6. Planos de benefício e alíquotas de contribuição
Conforme já foi anotado, de acordo com o § 15 da Constituição Federal, a FUNPRESP somente poderá oferecer aos seus participantes planos de benefício na modalidade de contribuição definida. Tal restrição não encontra fundamento nos princípios da razoabilidade e da isonomia, na medida em que os servidores irão contribuir para o seu fundo de pensão nos mesmos moldes e condições dos trabalhadores da iniciativa privada.
Ora, a restrição do tipo de plano de benefício oferecido aos servidores públicos (contribuição definida) contradiz a própria essência da previdência complementar (privada), que é por definição facultativa e opcional. A exemplo do trabalhador da iniciativa privada, ao servidor deveria ser dado o direito de escolher o seu plano de benefícios – se de contribuição definida ou de benefício definido – e não simplesmente imposto, de antemão, um tipo de plano, de forma unilateral e autoritária.
Somem-se a esse aspecto normativo-constitucional - de cerceio do direito do servidor público em escolher o seu plano de benefícios na previdência complementar, a exemplo do trabalhador na iniciativa privada - questões de ordem técnica, que contradizem a suposta tendência mundial de adoção de planos de contribuição definida.
Em artigo intitulado "Planos de Contribuição Definida: porque o Governo quer limitar os fundos de pensão dos servidores públicos", LUIZ ALBERTO DOS SANTOS 13 refuta essa ''tendência'', identificando-a como um movimento recente, focalizado nos Estados Unidos, cujas origem seriam especificamente históricas e conjunturais, ligadas a incentivos fiscais e tributários.
Segundo o autor, o plano de benefício definido tem a grande vantagem de permitir que o nível de reposição de renda idealizado pelo participante e patrocinador seja atingido de forma mais segura. Já os planos de contribuição definidas podem gerar benefícios inferiores ou superiores aos esperados, contudo, não há nenhuma segurança, em um ou em outro sentido.
LUIZ ALBERTO DOS SANTOS acentua que: "a maioria dos especialistas considera que um plano de BD é mais justo, ao considerar os fatores idade, tempo de serviço e salário, mas reduzindo a importância do salário - que no plano CD é o fator primordial. O plano BD é geralmente estruturado de modo a proporcionar um benefício relacionado ao salário final do participante, assegurando portanto um nível adequado de reposição. Já no plano CD o empregado assume o risco da inflação e depende do resultado dos investimentos para preservar o valor dos seus benefícios, produzindo grande incerteza. E, num plano BD, os riscos e resultados dos investimentos são assumidos pelo fundo de pensão (e pelo empregador); no plano CD, o risco é assumido integralmente pelo empregado. Não há nenhuma responsabilidade para os patrocinadores em caso de as reservas do plano não serem suficientes para o pagamento dos benefícios, ou no caso dos benefícios serem menores do que o esperado. " (destaques atuais)
Em conclusão, LUIZ ALBERTO DOS SANTOS destaca que: "a existência de um regime de previdência complementar não pode perder de vista que é essa a sua finalidade principal - as externalidades positivas geradas pela elevação do nível de poupança, ou a eventual redução de gastos com inativos e pensionistas, por exemplo, são apenas subprodutos que não podem ser vistos como mais importantes do que a garantia das aposentadorias em níveis adequados para os servidores que se mantém por longo período a serviço da coletividade."
Portanto, sob os aspectos constitucional e técnico, mostra-se arbitrária a imposição do plano de benefício de contribuição definida aos servidores públicos federias, o que, ao fim e ao cabo, constitui tratamento anti-isonômico dos servidores públicos, com relação aos trabalhadores da iniciativa privada.
A alíquota de contribuição é outro aspecto que merece destaque. Segundo o projeto de lei em comento, o servidor definirá a sua alíquota de contribuição, cabendo ao participante o aporte em alíquota igual, limitada ao percentual de 7,5% (sete e meio por cento) sobre a base de contribuição (valor da remuneração que exceder ao limite do RGPS).
O fundamento constitucional desse atrelamento da contribuição do participante e do patrocinador (quando entidade pública) está no § 3º do art. 202. da Constituição Federal que prevê:
"É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado."
Além disso, é razoável a fixação de um limite máximo para os aportes dos patrocinadores, já que caberá ao participante a definição da alíquota de contribuição. Certamente, não seria razoável supor-se que o patrocinador deveria arcar ilimitadamente com o percentual de contribuição definido pelo participante.
