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A ética do advogado na fixação dos honorários convencionais

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17/03/2008 às 00:00
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A quantificação dos honorários convencionais é de singular importância para destacar a influência das condutas praticadas pelos advogados na construção do seu caráter diante da sociedade.

A questão do relacionamento com os clientes é marcada por um princípio que é a honestidade. A confiança, alicerce necessário na relação advogado-cliente, somente será possível se esse princípio for exercido. Ao advogado exige-se transparência nos negócios, clareza nas suas atuações e permanente comunicação. O trato com relação aos honorários deve merecer cuidado especial, tratado em contrato bem elaborado e que não contenha cláusulas abusivas, sequer de interpretação duvidosa.

Silvio Lobo

RESUMO

Atualmente, observa-se na sociedade um profundo descrédito do profissional da advocacia, influenciado em grande parte pelas exposições na mídia de escândalos envolvendo o desempenho de suas funções. Por isso, a atuação do causídico e o cumprimento efetivo dos princípios éticos aplicados à categoria, sobretudo no que tange à quantificação dos honorários convencionais, é de singular importância para destacar a influência das condutas praticadas por estes profissionais na construção do seu caráter diante da sociedade. A monografia em questão busca demonstrar, mediante análise das fontes doutrinárias dominantes no assunto, que os comportamentos contrários aos princípios e normas estabelecidos pela categoria no momento da fixação dos honorários contratuais são, na verdade, adotados por uma minoria que contamina a classe, bem como que os órgãos de controle das condutas destes profissionais vêm coibindo a estipulação de valores considerados abusivos para remunerar seus serviços.

Palavras-chave: ética, advogado, honorários contratuais.


INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, a questão concernente à atuação ética dos profissionais da advocacia vem permeando os espaços de estudos doutrinários, tendo em vista a crescente exploração pela mídia de escândalos envolvendo aspectos de responsabilidade civil e criminal do causídico quando de sua atuação em juízo. Neste sentido, também vem sendo trazida à baila uma problemática constante no âmbito de atuação do advogado, que concerne à fixação dos honorários contratuais, isto é, aqueles devidos como remuneração pela realização de serviços de ordem advocatícia.

No que tange à definição do quantum relativo à prestação dos mencionados serviços, é mister que se examine o cumprimento por parte do patrono dos limites previstos em normas de conduta ética, sejam elas positivadas ou não, e amparados pelas tabelas de honorários elaboradas por cada seccional da Ordem dos Advogados do Brasil.

Tal análise se justifica na busca de transparecer à sociedade uma representação eficaz do cliente perante o Poder Judiciário, sempre pautada em princípios de ordem moral, a fim de assegurar ao contratante daqueles serviços um atendimento da melhor maneira possível na busca de seus interesses.

Assim, uma reflexão de cunho eminentemente acadêmico acerca da atuação do advogado e o cumprimento dos princípios éticos aplicados à advocacia é de fundamental importância para se reafirmar o caráter de confiabilidade que se espera do profissional advocatício, e que vem sendo tão mitigada nos dias atuais perante o cenário social. Neste ínterim, refletir sobre o desempenho ético do causídico como representante da sociedade, uma vez que sua função constitui um munus público, é, de modo indireto, conferir maior confiabilidade nas relações de determinado advogado com seu cliente, fator essencial quando da contratação daquele para representá-lo em juízo, além de ser medida primordial na construção do caráter deste profissional em face da coletividade.

O presente estudo objetiva, portanto, avaliar se, de fato, há coerência entre a atuação do profissional advocatício e a finalidade a que se destina o estatuto da categoria, apontando os princípios e parâmetros que devem ser utilizados no momento da fixação contratual da verba honorária. Em segundo plano, a análise do tema visa apontar as formas de punição previstas na legislação específica e os mecanismos utilizados na prática como forma de inibir as condutas não condizentes com o que estabelece a legislação reguladora da atividade do advogado.

A pesquisa, de natureza essencialmente exploratória, abrangerá o exame de teses doutrinárias sobre o tema, inclusive aquelas presentes em artigos científicos e revistas, bem como as acessadas por meio eletrônico, fontes em constante confronto com a realidade social no que diz respeito à aplicação prática dos princípios éticos de atuação do advogado.

