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Nota Fiscal Eletrônica e SPED: aspectos práticos e implicações tributárias.

Atuação de naturezas consultiva, contábil-preventiva e judicante-contenciosa

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07/02/2008 às 00:00
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4.A nova demanda às ERP ("Enterprise Resources Planning")

As exigências provenientes do programa SPED e da aplicação da Nota Fiscal Eletrônica provavelmente demandarão um grande crescimento de softwares de gerenciamento empresarial, convencionalmente chamados pela sigla "ERP" (Enterprise Resources Planning), ou, conforme se tem traduzido, "Sistemas Integrados de Gestão Empresarial" (SIGE). As empresas que atuam na área desenvolvem sistemas de informação que integram todos os dados e processos organizacionais da rotina empresarial, possibilitando uma visão mais clara e específica de seus mecanismos de funcionamento.

Com esta plataforma de software, é possível integrar diferentes departamentos de uma empresa, automatizando procedimentos no sentido de propiciar, como efeito, tanto a liberação dos recursos humanos para outras atividades como a racionalização mais eficiente dos gastos por meio da gestão eficiente dos dados.

Este conjunto de atividades executadas pelo programa, de natureza multi-modular, evidentemente deve ser desenvolvido de forma a atender às exigências específicas de cada corporação, não podendo se ressentir de um trabalho prévio de consultoria.

Os softwares de gestão ERP estão atualmente em processo de atualização pelas empresas especializadas para versões que suportem também o módulo da NF-e – e, futuramente, a eles integrando grande parte da escrituração, contábil e fiscal. Estes programas serão oferecidos às pessoas jurídicas interessadas no credenciamento ao programa nacional mediante pagamento da sua licença de uso.

As informações devem ser geradas com clareza, em "tempo real", na forma de filtros eficientes decididos na medida das necessidades do empresário, e de fácil compreensão e interface para que possibilitem a tomada rápida de decisões, apesar de toda a complexidade legislativa no concernente ao tema.

Alguns estudos [71] têm sido desenvolvidos pelas empresas, mas o desenvolvimento destes programas exige conhecimento técnico e aprofundado tanto na área contábil, conjugada com planejamento fiscal e administração empresarial em seus diferentes âmbitos, possibilitando a integração concisa e racional dos módulos, como na área da informática, o que demanda a ação conjunta de profissionais de diferentes áreas. No mesmo sentido, as empresas tradicionais de consultoria tributária deverão dar especial atenção às novas exigências da escrituração e emissão contábeis, uma vez que os planejamentos preventivos deverão, necessariamente, passar pelos novos sistemas.


5.Atuação judicial

Conforme referido na parte introdutória deste artigo, depois de realizado um apanhado consultivo, apontando cuidados preventivos a serem observados pela pessoa jurídica, neste item se pretende abordar alguns dos principais problemas que poderá enfrentar o empresário ao implantar a Nota Fiscal Eletrônica, que o obrigarão a procurar os serviços da advocacia contenciosa tributária. O operador do direito precisará saber manipular minimamente os instrumentos eletrônico-contábeis para atender à demanda de seu cliente e, mesmo, para compreender os seus anseios e pretensões.

Abaixo, depois de localizar algumas destas situações que exigem resposta rápida, senão imediata, do Poder Judiciário, para que contenha os rompantes de autoritarismo da gana fiscal executiva, redirecionando-a ao caminho da legislação e da Constituição Federal, pretende-se realizar uma breve reflexão sobre as possibilidades de embasamento do eventual petitório, sobretudo na primeira das hipóteses, que poderá ser aproveitada para as demais. Todas, contudo, conformam linhas gerais de raciocínio, devendo ser desenvolvidas pelo representante legal portador do mandato.

Desnecessário recordar que aqui nem de muito longe se esgotam as possibilidades tanto de situações práticas como de fundamentos normativos, doutrinais ou, sobretudo, jurisprudenciais, tratando-se, acima de qualquer coisa, de uma tentativa de introdução ao debate que está ainda por vir.

