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O complexo e dispendioso Comitê Gestor do IBS

26/02/2024 às 18:50
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O que se vê na EC de nº 132/2023 é uma sequência impressionante de dissintonias entre uma norma e outra. Cada artigo reforça a impressão de inexequibilidade da reforma tributária.

Dispõe o art. 156-B da CF: 

Art. 156-B. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão de forma integrada, exclusivamente por meio do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, nos termos e limites estabelecidos nesta Constituição e em lei complementar, as seguintes competências administrativas relativas ao imposto de que trata o art. 156-A:

I - editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto;

II - arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios;

III - decidir o contencioso administrativo.

§ 1º O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, entidade pública sob regime especial, terá independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira.

§ 2º Na forma da lei complementar:

I - os Estados, o Distrito Federal e os Municípios serão representados, de forma paritária, na instância máxima de deliberação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços;

II - será assegurada a alternância na presidência do Comitê Gestor entre o conjunto dos Estados e o Distrito Federal e o conjunto dos Municípios e o Distrito Federal;

III - o Comitê Gestor será financiado por percentual do produto da arrecadação do imposto destinado a cada ente federativo;

IV - o controle externo do Comitê Gestor será exercido pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios;

V - a fiscalização, o lançamento, a cobrança, a representação administrativa e a representação judicial relativos ao imposto serão realizados, no âmbito de suas respectivas competências, pelas administrações tributárias e procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que poderão definir hipóteses de delegação ou de compartilhamento de competências, cabendo ao Comitê Gestor a coordenação dessas atividades administrativas com vistas à integração entre os entes federativos;

VI - as competências exclusivas das carreiras da administração tributária e das   procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão exercidas, no Comitê Gestor e na representação deste, por servidores das referidas carreiras;

VII - serão estabelecidas a estrutura e a gestão do Comitê Gestor, cabendo ao regimento interno dispor sobre sua organização e funcionamento.

§ 3º A participação dos entes federativos na instância máxima de deliberação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços observará a seguinte composição:

I - 27 (vinte e sete) membros, representando cada Estado e o Distrito Federal;

II - 27 (vinte e sete) membros, representando o conjunto dos Municípios e do Distrito Federal, que serão eleitos nos seguintes termos:

a) 14 (quatorze) representantes, com base nos votos de cada Município, com valor igual para todos; e

b) 13 (treze) representantes, com base nos votos de cada Município ponderados pelas respectivas populações.

§ 4º As deliberações no âmbito do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e  Serviçosserão consideradas aprovadas se obtiverem, cumulativamente, os  votos:

I - em relação ao conjunto dos Estados e do Distrito Federal:

a) da maioria absoluta de seus representantes; e

b) de representantes dos Estados e do Distrito Federal que correspondam a mais de 50% (cinquenta por cento) da população do País; e

II - em relação ao conjunto dos Municípios e do Distrito Federal, da maioria absoluta de seus representantes.

§ 5º O Presidente do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços deverá ter notórios conhecimentos de administração tributária.

§ 6º O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, a administração    tributária da União e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional compartilharão informações fiscais relacionadas aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, e atuarão com vistas a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos a eles relativos.

§ 7º O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços e a administração tributária da União poderão implementar soluções integradas para a administração e cobrança dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V.

§ 8º Lei complementar poderá prever a integração do contencioso administrativo relativo aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V." 


Caput – IBS dual

Os estados, Distrito Federal e municípios deverão exercer de forma integrada, exclusivamente por intermédio do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, nos termos e limites estabelecidos na Constituição e em lei complementar, as competências adiante enumeradas:

I – editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto. Conferir competência normativa a um Comitê Gestor, como tem demonstrada a prática em relação à legislação do SIMPLES NACIONAL, somente tende a tornar cada vez mais complexa a legislação tributária. Este inciso comete ao Comitê Gestor não apenas a competência para editar o regulamento único, como também proceder a interpretação e aplicação das normas que elaborou. O Comitê Gestor do IBS acumula a função legislativa e a função executiva, o que atrita com o princípio da separação dos poderes.

II – confere ao Comitê Gestor a função de arrecadar o IBS, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre estados, Distrito Federal e municípios.

III – o Comitê Gestor terá a competência para decidir o contencioso administrativo tornando-se um Super Poder que acumula a função legislativa, a função executiva e a função judicante. Só faltou atribuir-lhe o Poder Moderador em matéria Tributária.


