Impossibilidade de derrogação da Lei Complementar nº 108/2001
O presente tópico trata de um aspecto muito peculiar do projeto de lei em análise, especificamente o seu art. 28 que dispõe:
"Aplicam-se ao regime de previdência complementar a que se referem os §§ 14, 15 e 16 do art. 40 da Constituição Federal as disposições da Lei Complementar nº 108, de 2001, e, no que com essa não colidir, da Lei Complementar nº 109, de 2001." (destaques atuais)
Verifica-se que o dispositivo em análise adotou dois tratamentos distintos para a Lei Complementar nº 108/2001 e para a Lei Complementar nº 109/2001.
A LC nº 108/2001 seria integralmente aplicável.
Já a LC nº 109/2001 seria aplicada subsidiariamente, no que não colidisse com as disposições do PL nº 1.992/2007, uma vez convertido em lei, em suposta hipótese de derrogação de lei geral por lei especial.
A tentativa do PL nº 1.992/2007 em derrogar a LC nº 109/01 não encontra fundamento no ordenamento jurídico pátrio, haja vista tratarem-se de diplomas legais de diferentes estruturas normativas.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1, esgotou o tema das relações entre leis complementares e leis ordinárias. Em seu voto, o Relator, Ministro MOREIRA ALVES, foi definitivo ao concluir que não se trata de conferir suposto grau de hierarquia entre leis complementares e ordinárias, mas, sim, de atender aos diferentes quóruns de aprovação exigidos pela Constituição Federal [14].
Por ocasião do julgamento da ADC nº 1 [15], o Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que são complementares apenas as normas que veiculam matéria reservada pela Constituição à lei complementar. As normas que tratam de matéria que a Constituição não reservou à lei complementar são materialmente ordinárias, ainda que tenham sido aprovadas por quórum qualificado, reservado à lei complementar. Logo, se uma norma é formalmente complementar, mas materialmente ordinária, ela pode ser alterada ou derrogada por lei ordinária.
Daí o entendimento do STF de que a Lei Complementar nº 70/91 poderia ser alterada por lei ordinária, visto tratar-se de norma formalmente complementar, mas materialmente ordinária, pois veiculava matéria que a Constituição não reservou à lei complementar, tudo conforme assentado pelo Plenário por ocasião do julgamento da ADC nº 1.
Em síntese, o quórum em si não tem o condão de transmutar a natureza jurídica da norma de ordinária para complementar, natureza jurídica que será definida pela matéria veiculada no diploma legal.
Esse não é ocaso da Lei Complementar nº 109/01 - dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências - que trata de matéria reservada expressamente pela Constituição Federal à lei complementar, nos termos do art. 202:
"O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar."
Logo, apenas outra lei complementar poderá afastar a aplicação da Lei Complementar nº 109/2001, sendo esse diploma legal integralmente aplicável aos servidores públicos participantes da FUNPRESP.
De outro turno, conclui-se que as disposições do PL nº 1.992/2007 – uma vez tenha sido o texto a provado e convertido em lei – que contrariem a LC nº 109/2001 são automaticamente inaplicáveis (e não o contrário, como pretende o projeto), haja vista a impossibilidade de lei ordinária derrogar lei complementar.
Em conclusão, é importante anotar que o presente trabalho não teve a pretensão de esgotar o tema, limitando-se a expor os pontos mais controversos do projeto de lei que pretende instituir o fundo de pensão dos servidores públicos federais. Oportunamente, serão abordados outros aspectos polêmicos como a gestão paritária e a prerrogativa exclusiva dos representantes dos patrocinadores de exercer a presidência do conselho deliberativo, bem como o tratamento tributário da FUNPRESP, haja vista tratar-se de entidade mantida por recursos públicos.
Notas
01A integralidade garantia ao servidor público o direito de se aposentar com proventos correspondentes à última remuneração percebida em atividade.
02O direito à paridade promovia o permanente atrelamento dos proventos ou pensões dos servidores aposentados, ou pensionistas, às remunerações percebidas pelos servidores em atividade, além de garantir a extensão, aos proventos e pensões, de todo reajuste ou aumento concedido à remuneração dos servidores em atividade, inclusive os decorrentes de reclassificação ou reestruturação das carreiras.
03 Todos inscritos nos parágrafos 14, 15 e 16 do art. 40 da Constituição Federal.
04 Esse dispositivo atende ao previsto no § 16 do art. 40 da Constituição Federal.
05 Os fatores 455 e 390 correspondem, respectivamente, ao número de contribuições anuais (13) multiplicado pelo tempo de contribuição necessário para aposentadoria, de acordo com o Regime Próprio do art. 40 da CF. No caso dos homens: 13 x 35 = 455; no caso das mulheres: 13 x 30 = 390. Logo, quanto maior o número de contribuições, maior do fator de conversão e, consequentemente, maior o benefício especial.
06 Acerca das fundações públicas de direito privado, natureza jurídica que o projeto de lei em comento pretende conferir à FUNPRESP, vale anotar que a sua instituição pende da aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 92/2007, em tramitação no Congresso Nacional.
07 O inc. XI do art. 37 da Constituição Federal fixa o teto de remuneração dos servidores públicos federais, atualmente fixado em R$ 24.500,00 (vinte e quatro mil e quinhentos reais).
08A título exemplificativo, cite-se a Lei nº 11.344/06, que dispõe sobre reestruturação de carreiras, em especial na parte em que reestrutura a carreira de Magistério de 1º e 2º graus. O art. 16 do diploma normativo prevê que: "Os servidores que se aposentaram no nível 4, da Classe E, e os beneficiários de pensão cujo instituidor se encontrava nessa situação poderão perceber as vantagens relativas ao enquadramento na Classe Especial, mediante opção (...). Parágrafo único - A opção de que trata o caput implicará a renúncia das vantagens incorporadas por força do art. 184 da Lei no 1.711, de 28 de outubro de 1952, e do art. 192 da Lei no 8.112, de 12 de dezembro de 1990.
09 Essa média aritmética das remunerações utilizadas como base de incidência da contribuição previdenciária será calculada nos moldes previstos na Lei nº 10.887/04, e corresponderão a 80% de todo período contributivo a partir da competência de julho de 1994.
10No caso dos servidores que ingressaram no serviço público até a publicação da EC nº 41/03.
11 No caso dos servidores que ingressaram no serviço público após a EC nº 41/03, mas antes do funcionamento da FUNPRESP.
12 O princípio da publicidade, na sociedade do risco e da informação, liga-se à noção de governança corporativa e de disclosure. Mostra-se necessária a transparência cada vez maior de todas as atividades e operações que envolvam interesses de terceiros, com a finalidade de minimização do risco advindo da distribuição assimétrica de informações entre os atores envolvidos, nada tendo a ver com a natureza pública da pessoa jurídica.
13SANTOS, Luiz Alberto. Planos de Contribuição Definida: porque o Governo quer limitar os fundos de pensão dos servidores públicos, disponível em Http://www.pt.org.br/assessor/Planos%20de%20Contribuição%20Definida.html
em acesso de 18.9.2007
14 Nos termos do art. 69 da Constituição Federal as leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta (quorum qualificado), já as leis ordinária spodem ser aprovadas por maioria simples (maioria dos presentes).
15 STF, ADC nº 1, Relator Min. Moreira Alves, DJ de 16.6.95, Ementário nº 1.791-1.