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Pena de morte: cláusula pétrea?

12/10/2007 às 00:00

Resumo:


  • A pena de morte é vedada pela Constituição Brasileira, exceto em casos de guerra declarada, e é considerada uma cláusula pétrea, não podendo ser abolida por emendas constitucionais.

  • Algumas correntes argumentam que as cláusulas pétreas não deveriam restringir a capacidade de autodeterminação jurídica das futuras gerações, podendo ser vistas como um ato de tirania de uma geração sobre as seguintes.

  • É possível a alteração de cláusulas pétreas por meio de uma "dupla revisão", como ocorreu em Portugal, ou por interpretação que permita a mudança de disposições específicas, desde que não se abole o núcleo essencial dos direitos e garantias individuais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É juridicamente possível, sem a manifestação do poder constituinte originário, instituir-se legalmente a pena de morte no Brasil?

Em análise superficial, a tendência seria responder negativamente. A Constituição, no art. 5º, XLVII, ‘a’, diz que não haverá penas de morte, salvo em casos de guerra declarada. Já no artigo 60, § 4º, inciso IV, há a prescrição de que não será objeto de deliberação proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais, dentre os quais se insere a vedação à pena de morte.

A proibição da pena de morte, então, faria parte das chamadas ‘cláusulas pétreas’, insuscetíveis de emenda ou reforma pelo poder constituinte derivado.

No entanto, os constitucionalistas começam a perceber que não é correto uma Constituição, por meio das cláusulas pétreas, bloquear a capacidade de autodeterminação jurídica das gerações futuras, o que seria autêntico ato de abuso de poder constituinte. As cláusulas pétreas não podem ser instrumento de tirania de uma determinada geração sobre as gerações posteriores.

O passado não pode engessar o presente e o futuro. A vontade da maioria, em um dado momento histórico, não pode ter a pretensão de guiar eternamente o agir das gerações seguintes. Note-se que as minorias de ontem podem tornar-se as maiorias do amanhã; inobstante, suas escolhas jamais poderiam prevalecer por terem sido barradas pelas cláusulas pétreas.

A preservação a todo custo das cláusulas pétreas é opção antidemocrática, pois impede que o povo (titular da soberania), diretamente ou por seus representantes, faça periodicamente as correções legislativas tão necessárias para a construção de uma sociedade mais justa. Ainda, há o perigo das cláusulas pétreas induzirem à abstração de outros valores protegidos constitucionalmente que, em determinado momento histórico, devem ter prevalência.

O jurista Vanossi refere que as cláusulas pétreas são inúteis e até contraproducentes. A função essencial do poder reformador é a de evitar o surgimento de um poder constituinte revolucionário, mas, paradoxalmente, as cláusulas pétreas fazem desaparecer essa função. Isto porque transmutam-se em fatores de instabilização do sistema constitucional, passando a condensar os anseios pela ruptura da ordem jurídica, que se torna a ser a única alternativa para a derrubada de obstáculos normativos.

A Constituição portuguesa de 1976 sofreu várias revisões, sendo despojada ao longo dos anos de muitos dos seus princípios socialistas, à exceção das cláusulas pétreas. No entanto, em certo momento, mesmo estas se tornaram incompatíveis com o momento histórico vivido e com o tratado de Maastrich.

O constitucionalista Jorge Miranda forjou, então, a teoria da dupla revisão, pela qual podia alterar-se a cláusula que determina quais são as cláusulas pétreas, mas não a matéria. Dessa forma, primeiro muda-se a redação das cláusulas que estipulam as cláusulas pétreas (‘despetrificação’) e numa segunda revisão altera-se a matéria. Foi a solução que o evoluir dos tempos e a realidade dos fatos impôs a Portugal.

Sob outro enfoque, argumenta-se que as cláusulas pétreas não poderiam impedir a alteração de disposições específicas concernentes aos direitos e garantias individuais. Com efeito, a tutela constitucional é das instituições e não de determinadas disposições casuisticamente referidas pelo poder constituinte originário, as quais poderiam ser suprimidas e alteradas desde que se mantivesse intocável o princípio que justificou sua criação.

A Constituição, no artigo 60, § 4º, inciso IV, dispõe que ‘não será objeto de deliberação proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais. A expressão ‘tendente a abolir’ deixa implícita a idéia de um conteúdo mínimo inalterável, o que, evidentemente, não se confunde com a eliminação completa dos direitos e garantias individuais.

Assim, nada impede que seja adotada a pena de morte. Afinal, com a supressão da garantia, o Brasil não deixaria de ser um país democrático.

No entanto, antes de instituir-se a pena de morte aconselhável que a matéria fosse submetida previamente à ampla consulta popular, como forma de legitimar a emenda constitucional necessária para esse fim.

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Sobre o autor
Cláudio da Silva Leiria

Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEIRIA, Cláudio Silva. Pena de morte: cláusula pétrea?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1563, 12 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10502. Acesso em: 22 dez. 2024.

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