§ 1º

O Comitê Gestor é uma entidade pública sob regime especial, dotado de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira. É, na verdade, uma autarquia especial a exemplo das Agências Reguladoras. Por atuar em âmbito nacional exigirá uma infraestrutura material e pessoal de monta, concorrendo para a elevação de despesas que não param de crescer dia a dia, comprometendo o equilíbrio das contas públicas. Tivesse acatado a nossa sugestão de instituir um IBS estadual e outro municipal tudo seria mais simples e econômico e, acima de tudo, teria preservado a autonomia dos estados e municípios. Assim ficaríamos com o IBS nas três esferas impositivas. Como antes assinalado, a CBS federal outra coisa não é senão um imposto mascarado de contribuição. Mas, os inteligentes autores da proposta de reforma ignoraram a lógica elementar, segundo a qual a entidade política contemplada pelo Texto Magno tem a competência para instituir o imposto, fiscalizar, arrecadar e aplicar o produto de sua arrecadação para a consecução dos fins do Estado.


§2º

Conforme o que for estabelecido em lei complementar:

I - os estados, o Distrito Federal e os municípios serão representados de forma paritária, na instância máxima de deliberação do Comitê Gestor do IBS. Na verdade, nada há de paritário, bastando atentar para a disposição do § 3º que prevê a participação de cada um dos 27 estados, incluído o Distrito Federal e igual número de participação para 5.570 municípios.

II – será assegurada a alternância na presidência do Comitê Gestor entre o conjunto dos estados e do Distrito Federal e o conjunto dos municípios e o Distrito Federal. O Distrito Federal participa tanto do conjunto dos estados, como do dos municípios, porque ele não está subdividido em municípios, acumulando a competência estadual e a competência municipal como acontece atualmente no sistema tributário implantado pela Constituição de 1988. Inovou-se a legislação e a doutrina ao deixar de conferir a presidência de uma entidade pública a uma pessoa física. Na prática os estados e os municípios deverão indicar o respectivo presidente.

III – o Comitê Gestor será financiado por um percentual da arrecadação do IBS destinado ao ente da Federação (estado/DF/município). Não diz qual opercentual, cabendo à lei complementar fixá-lo. Como o Comitê Gestor tem a função normativa poderá haver delegação legislativa para fixar esse percentual para financiar as despesas desse Super Órgão. A totalidade da receita do IBS de 2026 será destinada ao custeio das despesas do Comitê Gestor e para composição do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais do ICMS (§ 3º, do art. 125 do ADCT).

IV – o controle externo do Comitê Gestor caberá aos estados, Distrito Federal e municípios. Isso é muito vago. Como é possível ao conjunto de 27 estados e de 5.570 municípios, ainda que reduzida a sua representação a 27 membros, efetuar o controle efetivo do Comitê Gestor?

V – Esse é um dos dispositivos mais obscuros e de difícil execução.  A fiscalização, o lançamento, a cobrança, a representação administrativa e a representação judicial relativas ao IBS serão realizados, no âmbito de suas respectivas competências, pela administrações tributárias e procuradorias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, facultada a definição de hipótese de delegação ou de compartilhamento de competências, cabendo ao Comitê Gestor a coordenação dessas atividades administrativas para assegurar a integração entre os entes federativos. Esse inciso conflita com o inciso II que confere ao Comitê Gestor a função de arrecadar o IBS, ao passo que o inciso V comete a função de cobrar o IBS à administração tributária de cada ente federativo. Ora, “arrecadar” o imposto é o mesmo que “cobrar” o imposto. Quem, afinal, arrecada ou cobra o IBS?

VI – Na forma do art. 37, inciso XXII da Constituição Federal “as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio”. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003). A administração tributária no âmbito da União é composta de Auditores Fiscais; no âmbito dos estados/Distrito Federal, por Agentes Fiscais de Rendas; no âmbito dos municípios, por Inspetores Fiscais. Esses servidores públicos são integrantes de cargos efetivos, isto é, concursados. Da mesma forma, os integrantes da Procuradorias dos estados/Distrito Federal/municípios são compostos de servidores efetivos, concursados. O inciso sob comento prescreve que essas competências exclusivas das carreiras da administração tributária e das procuradorias serão exercidas pelo Comitê Gestor, representado por servidores das carreiras citadas. O Comitê Gestor assemelha-se a um órgão camaleão: ora se compõe de auditores fiscais/agentes fiscais de rendas/inspetores fiscais, ora se compõe de procuradores da Fazenda estadual/municipal. É muita vontade de complicar o que pode ser simplificado.

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VII – Esse inciso determina que a lei complementar  estabeleça a estrutura e a gestão do Comitê Gestor, cabendo ao seu regimento interno dispor sobre sua organização e funcionamento. O confuso inciso comete a estrutura do órgão à lei complementar, ao passo que atribui ao regimento interno a organização e funcionamento do órgão. Ora, o que existe é a estrutura organizacional do Comitê Gestor que é a forma como seus servidores são organizados, seja por departamento, função ou cargo. Enfim, a estrutura organizacional mostra as relações e hierarquias que compõem o Comitê Gestor, a exemplo do que acontece em empresas do setor privado. Certamente esse inciso gerará controvérsias quanto à competência do regimento interno do Comitê Gestor.


