SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. METODOLOGIA DE CONSTRUÇÃO DO CONCEITO OPERACIONAL: RE-EXPLICITAÇÃO E AVANÇO TAXIONÔMICO 3. DIREITO PORTUÁRIO: A CONSTRUÇÃO DE SUA CARACTERIZAÇÃO COMO RAMO DO DIREITO A PARTIR DE UM CONCEITO OPERACIONAL TÓPICO 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
RESUMO: Inicia-se o presente artigo ressaltando a importância dos acordos semânticos para a excelência na qualidade da comunicação. Na seqüência efetua-se uma re-explicitação e traz-se uma notícia do avanço taxionômico quanto à metodologia de construção de conceito operacional. Tomando o Direito Portuário como caso concreto, demonstra-se, ao final, a conveniência do estabelecimento de um conceito operacional tópico quando se deseja caracterizar com segurança um Ramo do Direito como tal.
PALAVRAS/EXPRESSÕES CHAVE: Conceito Operacional. Direito Portuário. Ramo do Direito.
1. INTRODUÇÃO
É de se reiterar que ARISTÓTELES [01] e CÍCERO [02], autores clássicos cujo respeito não se submete à sazonalidade mesmo entre os que deles divergem, ponderaram, já antes de Cristo, que numa situação comunicativa haverá tanto mais efetividade [03] para os nela envolvidos, quanto mais estas pessoas partilharem entre si os significados para as palavras e expressões estratégicas que estão escrevendo ou falando, vale dizer, sempre que estabelecem previamente um Acordo Semântico [04]. Na mesma senda de advertência estão cientistas contemporâneos, especialmente metodólogos, entre os quais destacam-se, aqui, Asti VERA [05] e David W. CARRAHER [06].
Ao fruto do Acordo Semântico denomina-se Conceito Operacional e, de fato, sempre que os Conceitos Operacionais para as Categorias – vale dizer, para as palavras ou expressões estratégicas utilizadas numa comunicação - são compartilhados entre as pessoas, as discussões, reflexões e o entendimento se tornam mais produtivos e efetivos.
Este procedimento é essencial, reitero e insisto, para quem deseja fazer Ciência de modo geral e mais especialmente (para o nosso caso) para aqueles que laboram na Ciência Jurídica em suas diversas dimensões.
Portanto, quando se ingressa no estudo sistematizado do Direito Portuário e se persegue a edificação de uma Teoria que se sustenta na sua existência inequívoca como Ramo do Direito, é indispensável a construção e proposição de seu Conceito Operacional.
Neste mister, a preliminar a equacionar é: este Conceito Operacional deve ser do tipo "formulação definitória" ou do tipo "definição tópica"?
No presente artigo, procuro explicitar objetivamente as razões da conveniência de um Conceito Operacional do tipo "definição tópica" para o DIREITO PORTUÁRIO, partindo da configuração epistemológica e metodológica do Conceito Operacional como técnica.
2. METODOLOGIA DE CONSTRUÇÃO DO CONCEITO OPERACIONAL: RE-EXPLICITAÇÃO E AVANÇO TAXIONÔMICO [07]
Nunca será demasiado reafirmar que o Cientista do Direito deve ter zelo na busca da identificação e da definição das Categorias com os quais irá trabalhar.
Quando nós estabelecemos ou propomos uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos, estamos fixando um Conceito Operacional [08]. Esta dinâmica de fixação ocorre numa perspectiva metodológica, eis que método(s) e técnica(s) são acionados.
Originariamente [09] propus que o Conceito Operacional possa ser considerado em duas espécies:
1ª - Conceito Operacional Proposto;
2ª - Conceito Operacional Legal.
O Conceito Operacional Proposto é aquele formulado doutrinariamente e cuja aceitação é livre, dependendo de uma série de fatores como: a sua logicidade e/ou a sua praticidade e/ou a sua cientificidade e/ou acatamento pela comunidade científica (às vezes por adesão ao modismo, em outras não por isto, mas sim pela sua validade intrínseca).
