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Alguns comentários sobre a Lei 9807/99

(proteção às testemunhas)

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01/11/1999 às 01:00
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Da Mudança do Nome Completo

Todo o nome da pessoa a ser protegida poderá ser mudado (art. 9º). Além do nome do próprio protegido, poderá ser modificado o nome completo também do cônjuge, do companheiro, dos ascendentes, dos descendentes, assim como todo dependente do protegido, desde que com ele conviva habitualmente (art. 9º, § 1º c/c art. 2º, § 1º). Porém, é preciso sempre analisar que a Lei só permite em casos excepcionais, e com consideração das características e da gravidade da coação ou da ameaça. Portanto, não será corriqueira a mudança do nome da pessoa protegida, pois a Lei estabeleceu parâmetros rígidos para se suplantar, no objetivo de mudança do nome completo. Pudera, uma vez que a mudança do nome completo de alguém pode desorganizar todo o sistema cartorário, imobiliário, financeiro, de proteção de crédito e dos consumidores, bancário e até nos órgãos públicos de segurança.

Quando menciona as características de cada caso, foi clara a preocupação da Lei com as conseqüências práticas que a mudança poderá provocar, tendo-se em vista que, apesar de poder voltar ao nome original, a mudança tende a ser perpétua, diante da possibilidade de consumação das ameaças. Diferentemente da duração do programa (dois anos, podendo ser prorrogado), a mudança do nome, em princípio, deverá ser constante, o que ratifica ainda mais a necessidade de suplantar requisitos sérios.

A Lei, implicitamente, estabeleceu a legitimidade única da própria pessoa protegida para requerer a mudança do seu nome, tendo-se em vista que o Conselho Deliberativo poderá "encaminhar o requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros públicos" (art. 9º, caput, in fine). Estabeleceu a Lei uma ordem natural para que se altere o nome da pessoa: ela mesma requer ao Conselho Deliberativo e este é quem encaminhará ao juiz. Não cabe ao Conselho Deliberativo julgar a conveniência ou não da mudança do nome, e sim ao juiz que receber o requerimento, já que a Lei fala em "encaminhamento", sem mencionar decisão alguma. Teria sido melhor se desse ao Conselho Deliberativo ao menos um "juízo de admissibilidade" do requerimento, para não enviar ao juiz dos registros públicos requerimentos totalmente vazios de fundamentos.

A Lei estabelece que o requerimento correrá em segredo de justiça e pelo rito sumaríssimo, com a prévia ouvida do Ministério Público (art. 9º, § 2º). Uma solicitação que seja decidida sem demora, com a maior pressa possível (o que pressupõe a antecipação em relação a outros pedidos), pega o ameaçador ou coator de surpresa, e é um grande reforço no sistema protetivo que, se bem usado, poderá realmente tornar bem mais difícil a tarefa de "calar" a testemunha ou vítima.

Seria interessante que as solicitações fossem feitas diretamente para um dos membros do Conselho Deliberativo (o que poderá ser regulamentado), e nem mesmo os funcionários poderiam ter acesso. É até perfeitamente possível, uma vez que não haverá problema algum de tramitação, devendo o membro que receber a solicitação avisar imediatamente os outros membros e, secretamente, decidirem a respeito.


Duração do Programa

O programa terá a duração de dois anos, sendo prorrogado pelo tempo necessário para a efetivação da proteção, em circunstâncias excepcionais e se perdurar os motivos que deram ensejo à proteção inicial, cf. art. 11, caput e parágrafo único. É preciso levar em consideração que a Lei não desejou a prorrogação do prazo, e mesmo que ainda existam os motivos, somente em casos excepcionais é que deverá ser prorrogado.

A advertência vale porque quando a própria Lei lembra da excepcionalidade, e se ela fala é porque se deve ter em mente que quer dizer que as circunstâncias deverão ser manifestas, e que não haja nenhuma dúvida de que é necessário mesmo continuar a proteger a pessoa.

Aqueles motivos que ensejaram a prisão, considerando os fundamentos básicos (ameaça ou coação à integridade física ou psicológica, dificuldade de preveni-las ou reprimi-las e importância da prova), deverão perdurar pelos longos dois anos. Em alguns casos, o suspeito que está sendo investigado pode, mesmo, deixar que a repercussão inicial arrefeça, que seu nome não seja mais cogitado pela imprensa, para depois tentar contra a vida da testemunha ou vítima. São casos de sentimentos vingativos perpétuos, onde a atividade criminosa é predeterminada e extremamente perigosa.