5.1.O ato coator na denegação de credenciamento

Em princípio, atualmente não existe norma hábil de nenhuma natureza que vincule o credenciamento no SPED ou no Programa Nacional da NF-e à regularidade fiscal, ou seja, ainda que haja débitos, dívida ativa, ou mesmo execução fiscal em andamento, não poderá a Administração Pública denegar ao contribuinte a prerrogativa de emitir notas pelo modo eletrônico.

Uma vez afrontado este direito, caberá sempre a impetração de mandado de segurança, com fundamento instrumental no inciso LXIX do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, cumulado com o artigo 282 do Código de Processo Civil e artigo 1º e seguintes da Lei nº 1.533/51, em face da autoridade coatora que indeferiu o pedido.

Ainda que os Estados, mediante decreto ou atos administrativos de qualquer natureza, estabeleçam a obrigatoriedade da quitação de débitos perante o Fisco para a emissão de NF-e, a fundamentação material do writ passará por diversos matizes; primeiramente, de ordem constitucional. Em conformidade com o artigo 5º da norma magna, em seu inciso II, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. E ainda que haja um decreto, ou qualquer norma infra-legem, condicionando o credenciamento à regularidade fiscal, não está o contribuinte vinculado à espécie, uma vez que (a) a tributação é modalidade de atividade administrativa plenamente vinculada por disposição complementar (artigo 2º, caput, do Código Tributário Nacional), em articulação com o fato de que (b) normas restritivas de direito, como a condicionante ora enumerada, devem ter interpretação estrita, por princípio hermenêutico.

Na mesma toada, o inciso XIII do artigo referenciado: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Ao impedir a inscrição da empresa como emitente de NF-e, o Estado ergue um obstáculo à livre iniciativa, uma vez que seus fornecedores, ou a própria dinâmica do mercado, exijam a adesão ao programa. Se a pessoa jurídica comprovar gastos de planejamento administrativo-fiscal, como o de ERP, por exemplo, inegável é o prejuízo experimentado pela surpresa da decisão, ilegal e inconstitucional. A questão fica evidente com a rápida leitura do artigo 170 da Constituição:

Constituição Federal de 1988 –

"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IV - livre concorrência;

(...)

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

(...)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei".

Observe-se novamente a remissão à liberdade empresarial condicionada apenas aos casos previstos na lei. Com igual intensidade deve ser apreciada a NF-e como uma forma de se evitar a sonegação fiscal, primando pela redução das desigualdades sociais. O contribuinte que requer o ingresso no programa terá seus arquivos muito mais vulneráveis a eventuais fiscalizações do que se continuasse a emitir pelo método tradicional, não havendo razão para o Estado temer a abertura dos registros por parte da iniciativa privada. Ao mesmo tempo, mostra interesse em se adequar às normas pátrias, em exata atenção ao princípio de igualdade e isonomia tributária, instrumento constitucional de aplicação imediata (art. 150, inciso II, da carta constitucional) perante os demais contribuintes, que gozam do direito ao credenciamento.

O pronunciamento sumular do Supremo Tribunal Federal deve ser compreendido como orientação pretoriana preciosa ao julgador a quo:

Supremo Tribunal Federal

– "Súmula 70. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

(...) Súmula 323. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

(...) Súmula 547. Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades comerciais".

A jurisprudência que deu origem à disposição sumular nº 70, o acórdão extraído do RMS 9.698/Guanabara, julgado pelo Plenário, sob relatório do Ministro Henrique D’Ávila, publicado em julho de 1962, assim dispõe: "(...) Os contribuintes têm o direito de impugnar a legitimidade dos débitos fiscais quando convocados, pelos meios regulares, a satisfazê-los". Em seu voto, o Relator deixa claro seu raciocínio:

"(...) Não se trata de saber se o quantum da dívida foi bem ou mal apurado; se a impetrante tem ou não direito à dedução (...) Não se conforma a impetrante é com a medida extravagante e arbitrária que lhe foi aplicada (...) como pena destinada a compeli-la ao pagamento do débito. Ora, a Prefeitura (...) dispõe de meio regular e adequado para a cobrança da dívida, que é o executivo fiscal. O que não é lícito, por constituir procedimento contrário à lei e ao Estado de direito em que vivemos, é a drástica interdição das atividades da impetrante. Assim, dou provimento ao recurso, para livrar a impetrante da ameaça ilegal que pesa sobre o funcionamento normal de suas atividades técnico-comerciais".

