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Liberdade e tributação.

A IN-SRF nº 108/2007

11/02/2008 às 00:00
Leia nesta página:

O Estado nasce no espaço aberto pela liberdade, os homens inicialmente livres e em estado de harmonia, resolvem criar o Estado para assim poderem evoluir ainda mais em seus relacionamentos sociais – lembremos de John Locke.

Neste diapasão, o Estado já nasce limitado em seus poderes, não é o Estado que se auto-limita, mas sim o povo que confere ao Estado poderes limitados, porquanto reserva para si aquela parte de sua liberdade que é intocável e está protegida no mundo moderno por uma Constituição e seus princípios fundamentais.

A partir do século XVIII, com o nascer da era das constituições, o tributo se afirma como um preço pago pela liberdade. O homem deixa de contribuir para o Estado com o seu próprio corpo, com o seu trabalho, e passa a pagar tributos como preço de sua liberdade. Tributo como preço de liberdade é tema sempre caro a Ricardo Lobo Torres, quem no Brasil pode ser visto como pioneiro desta abordagem jurídico-tributária com base em valores éticos e filosóficos. (Cf. Os Direitos Humanos e a tributação. Imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 4-6, e A idéia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 138-139).

É Ricardo Lobo Torres quem cita Adam Smith, "Todo o imposto, contudo, é, para quem o paga, não um sinal de escravatura, mas de liberdade. Denota que está sujeito ao governo, mas que, como tem alguma propriedade, não pode ser propriedade de um senhor". (Cf. A Idéia de liberdade, op. cit. 139).

O agir moral de um Estado há que estar pautado por uma série de valores que permeiam a sociedade, em nosso caso, os valores de justiça, de verdade, de honestidade, de confiança, que estão incutidos naquilo que podemos chamar de moral brasileira. Um grupo de normas morais que contemplam os valores acima citados pode e deve ser juridicizado pelo Direito, ou seja, este conjunto de valores deve ser acolhido no ordenamento jurídico através de normas, ainda que sabidamente Direito e Moral sejam criações culturais razoavelmente distintas (Cf. Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. Coimbra: Armênio Amado. 1984, p. 99/107).

No Brasil este processo de juridicização de valores morais é patente em diversos enunciados jurídicos espraiados pelo Texto Constitucional, a se destacar, a juridicização do princípio da moralidade pública no art. 37, caput, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental no art. 1º, III, o direito à liberdade no art. 5º, caput, só para ficar com alguns.

O leitor pode nos perguntar: e ética? A ética teoriza sobre a moral prática. Através da ética aprendemos teoricamente o que é bom, justo, injusto em determinada ordem moral; já a moral em si é prática, está ligada ao problema do que fazer em cada situação concreta. (Cf. Adolfo Sanchez Vázquez. Ética. 23ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 17).

Colocadas estas premissas, passamos a nos indagar: quais são os valores que devem ser protegidos por uma moralidade tributária? Se o Estado nasce no espaço aberto pela liberdade, quais são os limites a que está sujeito o fisco brasileiro em seu direito de tributar? Ousaríamos responder assim: o grande valor a ser observado pelo fisco é a LIBERDADE e o principal limite a que está sujeito o fisco é o limite da LIBERDADE. O valor liberdade se sobrepõe ao direito de tributar do fisco, porque este, direito de tributar, é corolário direto daquele, LIBERDADE. O Estado só pode tributar porque o VALOR LIBERDADE abriu espaço para isto, só assim podemos entender o pacto social preconizado por John Locke à luz dos dias atuais.

Ora, se o fisco federal através da IN-SRF 802/2007 invade afrontosamente o direito de liberdade do cidadão-contribuinte, direito este protegido constitucionalmente pelos art. 5º, inciso X e XII, acaba por ferir o pacto social e impingir uma espécie de "escravatura" moderna e tornar o cidadão um súdito do Estado. Ser escravo na pós-modernidade, ainda que do ponto de vista apenas tributário, é ser vítima inerme de um Estado desarvoradamente opressor da LIBERDADE que o funda e o justifica. O Estado, a cada dia mais voraz financeiramente, se revolta contra os LIMITES IMPOSTOS PELA LIBERDADE, e rompe o pacto social originário, legislando por instrumentos débeis do ponto de vista jurídico, falseando as premissas básicas de nosso sistema jurídico.

Em seu agir falta a legitimidade de uma lei tributária constitucional que o ampare, falta a participação do judiciário no ato da tocabilidade no direito de liberdade do cidadão, enfim, a IN 802/2007 é uma repudiante ofensa ao DIREITO DE LIBERDADE. Ausente liberdade; ausente legitimidade tributária e por conseqüência: tributação imoral.

A legislação tributária (art. 96 do CTN) há que observar a Constituição Federal, (redundância que se impõe), não apenas na visão estática dos enunciados jurídicos. A legislação tributária há que observar a Constituição Federal no agir prático da moral tributária do fisco brasileiro, na aplicação do VALOR LIBERDADE como princípio norteador e limitador do direito de tributar. Admitir a quebra do DIREITO DE LIBERDADE DO CIDADÃO, mediante ofensa a seu sigilo bancário via instrução normativa ou até mesmo através da Lei Complementar nº. 105/07 é um retrocesso perigoso e imoral!

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Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Liberdade e tributação.: A IN-SRF nº 108/2007. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1685, 11 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10934. Acesso em: 1 mai. 2024.

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