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A demissão sem justa causa vai acabar?

20/01/2023 às 17:21
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Não se trata de proibir ou não a dispensa sem justa causa do empregado. A questão é sobre como deve ocorrer a denúncia de convenção internacional.

O ano começou com essa pergunta em alta, principalmente pelo alarmismo provocado na mídia sobre o possível fim da demissão sem justa causa.

Nesse breve texto buscaremos responder a indagação do título, mas para isso é importante entendermos como a discussão aflorou, em uma visão ampla, olhando todo o contexto no qual ela está inserida.

A Organização Internacional do Trabalho - OIT – inclusive, o Brasil é um membro fundador –, firmou, em 23 de novembro de 1985, a Convenção n. 158 disciplinando sobre o Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador.

O Brasil aprovou a referida convenção através do Decreto Legislativo n. 68, de 16 de setembro de 1992, sendo ratificado em 5 de janeiro de 1995, com o início da vigência nacional um ano após a ratificação.

Porém, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso publicou o Decreto nº. 2.100, de 20 de dezembro de 1996, que fez a denúncia, pelo Brasil, da referida Convenção:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA torna público que deixará de vigorar para o Brasil, a partir de 20 de novembro de 1997, a Convenção da OIT nº 158, relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em 22 de junho de 1982, visto haver sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à Organização Internacional do Trabalho, tendo sido a denúncia registrada, por esta última, a 20 de novembro de 1996.

Por acreditar que o referido decreto deveria ser (re)ratificado pelo Congresso, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e a Central Única dos Trabalhadores ajuizaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI.

A discussão levada ao Supremo Tribunal Federal - STF ocorreu, justamente, pela realização do ato de denúncia de forma unilateral, via Decreto.

Os holofotes voltaram ao STF em decorrência do julgamento, que deverá ocorrer ainda este ano, da ADI n. 1.625 na qual discute se o Presidente da República pode realizar denúncia unilateral contra tratado internacional.

Percebemos então que a questão de mérito não se trata de proibir ou não a dispensa sem justa causa do empregado, mas sim sobre o aspecto formal de como deve ocorrer a denúncia.

Por outras palavras, através do posicionamento do STF, busca-se compreender se a denúncia pode ser realizada de forma unilateral pelo Chefe do Executivo sem a manifestação do Congresso.

Quando falamos em denúncia, estamos a falar sobre o cancelamento de um tratado internacional firmado. O STF, portanto, decidirá se o Presidente da República pode realizar esse ato sem a anuência do Congresso.

Não há regulamentação em nosso ordenamento jurídico de como proceder uma denúncia, por isso, observamos que o tema também não é pacífico na doutrina.

Enquanto alguns, por um lado, entendem que tal ato é privativo e discricionário do Presidente, outros, por outro lado, compreendem que se para realizar a ratificação de um tratado internacional é necessário a anuência do Congresso, logo, para a realização da denúncia também deveria haver a manifestação do Congresso.

Podemos concluir que, na prática, não ocorrerá nenhuma mudança nessa forma de extinção do contrato de trabalho. Saberemos, somente, se a denúncia deverá passar ou não pelo crivo do Congresso Nacional.

Ao nosso ver, o art. 49 da Constituição de 1988, ao tratar como sendo exclusiva a competência do Congresso Nacional "resolver, definitivamente, sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional", juntamente com o requisito formal para as ratificações de tratados internacionais os quais ensejam necessária manifestação do Congresso, por um raciocínio lógico, em caso de denúncia ou qualquer conduta que torne inaplicável o tratado já ratificado e internacionalizado, deverá possuir a anuência do Congresso.

Ainda, quando falamos de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos deverá ser observado o § 3º do art. 5º da Constituição de 1988 – inserida pela EC n. 45 –, o qual preconiza que tais institutos internacionais, sendo aprovados pelo Congresso Nacional, terá um status de norma constitucional, ou seja, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Sabemos que não só o nosso ordenamento jurídico, mas quase a totalidade dos Estados sofrem influência de tratados internacionais firmados. Em uma análise das garantias fundamentais (estas que são direitos humanos no plano internacional, chamadas de direitos ou garantias fundamentais quando interiorizadas) esculpidas no art. 6º da CF/88, compreendemos que um ato unilateral não poderia, quando versar sobre matéria de direitos humanos, ser utilizado. Nessa linha, compreendemos por ser obrigatório a manifestação do Congresso Nacional quanto ao tema.

Nesse sentido, a demissão sem justa causa não deixará de existir. Para que isso ocorra é imprescindível que o STF julgue a necessidade de o Congresso Nacional convalidar as denúncias realizadas pelo Presidente da República e, ainda, deverá, aquela casa, regulamentar a Convenção n. 158 da OIT.


Referências

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 jan. 2023.

________. Decreto n. 2.100, de 20 de dez. de 1996. Torna pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção da OIT nº 158 relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador. Brasília, DF: Presidência da República, [1996]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d2100.htm. Acesso em: 19 jan. 2023.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção n. 158. 1985. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236164/lang--pt/index.htm. Acesso em: 19 jan. 2023.

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Sobre o autor
Djeymes Amelio de Souza Bazzi

Advogado. Possui graduação em Direito pela Universidade de Cuiabá/MT. Mestre em Direito da Empresa e dos Negócios - UNISINOS/RS. Pós-graduado em Direito Processual - PUC/Minas. Pós-graduado em Prática Trabalhista Avançada com capacitação para o Ensino no Magistério pelo Instituto Damásio de Direito - IBMEC/SP. Pós-graduado em Direitos Humanos e Constitucional pelo Ius Gentium Conimbrigae/Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal Aplicados - Ebradi. Pós-graduando (MBA) em Direito Penal Econômico - Galícia Educação. Cofundador do escritório Bazzi Advogados. Site: www.bazziadvogados.com.br. E-mail: [email protected]

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