Do Conselho Deliberativo

Haverá um Conselho Deliberativo, especialmente para decidir sobre a admissão e exclusão de pessoas no programa protetivo, assim como decidir sobre as providências necessárias para o cumprimento do programa, sendo que todas essas decisões serão feitas pela maioria absoluta de seus membros (art. 6º, I e II, e parágrafo único). Dentro do Conselho haverá, também, órgãos com atribuições específicas a serem descritas, e esses órgãos serão sempre compostos por agentes com "formação e capacitação profissional compatíveis com suas tarefas", cf. art. 4º, § 1º, in fine.

Os membros do Conselho Deliberativo serão integrados com "representantes": a) do Ministério Público; b) do Poder Judiciário; c) de órgãos públicos e privados relacionados com a segurança pública e a defesa dos direitos humanos. Colocamos entre aspas ("representantes") porque o promotor e o juiz não são representantes, respectivamente, do Ministério Público e do Poder Judiciário... São membros, pois não representam ninguém; são os próprios Ministério Público e Poder Judiciário, equivocando-se a Lei, como de fato existe muito equívoco em relação a este detalhe. O importante mesmo é perceber que a Lei não estabeleceu a quantidade de membros do Ministério Público, do Poder Judiciário e nem representantes dos órgãos públicos e privados relacionados com a proteção dos direitos humanos, podendo existir mais de um membro e mais de um representante de cada.

Também pelo texto legal nota-se que será obrigatória a participação de representante dos órgãos privados, já que a Lei usa "e", e não "ou", não podendo existir Conselho Deliberativo sem a participação da sociedade. Cabe uma ressalva. Se em determinado Estado da federação não existir nenhum órgão privado de defesa dos direitos humanos, ainda assim entendemos necessária a composição do Conselho por membros da sociedade, mesmo que para tanto seja necessário buscar membros de um órgão de caráter nacional ou, até, de outro Estado, pois a Lei, além de ter usado a expressão indicativa de adição, privilegiou em todo momento a participação da sociedade, incitando a mesma a contribuir na proteção das vítimas e testemunhas.


Da Proteção aos Réus Colaboradores

A Lei protege o co-réu ou partícipe de forma diferente da vítima e da testemunha. Como já se disse, o programa de proteção só existe para as vítimas e as testemunhas, mas não para os co-autores e partícipes dos crimes que estão sendo investigados.

Não há inclusão em programa, com todas as conseqüências, mas sim algumas medidas especiais de segurança e proteção da sua integridade física (a Lei não fala em proteção da integridade psicológica do co-réu ou partícipe), mas somente se houver ameaça ou coação eventual ou efetiva à sua pessoa. As medidas principais serão: a) estando em prisão cautelar, deverá ficar em dependência separada dos demais presos; b) estando cumprindo pena em regime fechado, o juiz criminal determinará medidas especiais para a segurança.

Como é público e notório, as nossas penitenciárias, cadeias públicas, colônias agrícolas, industriais ou similares, casa do albergado, centro de observação, hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e cadeias públicas, quando existem realmente, estão em condições animalescas, sem nenhuma atenção séria, de modo geral, do Poder Executivo, havendo inúmeras fugas e crimes cometidos pelos fugitivos ou por aqueles que conseguiram a progressão de regime ou estão em liberdade condicional. Assim, seria até ilusão pensar em tratamento diferenciado a presos em Cadeias Públicas ou em Penitenciárias, como lembra o art. 15 da lei em análise.

Não somos tão pessimistas...

A falta de estrutura, obviamente, impedirá a realização da intenção da Lei, o que é uma lástima, mas com a previsão legal, os operadores jurídicos, com criatividade e até com muita sabedoria, saberão manter afastados os colaboradores dos demais presos (certamente taxados de "traidores", o que para o "Código Penal Informal" dos presos merece até a morte), até mesmo porque interessará à autoridade policial e à judicial a preservação do colaborador, para desvendar o crime.

A Lei estabeleceu normas penais materiais importantes, e que precisam ser bem compreendidas.

