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Tabela Price e anatocismo.

Considerações fundamentais afetas ao direito comum

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30/08/2007 às 00:00
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A Tabela Price de amortização, e não apenas ela, baseia-se na adoção sistemática da capitalização de juros compostos. Ou seja, estruturalmente admite o anatocismo como forma de equacionar uma tabela de amortizações.

1 – LEVANTANDO OS MÓVEIS

1.1 – Motivações

O presente artigo tem por fundamento inicial discutir as questões levantadas no [01] e que apareceram na também Revista Diálogo Econômico [02], as quais também são objeto de análise por parte de outros profissionais, oportunamente mencionados.

No caso do artigo de A. P. da SILVA, este apresenta discussão em torno de diferentes sistemas de amortização e procura demonstrar, em síntese, que "o Sistema Price jamais pratica o anatocismo". Logo no início do artigo, alerta o colega que, "em qualquer área de saber que se queira emitir opinião, é de fundamental importância que se defina o objeto de estudo". Fala, pois, o autor, de sistema de amortização de uma determinada dívida pelo uso do Sistema Price que traz a vantagem de parcelar o pagamento da dívida em prestações de valores iguais e sucessivos. Estando prevenidos da importância de definição do objeto do estudo é que escrevemos este artigo que, por seu conteúdo, vai se comportar como aprofundamento à posição adotada pelo mencionado autor.

Carlos Alberto GANDOLFO, no mesmo compasso, chega a dizer que "a idéia de que os bancos cobram juros capitalizados ou praticam anatocismo nas contas correntes incorporando os encargos devidos ao saldo da conta é um raciocínio primário e simplista que não corresponde com a realidade." [03]

1.2 – Os conceitos

Apesar do claro alerta que faz o autor do artigo em comento aos seus leitores, é preciso enfatizar a necessidade de definir adequadamente o objeto de análise.

Tomo o exemplo do termo anatocismo. Anatocismo, conforme o notório dicionário Aurélio, é a "capitalização dos juros de uma importância emprestada". [04] Esta definição do Aurélio está inexata (para não dizer errada) porque anatocismo não é a capitalização dos juros, mas o cálculo dos mesmos tendo por base juros lançados anteriormente à conta e não apenas o principal. [05] Mas, quando se fala em anatocismo, não é suficiente adotar um viés econômico sobre o assunto, uma vez que se requer uma simultânea análise jurídica. [06] Anatocismo, conforme o Direito, e de modo mais preciso do que o Aurélio, significa "(...) a contagem ou cobrança de juros sobre juros". [07]

Os juros, conforme o Direito, "não se capitalizam..." [08], porque, uma vez capitalizados, deixam de ser acessórios; adquirem a mesma natureza do principal. Face às considerações ora anotadas, exsurge a necessidade de precisar, não apenas o que seja anatocismo, mas, também, o que seja capitalização. [09]

A falta de uma definição mais clara do objeto pode ensejar confusões. Vamos, pois, às questões suscitadas pela discussão de tão relevante tema.

1.3 – Anatocismo e Amortização

Para demonstrar a tese, Antonio Pereira da Silva trata de especificar as diferentes regras para estabelecimento de um sistema de amortização qualquer. As regras propostas são:

a) cada prestação é formado por duas parcelas (principal e juros) .

b) O valor de cada prestação é calculado sobre o saldo devedor.

Postas em questão as duas regras propostas pelo autor, é preciso analisar com maior vagar a primeira porque esta relaciona o principal e os juros na paga de cada prestação.

Ora, os juros não podem ser pagos sem ocorrer transmutação da sua natureza acessória. [10] Juros somente podem ser pagos quando são capitalizados. Adquirem, por tal processo, o status de parcela miscível que pode ser paga na prestação. Ocorre exatamente, que a capitalização mensal dos juros impede a ocorrência da cobrança dos juros contados a partir dos juros vencidos. Para evitar que os juros se tornem vencidos, são estes cobrados mensalmente considerado o saldo devedor.

O problema do anatocismo não pode ser, portanto, isolado em relação à ocorrência da capitalização dos juros. Se os juros forem mensalmente capitalizados, o saldo devedor incorporará os juros se estes não forem pagos, como regularmente ocorre nos extratos de conta corrente e cheque especial. Aí, não se trata de uma planilha de amortização, mas, de conta corrente. Neste caso, os juros não quitados ao final do mês são capitalizados e levados para o saldo da conta do mês seguinte.

Isso não ocorre na planilha de amortização porque cada prestação é tida como elemento separado, como se tivesse autonomia e vida própria em relação ao montante. Então, a pergunta relevante é saber se as partes separadas de cada prestação retornam valor diferente de juros ao longo de um período de tempo maior.

E aí é que vem o problema.