O participante poderá definir contribuição inferior ao percentual máximo de contribuição do patrocinador (7,5% - sete e meio por cento). Contudo, essa opção não é recomendada, pois o participante que optar por contribuição inferior a 7,5% (sete e meio por cento) estará perdendo dinheiro, abrindo mão de parte da contribuição obrigatória do patrocinador, sem contar com os dividendos sobre esse capital decorrentes dos investimentos de sua reserva individualizada.
Cite-se, como exemplo, a situação do servidor que definiu a alíquota de 5% (cinco por cento) de contribuição para a FUNPRESP. Nesse caso, o patrocinador também ficará obrigado a fazer um aporte de 5% (cinco por cento) sobre a base de cálculo da contribuição (valor de remuneração que ultrapassar o limite de benefícios do RGPS). Ao assim proceder, o participante estará, de plano, abrindo mão de 2,5% (dois e meio por cento), que ele teria direito sobre a sua remuneração, advindos da contribuição do patrocinador.
Vale lembrar, ainda, que o participante poderá contribuir com alíquota superior aos 7,5% (sete e meio por cento) o que ficará ao alvedrio de cada servidor que optar por investir em seu fundo de pensão, apostando no incremento do benefício a ser percebido quando do preenchimento dos requisitos a serem fixados no regulamento do plano. Lembrando que o participante não arcará com contribuição superior aos 7,5% (sete e meio por cento).
7. Impossibilidade de derrogação da Lei Complementar nº 108/2001
O presente tópico trata de um aspecto muito peculiar do projeto de lei em análise, especificamente o seu art. 28. que dispõe:
"Aplicam-se ao regime de previdência complementar a que se referem os §§ 14, 15 e 16 do art. 40. da Constituição Federal as disposições da Lei Complementar nº 108, de 2001, e, no que com essa não colidir, da Lei Complementar nº 109, de 2001." (destaques atuais)
Verifica-se que o dispositivo em análise adotou dois tratamentos distintos para a Lei Complementar nº 108/2001 e para a Lei Complementar nº 109/2001.
A LC nº 108/2001 seria integralmente aplicável.
Já a LC nº 109/2001 seria aplicada subsidiariamente, no que não colidisse com as disposições do PL nº 1.992/2007, uma vez convertido em lei, em suposta hipótese de derrogação de lei geral por lei especial.
A tentativa do PL nº 1.992/2007 em derrogar a LC nº 109/01 não encontra fundamento no ordenamento jurídico pátrio, haja vista tratarem-se de diplomas legais de diferentes estruturas normativas.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1, esgotou o tema das relações entre leis complementares e leis ordinárias. Em seu voto, o Relator, Ministro MOREIRA ALVES, foi definitivo ao concluir que não se trata de conferir suposto grau de hierarquia entre leis complementares e ordinárias, mas, sim, de atender aos diferentes quóruns de aprovação exigidos pela Constituição Federal 14.
Por ocasião do julgamento da ADC nº 1 15, o Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que são complementares apenas as normas que veiculam matéria reservada pela Constituição à lei complementar. As normas que tratam de matéria que a Constituição não reservou à lei complementar são materialmente ordinárias, ainda que tenham sido aprovadas por quórum qualificado, reservado à lei complementar. Logo, se uma norma é formalmente complementar, mas materialmente ordinária, ela pode ser alterada ou derrogada por lei ordinária.
Daí o entendimento do STF de que a Lei Complementar nº 70/91 poderia ser alterada por lei ordinária, visto tratar-se de norma formalmente complementar, mas materialmente ordinária, pois veiculava matéria que a Constituição não reservou à lei complementar, tudo conforme assentado pelo Plenário por ocasião do julgamento da ADC nº 1.
Em síntese, o quórum em si não tem o condão de transmutar a natureza jurídica da norma de ordinária para complementar, natureza jurídica que será definida pela matéria veiculada no diploma legal.
Esse não é ocaso da Lei Complementar nº 109/01 - dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências - que trata de matéria reservada expressamente pela Constituição Federal à lei complementar, nos termos do art. 202:
"O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar."
Logo, apenas outra lei complementar poderá afastar a aplicação da Lei Complementar nº 109/2001, sendo esse diploma legal integralmente aplicável aos servidores públicos participantes da FUNPRESP.
