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O Fundo de Pensão dos Servidores Públicos Federais (FUNPRESP).

Análise do Projeto de Lei nº 1.992/2007

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05/12/2007 às 00:00
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Capítulo IV: Do Controle e da Fiscalização.

O controle e a fiscalização da FUNPRESP ficará a cargo da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), como não poderia deixar de ser, visto tratar-se de entidade fechada de previdência complementar.

Logo, a constituição, o funcionamento, a aplicação de seu estatuto, regulamentos dos planos de benefícios, convênios de adesão e suas respectivas alterações, bem como as retiradas de patrocínio, dependerão de prévia e expressa autorização do órgão regulador e fiscalizador das entidades fechadas de previdência complementar, aplicando-se o regime disciplinar previsto no Capítulo VII da LC nº 109/01.


Capítulo V: Das Disposições Finais e Transitórias.

Em suas disposições finais e transitórias, o PL nº 1.992/2007 faculta aos Estados, Distrito Federal e Municípios, suas respectivas autarquias e fundações públicas, a adesão, na qualidade de patrocinadores, a planos de benefícios específicos da FUNPRESP que mantenham as mesmas características do plano de benefícios dos servidores da União, nos termos do estatuto da entidade e observado o disposto no art. 13 da LC nº 109/01, desde que prestadas as garantias suficientes ao pagamento das contribuições.

Segundo explicitado na exposição de motivos do projeto, essa possibilidade cria condições de obtenção de economia de escala por parte dos entes públicos, uma vez que a maior parte dos servidores estaduais, distritais e municipais percebem remuneração inferior ao teto do RGPS. Tal cenário desestimularia a iniciativa individual de criação de entidade fechada de previdência complementar pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, haja vista a ausência de condições de eficiência e a tendência de originar riscos e custos adicionais decorrentes da supervisão e controle.

Em atenção ao princípio da gestão paritária, as disposições transitórias estabelecem forma provisória de representação dos participantes e assistidos nos conselhos deliberativos e fiscal.

De acordo com o art. 24 do projeto em comento, após a autorização de funcionamento da FUNPRESP, o Presidente da República nomeará os servidores que deverão compor provisoriamente os conselho deliberativo e fiscal (representantes dos participantes e assistidos), para ocupar mandato de dois anos, durante os quais será realizada eleição direta para que os participantes e assistidos elejam os seus representantes, nos termos da LC nº 108/01.

O Ministro de Estado Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) indicarão, cada um, dois membros. Os Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados indicarão, cada um, um membro para compor o conselho deliberativo, perfazendo um total de 10 membros representantes dos participantes e assistidos.

O Procurador-Geral da República e o Presidente do Tribunal de Contas da União indicarão, cada um, dois membros para compor o conselho fiscal, em um total de quatro membros representantes dos participantes e assistidos.

Logo, o conselho deliberativo da FUNPRESP será composto por nove membros, sendo três representantes dos patrocinadores (dentre os quais será exercida a presidência mediante rodízio) três representantes dos participantes e três representantes dos assistidos. De forma análoga, o conselho fiscal da FUNPRESP, será composto por seis membros: dois representantes dos patrocinadores, dois representantes dos participantes e dois representantes dos assistidos.

As disposições transitórias prevêem a possibilidade de contratação temporária de pessoal por tempo determinado de forma a permitir a implantação da FUNPRESP, nos termos da Lei nº 8.745/93. Para tanto, considera-se como necessidade temporária de excepcional interesse público a contratação de pessoal técnico e administrativo imprescindível ao funcionamento inicial da entidade, por prazo que não poderá exceder a vinte e quatro meses.

Excepcionalmente, é autorizado um aporte da União no valor de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), a título de adiantamento de contribuições futuras, a propiciar o regular funcionamento inicial da entidade. O início de funcionamento se dará após os 120 (cento e vinte) dias que sucederem a publicação da autorização de funcionamento concedida pela SPC.

Por fim, as disposições transitórias estabelecem que a totalidade dos recursos garantidores, provisões e fundos dos planos de benefícios da FUNPRESP será administrada, mediante remuneração compatível com o preço de mercado, por instituição financeira federal, enquanto não forem contratadas as instituições que se encarregarão da administração dos recursos, na forma do art. 15 do projeto d elei em comento.