Antes de qualquer coisa, consideramos que, com a Lei 9.807/99, está superada a polêmica sobre a natureza jurídica da sentença que concede o perdão judicial. Como se sabe, existe ainda a polêmica, uns entendendo que se trata de condenação, mas sem aplicar a pena, com as conseqüências naturais de possibilidade de reincidência, custas processuais, lançamento do nome do réu no rol dos culpados e até na reparação dos danos (só não se aplicaria os efeitos principais: pena privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa), já que o art. 120 do CP diz que só não se considera o perdão judicial para a reincidência; outros entendem que se trata de sentença absolutória, sem qualquer efeito secundário, pois trataria de sentença declaratória da extinção da punibilidade. A divergência maior está entre o STJ, que até já sumulou o assunto (18), no sentido da inexistência de efeitos secundários, e o STF que, com supedâneo também nos ensinamentos de Damásio Evangelista de Jesus, ainda mantém alguns posicionamentos no sentido da existência dos efeitos secundários da sentença concessiva do perdão judicial.

A Lei, ao nosso ver, põe uma pá de cal na divergência, pois diz expressamente que o perdão judicial extingue a punibilidade, caracterizando que é uma declaração de extinção da punibilidade. Não subsiste, deste modo, qualquer efeito condenatório secundário.

Para o co-réu ou partícipe colaborador, a Lei concedeu duas benesses: o perdão judicial e a redução da pena de um terço a dois terços.

O perdão judicial só será concedido pelo juiz se o acusado for primário e tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima com a sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime (art. 13, "caput" e incisos I, II e III).

Deste dispositivo legal, podemos tirar algumas conclusões. A primeira é a que diz respeito à primariedade. Primariedade não se confunde com bons antecedentes, é bom dizer. Primário é quem, apesar de estar sendo processado criminalmente, não tem qualquer sentença penal condenatória transitada em julgado contra si. Relaciona-se com a reincidência que, ao contrário, só existe quando transita em julgado a sentença penal condenatória. Pessoa com bons antecedentes é aquela que, além de inexistir indiciamento ou processamento, tem uma conduta social imaculada, cujo comportamento demonstre que sua responsabilidade, honestidade e comportamento são aceitos moralmente. Para receber o perdão judicial, não é preciso ter bons antecedentes, mas deve ter o co-autor personalidade adequada, além dos outros requisitos subjetivos adiante mencionados.

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O legislador, intencionalmente, usou a expressão "voluntariamente", ao invés de "espontaneamente". A diferença é fundamental. Quando alguém age sem coação física ou psicológica, mas incentivada, motivada por outras pessoas, está agindo voluntariamente. Voluntário é antônimo de pressão. Se não há pressão ou coação física ou psicológica para alguém tomar alguma atitude, esta atitude será voluntária. Diferentemente, só haverá ato espontâneo se não houver incitação ou qualquer motivação. A pessoa, por si, julga conveniente tomar a atitude, e toma, sem que ninguém a incite. A propósito, leia a seguinte ementa: "Direito Penal - Furto qualificado - Tentativa - Prisão em flagrante - Confissão espontânea - Pena. O fato de ser observado por vizinhos, quando se fazia presente no interior da residência, de onde subtrai os objetos que foram apreendidos em seu poder, ao empreender fuga, não afasta a tentativa de furto; não configura a atenuante da confissão espontânea, mas confissão voluntária, se a autoria do delito já era conhecida e de parte do acusado não houve arrependimento e intenção de auxiliar a justiça. DECISÃO: Negar provimento ao recurso. Decisão unânime" (TJDF - 2a. TCr. - Acr. N. 1706296 - Rel. Juiz Joazil M. Gardes - DJ 07.06.99 - pág. 119). Vide, por exemplo, comparação com o art. 15 e o art. 65, III, b, ambos do Código Penal, já que somente a procura espontânea para minorar as conseqüências do crime, e não voluntariamente, pode gerar a atenuante, do mesmo modo que a confissão espontânea, como foi visto (art. 65, III, "d", do CP, e até o legislador originário do CPP, no art. 318, protegeu a espontaneidade, e não a voluntariedade, mesmo não mais tendo eficácia tal dispositivo).