Os juros não incidem sobre os juros de outras parcelas porque, observadas em separado, cada prestação é única. Não existe o fator composto na unidade. Na prestação não há juros compostos. A composição dos juros decorre da análise do conjunto das parcelas. [11]

Mas, mesmo que não haja dúvidas sobre o modo em que os juros são cobrados (simples ou compostos) , o mesmo ainda não pode ser dito em relação ao anatocismo. A adoção de qualquer sistema de juros compostos equivale ao anatocismo? [12]

Como antes mencionado, o anatocismo ocorre, sem a mínima sombra de dúvida, no caso do cheque especial. [13] Os juros capitalizados ao final de um mês entram no saldo da conta para o mês seguinte e servem de base de cálculo para os juros do próximo período.

Mas, numa planilha de amortização qualquer, ocorre anatocismo? [14]

É de se observar que uma das maneiras de evitar a aparência de anatocismo, no caso de parcelas inadimplidas é considerar que cada uma das parcelas inadimplidas tenha vida própria, tenha autonomia em relação ao total do débito. Os juros colam às prestações. Por tal recurso, os juros não se relacionam uns com os outros porque o saldo devedor é um compósito de prestações; não tem aparência de principal + juros. [15]

1.4 – Capitalização dos Juros

Neste contexto de reflexões, também é preciso atentar bem que existe uma proibição legal de capitalização mensal dos juros. [16] Logo, mesmo que deixemos em estado de espera a questão do anatocismo é necessário destacar que os financiamentos, inclusive os financiamentos da casa própria, praticam a cobrança de juros capitalizados mensalmente, prática vedada pelo ordenamento jurídico. [17]

Então, antes de falar em anatocismo, é preciso indicar, claramente, que os juros compostos, decorrentes da capitalização composta são o primeiro problema que deve ser enfrentado. Juros compostos são os resultantes da capitalização composta.

Mas, este assunto, apesar de ser claro, ainda não é isento de dificuldades porque as definições equivocadas levam a conclusões improcedentes. [18]

PENKUHNI [19] ao discutir a tabela Price acaba fazendo confusão. De fato, ao tratar dos juros capitalizados, baseia-se na dicionário de Maria Helena DINIZutilizando o verbete juros acumulados. [20] Ora, juros acumulados não é a mesma coisa que juros capitalizados. Os juros simples também são capitalizados! A diferença é que a capitalização composta considera mais de uma capitalização e os juros simples, apenas uma. Ou seja, juros são simples porque capitalizam-se apenas uma vez; são compostos porque a capitalização ocorre mais de uma vez. Juros acumulados é o resultado da capitalização composta mas, com ela não se confunde. [21]

E, depois, citando o dicionário de Humberto Piragibe Magalhães e Cristóvão Piragibe Tostes Malta, [22] acaba, novamente, utilizando o conceito de juros acumulados como se estes se referissem aos juros compostos. Depois de feita tal confusão, pretende, o autor, demonstrar a tese de que os juros são calculados, apenas sobre o saldo devedor.

Por conta da imprecisão em torno do que sejam juros compostos, simples e acumulados, inservíveis as conclusões a que chega PENKUHNI.

Por hora, já podemos, com segurança explicitar:

a) juros simples são os que se referem à capitalização simples, ou seja, aquela que ocorre apenas uma vez.

b) Juros compostos são aqueles que se referem à capitalização composta, ou seja, aquela que ocorre mais de uma vez.

C) O ordenamento jurídico nacional não admite a capitalização mensal dos juros. Prevê, apenas, a capitalização anual dos juros vencidos. [23]

d) O anatocismo refere-se à cobrança dos juros contando, na base de cálculo, juros de período anterior. Ou seja, os juros são calculados sobre os juros e não sobre o principal.

e) Há diferença entres os conceitos de juros compostos na análise jurídica e econômica. Do ponto de vista econômico, os juros vencidos e capitalizados após o transcurso de um ano perfazem um sistema de juros compostos com capitalização anual. Do ponto de vista jurídico, os juros vencidos podem ser cobrados anualmente sem que se dê a tal prática, o nome de juros compostos. Ou seja, ao invés de sistema de juros compostos com capitalização anual, o direito apenas prevê a cobrança de juros simples após o transcurso do ano. [24]

A questão da exigibilidade dos juros é fundamental. [25] Se os juros forem mensalmente exigidos, ocorre diluição da taxa de juros anual no componente mensal. Esta diluição se dará sob a forma exponencial por conta das capitalizações. Não se trata, pois, de cálculos de multiplicação e diminuição como normalmente se defende. Trata-se, isto sim, de decomposição da taxa de juros anual em 12 meses, em 12 capitalizações.

Ou seja, é preciso encontrar uma taxa mensal de juros capitalizados que retorne a taxa anual. Não se trata de uma taxa de juros simples, mas, composta, diluída em cada prestação mensal.

