Journal of Church and State, p. 385, 1995.

21MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. A Constituição e os movimentos religiosos minoritários, cit., p. 229-230, nota de rodapé 76.

22MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Liberdade religiosa numa comunidade constitucional inclusiva – dos direitos da verdade aos direitos dos cidadãos, cit., p. 336.

23As passagens da decisão proferida pela Corte Constitucional da Bavária foram extraídas do seguinte trabalho: CAYGILL, Howard; SCOTT, Alan. The basic law versus the basic norm? The case of the Bavarian Crucifix Order. Political Studies, v. 44, n. 3, p. 507-508.

24SALAZAR SÁNCHEZ, Marta.. El "Fallo de Los Crucifijos" Del Tribunal Constitucional Federal Alemán (16 de mayo de 1995). Revista de Derecho Publico, Chile, n. 60, 1996. Também comentando este acórdão da Corte Constitucional alemã: KOMMERS, Donald. The constitucional jurisprudence of the Federal Republic of Germany. 2. ed. Duke University Press, 1997. p. 472-486.

25Art. 4 I da Lei Fundamental de Bonn: "A liberdade de crença e de consciência e a liberdade de manifestação religiosa e ideológica são invioláveis".

26CAYGILL, Howard; SCOTT, Alan. op. cit., p. 314-315.

27HABERMAS, Jürgen. Intolerance and discrimination. International Journal of Constitutional Law, v. 1, n. 1, p. 7-8, jan. 2003.

28No original: "In the West, the cognitive reorganization of the doctrines and attitudes of the major religious communities is by no means complete. The alarmist responses to the so-called ‘Crucifix’ decision by the German Constitutional Court are ample evidence of this. The court declared the decree by Bavarian Primary School authorities, according to which government schools were duty-bound to hang a crucifix in each classroom, was unconstitutional; the court found that the decree violated the principle of neutrality the state has to maintain in religious matters and contradicted the freedom of religious expression – both the positive freedom of ‘being able to live according to one’s own convictions’ and, in particular, the negative freedom of ‘being able to abstain from the cultic actions of belief one does not share’. While the majority cited the parity of churches and confessions as laid out in the German Basic Law as the basis for its judgment, the dissenting members and political opponents of the decree justified their criticism by stating that the crucifix served not as a specific symbol of the kernel of the Christian faith, but as an integral part of Western culture. Obviously, the school authorities were acting no less intolerantly than those Turkish authorities who, out of concern for the religious feelings of the Islamic population, banned the publication of an illustrated volume on Italian Renaissance paintings because it contained too many plates depicting nude women. Such actions fail to distinguish the ethical values held by a religious community from the domain in which one should apply the legal and the moral principles that govern co-existence in society as a whole".

29Id. A Constituição e os movimentos religiosos minoritários, cit., p. 228.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro

advogada. professora de pós-graduação do IDP/LFG. mestra em direito e estado pela Universidade de São Paulo. membro da ABLIRC - ass. bras. de liberdade religiosa e cidadania

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O Conselho Nacional de Justiça e a permissibilidade da aposição de símbolos religiosos em fóruns e tribunais:: uma decisão viola a cláusula da separação Estado-Igreja e que esvazia o conteúdo do princípio constitucional da liberdade religiosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1457, 28 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10039. Acesso em: 24 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos