4. PERITO CRIMINAL
No Código de Processo Penal (CPP), Decreto-Lei no 3.689/1941, o Capítulo II trata do papel fundamental do perito oficial nesse contexto, estabelecendo procedimentos essenciais para a realização das perícias, garantindo sua qualidade, integridade e idoneidade. Certamente, o papel do perito judicial no sistema legal brasileiro é uma parte essencial do processo decisório em casos que exigem conhecimento técnico ou científico especializado. De acordo com a Lei nº 13.105/2015, que regulamenta o CPC, e o Decreto-Lei nº 3689/1941, que regula o CPP, o perito age como um assistente ao juiz, ajudando a esclarecer questões complexas que vão além do conhecimento jurídico comum.
Neste contexto, a figura do perito em Radiologia Legal assume um significado particular. Este profissional é especializado na análise e interpretação de imagens radiográficas e pode ser chamado a testemunhar em uma variedade de situações. Pode ser desde um caso criminal, onde imagens de radiologia forense são usadas para identificar um corpo ou analisar ferimentos, até casos civis, como ações de negligência médica, onde um diagnóstico incorreto ou tratamento inadequado baseado em imagens de radiologia pode ser o cerne da disputa.
Ainda que as expressões ‘perito judicial’ e ‘perito oficial’ possam parecer sinônimas, elas são distintas no contexto jurídico. O perito oficial é tipicamente um servidor público, trabalhando sob o guarda-chuva de uma instituição governamental. Por outro lado, o perito judicial é um especialista nomeado pelo juiz para um caso específico e pode ser tanto um servidor público como um profissional liberal.
É relevante notar que, de acordo com o Art. 157. do CPC, o perito judicial deve completar o laudo pericial dentro de um prazo específico e pode ser penalizado por qualquer tipo de conduta que possa ser considerada negligente ou desonesta, conforme estabelecido no Art. 158. O processo de seleção e nomeação desses profissionais também difere. O perito judicial é nomeado a partir de um cadastro mantido pelo Tribunal, como estipula o Art. 156. do CPC, o qual é periodicamente atualizado através de consultas a universidades, conselhos de classe e outras instituições profissionais. O perito oficial, no entanto, é geralmente um profissional já empregado por um órgão de perícia ou outra instituição governamental e sua nomeação é feita dentro desse contexto burocrático. Ambos estão sujeitos à disciplina judiciária e podem ser penalizados por falhas em sua conduta profissional.
Para os peritos judiciais, o CPP, em seu Art. 275, e o CPC, em seu Art. 158, detalham as responsabilidades e possíveis penalidades, que podem ir desde multas até a inabilitação profissional por um período de dois a cinco anos. O exame de corpo de delito, seja direto ou indireto, é uma das principais formas de coletar evidências em casos criminais que envolvem vestígios materiais, como em crimes de violência, roubos, furtos, entre outros. Sua realização é indispensável, pois permite a análise técnica de lesões, danos e outras marcas físicas deixadas pela infração, contribuindo para determinar a dinâmica dos acontecimentos e identificar o possível autor ou autores do crime.
A lei processual penal determina para esses casos o exame de corpo de delito:
CPP, Art. 158, caput. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito (...), não podendo supri-lo a confissão do acusado.
A presença do perito oficial é de extrema importância para garantir a credibilidade e a imparcialidade dos exames periciais. Os peritos oficiais são profissionais com diploma de curso superior, selecionados por meio de concursos públicos, e possuem conhecimento técnico e científico específico em suas áreas de atuação. Sua atuação é pautada pela autonomia técnica, científica e funcional, assegurando-lhes o exercício de suas funções sem interferências indevidas.
Neste sentido, foi promulgada a Lei nº 12.030, de 17 de setembro de 2009, que dispõe sobre as perícias oficiais e estabelece normas gerais para as perícias de natureza criminal. O Art. 2º assegura a autonomia técnica, científica e funcional aos peritos oficiais de natureza criminal, exigindo que o provimento desses cargos seja realizado por meio de concurso público, com a necessária formação acadêmica específica. Com isso, busca-se garantir que os profissionais que desempenham este papel tenham o conhecimento e a capacitação adequada para a realização das perícias de forma imparcial e competente.
Nos casos em que não houver perito oficial disponível, a lei prevê a possibilidade de o exame ser realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente relacionado à área específica da perícia. Infra:
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
§ 1º. Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.
Essa medida visa garantir que, mesmo em situações de falta de recursos, a realização do exame seja viabilizada, assegurando o acesso à justiça e a coleta adequada de provas.
A Lei nº 11.690/2008 trouxe significativas alterações ao CPP, permitindo que o Ministério Público, o assistente de acusação, o ofendido, o querelante e o acusado formulassem quesitos e indicassem assistentes técnicos. Essa disposição ampliou a participação das partes envolvidas no processo, possibilitando-lhes fazer perguntas específicas aos peritos ou apresentar seus próprios pareceres técnicos para análise, sobretudo, na participação dos peritos em radiologia legal.
Além disso, a legislação assegura que os assistentes técnicos atuem a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais. Essa medida visa garantir a isenção e a imparcialidade do trabalho pericial, impedindo que os assistentes técnicos interfiram indevidamente na produção das provas.
O Capítulo II do CPP também trata da cadeia de custódia, que é o conjunto de procedimentos destinados a garantir a integridade e a rastreabilidade dos vestígios coletados em locais de crime ou em vítimas. A cadeia de custódia é fundamental para assegurar que as provas não sejam contaminadas, alteradas ou perdidas ao longo do processo de investigação e julgamento.
A garantia de rastreamento dos vestígios é de suma importância para a credibilidade e confiabilidade das provas periciais apresentadas no processo criminal. Afinal, a falta de cuidado com a cadeia de custódia pode comprometer a validade das evidências e colocar em dúvida a justiça das decisões tomadas com base nelas.
Além disso, o Art. 342. do Código Penal (CP) Brasileiro estabelece o crime de falso testemunho ou falsa perícia como conduta que atenta contra a administração da justiça. Este delito só pode ser cometido por pessoas que desempenham funções essenciais no âmbito judiciário, como testemunhas, peritos, tradutores, contadores ou intérpretes.
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
§ 1º. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.
§ 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.
Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação:
Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta." (A Lei nº 10.268, de 28 de agosto de 2001, alterou o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940).
Essa conduta é considerada séria, uma vez que pode comprometer a busca pela verdade e a justiça no sistema legal. As penalidades para quem comete o crime de falso testemunho ou falsa perícia podem incluir detenção e multas, dependendo da gravidade da conduta e das consequências para o processo judicial.
Dessa forma, o CPP estabelece uma série de etapas bem definidas para a cadeia de custódia, que abrangem desde o reconhecimento e isolamento dos vestígios até o transporte, recebimento, processamento e armazenamento adequados. Os procedimentos são minuciosos e devem ser realizados com rigor, garantindo a correta manipulação e preservação dos vestígios coletados.
Em 2019, o Pacote Anti-crime (Lei 13.964) regulamentou a cadeia de custódia no CPP, estabelecendo: "considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte".
Conforme definido pelo ministro Ribeiro Dantas no RHC 77.836:
(...) a cadeia de custódia tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e, principalmente, o direito à prova lícita. O instituto abrange todo o caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade.
Com o objetivo de manter a idoneidade e a inviolabilidade dos vestígios, a legislação determina que os recipientes para acondicionamento dos materiais devem ser selados com lacres numerados individualmente. Os vestígios devem ser preservados em condições adequadas e somente poderão ser abertos pelo perito responsável ou por pessoa autorizada, devidamente justificada.
Em casos de exumação para exame cadavérico, a autoridade deve providenciar uma diligência prévia para registrar de forma circunstanciada o local da sepultura e, posteriormente, realizar a exumação de acordo com o procedimento estabelecido.
Outra medida é a fotografia dos cadáveres na posição em que foram encontrados, bem como de todas as lesões externas e vestígios presentes no local do crime. Essas imagens são fundamentais para a documentação dos achados periciais e servem como provas ilustrativas no laudo.
Ademais, a legislação prevê que, em casos de crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculos, os peritos devem indicar os instrumentos utilizados, os meios empregados e a época presumida do fato. Além disso, quando necessário, os peritos procederão à avaliação de coisas destruídas, deterioradas ou que constituam produto do crime, mesmo que seja por meio de elementos existentes nos autos e de diligências específicas.
No que tange ao exame para o reconhecimento de escritos, a norma estabelece que a pessoa a quem se atribui o escrito será intimada para o ato, e que os peritos poderão utilizar documentos já reconhecidos como de seu punho ou sobre cuja autenticidade não haja dúvida para fins de comparação. Além disso, quando não houver escritos para a comparação, ou estes forem insuficientes, a autoridade poderá solicitar que a pessoa escreva o que lhe for ditado para fins de exame.
Embora o referido capítulo seja aparentemente completo, não encontramos na norma a participação do perito oficial em radiologia legal, pois nem sequer o curso de tecnologias médicas é incluído nos Órgãos de Segurança Pública. São poucos os estados que dispõem de cargos públicos para Técnicos Forenses, na especialidade de radiologia de nível médio, por força da área de atuação, sendo ela a Radiologia e o Diagnóstico por Imagem, conforme a Lei nº 12.030, de 10 de setembro de 2015. Nessa lei, foi criado o Cadastro Nacional de Especialistas e reconhecida a Comissão Mista de Especialidades (CME), vinculada ao Conselho Federal de Medicina (CFM). A CME é responsável por definir as especialidades médicas no país, e o cadastro tem como objetivo reunir informações sobre os especialistas em diferentes áreas da medicina.
Os procedimentos previstos no Capítulo II do CPP são essenciais para assegurar a qualidade e a integridade das perícias realizadas pelo perito oficial, bem como garantir a validade das provas produzidas a partir delas. Ao estabelecer regras claras e criteriosas, a norma busca garantir a fiel reprodução dos fatos, a imparcialidade dos resultados e, consequentemente, a justiça nas decisões judiciais. A figura do perito oficial, portador de diploma de curso superior e detentor de conhecimentos técnicos e científicos específicos, é essencial para o bom funcionamento desse sistema e para a proteção dos direitos fundamentais dos acusados. A atuação do perito oficial, aliada à participação das partes e ao cuidado com a cadeia de custódia, contribui para a efetividade da justiça e para a busca da verdade material nos casos criminais.
5. ASSISTENTES TÉCNICOS
Conforme estabelecido pelo §1º do Art. 465. CPC, após a intimação do perito judicial, as partes envolvidas têm 15 dias para apontar um assistente técnico, cuja responsabilidade é formular novos quesitos para complementar o trabalho pericial. A exigência em termos de qualificação para o assistente técnico é mais flexível comparada ao direito penal; não é necessário um diploma de ensino superior, mas sim a inscrição em um órgão de classe que corresponda à sua especialidade. Esta flexibilidade, somada ao fato de que o assistente é escolhido pelas próprias partes, naturalmente sugere que seus pareceres possam carregar um viés. No entanto, essa parcialidade é entendida e até prevista pela legislação, de acordo com o §1º do artigo 466 do CPC, que isenta o assistente técnico de ser objeto de suspeição ou impedimento.
Dentro dessa estrutura, a radiologia jurídica emerge como um campo crucial, contribuindo com evidências técnicas e científicas que têm impacto direto na resolução de casos complexos, incluindo lesões, acidentes e responsabilidades médicas. Sua relevância se torna ainda mais evidente quando consideramos o Art. 469. da Lei 13.105 de 16 de março de 2015, que também dá às partes a liberdade de indicar um assistente técnico após a intimação do perito judicial. Aqui, o assistente técnico não apenas revisa o laudo do perito, mas também pode formular quesitos adicionais, permitindo uma compreensão mais aprofundada e eventualmente questionando as conclusões do perito judicial.
A doutrina reforça essa visão ao citar a Lei nº 8.455/1992, que modifica dispositivos da Lei n° 5.869 de 11 de janeiro de 1973, referentes à prova pericial. Ela destaca a importância dos assistentes técnicos como colaboradores indispensáveis para as partes que os escolheram. Esta colaboração não se dá em um vácuo; é regida por critérios de especialização e registro profissional. Mesmo sem a necessidade de um diploma universitário, a competência do assistente técnico em sua área é crucial, reforçando que ele deve estar devidamente registrado no órgão de classe correspondente. Além disso, o parecer deste profissional fornece uma perspectiva complementar ou até contestatória ao laudo pericial, podendo ir além do formato padrão e incluir elementos como plantas, desenhos ou fotografias para apoiar suas conclusões.
O cenário se complica um pouco quando entramos no domínio das perícias, sejam elas judiciais ou extrajudiciais. Enquanto a perícia judicial é regida pelas normas e procedimentos do Poder Judiciário, a perícia extrajudicial ocorre fora desse contexto e pode ser solicitada pelas partes para resolver questões específicas. No entanto, é fundamental que ambas sejam conduzidas por profissionais qualificados e imparciais para garantir a integridade e validade das conclusões.
Com isso, o assistente técnico emerge como uma figura multidimensional e indispensável no cenário jurídico, um verdadeiro braço direito das partes envolvidas. Seja na radiologia jurídica ou em outros campos, sua presença equilibra, questiona e complementa o trabalho pericial, contribuindo significativamente para a busca da verdade e, por fim, da justiça.