Todo esse aparato será levantado no intuito de verificar se os advogados cumprem os critérios éticos exigidos pelos diplomas normativos que regulamentam sua atuação profissional no momento da definição do quantum relativo aos honorários convencionais, bem como se há efetiva atuação dos Tribunais de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal junto aos causídicos que praticam abusos no campo profissional.

Dentre as hipóteses analisadas, uma alternativa será constatar se os abusos são praticados por uma minoria composta de maus profissionais que torna os advogados uma classe rotulada socialmente como impecável na busca por interesses apenas financeiros; outro questionamento buscará averiguar se a atuação antiética de alguns advogados no arbitramento da verba honorária vem sendo contida pelos órgãos censores específicos no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil, em especial na Seccional do Distrito Federal, o que promoveria uma maior conscientização do referido profissional acerca de seu desempenho frente ao cliente.

Incicialmente, o estudo aborda os conceitos das categorias que compõem o tema, quais sejam, a ética profissional e o instituto dos honorários, bem como as idéias que inspiraram seu desenvolvimento ao longo da história da humanidade. Por ocasião do primeiro capítulo, discorre-se acerca da ética e sua evolução histórica como fundamento para a conduta humana, apontando, via de conseqüência, suas implicações no ramo autônomo da ética profissional, em especial nas carreiras jurídicas, para então trazer a lume a questão do comportamento do advogado perante a sociedade e frente as demais estruturas de instrumentalização da justiça.

No segundo capítulo, a pesquisa atém-se à remuneração a que faz jus o causídico e seus momentos históricos, demonstrando a natureza jurídica de verba alimentar e arrazoando sobre as espécies de honorários, dentre as quais a de cunho contratual, ou convencional, cuja análise mais aprofundada se evidencia ao longo do texto.

Os princípios que envolvem o exercício da advocacia vêm no terceiro capítulo, o qual permeia pelos direitos, garantias e deveres do profissional cujo principal labor é buscar em juízo a satisfação de seu constituinte. Para isso, percorre-se pelos caminhos das garantias e direitos do advogado como profissional e, posteriormente, a análise toma foco nos deveres do advogado, dividindo-os em institucionais e ético-porfissionais, inserindo-se neste contexto a observação dos preceitos do Código de Ética Profissional; a preservação da atividade; o sigilo profissional; o zelo e a probidade no exercício da profissão; a sinceridade e veracidade; o respeito e trato para com a pessoa do cliente; a administração do cliente e a lealdade processual; a responsabilidade profissional; e a recusa em patrocinar causa considerada ilegal, injusta ou imoral.

Por fim, no quarto capítulo, o tratamento é dispensado à relação entre cliente e advogado em suas nuances objetivas e subjetivas, abordando o direito do profissional à percepção da remuneração devida, de modo a demonstrar que tipos de condutas devem ser adotadas pelo causídico na fase denominada pré-contratual, no momento em que são fixados os valores a serem pagos pelo constituinte e como a Ordem dos Advogados do Distrito Federal agiu de janeiro a setembro deste ano, para punir as irregularidades praticadas pelos advogados no exercício da profissão.


I. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ÉTICA PROFISSIONAL

A origem da palavra ética vem do grego ethos, que significa o modo de ser, o caráter. Os romanos traduziram o ethos grego, para o latim mos (ou no plural mores), que quer dizer costume, de onde vem a palavra moral. Tanto ethos (caráter) como mos (costume) indicam um tipo de comportamento propriamente humano que não é natural, mas que, em contrapartida, é adquirido ou conquistado por hábito.

Segundo Eduardo C. B. Bittar, a ética se constitui tanto um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar que guiam, ou chamam a si a autoridade de guiar, as ações de um grupo em particular, que para ele seria o conceito de moralidade, ou um estudo sistemático da argumentação sobre como nós devemos agir, abrangendo, por este ponto de vista, a filosofia moral [01].

Neste sentido, o poder de deliberar e decidir qual a melhor forma de conduzir a própria personalidade em interação, seja ela familiar, grupal, social, é a liberdade da qual todo ser humano se utiliza, sendo certo afirmar que a ética é a capacidade coligada a essa liberdade. Nas palavras do célebre Miguel Reale:

O certo é que o bem ético implica sempre medida, ou seja, regras ou normas, postulando um sentido de comportamento, com possibilidade de livre escolha por parte dos obrigados, exatamente pelo caráter de dever ser e não de necessidade física (ter que ser) de seus imperativos. [02]

A observação da conduta moral da humanidade, ao longo do tempo, revelou um processo de progressiva interiorização, sendo correto afirmar que existe uma clara evolução, oriunda da aprovação ou reprovação de ações externas e suas conseqüências e seguindo até a aprovação ou reprovação das intenções que servem de base para essas ações.