Assim, se o legislador tivesse usado a expressão "espontaneamente", o indiciado ou o acusado, conforme o caso, só seria beneficiado se ele mesmo tomasse a atitude de colaborar com a investigação, impedindo a incitação do delegado e do juiz para que o indiciado ou acusado colaborasse. Em muitos casos, o indiciado fica recalcitrante em colaborar, e com muito jeito o delegado consegue que o mesmo colabore (sem tortura, bom dizer)... Em muitos casos, o indiciado não sabe dos benefícios que terá se colaborar com a Polícia, e o delegado, sabendo, poderá incitar o mesmo pela análise das conseqüências práticas do que a Lei diz, como a possibilidade de não dever nada para a justiça, de falta de perseguição por parte da polícia, assim como possibilidade de não cumprimento de pena em regime fechado, se houver a redução, segurando ao mesmo, com fluidez de raciocínio, que os co-autores não conseguirão atentar contra a vida do mesmo porque ele terá a ajuda da Polícia na sua proteção, além das benesses naturais de manter contado com Policiais etc. Enfim, o delegado usa da sua experiência e da sua própria autoridade para arrancar do co-réu dados importantes para o desbaratamento do fato delituoso. Nestes casos, se o legislador tivesse usado o termo "espontaneamente", seria uma lástima para tentar convencer o co-réu ou partícipe, pois os benefícios não seriam devidos.

Para o perdão judicial ser realmente concedido, necessário se faz uma colaboração efetiva. Isto quer dizer que de nada adiantará todo o esforço, a voluntariedade (e até a espontaneidade) do co-autor em ajudar na investigação, se esta colaboração não influenciar em nada na identificação dos demais co-autores ou partícipes, na recuperação total ou parcial do produto do crime e na localização da vítima com a sua integridade física preservada. É que pode acontecer do co-indiciado ou co-réu que foi capturado dar informações à autoridade responsável pela investigação, mas desta informação não se consegue nem mesmo um vestígio do produto do crime, da própria vítima e dos demais participantes da ação criminosa. Como se trata de perdão judicial, foi bem a lei ao estipular requisitos sérios para a concessão do perdão judicial, pois somente quando houver um efetivo merecimento do co-réu ou co-indiciado tal benefício será realmente concedido.

Cabe indagar sobre a cumulatividade ou alternatividade dos incisos do art. 13. Trata-se de cumulatividade, e não de alternatividade. Salvo impossibilidade de efetivação dos três requisitos, como no caso de homicídio onde não se fala em recuperação total ou parcial do produto do crime, necessário sempre que a colaboração do co-autor seja efetiva, voluntária, que ele seja primário e que desta colaboração tenha resultado a identificação dos demais participantes, a localização da vítima com sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Quando a lei fala que a vítima deverá ser localizada com sua integridade física preservada, nos parece que não quis ela vislumbrar uma vítima "sem qualquer arranhão". A intenção foi de recuperar a vítima que não tenha sofrido tortura, que não esteja correndo risco de vida, que não tenha sido machucada significativamente etc. Pode acontecer da vítima, em função de um cativeiro, no caso de seqüestro, sofra limitações físicas (desnutrição, infecção etc.) em função da falta de boa comida, ou de permanecer em local escuro ou conviver com insetos e/ou ratos. Nestes casos, nos parece que o perdão judicial ainda será devido, caso haja realmente um merecimento do co-autor, em função de que sua colaboração foi decisiva para a localização da vítima. Talvez por isso mesmo a Lei não defende a integridade psicológica da vítima como pressuposto do perdão judicial, uma vez que o estado emocional, inevitavelmente, não será o mesmo e, assim, haveria um incentivo para que o co-autor não colaborasse, sabendo-se que não conseguiria localizar a vítima com sua integridade psicológica preservada.

Mesmo com tais requisitos objetivos, a Lei, também com acerto, estabeleceu requisitos subjetivos. Dentro da visão de que a Justiça Penal é uma Justiça de casos concretos, deu ao julgador a possibilidade de não conceder o perdão judicial mesmo presente todos os requisitos subjetivos, substituindo pela redução da pena. O parágrafo único do art. 13 exige que a personalidade do possível perdoado seja conducente a merecer o perdão judicial, assim como a natureza do crime, as circunstâncias que o envolvem, a sua gravidade e, também, a repercussão social do mesmo.