A título conclusivo, vale observar que o art. 28 do PL nº 1.992/2007 prevê a aplicação, ao regime de previdência complementar do servidor público, das disposições das Leis Complementares nº 108 e 109, de 2001. Contudo, no que toca à Lei Complementar nº 108/01, o dispositivo em comento é expresso ao referir que a sua aplicação é subsidiário, no que não colidir com o projeto de lei em apreço. Ocorre que, não obstante a ausência de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, em razão de seu quorum qualificado de aprovação, a lei complementar não pode ser derrogada por lei ordinária, o que leva-nos a crer que essa parte do projeto em apreciação será objeto de alteração durante a sua tramitação nas Casas do Congresso Nacional.


Aspectos controvertidos do Projeto de Lei nº 1.992/2007:

Sob a perspectiva do atual servidor público federal, um dos aspectos mais relevantes do presente projeto de lei é a possibilidade de sua adesão ao FUNPRESP, mediante expressa opção, de deverá ser feita nos 180 dias subsequentes ao início de funcionamento do fundo de pensão. Senão vejamos:

"Art. 3o Aplica-se o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social às aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição, observado o disposto na Lei no 10.887, de 18 de junho de 2004, aos servidores e membros referidos no caput do art. 1o desta Lei que:

(...)

II - tenham ingressado no serviço público até o dia anterior à data do início do funcionamento da entidade a que se refere o art. 4o desta Lei e que exerçam a opção prevista no § 16 do art. 40 da Constituição.

(...)

§ 6o O prazo para a opção de que trata o inciso II do caput deste artigo será de cento e oitenta dias, contados a partir da data do início do funcionamento da entidade de que trata o art. 4o desta Lei.

§ 7o A opção a que se refere o inciso II deste artigo implica renúncia irrevogável e irretratável aos direitos decorrentes das regras previdenciárias anteriores, não sendo devida pela União, suas autarquias e fundações qualquer contrapartida referente ao valor dos descontos já efetuados sobre base de contribuição acima do limite previsto no caput deste artigo." (destaques atuais)

O projeto de lei ora em análise prevê que a opção do servidor em aderir ao FUNPRESP implicará em automática, irrevogável e irretratável renúncia aos direitos decorrentes das regras previdenciárias anteriores, o que põe fim a qualquer ação judicial ajuizada contra a União, na qual o servidor esteja discutindo direitos previdenciários. A opção significa, ainda, a impossibilidade de o servidor questionar, judicial ou administrativamente, qualquer direito referente à relação previdenciária havida entre ele e a União antes de sua adesão ao regime de previdência complementar.

O dispositivo em análise, na forma em que redigida, incide em frontal violação ao § 16 do art. 40 da Constituição Federal que preceitua:

"Art. 40 - (...)

§ 16 - Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto dos §§14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data de publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar."

A norma constitucional é clara ao assegurar ao servidor o direito à opção, sem o condicionar a requisitos fixados em lei.

Na forma como cristalizada no texto constitucional, o direito do servidor que ingressou no serviço público até a data de publicação do ato que instituir a FUNPRESP em aderir ao novo fundo de pensão é incondicional, sendo vedado ao legislador infra-constitucional restringir e limitar onde o próprio constituinte não o fez.

Portanto, ao fixar o prazo de 180 dias para o exercício do direito de opção e, sobretudo, ao condicionar a adesão do servidor à FUNPRESP, à renúncia irrevogável e irretratável dos direitos decorrentes das regras previdenciárias anteriores, o projeto de lei em comento padece de insanável vício de inconstitucionalidade, pois limita e restringe o exercício de direito que a Constituição garantiu de forma incondicionada.

Mas não é só. Também sob o prisma material, a opção condicionada à renúncia de direitos possui um conteúdo de inconstitucionalidade que compromete a redação proposta pelo projeto de lei ora em análise.

Com efeito, a figura da opção condicionada à renúncia de direitos não é novidade em nosso ordenamento jurídico, inclusive no tocante à relação entre o servidor e a Administração Pública. No final de 2006, uma série de atos normativos que reestruturaram carreiras de servidores públicos do Poder Executivo condicionaram a adesão dos então servidores, à nova carreira, à expressa renúncia a direitos então adquiridos [08].

