Sumário: 1 O anteprojeto da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. 2 O Projeto de Lei nº 10/2005 apresentado pelo Senador Pedro Simon. 3 A penhora administrativa como pré-requisito da execução fiscal. 4 Conclusões.
1 O anteprojeto da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional apresentou um anteprojeto de lei de execução fiscal administrativa, para tentar evitar o colapso total do Judiciário no âmbito das execuções fiscais, baseada nos dados estatísticos acerca da dívida ativa da União, dentre os quais destacamos os seguintes:
a)o número de execuções fiscais ajuizadas corresponde a mais de 50% dos processos judiciais, em geral, em curso no âmbito do Poder Judiciário, sendo que no âmbito da Justiça Federal essa proporção é de 38,8%;
b)os dados de 2005 revelam que a taxa média de encerramento de controvérsias em relação às novas execuções fiscais ajuizadas é inferior a 50% e apontam um crescimento de 15% de estoque de execuções em 1ª instância na Justiça Federal, havendo uma taxa de congestionamento médio de 80% nos julgamentos de 1ª instância;
c)existem 2,5 milhões de execuções judiciais no âmbito da Justiça Federal, com baixíssima taxa de impugnação, seja por meio de embargos, seja por meio de exceção de pré-executividade;
d)no âmbito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, enquanto o processo administrativo tributário leva em média 4 anos, a execução judicial leva 12 anos para findar;
e)menos de 1% do estoque de dívida ativa da União de R$ 400 bilhões (R$600 bilhões se incluída a da Previdência Social) ingressam aos cofres públicos por via de execução fiscal, bem menos do que o percentual alcançado por medidas de parcelamento (REFIS, PAES e PAEX);
f)Considerados os valores sob execução judicial e os que estão sob discussão administrativa, a dívida ativa da União atinge a cifra de R$ 900 bilhões, ou seja, 1,5 vezes a estimativa de receita da União para o exercício de 2006.
Esses dados revelam, por si só, a deficiência do sistema atual que merece ser revisto.
No entender a PGFN a convolação da execução fiscal em execução administrativa, inclusive, com o leilão extrajudicial do bem apenhado ou arrestado, contribuiria para agilizar a efetiva cobrança da dívida ativa.
Em país de jurisdição una como o nosso parece não ser possível conceber a expropriação de bens do devedor sem atuação do Judiciário. Na verdade, esse anteprojeto atribui ao Judiciário algumas das funções como por exemplo a decisão acerca da impugnação da avaliação e a fixação de percentual para penhora do faturamento bruto. Enfim, cria um sistema híbrido onde há atuação, tanto da administração, quanto do Judiciário no processo de execução fiscal.
2 O Projeto de Lei nº 10/2005 apresentado pelo Senador Pedro Simon.
De outro lado, encontramos o Projeto de Lei do Senado de nº 10/05 de iniciativa do ilustre Senador Pedro Simon, que institui a penhora administrativa em termos de faculdade da Fazenda Pública interessada. Trata-se de reapresentação do antigo projeto de lei elaborado e apresentado pelo ilustre ex-Senador Lúcio Alcântara.
Feita a penhora, com obediência à gradação e à formalidade previstas na atual LEF, Lei nº 6.830/80, o devedor apresentaria embargos perante o juiz competente. Tecnicamente nada a objetar. Tendo os embargos natureza de ação, sua apresentação não depende de prévia existência do processo de execução fiscal.
Só que em termos da mera faculdade dificilmente a penhora administrativa será efetivamente implementada pela Administração Tributária, que não tem demonstrado preocupação com o reaparelhamento das Procuradorias. Essas Procuradorias, em todas as esferas políticas, continuam carecendo de recursos materiais e pessoais. Alguns Municípios, exatamente os das Capitais, não se sabe porquê, preferem e insistem em terceirizar a cobrança da dívida ativa, que a Constituição diz constituir serviço essencial do Estado a ser executado exclusivamente por servidores exercentes de carreiras específicas (art. 37, XXII da CF). A penhora administrativa pressupõe diligências para localização de devedores e de seus bens, bem como trabalho de seleção das dívidas ativas a serem cobradas judicialmente. Tenho a impressão que tudo continuará como está até agora: grampear as certidões de dívida ativa nas petições iniciais impressas e distribuí-las aos milhares no fórum antes que prescrevam os créditos tributários.