A reflexão ética do mundo ocidental se iniciou na Grécia antiga, no século 5 a.C., quando as interpretações mitológicas do mundo e da realidade foram sendo desacreditadas e substituídas por teorias que privilegiavam as explicações naturais. Sábios e retóricos gregos do século 5 a.C, que vendiam seus ensinamentos filosóficos, atuando como professores, os sofistas, rejeitaram o fundamento religioso da moral, considerando que os princípios morais eram resultado das convenções sociais.

Nessa mesma época, o famoso filósofo Sócrates se contrapôs à posição dos sofistas, buscando os fundamentos da moral não nas convenções, mas na própria natureza humana. As idéias de Sócrates (470-399 a.C) chegaram à sociedade contemporânea através dos textos de um de seus discípulos, o filósofo Platão (427-347 a.C), que, no diálogo chamado Eutífron mostra Sócrates questionando as ações do homem ímpio ou santo, em sua conformidade com a ordem constituída, para então perguntar em que consiste a impiedade e a santidade em si, independentemente dos casos concretos.

Para o filósofo que os sucedeu, Aristóteles (384-322 a.C), todas as atividades humanas aspiravam a algum bem, dentre os quais o maior era a felicidade. Segundo esse filósofo, entretanto, a felicidade não consistiria em prazeres ou riquezas. Aristóteles considerava o ato de pensar como aquilo que mais caracterizava o homem, concluindo daí que a felicidade se estruturaria a partir de uma atividade da alma em acordo com a razão.

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Já os adeptos do hedonismo acreditavam que o bem se encontrava no prazer. No entanto, convém esclarecer que o principal representante do hedonismo grego, no século 3 a.C., o filósofo Epicuro, considerava que os prazeres do corpo era causa de ansiedade e sofrimento. Segundo ele, para a alma permanecer imperturbável, era preciso desprezar os prazeres materiais privilegiando-se os prazeres espirituais.

Na mesma época dos hedonistas, Zenão de Cício fundava o pensamento estóico, desprezando os prazeres em geral, por considerar que deles decorrem muitos males. Segundo tal filósofo, dever-se-ia eliminar as paixões, que só produziriam sofrimento. O homem sábio vivia de acordo com a natureza e a razão e, desse modo, aceitaria com resignação a adversidade e o sofrimento. Esta corrente filosófica vigorou por cinco séculos, encontrando seu apogeu na Roma imperial.

Seu conteúdo seduzia tanto escravos, como Epitecto (50-127 d.C), quanto imperadores, como Marco Aurélio (121-180 d.C). Um de seus maiores expoentes foi Sêneca, o tutor do imperador Nero. O objetivo de sua moral era chegar à ataraxia, ou seja, à ausência total de perturbação do espírito.

O ideal estóico originou a noção de ascese que consiste no aperfeiçoamento da vida espiritual por meio de práticas de mortificação do corpo, como jejum, abstinência e flagelação. O ideal ascético foi muito bem aceito pelo cristianismo medieval, que via no sofrimento uma forma de aproximação com Cristo.

Para os filósofos e teólogos medievais, como Santo Tomás de Aquino (1225-1274), a felicidade plena só se encontraria na união total do ser humano com Deus. Desde a expansão do cristianismo, a cultura ocidental ficou marcada por uma tradição moral cujo norte se fundamentava em valores religiosos. Nessa perspectiva, os valores eram considerados transcendentes, porque resultantes de doação divina, e o homem moral só poderia ser alguém que, obrigatoriamente, amasse e temesse a Deus.

No entanto, com o advento da Idade Moderna, a moral passou a ser considerada a partir de um ponto de vista laico, tornando-se perfeitamente possível admitir que um homem ateu fosse moral. Ou, mais ainda, que o fundamento dos valores morais não se encontra em Deus, mas no próprio ser humano.

O século 18 ficou conhecido como o "Século das Luzes", porque em todas as expressões do pensamento e atividade do homem, a razão se tornou o instrumento para interpretar e organizar o mundo. Metaforicamente, ela iluminaria as trevas da ignorância, o obscurantismo. Recorrer à razão também implicava recusar a intolerância religiosa, bem como rejeitar o critério da autoridade personificada no Papa.