O Conceito Operacional Proposto pode ser de dois tipos em função de suas origens:
1º - Conceito Operacional Proposto por Adoção, que ocorre quando o Pesquisador utiliza como Conceito operacional aquele já elaborado por outro autor, caso em que, conforme determina a correta prática científica, fará a devida citação e identificação da fonte; e
2º - Conceito Operacional Proposto por Composição, que é o que resulta da elaboração do Pesquisador, seja pela utilização de idéias de outros autores (sempre referidos, evidentemente) combinadas com as do próprio Pesquisador, seja pela criação original dele.
Mantenho aqui neste artigo, em parte, os exemplos com os quais contemplei inicialmente minhas propostas para a concepção de Conceito Operacional Proposto.
O primeiro exemplo de Conceito Operacional Composto é este, clássico, de MONTESQUIEU:
"As leis na sua significação mais extensa, são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas;..." [10]
O segundo exemplo de Conceito Operacional Proposto que então trouxe à colação e reavivo aqui é este:
"consciência jurídica é a noção clara, precisa, exata, dos direitos e dos deveres que o individuo deve ter, assumindo-os e praticando-os consigo mesmo, com seus semelhantes e com a Sociedade." [11]
De outra parte, o Conceito Operacional Legal, como a sua própria denominação está a indicar é aquele estabelecido em comando jurídico normativo e, portanto, de adoção obrigatória pelos destinatários da norma e neste sentido pode-se afirmar que se trata de Conceito Operacional Impositivo.
O exemplo de Conceito Operacional Legal ou Conceito Operacional Impositivo, que apresento aqui é extraído da Lei Brasileira dos Portos ( Lei Nacional nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993), no inciso I do § 1º do artigo1º, assim versado :
"I - Porto Organizado: o construído e aparelhado para atender às necessidades da navegação, da movimentação de passageiros ou da movimentação e armazenagem de mercadorias, concedido ou explorado pela União, cujo tráfego e operações portuárias estejam sob a jurisdição de uma autoridade portuária;
Pondero ao meu Leitor que o fato de o Conceito Operacional Legal ter caráter impositivo, porque é comando jurídico normativo, não implica em que na produção e no ambiente acadêmico o Cientista não possa (ao contrário, muitas vezes ele deve) pesquisar no sentido de elaboração de Conceito Operacional mais adequado à realidade jurídico-social e, pois, mais útil à efetivação da Justiça.
Evidentemente que deve fazê-lo com o zelo que caracteriza a Pesquisa Científica de qualidade.
Prosseguindo e atualizando minhas reflexões sobre a Metodologia de construção do Conceito Operacional, percebi que esta minha taxionomia inicial estava vinculada especificamente à origem do Conceito Operacional.
Ou seja, a proposta classificatória que redundou naquelas espécies e tipos, prendia-se à procedência da definição que se estabelecia: se adotado ou se construído pelo seu Autor (Conceito Operacional Proposto por Adoção ou Conceito Operacional Proposto por Composição, respectivamente), ou se originário de Lei, porque nela estabelecido e, pois, de caráter impositivo (Conceito Operacional Legal).
Percebi, outrossim, que ainda sob o abrigo de tal critério, identifica-se mais uma espécie, na medida em que nas decisões judiciais, em muitas vezes, o Magistrado prolator apresenta Conceito Operacional para uma ou mais das categorias nas quais baseia sua sentença.
Tal nova espécie ainda sob este primeiro critério, é o Conceito Operacional Jurisprudencial, que se constitui naquele estabelecido no bojo de uma decisão judicial.
Esta espécie também se desdobra em Conceito Operacional Jurisprudencial Adotado (quando o Magistrado Prolator adota Conceito Operacional já estabelecido por um outro Autor, que será devidamente referido) e Conceito Operacional Jurisprudencial Construído (que resulta da elaboração do Magistrado, seja pela utilização de idéias de outros Autores (sempre referidos, evidentemente) combinadas com as do próprio Magistrado, seja pela criação original dele).
Em síntese, sob a tutela do critério da origem do Conceito Operacional, temos:
1º - Conceito Operacional Proposto ( por Adoção e por Construção) ;
2º - Conceito Operacional Legal;
3º - Conceito Operacional Jurisprudencial ( Adotado e Construído).
Ainda no já referido processo reflexivo que efetuei, quanto ao critério vinculador da taxionomia, acabei por alcançar um outro, qual seja : a estrutura comunicativa da definição.
Sob tal critério vinculador, desde logo se apresentam duas novas espécies:
1ª - Conceito Operacional Dissertativo;
2ª - Conceito Operacional Tópico.
