Não é de hoje que os departamentos jurídicos das empresas já não representam mais as funções de meros administradores de contratos de escritórios de advocacia terceirizados e emissores de pareceres consultivos.
O perfil do setor jurídico corporativo evoluiu e esse mercado, atualmente, exige profissionais e gestores que acompanhem essa evolução, que contribuam para estruturar departamentos jurídicos com profundo conhecimento do negócio, que sejam participativos e integrativos, atuem preventivamente, gerem ótimos resultados, incluindo-se cada vez mais como business partner[1].
A era da Advocacia 5.0 já começou[2] e se consubstancia na humanização dos advogados, na utilização dos recursos tecnológicos (previstos na Advocacia 4.0) em favor da sociedade, no desenvolvimento do bem-estar social, convergindo esses pontos em ações estratégicas com alto índice de objetividade e de assertividade.
Para que isso ocorra, os advogados corporativos não podem estar confortáveis apenas com o domínio do conhecimento técnico-jurídico. Esse conhecimento é obrigatório, essencial. No entanto, é necessário desenvolver em seu perfil algumas soft skills[3] que são relevantes em sua atuação profissional, como empatia, inteligência emocional, proatividade, boa comunicação, multidisciplinariedade, mentalidade de crescimento e adaptabilidade.
Com efeito, é a convergência entre a expertise técnica e as habilidades comportamentais que vai levar o profissional a identificar e a solucionar os problemas de maneira colaborativa e criativa.
Ademais, o gestor jurídico atual também precisa estar conectado com os resultados tradicionais e trabalhar com projetos inovadores, viáveis, que os indicadores da sua gestão poderão fomentar. Para isso, a segurança dos dados fornecidos pelos indicadores precisa ser incontestável, bem como trazer informação que garanta que os objetivos e as metas gerenciais sejam atingíveis.
Há algum tempo, os cursos de formação e leituras sobre gestão jurídica indicavam que ter um bom software jurídico era excelente e inovador. Entretanto, o mundo foi evoluindo, a tecnologia ocupando cada vez mais espaço e, atualmente, não excelente apenas. Hoje, um software jurídico funcional é uma ferramenta essencial de trabalho. Não aquele software que funcionava como um diretório de informações e era alimentado manualmente, mas uma solução tecnológica que realmente forneça solução e que viabilize a emissão de relatórios e de indicadores necessários à gestão.
Tendo essa base fortalecida, a solução não se justifica apenas para o gerenciamento de processos do jurídico contencioso, o qual pode ter resoluções técnicas, processuais e uma gestão mais facilitada com um bom software jurídico. É preciso uma boa solução que atenda também às ações consultivas, preventivas e de compliance, que têm conquistado muito espaço e que merecem deslindes inteligentes.
Desse modo, além das softs skills e de uma boa ferramenta de solução tecnológica, o profissional que atua em departamento jurídico precisa ter ampla compreensão dos normativos, dos aspectos administrativos e das legislações que regem sua área de atuação. Este, aliás, é um dos diferenciais do jurídico interno: o alto grau de conhecimento dos profissionais sobre a entidade em que trabalham a fim de garantir segurança jurídica à alta administração nas adversidades diárias.
Por certo, os modelos de negócios tendem sempre a evoluir e a trazer, com a evolução, complexidades até então inexistentes.
Nesse contexto, podemos perceber que o insourcin[4] já vem se tornando um movimento mais expressivo que o outsourcing[5]. Se até a pouco tempo atrás, a terceirização dos assuntos jurídicos e os processos judiciais eram praticamente unanimidade entre as empresas, nos últimos anos o movimento vem sendo inverso[6].
Ressalte-se que o mundo está em uma era tecnológica, com serviços e informações ágeis e inovadoras, em uma evolução jurídica digital que já estava acontecendo e que foi potencializada e acelerada em decorrência da pandemia da covid-19.
Assim, a ideia jurídica conservadora e tradicional vem perdendo espaço gradativamente e é muito provável que não se encaixe mais no futuro das profissões jurídicas.
Inclusive, há quem diga que a profissão de advogado vai deixar de existir[7], pois será absorvida pela Inteligência Artificial e pelos softwares jurídicos com seus robôs ultramodernos e programados para elaborar qualquer tipo de petição.
Porém, há controvérsias.
Hoje, uma amplitude de oportunidades jurídicas está disponível ao profissional do Direito, além de advogar. O profissional pode optar em ser DPO[8], Compliance Pro Controller jurídico, Legal Copywriting, Head de Inovação jurídica, Empreendedor de negócios em Lawtechs, Protetor de ativos digitais, Gestor de Risco, Engenheiro e Arquiteto jurídicos, Gerenciador de Privacidade, Analista de Dados, Profissional de segurança cibernética ou de ESG[9], Especialista em proteção de propriedade intelectual, Consultor de E-discovery, Legal Design, bem como pode atuar em Marketing jurídico, dentre muitas outras possibilidades que podem mudar ou se ampliar.
Todos os dias temos novos nichos de mercado jurídico surgindo, mudanças de ideias, oportunidades, ameaças. Logo, a evolução da sociedade precisa ser acompanhada não só pelo Direito, mas também pelo mercado em geral.
Para expressar o momento corporativo atual, representando as mudanças e as evoluções, tem sido utilizado o conceito VUCA[10], acrônimo inglês que significa volatilidade (volatility), incerteza (uncertainty), complexidade (complexity) e ambiguidade (ambiguity), uma combinação de qualidades que, em conjunto, caracterizam a natureza de algumas condições e situações difíceis.