§ 3º

Esse parágrafo prevê a participação dos entes federativos na instância máxima de deliberação do Comitê Gestor do IBS observando a seguinte composição:

I – 27 (vinte e sete) membros, representando os estados e o Distrito Federal;

II – 27 (vinte e sete) membros, representando o conjunto dos municípios e do Distrito Federal que serão eleitos da seguinte forma:

a) 14 (quatorze) representantes, com base nos votos de cada município, com valor igual para todos; e

b) 13 (treze) representantes, com base nos votos de cada município ponderados pelas respectivas populações.

Onde a representação paritária dos estados/Distrito Federal/municípios referida no inciso II, do § 2º? Esses dispositivos, além de difícil exequibilidade, são contraditórios.  Outrossim, a expressão “instância máxima de deliberação do Comitê Gestor, referida nesse § 3º não é definida. O que significa? Será a instância recursal no processo administrativo tributário a cargo do Comitê Gestor (art. 156-B, III)? Não sabemos, nem se descobre!


§ 4º

As deliberações do Comitê Gestor serão consideradas aprovadas se obtiverem, cumulativamente, os votos:

I – em relação ao conjunto dos estados e do Distrito Federal:

a) a maioria absoluta de seus representantes; e

b) de representantes dos estados e do Distrito Federal que correspondam a mais de 50% (cinquenta por cento) da população do País; e

II – em relação ao conjunto dos municípios e do Distrito Federal, da maioria absoluta de seus representantes.

O que se vê nesta EC de nº 132/2023 é uma sequência impressionante de dessintonias entre uma norma e outra. Nada é harmônico, mas dispersivas as suas normas que se conflitam ente si. Por que o requisito da letra b em relação ao conjunto dos estados e do Distrito Federal em contraste com o requisito único em relação ao conjunto de municípios e do Distrito Federal?  É muita vontade de complicar tudo! A cada artigo que comentamos reforça-se a ideia de inexequibilidade da reforma tributária aprovada pela EC nº 132/2023.


§ 5º

Dispõe que o presidente do Comitê Gestor do IBS deverá ter notórios conhecimentos de administração pública.

A redação sugere que o presidente deva ser uma pessoa física, ao contrário do que se depreende da defeituosa redação do inciso II, do § 2º retroanalisado.  Quanto a expressão “notórios conhecimentos”, a exemplo da expressão  “notório saber jurídico” para escolha dos Ministros do STF, tem apenas o significado de se fazer notar pela autoridade competente para nomear ou indicar.


§ 6º

Em uma prova inconteste da federalização do IBS, esse § 6º prescreve que o Comitê Gestor do IBS, a administração tributária da União e a Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional compartilharão informações fiscais relacionadas aos tributos previstos no art. Art. 156-A (IBS) e no art. 195, V (CBS), e atuarão com vistas a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos a ele relativos. Como esclarecido anteriormente o Comitê Gestor detém a competência normativa e interpretativa ao mesmo tempo. Porém, quem edita essas normas é a União por meio de lei complementar.


§ 7º

Esse parágrafo permite que o Comitê Gestor e a administração tributária da União poderão implementar soluções integradas para a administração e cobrança dos tributos previstos no art. 156-A (IBS) e art. 195, V (CBS). Na verdade são dois impostos idênticos, um estadual/distrital/municipal e outro federal. Ambos os tributos têm o mesmo fato gerador que define a natureza específica do tributo (art. 4º do CTN), não bastasse a identidade da base de cálculo e dos contribuintes.


§ 8º

Mais uma confusão em potencial com a previsão de integrar o contencioso administrativo do IBS e da CBS pertencentes às esferas políticas diferentes. O contencioso administrativo cabe ao Comitê Gestor como assinalado no inciso III, do art. 156-B, ao passo que o contencioso da União é regido pelo Decreto nº  70.235 de 6-3-1972, baixado pelo Executivo por delegação do Decreto-lei nº 822/1969 e com fundamento no poder de regular inscrito, atualmente, no art. 84, inciso IV da Constituição. Deverá sofrer ligeira alteração para incluir a CBS. Se o legislador tivesse instituído o IBS para cada ente federativo, como sugerimos, seriam aplicáveis  as administrações tributárias de cada esfera impositiva tal qual existentes na atualidade. Mas isso seria simplificar demais! 

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. O complexo e dispendioso Comitê Gestor do IBS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7544, 26 fev. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108476. Acesso em: 21 nov. 2024.

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