De outro turno, conclui-se que as disposições do PL nº 1.992/2007 – uma vez tenha sido o texto a provado e convertido em lei – que contrariem a LC nº 109/2001 são automaticamente inaplicáveis (e não o contrário, como pretende o projeto), haja vista a impossibilidade de lei ordinária derrogar lei complementar.
Em conclusão, é importante anotar que o presente trabalho não teve a pretensão de esgotar o tema, limitando-se a expor os pontos mais controversos do projeto de lei que pretende instituir o fundo de pensão dos servidores públicos federais. Oportunamente, serão abordados outros aspectos polêmicos como a gestão paritária e a prerrogativa exclusiva dos representantes dos patrocinadores de exercer a presidência do conselho deliberativo, bem como o tratamento tributário da FUNPRESP, haja vista tratar-se de entidade mantida por recursos públicos.
Notas
1 A integralidade garantia ao servidor público o direito de se aposentar com proventos correspondentes à última remuneração percebida em atividade.
2 O direito à paridade promovia o permanente atrelamento dos proventos ou pensões dos servidores aposentados, ou pensionistas, às remunerações percebidas pelos servidores em atividade, além de garantir a extensão, aos proventos e pensões, de todo reajuste ou aumento concedido à remuneração dos servidores em atividade, inclusive os decorrentes de reclassificação ou reestruturação das carreiras.
3 Todos inscritos nos parágrafos 14, 15 e 16 do art. 40. da Constituição Federal.
4 Esse dispositivo atende ao previsto no § 16 do art. 40. da Constituição Federal.
5 Os fatores 455 e 390 correspondem, respectivamente, ao número de contribuições anuais (treze) multiplicado pelo tempo de contribuição necessário para aposentadoria, de acordo com o Regime Próprio do art. 40. da CF. No caso dos homens: 13 x 35 = 455; no caso das mulheres: 13 x 30 = 390. Logo, quanto maior o número de contribuições, maior do fator de conversão e, consequentemente, maior o benefício especial.
6 Acerca das fundações públicas de direito privado, natureza jurídica que o projeto de lei em comento pretende conferir à FUNPRESP, vale anotar que a sua instituição pende da aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 92/2007, em tramitação no Congresso Nacional.
7 O inc. XI do art. 37. da Constituição Federal fixa o teto de remuneração dos servidores públicos federais, atualmente fixado em R$ 24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos reais).
8 A título exemplificativo, cite-se a Lei nº 11.344/06, que dispõe sobre reestruturação de carreiras, em especial na parte em que reestrutura a carreira de Magistério de 1º e 2º graus. O art. 16. do diploma normativo prevê que: "Os servidores que se aposentaram no nível 4, da Classe E, e os beneficiários de pensão cujo instituidor se encontrava nessa situação poderão perceber as vantagens relativas ao enquadramento na Classe Especial, mediante opção (...). Parágrafo único - A opção de que trata o caput implicará a renúncia das vantagens incorporadas por força do art. 184. da Lei no 1.711, de 28 de outubro de 1952, e do art. 192. da Lei no 8.112, de 12 de dezembro de 1990.
09 Essa média aritmética das remunerações utilizadas como base de incidência da contribuição previdenciária será calculada nos moldes previstos na Lei nº 10.887/04, e corresponderão a 80% de todo período contributivo a partir da competência de julho de 1994.
10 No caso dos servidores que ingressaram no serviço público até a publicação da EC nº 41/03.
11 No caso dos servidores que ingressaram no serviço público após a EC nº 41/03, mas antes do funcionamento da FUNPRESP.
12 O princípio da publicidade, na sociedade do risco e da informação, liga-se à noção de governança corporativa e de disclosure. Mostra-se necessária a transparência cada vez maior de todas as atividades e operações que envolvam interesses de terceiros, com a finalidade de minimização do risco advindo da distribuição assimétrica de informações entre os atores envolvidos, nada tendo a ver com a natureza pública da pessoa jurídica.
13 SANTOS, Luiz Alberto. Planos de Contribuição Definida: porque o Governo quer limitar os fundos de pensão dos servidores públicos , disponível em https://www.pt.org.br/assessor/Planos%20de%20Contribuição%20Definida.html em acesso de 18.9.2007
14 Nos termos do art. 69. da Constituição Federal as leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta (quorum qualificado), já as leis ordinária spodem ser aprovadas por maioria simples (maioria dos presentes).
15 STF, ADC nº 1, Relator Min. Moreira Alves, DJ de 16.6.95, Ementário nº 1.791-1.