A questão ora controvertida diz respeito à licitude de a Administração impor aos seus servidores a renúncia a direitos advindos de relação previdenciária passada, como condição para adesão ao regime complementar de previdência, adesão essa, repita-se, expressa e incondicionalmente assegurada pela Constituição.

Posta nesses termos, a controvérsia expõe uma nítida inconformidade entre o objetivo do projeto de lei e seu conteúdo material. Se o objetivo da norma é dar concreção ao § 16 do art. 40 da Constituição Federal, em seus estritos termos e limites, o exercício do direito do servidor em aderir ao FUNPRESP não pode vir inexoravelmente acompanhado de sua renúncia aos direitos decorrentes da relação previdenciária passada, sob pena de desvirtuamento da própria norma Constitucional.

A União, bem como suas autarquias e fundações, não podem pretender que o servidor, ao optar por aderir ao FUNPRESP, dê aos entes patrocinadores plena quitação acerca de relação previdenciária passada, para a qual ambos (servidor e União) contribuíram.

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Na forma como proposta pelo projeto de lei em análise, a opção não constitui exercício do livre consentimento do servidor, mas, sobretudo, traz em seu bojo o conteúdo oblíquo de dar quitação plena ao Estado no tocante às regras previdenciárias anteriores, abonando o seu eventual descumprimento.

Dessa forma, verifica-se que, ao impor ao servidor a renúncia aos direitos decorrentes das regras previdenciárias anteriores, como condição de adesão ao novo regime complementar de previdência, o conteúdo da norma distanciou-se completamente do objetivo que ele deveria alcançar, qual seja: possibilitar ao servidor o livre exercício de seu direito de adesão ao regime de previdência complementar.

Ao invés de possibilitar ao servidor o direito de opção, o projeto de lei proposto tem a nítida intenção dar quitação plena e ilimitada às obrigações e deveres previdenciários da União, no tocante ao cumprimento das regras previdenciárias anteriores, em burla ao § 16 do art. 40 da Constituição Federal. O distanciamento do conteúdo da norma de seu objetivo constitui frontal violação ao princípio do devido processo legal em sua dimensão substantiva.

Vale destacar que todo ato normativo, além de preencher os pressupostos formais de legalidade e constitucionalidade, deve, de igual modo, alcançar esses mesmos pressupostos em sua dimensão subjetiva, material.

Sobre o tema, convém trazer-se a lume o que apontou o Excelentíssimo Sr. Min. CELSO DE MELO, acerca do coeficiente de razoabilidade na edição das normas, no julgamento da ADI nº 2.667-MC/DF, publicada no DJ de 16.6.2002:

"(...) Não se pode desconhecer que as normas legais devem observar, quanto ao seu conteúdo, critérios de razoabilidade, em estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do ‘substantive due process of law’ (CF, art. 5º, LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais (RTJ 160/140-145 – ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v. g.), consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno). (...)

A validade jurídico-material das manifestações do Estado, analisadas em função de seu conteúdo intrínseco, passa a depender, essencialmente, da observância de determinados requisitos que pressupõem ‘não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para a consecução dos objetivos pretendidos (...) e a necessidade de sua utilização (...)’, de tal modo que ‘Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (...)’ (GILMAR FERREIRA MENDES, ‘A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal’, in Repertório IOB de Jurisprudência, n. 23/94, p. 475)." (destaques atuais)

Ora, o objetivo da intervenção estatal de dar concreção ao § 16 do art. 40 da Constituição Federal possibilitando o direito do atual servidor em aderir ao FUNPRESP não foi cumprido. Para os servidores públicos destinatários da norma, a intervenção legislativa do estado alcançou o diverso significado substantivo de dar plena quitação aos deveres e obrigações previdenciárias da União.

Tal realidade fático-normativa acaba por eivar os §§ 6º e 7º do art. 3º do projeto de lei em comento de insanável vício de inconstitucionalidade material, por violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

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Sobre a autora
Damares Medina

Advogada, mestre em Direito e professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDINA, Damares. O Fundo de Pensão dos Servidores Públicos Federais (FUNPRESP).: Análise do Projeto de Lei nº 1.992/2007. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1617, 5 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10727. Acesso em: 19 abr. 2024.

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