Daí porque essa penhora administrativa deveria ser obrigatória no âmbito nacional, excluídas dessa imperiosidade apenas os Municípios que não sejam das Capitais de Estados, pois nem todos eles dispõem de órgãos administrativos tributários adequados para absolver mais essa incumbência de penhorar bens de devedores, apesar do disposto no inciso XXII, do art. 37 da CF. A execução fiscal, nos moldes atuais, deveria ser facultada apenas aos Municípios que não disponham de quadro de servidores públicos organizados em carreiras específicas voltadas para a administração tributária.
3 A penhora administrativa como pré-requisito da execução fiscal
Examinando as duas propostas legislativas, o anteprojeto da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, de um lado, que peca pelo radicalismo e, de outro lado, o Projeto de Lei do ilustre Senador Pedro Simon, que se mostra demasiadamente tímido, tivemos a idéia de promover um casamento entre as duas proposições legislativas instituindo a penhora como pré-requisito da execução fiscal. Para tanto, bastaria simples alteração ou adequação de alguns dispositivos da Lei nº 6.830/80 aproveitando-se quanto ao mais, a doutrina e a jurisprudência formadas ao longo de seus 26 nos de vigência. O prazo de embargos passaria a fluir da citação ao invés da intimação da penhora, como está na atual legislação.
O objetivo é obrigar a cobrança judicial do crédito tributário sob o prisma qualitativo. A idéia é só permitir bater às portas do Judiciário as execuções fiscais bem aparelhadas com a localização dos respectivos devedores e instruídas com os respectivos autos de penhora. A finalidade perseguida por essa propositura legislativa é acabar de vez com esse triste e inadmissível quadro bem retratado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, onde se vislumbra uma constante e progressiva acumulação de processos de execução fiscal fadados ao insucesso. A permitir esse estado de coisas, os processos de execução fiscal, que foram centralizados nos Anexos Fiscais, para não prejudicar o Judiciário como um todo, logo entrarão em colapso total e irreversível. E isso, causará um grande desgaste à imagem do Poder Judiciário, de um lado, e, de outro lado, dará pretexto ao Executivo para patrocinar leis tributárias cada vez mais truculentas, objetivando a rápida cobrança dos créditos tributários de que necessita, para o cumprimento da finalidade do Estado.
Contudo, parte dos estudiosos com que troquei idéias, não abrem mão do concurso do Judiciário para a realização do ato de constrição patrimonial do devedor. Todavia, ninguém conseguiu apresentar, até agora, uma objeção de natureza científica para sustentar a tal reserva de jurisdição, apegando-se, ao que tudo indica, à velha tradição.
A reserva de jurisdição que a Corte Suprema reconhece refere-se à prisão (ressalvada a prisão em flagrante), à invasão de domicílio (salvo para evitar cometimento de crimes), à quebra de sigilo telefônico. Quanto à expropriação de bens do devedor, o STF pela sua composição antiga entendeu, à luz da Constituição de 1988, ser constitucional os artigos 31 e 32 do Decreto-lei nº 70/66 que cuidam do leilão extrajudicial de imóveis financiados pelo Sistema Financeiro da Habitação. Entretanto, nesse particular, todos os tribunais do país vêm considerando inconstitucionais esses dispositivos. Isso porque, aquele acórdão da Corte Suprema, que considerou constitucional o leilão extrajudicial, está fundamentado nos argumentos utilizados em julgados anteriores à Constituição de 1988. Como se sabe o ‘devido processo legal’ (art. 5º, LIV da CF) não se confunde como mero ‘procedimento legal’. É preciso que as normas legais estejam em harmonia com os preceitos constitucionais, no caso, com o art. 5º, LV da CF que estabelece o princípio do contraditório e da ampla defesa em processo administrativo ou judicial.
É preciso saber inovar, ousar para dar solução a esse gravíssimo quadro representado pela montanha de processos de execuções fiscais ‘intermináveis’ (como os precatórios ‘impagáveis’). A criação dos Anexos Fiscais já resultou da necessidade de não congestionar as Varas das Fazendas Públicas e não atrapalhar o andamento de processos de outra natureza.