Na primeira espécie a definição se apresenta como uma formulação dissertativa.
Eis um exemplo de Conceito Operacional Dissertativo:
"LEGISLAÇÃO VIGENTE. Compreende todas as leis que, adotadas pelo país, ainda se encontram em vigor, mantendo toda sua eficácia para regular a vida jurídica do país, impondo-se a todos os seus habitantes". [13]
Na segunda espécie, a definição é estruturada em tópicos com os quais se busca configurar a abrangência cognitiva da categoria que está sendo conceituada.
Eis um exemplo de Conceito Operacional Tópico:
"O direito marítimo compreende, pois, de acordo com a melhor doutrina: I- o mar e a plataforma submarina; II- o navio (sua aquisição e cessão, armamento, pessoal de bordo e respectivo estatuto, contratos de transportes de pessoas e coisas nele realizadas e contratos complementares, tais como fretamento, seguro e câmbio marítimo); III – os créditos e privilégios marítimos, inclusive a hipoteca naval; IV- os aspectos jurídicos dos acidentes de navegação e as responsabilidades decorrentes abrangendo arribada, forçada, abalroamento, naufrágio, assistência e salvamento"
Importante registrar que as classificações até aqui apresentadas têm critérios referenciais diferentes e não compatíveis entre si, o que significa a possibilidade de combinações taxionômicas, tais como, por exemplo, Conceito Operacional Tópico por Adoção e Conceito Operacional Tópico por Construção.O mesmo, também, com o Conceito Operacional Dissertativo.
Consideradas, enfim, as ponderações até aqui exaradas, passo à questão do Direito Portuário e a construção de sua caracterização como Ramo do Direito a partir de um Conceito Operacional.
3. DIREITO PORTUÁRIO: A CONSTRUÇÃO DE SUA CARACTERIZAÇÃO COMO RAMO DO DIREITO A PARTIR DE UM CONCEITO OPERACIONAL TÓPICO
Quando fui estimulado academicamente [15] a efetuar Pesquisa Científica e a me dedicar ao ensino de Direito Portuário, parti imediatamente para um levantamento bibliográfico que me permitisse conviver com as categorias, os conceitos operacionais e os raciocínios sobre este que, já então, se me parecia como um Ramo do Direito.
No primeiro contato com o Direito Portuário constatei, de imediato, quanto era escassa em quantidade (mas significativa em qualidade, desde o início fiz Justiça) a Bibliografia específica disponível.
Verifiquei, sobretudo, o quanto é fundamental compreender a já citada LEI Nº 8.630, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993, que "Dispõe sobre o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias e dá outras providências", conhecida como "Lei dos Portos", para realizar a melhor percepção geral possível do Direito Portuário Brasileiro.
Na medida em que prossegui percorrendo o difícil caminho da compreensão do Direito Portuário e, mormente, à sua caracterização diferenciadora de certos ramos do Direito (principalmente do Direito Marítimo [16]), consolidou-se em mim a convicção de que tudo me seria menos penoso se houvesse disponível um livro com lições preliminares sobre o tema, especialmente se dedicado às conceituações básicas.
Dediquei-me à elaboração de uma obra, simples, modesta, mas que fosse útil a quem desejasse se tornar um iniciante, um aprendiz do Direito Portuário, e ao fruto denominei "Lições Preliminares de Direito Portuário" [17].
A pesquisa bibliográfica que encetei deixou evidenciada a ausência de manifestações publicadas, oriundas do meio científico-acadêmico ou de fora dele, quanto ao preenchimento, ou não, da condição de Ramo autônomo do Direito por parte do Direito Portuário.
Debruçando-me sobre esta questão e após muita reflexão, conclui que o Direito Portuário é um Ramo do Direito.
Esta convicção me veio, em primeiro lugar, do fato dele preencher os requisitos básicos à sua caracterização como tal, o que é significativamente impulsionado quando o Direito Portuário é definido através de Conceito Operacional que delimite com precisão as suas fronteiras epistemo-jurídicas, vale dizer, que configure com exatidão a sua área epistemológica e estabeleça com clareza o seu território normativo jurídico.