Assim, os juros serão sempre cobrados sobre o saldo devedor. Entretanto, os juros vencidos não podem ser incorporados ao saldo devedor, exceto anualmente. Esta vedação jurídica é que está em questão quando se faz análise dos sistemas de amortização. [26]

Mas, se os juros somente podem ser cobrados (capitalizados) anualmente, porque alguém deve pagá-los mensalmente? Simplesmente porque a paga mensal dos juros atende o interesse do credor. Se, por hipótese, admitimos uma taxa de juros de 10% ao ano, haveria diferença se os juros fossem capitalizados mensalmente ou anualmente?

A resposta a esta pergunta é afirmativa, conforme demonstra a tabela que segue que traz um exemplo simples de pagamento de um empréstimo de R$ 1.000,00 em 24 prestações.

CAPITALIZAÇÃO MENSAL

  juros anuais: 10%    
  principal 1.000,00 Prestação R$ 45,95

parcelas

principal amortização juros saldo
  1.000,00      
[1] 1.000,00 45,95 7,97 962,03
[2] 962,03 45,95 7,67 923,75
[3] 923,75 45,95 7,37 885,17
[4] 885,17 45,95 7,06 846,28
[5] 846,28 45,95 6,75 807,09
[6] 807,09 45,95 6,44 767,58
[7] 767,58 45,95 6,12 727,75
[8] 727,75 45,95 5,80 687,61
[9] 687,61 45,95 5,48 647,14
[10] 647,14 45,95 5,16 606,36
[11] 606,36 45,95 4,84 565,25
[12] 565,25 45,95 4,51 523,81
[13] 523,81 45,95 4,18 482,04
[14] 482,04 45,95 3,84 439,94
[15] 439,94 45,95 3,51 397,50
[16] 397,50 45,95 3,17 354,72
[17] 354,72 45,95 2,83 311,60
[18] 311,60 45,95 2,48 268,14
[19] 268,14 45,95 2,14 224,33
[20] 224,33 45,95 1,79 180,18
[21] 180,18 45,95 1,44 135,67
[22] 135,67 45,95 1,08 90,80
[23] 90,80 45,95 0,72 45,58
[24] 45,58 45,95 0,36 (0,00)
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Tabela 1: Capitalização mensal de juros

No caso do exemplo apresentado pela Tabela 1, os juros cobrados mensalmente quitariam o empréstimo com a paga de R$ 45,95 mensais. Se todavia, não houver capitalização mensal de juros, haverá saldo credor para o devedor com a paga dos mesmos R$ 45,95, conforme demonstra a Tabela 2.

CAPITALIZAÇÃO ANUAL

  juros anuais 10%      
  principal 1.000,00      

parcelas

principal amortização saldo juros capitalização
  1.000,00        
[1] 1.000,00 45,95 954,05 7,97  
[2] 954,05 45,95 908,11 7,61  
[3] 908,11 45,95 862,16 7,24  
[4] 862,16 45,95 816,21 6,87  
[5] 816,21 45,95 770,27 6,51  
[6] 770,27 45,95 724,32 6,14  
[7] 724,32 45,95 678,38 5,78  
[8] 678,38 45,95 632,43 5,41  
[9] 632,43 45,95 586,48 5,04  
[10] 586,48 45,95 540,54 4,68  
[11] 540,54 45,95 494,59 4,31  
[12] 494,59 45,95 448,64 3,94 71,51
[13] 520,15 45,95 474,21 4,15  
[14] 474,21 45,95 428,26 3,78  
[15] 428,26 45,95 382,31 3,41  
[16] 382,31 45,95 336,37 3,05  
[17] 336,37 45,95 290,42 2,68  
[18] 290,42 45,95 244,47 2,32  
[19] 244,47 45,95 198,53 1,95  
[20] 198,53 45,95 152,58 1,58  
[21] 152,58 45,95 106,63 1,22  
[22] 106,63 45,95 60,69 0,85  
[23] 60,69 45,95 14,74 0,48  
[24] 14,74 45,95 (31,21) 0,12 25,59
      (5,61)    

Tabela 2: Capitalização anual dos juros

A diferença entre as tabelas 1 e 2 pode não parecer muita coisa, apenas R$ 5,61 ao término do prazo de 2 anos. A verdadeira diferença entre estas tabelas é que apenas a segunda está juridicamente adequada.

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Sobre o autor
Marcos Kruse

Perito Judicial Cível. Bacharel em Direito. Economista. Doutorando em Direito Civil pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora (UNLZ) – Argentina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRUSE, Marcos. Tabela Price e anatocismo.: Considerações fundamentais afetas ao direito comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1520, 30 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10331. Acesso em: 18 abr. 2024.

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