Nada mais adequado: o constrangimento que o Estado impõe ao contribuinte devedor, tornando-lhe defeso o credenciamento não pode perdurar, uma vez que dispõe dos meios próprios para exercitar sua cobrança. Enquanto não puder exercer seu direito, a empresa terá comprometido o seu funcionamento normal naquilo que concerne às suas atividades técnico-comerciais. O questionamento conduz ao problema sobre o próprio momento da formação do crédito tributário, uma vez que sua regra matricial se encontra sob ataque – neste ínterim, incólume se apresenta o contribuinte, mesmo por presunção constitucional analógica de inocência.

O Recurso Extraordinário nº 39.933, publicado em 1961, traz argumento sólido contra atitudes desta natureza por parte do Poder Executivo, mediante relatoria do Ministro Ary Franco:

"(...) No que diz à apreensão de mercadorias, como forma de cobrança de dívida fiscal, é manifesta a ilegalidade do ato da recorrente. Não lhe cabe, na espécie, fazer justiça de mão própria se a lei estabelece a ação executiva fiscal, para a cobrança da dívida".

Assim, não é lícito à Administração Pública limitar, impedir ou cercear a atividade profissional do contribuinte (RE 63.045/SP, relatoria do Ministro Oswaldo Trigueiro, publicado em dezembro de 1967). No RE 63.047/SP, sob relatório do Ministro Gonçalves de Oliveira, o voto condutor é claro: "(...) O Executivo há de estimular a produção e não fechar os estabelecimentos que produzam sob alegação de que impostos são devidos".

A questão do impedimento da inscrição ao programa da NF-e foi colocada a prova no Estado da Bahia muito recentemente, tendo a questão alcançado o Supremo Tribunal Federal. Amparada no Decreto Estadual nº 9.265/2004, a Bahia impediu o Laboratório Teuto Brasileiro S/A e o Laboratório Neo Química Comércio e Indústria Ltda. de se credenciarem ao programa. Os laboratórios ingressaram com mandados de segurança, de números, respectivamente, 890015-8/05 e 892296/05, tendo sido liminarmente providos em primeira instância, este último com a decisão:

"(...) que autorize a emissão da nota fiscal eletrônica, pelo site, independentemente da existência de débito, como também se abstenha da prática de qualquer ato que impeça a impetrante de realizar suas atividades, no que se refere à emissão de Nota Eletrônica, tendo como objetivo o pagamento do tributo". [72]

A autoridade coatora ingressou com Pedido de Suspensão da ordem liminar, com base no artigo 4º da Lei nº 4.348/1964, alegando grave lesão à ordem e à economia públicas e que o impetrante participa de licitações, tendo sido indeferido pelo Tribunal. Não obstante, formulando novo recurso ao Superior Tribunal de Justiça, ali não foi conhecido, uma vez que a causa de pedir apresentava índole tanto constitucional como infraconstitucional, havendo vis atrativa da Corte Suprema, para onde foi remetido na forma da SS 2992/BA (Agravo Regimental na Suspensão de Liminar em Mandado de Segurança nº 4009-3/2006). No Supremo Tribunal Federal, em despacho proferido pela Ministra Presidente Ellen Gracie, o pedido do Estado da Bahia foi indeferido, uma vez não vislumbrada a lesão à economia ou à ordem pública.

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"(...) No caso em tela, a lesão à economia pública não ocorre, posto que a decisão objurada não impossibilita que o Estado da Bahia persiga seu crédito, por meio dos procedimentos legais de fiscalização, bem como as execuções fiscais (...) Ante o exposto, indefiro o pedido"

Decisão idêntica foi emanada pela Ministra Presidente no SS 2991/BA (Agravo Regimental na Suspensão de Liminar em Mandado de Segurança nº 4010-0/2006), tendo sido ambos publicados em 16/10/2006.

5.2.Ato coator de credenciamento de ofício de empresa não-obrigada

Caso de impetração de mandado de segurança o credenciamento de ofício de empresa não obrigada, seja na modalidade preventiva, antes de intimado o contribuinte, ou repressiva, se já intimado, ou mesmo no caso de haver qualquer forma de discussão sobre a natureza do estabelecimento que o retire do rol estrito enumerado pelas normas.

