Considere a seguinte situação: você foi surpreendido com uma citação de execução trabalhista relacionada a uma empresa da qual você foi sócio, mas sua retirada ocorreu há mais de cinco anos, e o contrato de trabalho do funcionário em questão se desenvolveu no período em que você já não fazia parte da sociedade.
Este artigo abordará a questão de sua responsabilidade como ex-sócio e examinará se, de fato, você possui obrigações perante a Justiça do Trabalho.
Durante a permanência do sócio na sociedade, ele não pode se eximir de suas responsabilidades. Mas e quanto ao sócio que se retira? A premissa estabelecida aqui parte do entendimento jurisprudencial e da legislação: o sócio retirante só responde com seus bens pessoais por débitos contraídos pela sociedade enquanto era sócio.
No entanto, há uma importante observação a ser feita: o sócio retirante também pode ser responsabilizado, de forma subsidiária, pelas obrigações trabalhistas da sociedade em reclamações ajuizadas até dois anos após a averbação da modificação do contrato, conforme estabelecido pelo art. 10-A da CLT.
Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:
I - a empresa devedora;
II - os sócios atuais; e
III - os sócios retirantes.
Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.
Da análise do artigo é necessário trazer algumas considerações:
(i) a abrangência do termo sócio retirante
Aqui, é importante destacar que o direcionamento do artigo se aplica não apenas ao sócio retirante, mas também abarca qualquer situação que resulte em mudanças na composição do quadro societário. Isso inclui a morte de um sócio, o exercício do direito de retirada, o direito de recesso e a exclusão de sócios, todos compreendidos na disposição do dispositivo acima.
(ii) a responsabilidade subsidiária
A CLT não apenas estabelece um limite de tempo, mas também delineia claramente o alcance da responsabilidade, que é, em essência, subsidiária. Isso significa que a regra primordial é que o ex-sócio detém uma responsabilidade secundária. Ou seja, será responsabilizado apenas se a empresa não cumprir com as obrigações. No entanto, é crucial observar que existe uma exceção relevante que pode resultar na definição de responsabilidade solidária. Essa exceção entra em vigor somente quando é comprovada a ocorrência de fraude durante a alteração societária, conforme expressamente previsto no parágrafo único do artigo 10-A.
(iii) averbação da modificação contratual
Retornando às observações iniciais apresentadas neste artigo, fica evidente que a segurança jurídica do empresário deve ser cuidadosamente assegurada por um advogado especializado.
A averbação da modificação contratual não apenas desencadeia o início da contagem do prazo bienal, mas também constitui um pilar fundamental para determinar o reconhecimento da responsabilidade do ex-sócio. Sem esse registro, enfrenta-se uma considerável dificuldade em comprovar a ausência de participação efetiva na sociedade.
A fim de ilustrar essa questão, o julgamento a seguir, proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho, enfatiza a importância da averbação como ponto de referência para determinar a data da retirada:
AGRAVO DE INSTRUMENTO . RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO . PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017 . RESPONSABILIDADE DO SÓCIO RETIRANTE. LIMITAÇÃO TEMPORAL. ARTIGO 1.032 DO CC. AJUIZAMENTO DA AÇÃO MAIS DE 2 (DOIS) ANOS APÓS A RETIRADA DA SÓCIA.
[...]
2. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO RETIRANTE. LIMITAÇÃO TEMPORAL. ARTIGO 1.032 DO CC. AJUIZAMENTO DA AÇÃO MAIS DE 2 (DOIS) ANOS APÓS A RETIRADA DA SÓCIA. Depreende-se, dos art. 1003 e 1032 do CCB/02, que o sócio retirante responde pelas obrigações do contrato de trabalho contraídas à época em que era sócio e, ainda, por dois anos após a sua saída do quadro societário. A jurisprudência desta Corte, antes mesmo da inovação legislativa do art. 10-A da CLT (trazida com a Lei 13.467/2017), já era pacífica no sentido de que, ajuizada a reclamação trabalhista no prazo de dois anos após a averbação da retirada do sócio no contrato social , é plenamente válida a sua responsabilização pelas obrigações da sociedade contraídas quando ele ainda a integrava. No caso dos autos , consoante se extrai do acórdão recorrido, "o contrato de trabalho da exequente perdurou de 10/04/2014 a 16/10/2017 e a retirada da sócia Juliana, agora executada, ocorreu em 09/04/2015", ao passo que a ação principal foi ajuizada somente em 06.04.2018 . Assim, uma vez que a presente reclamação trabalhista foi ajuizada após o prazo decadencial de dois anos previsto no art. 1.032 do Código Civil, resta expirado o prazo para a responsabilização da Sócia Executada. Julgados desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido.
A formalização é de extrema importância para proteger o ex-sócio de possíveis reivindicações trabalhistas que não são de sua responsabilidade.
(iv) ordem de preferência
O art. 10A estabelece ainda uma ordem de preferência, de modo que o ex-sócio não será primariamente responsabilizado; a sociedade é a principal responsável.
O benefício de ordem concedido não só resguarda o ex-sócio, como também determina o esgotamento de todas as alternativas anteriores. Isso significa que, respeitando o prazo bienal, o ex-sócio só será responsabilizado quando todas as outras opções tiverem sido esgotadas.
Conclusão
Este artigo começou apresentando um cenário muito comum na justiça do trabalho: a citação de ex-sócios às execuções trabalhistas. Revisitando as reflexões apresentadas no texto, é intuitivo concluir pela não responsabilização do ex-sócio na hipótese apresentada. No entanto, alguns cuidados precisam ser reiterados:
Acompanhe atentamente a formalização da sua retirada;
Não fique alheio aos desdobramentos após a sua saída;
Esteja atento para que, em caso de execução, a adequada responsabilização seja realizada.
Por fim, tenha sempre acompanhamento especializado, tendo em mente que a responsabilidade dos sócios dependerá da natureza das obrigações, se cíveis, trabalhistas ou tributárias. As nuances societárias e trabalhistas podem trazer grande impactos, não apenas à sociedade, mas também aos sócios.
Referências
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, 9 ago. 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm.
RALIN, Paulo. Prática trabalhista. São Paulo: Saraiva, 2019.
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Manual de direito empresarial. São Paulo: Saraiva, 2022.