Após quase 3 anos de pandemia, onde aglomerações foram limitadas e consequentemente o número de festas foi reduzido, em 2023 voltaremos a ter um dos principais eventos festivos nacionais, o carnaval, que tem como características notórias a irreverência e o estado de euforia das pessoas nas festas.
É imprescindível que a diversão seja controlada para que o direito alheio não seja aviltado e para que as festividades não desencadeiem tragédias.
Neste texto listaremos de forma não exaustiva algumas condutas antijurídicas, focando principalmente em ações que violam a dignidade sexual, costumeiras em eventos com aglomerações.
De antemão, indica-se que a própria Carta Magna nacional se preocupou em resguardar a dignidade sexual, que indiscutivelmente é uma das facetas nas quais se desdobra o princípio da dignidade da pessoa humana, in verbis:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988, online)
Enquanto a Constituição preceituou como fundamento da República Federativa a proteção a dignidade da pessoa humana e, por conseguinte a dignidade sexual, coube ao Código Penal tipificar quais condutas estariam em desacordo com o regulamento, o que faz nos artigos 213 e seguintes do instituto.
Uma das situações mais costumeiras que visualizamos nos blocos de carnaval espalhados pelo Brasil é o chamado “beijo roubado”, que por muito tempo foi compreendido como conduta natural, mas que se encaixa perfeitamente na descrição dada ao artigo 215-A do Código Penal, a saber:
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Portanto, o fato de adentrar na esfera privada de outrem de maneira tão evasiva, com intenção pura e simples de satisfazer anseio próprio ou de terceiro, na melhor das hipóteses, caracterizaria o crime de importunação sexual, o que acarretará a uma pena privativa de liberdade que pode alcançar 5 anos.
Outra conduta que geralmente não é interpretada como crime pelos seus infratores é o que atualmente se chama de STEALTHING, que em tradução livre significa “furtivo”, sendo que nada mais é que o ato de tirar o preservativo durante o ato sexual sem o consentimento da outra pessoa.
Essa conduta ganhou repercussão na mídia nacional e internacional após o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, tornar este gesto um delito civil de agressão sexual, passível de indenização. Já no Brasil, o tipo que mais se encaixa na ação é a que se preceitua no artigo 215 do Código Penal, onde relata:
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Para que não haja agressão aos institutos que protegem a dignidade sexual é preciso que, além de haver o consentimento inicial, essa permissão atinja todos os atos que serão praticados, abrangendo inegavelmente a maneira de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis que os participantes (ou um deles) decide adotar.
Nesse sentido o grande doutrinador Guilherme de Souza Nucci esclarece que:
“respeitar a dignidade sexual significa tolerar a realização da sensualidade da pessoa adulta, maior de 18 anos, sem obstáculos ou entraves, desde que se faça sem violência ou grave ameaça a terceiros. Sob tal enfoque, torna-se vítima de crime contra a dignidade sexual aquele que foi coagido, física ou moralmente, a participar da satisfação da lascívia do agente, sem apresentar concordância com o ato. Pode, ainda, tornar-se ofendido aquele que, para a satisfação de outro interesse do agente, foi levado a atos sexuais não aprovados. (NUCCI, 2015, Online)”.
Existem ainda duas condutas que se tipificam no mesmo instituto, estando diretamente ligadas a situações que envolvem aglomeração, principalmente quando em consonância com o uso de drogas e bebidas alcoólicas, sendo elas, o estupro de vulnerável, que pode ser caracterizado tanto pela idade da vítima, quanto pelo seu poder de discernimento no momento do ato sexual.
Na primeira hipótese, no que se refere a idade, os tribunais entendem que se trata de critério objetivo para evidenciar a prática do delito, ou seja, independe de consentimento ou da vida pretérita da vítima, bastando que no momento do ato possua menos de 14 anos.
Todavia, não há como desprezar o fato de que se tratando de uma festa, há a possibilidade do indivíduo agir em erro, principalmente se o horário e/ou o ambiente exigir que os presentes tenham idade igual ou superior a 18 anos e a vítima nesse contexto apresentar características físicas que corroborem para o erro.
Se assim, não há que se falar em estupro, pois o erro faz com que a conduta seja considerada atípica, foi o que determinou o TJMG na seguinte decisão:
APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL - ERRO DE TIPO - OCORRÊNCIA - RECURSO PROVIDO. Se o autor pratica relações sexuais incorrendo em erro sobre a idade da vítima, circunstância esta elementar do delito de estupro de vulnerável, exclui-se o dolo de sua conduta e, consequentemente, a própria tipicidade, na medida em que não há previsão de modalidade culposa para referido crime.
(TJ-MG - APR: XXXXX80946972002 Belo Horizonte, Relator: Júlio César Lorens, Data de Julgamento: 08/06/2021, Câmaras Criminais / 5ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 16/06/2021)
Já a segunda está diretamente ligada ao uso de substâncias capazes de alterar a autodeterminação do agente, como álcool e/ou alucinógenos. Ter relações sexuais com pessoas que não conseguiriam expor uma vontade ausente de vício também pode acarretar em uma sanção penal, sendo esta:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Para ambas as ações, impõem-se penas altas, condizentes com a gravidade da conduta praticada pelo agente, tão que, quando em decorrência do estupro resultar morte, a pena privativa de liberdade poderá chegar a 30 anos, cumprida inicialmente em regime fechado, sendo este, como os demais crimes descritos nesse texto, inafiançável.
Destarte, conclui-se que, embora a folia seja legal e passageira, é mister atenção para que os resultados não sejam negativos e duradouros, e mais que isso, é muito importante que as intenções se encontrem esclarecidas para todos aqueles que participam de qualquer ato de natureza libidinosa, sempre observando e respeitando o que indica a lei.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Acesso em 13/02/2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituição/constituição.htm
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Acesso em 13/01/2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - APR: 0946972-64.2018.8.13.0024 Belo Horizonte, Relator: Júlio César Lorens, Data de Julgamento: 08/06/2021, Câmaras Criminais / 5ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 16/06/2021
NUCCI, Guilherme de Souza. Conceito E Alcance Da Dignidade Sexual. Guilherme de Souza Nucci, Online, set./2015. Acesso em: 13/02/2023 Disponível em: https://guilhermenucci.com.br/dicas/conceito-e-alcance-da-dignidade-sexual