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Recurso Especial nº 954.859/RS: STJ profere decisão inédita sobre a polêmica incidência da multa prevista no art.475-J do CPC.

Planger, imprecar ou aceitar e ir por diante?

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03/09/2007 às 00:00
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3) BREVÍSSIMA ANÁLISE DO PRECEDENTE DO STJ

            Ressaltamos, desde já, que tal julgado (Resp. n. 954.859/RS), por si só, é desprovido do poder de vincular os juízes quanto a seu resultado, servindo de mera orientação, com caráter incidental e não obrigatório [13].

            Não fosse esse primeiro aspecto, o julgamento Recurso Especial n. 954.859 emanou do órgão fracionário da Terceira Turma, com voto de apenas quatro Ministros (Gomes de Barros, Ari Pargendler, Menezes Direito e Castro Filho), sendo certo que a Eminente Ministra Nancy Andrighi, juíza natural de tal Colegiado, não tomou parte da decisão em ausência justificada.

            Dos quatro julgadores que participaram do emblemático leading case, um já se aposentou (Ministro Castro Filho) e outro está em vias de se tornar o próximo Ministro do Supremo Tribunal Federal (Ministro Menezes Direito), razão pela qual apenas dois Ministros (Gomes de Barros e Ari Pargendler) já externaram seu posicionamento quanto à questão e continuam compondo a Corte. Aliás, a própria Segunda Seção de direito privado [14] a qual pertence a Terceira Turma, totaliza dez julgadores, eis que abrange ainda a Quarta Turma, com mais cinco Ministros.

            Sendo assim, se mostra prematura e incorreta a afirmação de que o STJ, enquanto colegiado, defende a incidência imediata da multa prevista no preceito 475-J do CPC.

            Quanto ao mérito da decisão, se denota que o Ministro Gomes de Barros vem sendo criticado por abraçar uma interpretação de acordo com a vontade do legislador, desconsiderando as particularidades vislumbradas por parcela da doutrina, relativas à opção pela incidência imediata da multa sem qualquer tipo de intimação do devedor.

            Os ataques mais comuns são no sentido de que o Relator:

            - ignorou a presumida impossibilidade de vislumbre imediato dos autos a partir do trânsito em julgado, principalmente quando os mesmos se encontram em Tribunais Superiores, ou mesmo nos Tribunais Locais, situados nas capitais, longe do acesso das partes envolvidas;

            - responsabilizou indevidamente os advogados pela ciência do devedor em relação ao termo inicial do prazo para pagamento sob pena de multa;

            - feriu as regras inerentes à mora de obrigação personalíssima cujo início jamais poderia ser deflagrado mediante intimação que não ocorresse na pessoa do próprio obrigado, no caso, o devedor e jamais o advogado.

            Entrementes, por mais que pese sobre o Eminente Relator a pecha de magistrado avesso aos rumos doutrinários [15], temos que a primeira corrente - agora endossada pelo STJ – é a que mais se amolda ao espírito lógico da Lei 11.232/05.

            Para firmarmos posicionamento, começamos pela remissão a lição de Francesco Ferrara, que, em obra clássica [16] sobre a interpretação das leis, orienta:

            "...Relevante é o elemento espiritual, a voluntas legis, embora deduzida através das palavras do legislador (...) entender uma lei (...) é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direcções possíveis. A missão do intérprete é justamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a plenitude o seu valor, penetrar o mais que é possível (como diz Windscheid) na alma do legislador, reconstruir o pensamento legislativo.".

            Além disso, é necessário perquirir a relevância da argumentação utilizada para justificar o norte realmente apontado na lei. Assim alerta Luis Alberto Warat [17]:

            "...os juristas e práticos do direito argumentam enquanto criam teorias dogmáticas sobre o direito positivo, ou redefinem, direta ou indiretamente, as palavras da lei; ou modulam este direito positivo seguindo a sentidos determinados através dos métodos interpretativos que constroem, ou, ainda, produzem silogismos falaciosos em ordem a estabelecer uma conclusão inadequada em relação às premissas que sustentam. É preciso pensar profunda e criticamente estes temas e, afinal, iniciar uma investigação sobre os motivos pelos quais tais argumentos se afirmam convincentes, isto é, produzir uma investigação sobre a especificidade que possuem os argumentos para funcionarem como mediadores de uma mensagem significativa."