Como é sabido, a volatilidade é a velocidade com que as mudanças ocorrem. Quanto mais volátil o mundo está mais rapidamente as mudanças ocorrem, como aconteceu no mundo corporativo durante a pandemia.
Diante desse contexto mundial, os tribunais, os escritórios de advocacia e os departamentos jurídicos corporativos tiveram que lidar com um salto tecnológico veloz. Processos tornaram-se eletrônicos em velocidade muito mais acelerada, audiências e sustentações orais passaram a ser por videoconferência, despachos a serem feitos por aplicativos de mensagens, entre muitas outras transformações.
No entanto, nesse cenário, as incertezas vieram da falta de informações específicas e a insegurança, da falta de previsibilidade do futuro.
É certo que muitas das novas legislações que surgiram durante a pandemia da covid-19 não surgiriam em situação normal. Ninguém sabia quando acabaria a situação de emergência, quando os contratos celebrados poderiam ser executados ou mesmo se seriam executados. E tudo se tornou incerto.
A complexidade está na quantidade de componentes e nas relações entre eles, e nos fatores e nas variáveis que precisam ser levados em conta, visto que, quanto mais fatores, maior a variedade, e quanto mais interligados, mais complexo é o ambiente e mais difícil a análise.
A ambiguidade é a falta de clareza sobre como interpretar algo. Quanto mais ambíguo o mundo, mais complicado é interpretá-lo.
Recentemente, em um cenário de inovações e incertezas diárias, a KPMG[11] listou os cinco principais desafios para os departamentos jurídicos internos. São eles:
- Os modelos de negócios estão evoluindo rapidamente e as estruturas e as transações internacionais estão ficando mais complexas;
- A interrupção do comércio, o conflito geopolítico e a volatilidade econômica estão aumentando a incerteza dos negócios e o risco legal;
- Os procedimentos legais em massa contra empresas internacionais estão se tornando mais comuns, criando complicações operacionais transfronteiriças;
- As estruturas globais, cada vez mais complexas, estão obrigando os departamentos jurídicos a dar mais prioridade à supervisão e à governança de suas organizações, empresas e subsidiárias do grupo, e buscando apoiar o crescimento e o desenvolvimento dos negócios e das novas oportunidades de negócios;
- Todas essas demandas estão intensificando a pressão sobre os departamentos jurídicos internos para transformar seus modelos operacionais, adotar a tecnologia e o uso de dados e para considerar outras formas de aumentar seu desempenho[12].
De fato, no cenário brasileiro, estudos apontam que 92% das empresas brasileiras, por exemplo, reinventaram-se no que se refere aos modelos de negócios em razão da pandemia[13], o que faz com que toda operação, assessoria tática, estratégica e assessoria jurídica se adequem, obrigatoriamente, à nova realidade.
Com efeito, o departamento jurídico está em um cenário estratégico dentro das empresas, e não apenas como solucionador de problemas, mas como parceiro do negócio, preparado para agregar valor e participar de desafios que transcendem esse universo, analisando os riscos jurídicos e viabilizando os interesses da organização.
Assim, o departamento jurídico moderno precisa estar pronto para a inovação, para o crescimento e para a mutação dos negócios; acompanhar as ações da empresa desde o início; mitigar riscos; apresentar soluções; fornecer segurança jurídica aos atos da alta administração; atuar de forma eficaz nos processos judiciais e administrativos; facilitar o negócio da empresa. Tudo isso de forma integrada, técnica, eficiente e colaborativa.
[1] Atividade feita por um profissional capacitado que gerencia, define, alinha e implementa alternativas para pessoas com foco no negócio. Contribui para formar estratégias junto com diretores e gestores. É um trabalho de parceria, que foi ganhando espaço e principalmente credibilidade nas organizações.
[2] Disponível em: https://oabdf.org.br/wp-content/uploads/2021/12/E-book-Guia-do-Advogado-Corporativo1.pdf. Acesso em: out. 2022.
[3] Habilidades comportamentais relacionadas ao modo como o profissional lida com o outro e consigo mesmo em diferentes situações.
[4] Ação de trazer de volta à empresa esses serviços que foram terceirizados em algum momento.
[5] Terceirização de tarefas com a finalidade de diminuir gastos ou melhorar algum serviço.
[6] Esse assunto já foi objeto de algumas análises. Disponível em: https://www.ibccoaching.com.br/portal/insourcing-definicao-e-principais-diferencas-com-o-outsourcing/. Acesso em: out. 2022.
[7] Disponível em: https://veja.abril.com.br/tecnologia/advogados-sao-o-proximo-alvo-da-inteligencia-artificial/. Acesso em: out. 2022.
[8] Data Protection Officer. Profissional que, dentro de uma empresa, é encarregado de cuidar das questões referentes à proteção dos dados da organização e de seus clientes.
[9] É uma sigla em inglês que significa environmental, social and governance, e corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização.
[10] Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Volatilidade,_incerteza,_complexidade_e_ambiguidade. Acesso em: out. 2022.
[11] Uma das maiores empresas de prestação de serviços profissionais, que incluem Audit, Tax e Advisory Services. Integra o grupo de empresas chamadas de Big Four, as quatro maiores empresas multinacionais do setor. As demais são Deloitte, PricewaterhouseCoopers e Ernst & Young. Fonte: Wikipédia.
[12] Disponível em: https://home.kpmg/xx/en/home/insights/2022/07/top-five-challenges-for-in-house-legal-departments.html?li_fat_id=09b2b61d-c7d4-4a5a-a3ad-bf5b1db55469. Acesso em: out. 2022.
[13] Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2020/11/pandemia-levou-92-das-empresas-brasileiras-reinventar-seu-modelo-de-negocio-aponta-estudo.html. Acesso em: out. 2022.