Geralmente, é tripartido o Poder do Estado: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. A finalidade dessa tripartição de Poderes por órgãos independentes é a de inibir a ação de um deles sem limitação dos outros, constituindo um verdadeiro sistema de freios e contrapesos que se subsume no princípio da independência e harmonia entre Poderes. Independência e harmonia, diz o texto do art. 2º da Constituição Federal, e não independência e autonomia, como querem alguns. Autonomia só a têm os entes políticos componentes da Federação Brasileira. O que existe é o exercício de funções típicas e atípicas por parte de cada Poder.
O Poder Legislativo, preponderantemente, exerce a função de criar normas jurídicas gerais e abstratas. Porém, existe um processo para sua formação no qual o Executivo participa, quer tomando a iniciativa de lei, quer sancionando ou vetando a proposta legislativa aprovada pelo Parlamento.
O Poder Executivo é aquele incumbido de, preponderantemente, aplicar as leis e administrar os negócios púbicos, isto é, governar.
O Poder Judiciário é aquele voltado, fundamentalmente, para a administração da justiça, mediante aplicação da lei às hipóteses de conflitos de interesses, objetivando a sua composição de forma imparcial. Não participa do processo legislativo, mas cabe-lhe a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade das leis, não as aplicando nestes casos.
Pergunta-se, nos dias atuais, há nítida separação de Poderes? Parece que não!
O Legislativo, ultimamente, tem-se ocupado mais com a função de julgar do que com o exercício de sua função típica. Perde-se um tempo enorme com as CPIs – que a nada conduzem, na maioria das vezes –, enquanto dispositivos constitucionais dependentes de regulamentação por lei complementar ou lei ordinária continuam esquecidos. Isso tem causado um vácuo legislativo danoso, refletindo na insegurança jurídica.
Por isso, o Judiciário vem atuando, pelo seu órgão de cúpula, como legislador positivo, como no recente caso de greve no setor público.
Na falta de regulamentação do art. 37, III da Constituição Federal, que garante o direito de greve "nos termos e limites da lei específica", o STF determinou a aplicação da legislação que rege a greve no setor privado (Lei nº 7.783/89).
Em outra ocasião, ante a lacuna da legislação eleitoral, a Corte Suprema decidiu que o mandato parlamentar pertence ao partido político.
Aliás, a Justiça Eleitoral vem baixando atos com força de lei para disciplinar várias matérias que, em última análise, são submetidas à sua apreciação, criando uma curiosa situação de julgar seus próprios atos.
Do Executivo, então, nem se fale. Parece concentrar os três Poderes ao mesmo tempo: legisla, julga e executa.
Tanto isso é verdade que até juristas de renome já estão concordando com o anteprojeto da Procuradora Geral da Fazenda Nacional que institui a execução fiscal administrativa, a pretexto de agilizar o processo de execução judicial, que estaria a consumir, em média, 12 anos para sua conclusão, e estaria proporcionando uma arrecadação efetiva inferior a 1% da dívida ativa sob cobrança coativa. Fico a imaginar: se a administração leva 56 meses para concluir o singelo processo administrativo tributário, no qual não há lugar para chicanas, quanto tempo levaria para concluir a fase seguinte que é a execução fiscal? Por que não faz uma breve reflexão para saber a causa da morosidade da execução fiscal? Para quem milita no fórum é fácil: a administração ajuíza execuções fiscais aos montes, sem menor critério, misturando grandes devedores, solventes e conhecidos, com pequenos devedores em lugar incerto e não sabido, ou devedores fantasmas (empresas falidas de fato).
Tudo isso é reflexo da decadência do princípio da separação de Poderes.
Hoje, até pessoas qualificadas confundem o "devido processo legal", que está no art. 5º, LIV da CF, com mero procedimento legal. Se a execução fiscal administrativa estiver regulada em lei em sentido estrito todo o resto estaria perfeito. Aos prejudicados sempre restaria o acesso ao Judiciário, que exercitaria sua função típica se provocado.
Argumentam com o sistema de execução fiscal extrajudicial estatuído pelo Decreto-Lei nº 70/66, no âmbito do sistema financeiro da habitação. Esse Decreto-Lei, gerado no ventre da Ditadura Militar, não foi recepcionado pela Carta Política de 1988. Contrariando a jurisprudência anterior, o STF (no RE 304.465-SP, Rel. Min. Carlos Velloso) decidiu, à luz da Constituição de 1988, que são inconstitucionais os artigos 31 e 32 daquele Decreto-Lei nº 70/66, por violação dos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (DJ de 24-6-2003, p. 048).
E aqui é preciso esclarecer que não estamos contra a eficiência no serviço público, que é um princípio constitucional que rege a administração pública. A eficiência, a agilidade, a produtividade hão de ser buscadas dentro dos limites da ordem jurídica global. E já existem mecanismos para a busca desses valores. É só começar a aplicar a Lei de Responsabilidade Fiscal, que define os requisitos essenciais na gestão fiscal, reprimindo o sucateamento da administração tributária, que a Constituição diz configurar serviço público essencial ao funcionamento do Estado (art. 37, XXII); aplicar a Lei nº 8.429/92, que definem como ato de improbidade administrativa a negligência na arrecadação tributária e a omissão na prática de ato de oficio, que caracteriza também o crime de prevaricação (art. 319 do CP).
Tudo indica que o princípio da legalidade foi ou vem sendo subrepticiamente substituído pelo princípio da ilegalidade eficaz.