O embasamento da obrigatoriedade, portanto, deverá ser objeto de atenta e acurada análise pelo advogado, atendo-se, em relevo, e não exclusivamente, ao que segue: Cláusula Primeira, §§ 2º e 3º, Cláusula Segunda, caput e §§ 2º e 3º, do Ajuste SINIEF nº 07/05, §3º-3 do art. 212-O do RICMS/SP (Decreto nº 45.490) e, principalmente, Protocolo ICMS nº 10/07, conjugado, no Estado de São Paulo, com o art. 4º da Portaria CAT nº 104/07.

Da análise da Portaria paulista se infere a autoridade coatora, o Diretor da Diretoria Executiva da Administração Tributária – DEAT, sendo o ato coator a expedição do "Ato de Credenciamento e Obrigatoriedade de Emissão de NF-e" (que deverá, por sua vez, conter todos os elementos relacionados no artigo 4º, sob pena de lhe faltar validade).

A base material do mandamus será, sobretudo, o artigo 5º, inciso II da Constituição Federal de 1988. A depender do caso, havendo legislação extravagante que defina a atividade da empresa, afastando-a do campo da obrigatoriedade, é possível se valer o advogado do artigo 110 do Código Tributário Nacional, norma pedagógica segundo a qual à lei tributária é defeso alterar definição, conteúdo e alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente, sobrepondo-se ao aspecto formal o princípio da realidade (STF, Plenário, RE nº 346.084/PR, relator Ministro Gilmar Mendes, publicado em 02/09/2006).

Observe-se que o pedido de concessão da ordem liminar será no sentido de que se suspenda a obrigatoriedade de adesão oficiosa ao programa da NF-e, até que seja concedida definitivamente a segurança. Contudo, uma vez cassada a decisão favorável, seja por superveniência da prolação da sentença, seja por decisão em sede de agravo, na formação do instrumento, estará obrigado o contribuinte a emitir todas as notas no meio eletrônico, em nada impedindo o fisco de autuá-lo pelo descumprimento de um enorme seriado de obrigações acessórias.

5.3.Inconstitucionalidades prenhes às modalidades de não-autorização da emissão da NF-e

Da irregularidade fiscal do emitente, a nota será denegada, conforme inciso I da cláusula sexta e inciso II da cláusula sétima do Ajuste SINIEF nº 7/05. É evidente que tal situação trará enormes prejuízos, de difícil ou impossível reparação ao empresário, impedido de desenvolver sua atividade comercial, carecendo de rápida atuação do advogado para obter ordem liminar para retornar a emitir notas fiscais eletrônicas.

Trata-se, principalmente, de um atentado flagrante à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988), aos postulados mínimos de segurança jurídica assegurados ao contribuinte, à livre iniciativa e à ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal de 1988), e às Súmulas 70, 323 e 547 editadas pelo Supremo Tribunal Federal.

A peça, contudo, deverá se adequar a cada caso, sobretudo quanto à concessão da segurança, que invariavelmente será a regularização da situação do contribuinte se se tratar, por exemplo, de CNPJ inativo. O impetrante, neste caso, deverá acostar aos autos, já na inicial, a documentação comprobatória de sua regularidade.

Na hipótese de a denegação se tratar de efeito da existência de débito por parte da empresa, vale a argumentação anteriormente definida. Subsidiariamente, é mais do que recomendável a juntada de documentos que comprovem a sua inexigibilidade, seja por suspensão, extinção ou exclusão do crédito tributário, tais como extrato de conta-corrente obtido perante a Administração Fiscal, certidões de inteiro teor, entre outros. Havendo débitos em aberto, poderá haver a sua garantia no próprio juízo, a depender do caso, com a ressalva da limitação instrutória da via mandamental que poderá conduzir à extinção terminativa do feito.

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Sobre o autor
Leonardo O. de Araújo Branco

Advogado e consultor tributário em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANCO, Leonardo O. Araújo. Nota Fiscal Eletrônica e SPED: aspectos práticos e implicações tributárias.: Atuação de naturezas consultiva, contábil-preventiva e judicante-contenciosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1681, 7 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10920. Acesso em: 26 abr. 2024.

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