A excelente justificativa do culto Senador Pedro Simon, com lastro nos estudos feitos pela Associação de Magistrados Brasileiros e nas precisas lições do Professor Leon Frejda Szklarowisky, Sub-Procurador Geral da Fazenda Nacional aposentado, uma das maiores autoridades nessa matéria e um dos autores do anteprojeto que resultou na atual Lei de Execução Fiscal, Lei nº 6.830/80, demonstra, de forma irretorquível, que o ato de penhora ‘não configura atividade jurisdicional e, portanto, não necessita realizar-se sob as vistas do juiz, como ressalta, enfaticamente, o Ministro Carlos Velloso’.
É de ser lembrado que, quando a antiga lei de execução fiscal, o Decreto-lei nº 960, nos idos de 1938, instituiu a figura da inscrição do débito na divida ativa em livro próprio, na repartição fiscal, conferindo à administração tributária a faculdade de criar, unilateralmente, um título líquido e certo contra o contribuinte-devedor, nenhuma voz se levantou. Naquela época, os grandes debates jurídicos eram travados no âmbito do Direito privado que repousa no princípio da autonomia da vontade. Tudo que não for proibido por lei ou não contrariar os bons costumes é permitido. Exatamente o oposto do direito público, onde vigora o princípio da estrita legalidade. O agente público só pode agir quando, onde e como a lei prescrever.Grandes nomes do direito público só mais tarde surgiram em quantidade e com o vigor dos dias atuais.
Ironicamente, exatamente, agora, que temos o pleno domínio dos princípios de direito público como os da legalidade, da moralidade, da eficiência no serviço público, da impessoalidade, da razoabilidade etc., bem como dos poderes da administração pública como os da exigibilidade (meios de coerção indireta) e da executoriedade em algumas hipóteses (meios coercitivos diretos) a justificar até a inclusão de cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, vozes se levantam contra a penhora administrativa como mero pré-requisito para ajuizamento da execução fiscal. Mas, nenhuma objeção fazem contra a inscrição na dívida ativa, que municia a Fazenda com um título líquido e certo, passível do controle judicial apenas a posteriori, a exemplo da penhora que se pretende instituir na fase administrativa da cobrança do crédito tributário.
Aos opositores da penhora administrativa eu pergunto: a penhora de um imóvel X ordenada pelo juiz competente causa constrangimento menor ao devedor do que a penhora do mesmo imóvel X ordenada pela autoridade administrativa competente? Claro que não! A penhora efetivada por ordem da autoridade administrativa competente oferece maior dificuldade de defesa do que aquela ordenada pelo juiz competente? A resposta negativa se impõe! Então, pergunto, por que a resistência? Por que o juiz deveria ficar vigiando o ato de penhora?
O importante, o relevante juridicamente, é assegurar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Se a penhora for excessiva ou se ela não obedecer a gradação prevista na lei sempre restará ao devedor impugnar essa penhora por ocasião dos embargos, regidos pelo princípio da eventualidade.
4 Conclusões
Concluindo, a única questão jurídica que merece exame diz respeito à existência ou não da reserva de jurisdição em matéria de penhora. Já demonstramos que não há. O legislador é livre para instituir a penhora administrativa como pré-requisito da execução fiscal. Todas as discussões em torno de temas paralelos não passam de tentativas de descarrilamento do debate, para fugir da questão central, porque, por uma questão de tradição ou até mesmo de superstição, querem manter a penhora sob as vistas do juiz.
Positivamente, a penhora administrativa é a medida que se impõe neste momento até mesmo para forçar a Administração a reestruturar as Procuradorias, tanto para localização dos contribuintes devedores, como também para encontrar os bens penhoráveis. Não é, nem deve ser, função do juiz ficar investigando o paradeiro do devedor. Sabe-se que a maior responsável pela paralisação dos autos em cartório é a espera de providências da exeqüente para localização do executado ou para indicar os bens penhoráveis.
Em última análise, a morosidade, nestes casos, não é do Judiciário, mas da Fazenda exeqüente, que precisa implementar o princípio da eficiência do serviço público.