Com tais requisitos subjetivos, não cabem críticas no caso de crime contra o patrimônio, onde, em uma excogitação, vislumbra-se uma quadrilha roubando vários objetos de valores, ou uma quantia significativa de um banco e, capturado um dos co-autores, este, maliciosamente, indica onde está somente parte do produto do crime e ajuda na captura dos demais co-autores, vindo a receber o perdão judicial e, assim, livre para desfrutar da outra parte... É que, nestes casos, já que a Lei exige a presença de requisitos subjetivos, o juiz saberá, mediante informações do delegado, se realmente merece o perdão judicial. Neste caso, a personalidade do co-autor impedirá o perdão judicial, merecendo somente a redução.

A Lei (art. 15) estabeleceu também redução de um a dois terços, em caso de condenação, ao "indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime". Também deste dispositivo retiram-se conclusões importantes.

Mesmo não podendo receber "perdão judicial" (caso não seja primário), o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente na investigação criminal, terá a pena reduzida. Com o texto do artigo 14, parece bem claro que mesmo que não haja localização da vítima, identificação dos demais co-autores ou partícipes e nem se recupere total ou parcialmente o produto do crime, o indiciado ou o acusado que colaborar voluntariamente com a investigação será beneficiado com a redução de um a dois terços. Nem é necessário ser primário. Isto porque no art. 14, em nenhum momento, há a exigência de que a colaboração seja "efetiva", e nem repete as expressões "desde que" utilizadas pelo art. 13 para haver o perdão judicial, e nem menção faz à primariedade, sendo proibida a interpretação contra a liberdade e contra maiores favores dado pela própria lei para se restringi-la (favorabilia amplianda, odiosa restringenda)

Portanto, para haver o perdão judicial, não é necessária apenas a colaboração. Para a extinção da punibilidade é preciso que realmente seja efetiva a colaboração e desde que tenha resultados significativos, além de merecimento pessoal diante dos requisitos subjetivos. Para a redução da pena, é necessária apenas a colaboração voluntária do co-autor, e nem mesmo foi exigido requisitos subjetivos.

Como se vê, a Lei, neste caso, pecou, uma vez que, além de desproporcional, não fez maiores exigências, não colocou os mesmos requisitos subjetivos para o merecimento do perdão judicial e nem uma eventual necessidade de não reincidência. E foi desproporcional porque reduziu a pena do crime consumado na mesma quantidade como se fosse ele uma mera tentativa (parágrafo único do art. 14, CP) ou que tenha havido um arrependimento posterior (art. 16, "in fine"), mesmo havendo consumação e até violência ou grave ameaça.

Do jeito que está, e não havendo uma nova lei acrescentando outros requisitos, haverá agente beneficiado com tamanha redução sem ter colaborado espontaneamente, que não é primário, que a colaboração não tenha ajudado em nada na investigação e que a personalidade, as circunstâncias, a natureza, a gravidade e a repercussão do crime sejam desfavoráveis. Não é justo, e pode até surgir argumentos de ordem constitucional, em função do princípio da isonomia e da proporcionalidade.

Não será difícil imaginar o constrangimento de autoridades tendo que reconhecer que houve a colaboração, mesmo sendo infrutíferos todos os gastos na investigação e com o co-autor ajudando. Também não raras vezes haverá um certo obstáculo por parte das autoridades policiais de dizerem que houve realmente a colaboração, e advogados requerendo que se reduza a termo a colaboração que será feita, para, assim, incidir a redução sem o perigo da negativa das autoridades que investigam o fato delituoso de que não houve colaboração.

Evidentemente que maior atenção exigirá das autoridades quando existirem indícios de que o co-autor, na verdade, está blefando em alguma informação. Poderá, claro, haver casos em que o participante indica local, nomes e indícios falsos, com a intenção predeterminada de alcançar a redução, sem, contudo, a vontade efetiva de colaborar. Para autoridades experientes, talvez seja fácil saber da má-fé dos co-autores, mas será sempre necessária uma atenção especial, principalmente quando o co-autor já foi devidamente esclarecido pelo advogado no que tange às benesses da Lei.

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Sobre o autor
Bruno Cezar da Luz Pontes

analista processual do Ministério Público Federal de Goiás, advogado, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Bruno Cezar Luz. Alguns comentários sobre a Lei 9807/99: (proteção às testemunhas). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1005. Acesso em: 25 abr. 2024.

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