            Trazendo tais regras de interpretação para o campo do processo civil, urge racionalizar que as últimas alterações da execução devem ser analisadas tendo em vista sua finalidade precípua e o real pensamento legislativo, sem apego exacerbado ao estudo da lei à luz do absolutismo de antigos dogmas, os quais se tornaram instáveis em prol de resultados práticos exigidos pela sociedade. Sob tal aspecto, a percuciente observação de José Miguel Garcia Medina [18]:

            "Hoje, vive-se um momento de grande instabilidade no que pertine à definição dos institutos jurídico-processuais, que têm sido alterados não ao sabor de tendências dogmáticas – normalmente mais demoradas, decorrentes de intensos debates e do amadurecimento de idéias doutrinárias – mas de necessidades práticas de se resolver um problema atual, hic et nunc..."

.

            Destarte, sem demérito das substanciosas razões apresentadas pela segunda corrente, a exigência de uma nova intimação pessoal do devedor após o trânsito em julgado do comando judicial, para que só então venha a incidir a multa do 475-J, implica num retrocesso incompatível com o objetivo e a técnica do atual módulo executivo.

            A terceira corrente, que igualmente reputa necessária uma outra intimação após a exigibilidade da decisão, contudo em nome do advogado do devedor pelo diário oficial, já atraiu nossa atenção primeira, mas agora não mais nos convence, pois incorre, por via transversa, na mesma manutenção de formalismos anacrônicos em relação à nova fórmula executória.

            Com efeito, ao contrário do que possa parecer, uma simples intimação, quer pessoal, quer em nome do advogado, trata-se de ato de demorada e complicada implementação no mundo dos fatos. Nos foros das capitais, por exemplo, o período entre a subida de um recurso aos Tribunais locais ou ao STJ e ao STF, seu efetivo julgamento e a volta a comarca de origem, onde supostamente se deflagraria a nova intimação, consumiria alguns meses, período inútil em que o exeqüente seria obrigado a esperar uma vez mais, tendo já em mãos uma decisão transitada em julgado, em situação de total descompasso com a filosofia do regramento em vigor. Isso tudo sem considerar o acúmulo de serviço dos cartórios, dos serventuários da justiça e dos inúmeros incidentes advindos da implementação dessa intimação, os quais a alteração também pretendeu combater.

            Enfrentando tal parcela da controvérsia com o tino que o faz uma das maiores autoridades do direito processual civil brasileiro, o Professor José Tesheiner [19] constata, com razão, que "o trânsito em julgado ocorrerá, na maioria dos casos, em outra instância, motivo por que se poderia sustentar que o termo inicial do prazo fixado para pagamento seria o da intimação do despacho de "cumpra-se", quando do retorno dos autos. Mas isso implicaria a concessão de um prazo, que pode estender-se por vários meses, a um devedor já condenado porque deve e porque em mora".

            Outrossim, percebe-se que as objeções à incidência imediata da multa prevista no art. 475-J têm em comum a pressuposição de incapacidade técnica do advogado e a absoluta hipossuficiência da parte devedora para assumir os riscos de uma demanda. O devedor é enquadrado como um inapto desconhecedor dos rumos da jurisdição. O advogado figura como procurador relapso, de quem não se pode exigir a guarda das cópias dos processos de seu cliente (munindo-se e precavendo-se quanto à necessidade do depósito do valor devido) ou mesmo o acompanhamento dos julgamentos dos Tribunais, disponíveis quase simultaneamente pela internet e passíveis de cognição mediante contato com a respectiva seccional da OAB ou com profissionais especializados em fornecer esses dados nas sedes das Cortes estaduais e federais.

            A crítica desenfreada ao esforço do legislador às vezes ofusca a lógica. O advogado é jusperito plenamente responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa (art. 32 da Lei n. 8904/94). Cabe a ele, na qualidade de primeiro magistrado da causa, orientar a parte quanto às intempéries e conseqüências da propositura ou resistência de uma ação judicial. Admoestado dos prós e contras por seu causídico, o cliente chama para si os ônus da demanda. O sistema sempre funcionou com base nessas premissas e o advento da Lei 11.232/05 não as agride ou inova, mas tão somente as explicita.

            Nesse prisma, não se pode pensar que a eficácia da multa estipulada ope legis, sem qualquer necessidade de ingerência das partes ou do juiz, fique condicionada, para além da exigibilidade, a uma ulterior intimação, pessoal ou por via do advogado da parte devedora, ato que pode servir de prêmio à desídia do executado em adimplir a dívida. Evitando tal desvio, anuímos com Athos Gusmão Carneiro [20] na exegese de que o prazo de quinze dias previsto no preceito 475-J, passa "automaticamente a fluir, independente de qualquer intimação, da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC art. 512) se torne exeqüível, quer por haver transitado em julgado, quer porque interposto recurso sem efeito suspensivo.".