A condição de Ramo do Direito é atribuível, com forte segurança, ao Direito Portuário, quando se assenta, num primeiro momento, um Conceito Operacional Tópico para ele e, a partir desta definição delimitadora de suas fronteiras temáticas e jurídicas, se obtém o preenchimento dos requisitos pertinentes à qualificação de um Ramo do Direito.
Sob estas premissas, procurei:
1º- compor um Conceito Operacional Tópico para o Direito Portuário; e,
2º- tendo-o disponível, verificar se o Direito Portuário preenche as condições para ser um Ramo do Direito.
Ao fim do primeiro mister acima indicado, pontuei:
" Proponho que se entenda o Direito Portuário como o Ramo do Direito que tem por objeto o disciplinamento da Exploração de Portos, das Operações Portuárias e dos Operadores Portuários, das Instalações Portuárias, da Gestão da Mão-de-obra de Trabalho Portuário Avulso, do Trabalho Portuário, e da Administração do Porto Organizado." [18]
Como se percebe, nesta minha proposta de Conceito Operacional Tópico para Direito Portuário, há dois aspectos estratégicos a ressaltar:
1º - o Direito Portuário é desde logo considerado como um Ramo do Direito;
2º - atribuo-lhe como objeto o disciplinamento de um conjunto de temas estratégicos ao seu assunto nodal que é o Porto.
Compus tal elenco sob a inspiração da matéria regrada pela já citada Lei 8630/93 [19], assim:
a)Exploração dos Portos;
b)Operações Portuárias;
c)Operadores Portuários;
d)Instalações Portuárias;
e)Gestão da Mão-de-obra de Trabalho Portuário Avulso;
f)Trabalho Portuário; e
g)Administração do Porto Organizado.
Lembro e reafirmo que há pelo menos quatro requisitos essenciais para a caracterização de um ramo autônomo do Direito, sendo que a existência de um ramo do Direito se consagra quando ele cumpre, no mínimo, o seguinte:
1º - possuir uma unidade epistemológica, quer dizer, uma unidade temática caracterizada, perfeitamente delineada, ou seja, um assunto jurídico claramente desenhado e ao qual evidentemente se dedica;
2º-esta unidade epistemológica ou esse assunto claramente definido tem uma legislação que lhe é básica em seu disciplinamento, a partir de pelo menos uma lei nuclear que preencha a condição da sua identificação absoluta, ou seja, ela trata fundamentalmente do tema que diz respeito a esta unidade epistemológica;
3º- tal unidade epistemológica claramente delineada que tem sua legislação própria, específica, básica, com lei nuclear que lhe é tematicamente exclusiva, se relaciona com outras unidades epistemológicas, vale dizer, com outros ramos do Direito, em relacionamentos visíveis, claramente demonstráveis;
4º - e, enfim, o quarto requisito consiste no fato de que todo ramo do Direito há que se nutrir permanentemente nas Fontes do Direito, sob pena de perecer caso não disponha de Lei e/ou Jurisprudência e/ou Doutrina e/ou Costumes para realimentar-se.
Como se percebe, o primeiro requisito é cumprido e isto se exibe já no Conceito Operacional Tópico que se estabeleceu para o Direito Portuário e que elenca e delimita o universo epistemológico e de regramento deste Ramo do Direito, porque ele possui uma unidade epistemológica, quer dizer, uma unidade temática caracterizada, perfeitamente delineada, ou seja, um assunto jurídico claramente desenhado e ao qual evidentemente se dedica que é o Porto, em sete (7) aspectos destacados. Repetindo:
1º Exploração dos Portos;
2º Operações Portuárias;
3º Operadores Portuários;
4º Instalações Portuárias;
5º Gestão da Mão-de-obra de Trabalho Portuário Avulso,
6ºTrabalho Portuário; e
7º Administração do Porto Organizado.
Quanto aos demais requisitos, o exame de preenchimento deles pelo Direito Portuário escapa ao fulcro do presente artigo. [20]
O que interessa aqui é ressaltar o fato de que, como se viu, é de elevada conveniência científica, optar-se pela construção e expressão de um Conceito Operacional Tópico, quando se tem pela frente o desafio da comprovação de que um Ramo de Direito o é efetivamente.
No caso concreto objeto do presente artigo, a definição tópica atribuída ao Direito Portuário foi conveniente e útil para a edificação da lógica que redundou na comprovação de sua condição de Ramo do Direito.