            Obviamente, a opção por tal caminho não está infensa aos problemas práticos que certamente surgirão. Como de há muito observou Couture [21], "La ley procede sobre la base de ciertas simplificaciones esquemáticas y la vida presenta diariamente problemas que no han podido entrar em la imaginación del legislador". Todavia, as possíveis anomalias encontradas em qualquer sistema não infirmam a necessidade de uma aplicação homogênea da Lei no seu específico sentido, visando criar um processo de reeducação do devedor - que já teve amplo acesso ao devido processo legal durante todo o procedimento, estimulando-o ao pronto pagamento do título judicial já passado em julgado ou atacado por recurso sem efeito suspensivo na fase de cumprimento da sentença.

            Em suma, os fundamentos das alterações legislativas sempre foram inequívocos e expressos: imprimir celeridade e credibilidade ao procedimento executivo e mudar por completo os paradigmas ideológicos tocantes à satisfação da sentença judicial. Pensar ao contrário é voltar aos problemas do passado e, como bem lembrado por Rizzo Amaral, dar sobrevida as "etapas "mortas" do processo, tal qual a que se instauraria entre o trânsito em julgado e a baixa dos autos à origem, e entre esta e a intimação, ex officio, do devedor para cumprimento da sentença transitada em julgado" [22].

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            Por fim, respondendo a pergunta proposta no título do artigo e inspirada na leitura do imortal Machado de Assis, entre planger, imprecar ou aceitar, preferimos a última opção. Com todo respeito, aceitamos que o módulo executivo passou a exigir uma postura processual proativa dos advogados e das partes, aos quais caberá a tomada de condutas compatíveis com alguém que antecipa futuros problemas ou necessidades, que é capaz de prevenir e mudar eventos ao invés de reagir a eles, fazendo com que as situações fluam com agilidade, cooperação e competência [23].


BIBLIOGRAFIA

            ALVIM, J. E. Carreira. Cumprimento da Sentença./ J.E. Carreira Alvim, Luciana Gontijo Carreira Alvim Cabral / Curitiba: Juruá, 2006.

            AMARAL, Guilherme Rizzo. "Sobre a desnecessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC", coligido em http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/060623guilherme_amaral.php., acessado em maio de 2007.

            ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 11ª. ed.

            BUENO. Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil. vol 1. 2006. SP: Saraiva.

            CARNEIRO, Athos Gusmão. Do cumprimento da sentença civil. RJ: Forense.

            COUTURE, EDUARDO JUAN. Introducción al estúdio del proceso civil. Buenos Aires: Ediciones Depalma. Segunda edición, reimpresión. 1978

            FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. 3ª.ed., Armênio Amado – Editor, Sucessor – Coimbra – 1978.

            FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. "O início do prazo para o cumprimento voluntário da sentença e a multa prevista no caput do art. 475-J do CPC", artigo coligido em Execução civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior / coordenação, Ernani Fidélis dos Santos... [et al]. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

            MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: princípios fundamentais. São Paulo: RT, 2002. Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v. 48.

            NERY JR, Nelson (et alii). Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª edição revista, ampliada e atualizada. SP: Editora: Revista dos Tribunais.

            TESHEINER, José Maria Rosa. – Execução de sentença – regime introduzido pela Lei 11.232/2005. Revista jurídica n. 343 (maio de 2006). Notadez/Fonte do direito: Porto Alegre.

            - Nova sistemática processual civil. Coord. José Maria Rosa Tesheiner – 2 ed. – Caxias do Sul, RS: Plenum, 2006.

            THEODORO JR., Humberto. As vias de execução do Código de Processo Civil Brasileiro Reformado. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil n. 12. maio/jun 2006.

            WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC (inserido pela Lei 11.232/2005). Amapar Destaques, Curitiba, 2006. http://www.amapar.com.br/docs/19070601.doc acessado em 20.08.2007.

            WARRAT, LUIS ALBERTO. Mitos e teorias na interpretação da lei. Porto Alegre: Síntese.

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Sobre o autor
Marco Antônio Ribas Pissurno

Especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PISSURNO, Marco Antônio Ribas. Recurso Especial nº 954.859/RS: STJ profere decisão inédita sobre a polêmica incidência da multa prevista no art.475-J do CPC.: Planger, imprecar ou aceitar e ir por diante?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1524, 3 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10350. Acesso em: 23 dez. 2024.

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