Para Immanuel Kant (1724-1804), um dos maiores expoentes da filosofia dessa época, a ação moral tinha caráter autônomo, pois o homem era, segundo ele, o único ser capaz de se determinar por meio de leis que a própria razão estabeleceria. Assim, a moral iluminista seria racional e laica, e acentuaria o caráter pessoal da liberdade do indivíduo e o seu direito de contestação. Também é uma moral universalista, porque, apesar de admitir as diferenças dos costumes dos povos, aspira por encontrar o núcleo comum de valores universais.

A partir do final do século 19, bem como no decorrer do século 20, os filósofos passaram a se posicionar contra essa moral kantiana, fundada numa razão universal e abstrata. Tornou-se mais importante encontrar o homem concreto, que pratica a ação moral. É nesse sentido que se pode compreender o esforço de pensadores tão diferentes como Friedrich Nietzsche (1844-1900), Karl Marx (1818-1853), Kierkegaard (1813-1855) e os filósofos existencialistas da primeira metade do século 20.

O pensamento de Nietzsche se orientou no sentido de recuperar as forças inconscientes, vitais e instintivas subjugadas pela razão durante séculos. Para tanto, ele construiu a crítica do pensamento socrático, por este ter conduzido pioneiramente a reflexão moral em direção ao controle racional das paixões. Segundo Nietzsche, aí nasceu o homem fraco e desconfiado de seus instintos, num processo que culminou com o cristianismo e promoveu a "domesticação" do homem.

Nietzsche defendeu, acima de tudo, a transmutação de todos os valores, superando a moral comum, para que os atos do homem forte não fossem pautados pela mediocridade das virtudes estabelecidas. Para tanto, dizia ele, é preciso recuperar o sentimento de potência, a alegria de viver, a capacidade de invenção.

Já Kierkegaard, um severo crítico da cultura européia, achava que a filosofia de então havia tirado do indivíduo a responsabilidade pela sua própria vida. O fundamental, para ele, era a existência de cada um. As verdades são pessoais e cada um precisa descobrir a sua verdade. Além disso, o homem não experimenta verdadeiramente sua existência atrás de uma escrivaninha, lendo e refletindo.

Ao contrário da filosofia kirkegaardiana, centrada no indivíduo, Karl Marx concentrou sua filosofia na coletividade. Entretanto, seu pensamento tem caráter mais político do que ético, ou melhor, para o marxismo, a ética decorre da política. Marx acreditava que a história é um produto da luta entre classes sociais com interesses divergentes e que uma dessas classes, ou seja, o operariado, deveria tomar o poder pela força, para acabar com as injustiças sociais. Nesse sentido, a ação ética seria aquela que fosse compatível com a revolução do proletariado e a transformação da sociedade.

Se colocarmos a questão moral em termos contemporâneos, muitos são os problemas a serem discutidos. Nossa época é marcada pelo relativismo moral, por um individualismo exagerado, um narcisismo hedonista, uma recusa simultânea da religião e da razão. A questão que se coloca hoje é a da superação dos empecilhos que dificultam a existência de uma vida moral autêntica.

O esforço de recuperação da ética passa também pela necessidade de não se esquecer a dimensão planetária da sociedade contemporânea, quando todos os pontos da Terra se acham ligados pelos meios de comunicação de massa e pelos mais velozes transportes. Isso nos faz considerar a moral além dos limites restritos dos pequenos grupos, como a família, o bairro, a cidade, a pátria. A generosidade da moral pressupõe a garantia da pluralidade dos estilos de vida, a aceitação das diferenças, sem que se sucumba à tentação de dominar o outro por considerar a diferença um sinal de inferioridade.

1.2 A ética profissional

Para o ilustre doutrinador Eduardo C. B. Bittar, a ética profissional corresponde à parte da ética aplicada que se debruça sobre um conjunto de atividades humanamente engajadas e socialmente produtivas [03].

Este campo de estudo se destaca dentro da ética aplicada como um ramo específico relacionado aos mandamentos basilares das relações laborais. Nos dizeres do supracitado autor, a ética profissional

[...]

se vincula à idéia de utilidade, prestatividade, lucratividade, categoria laboral, engajamento em modos de produção ou prestação de serviços, exercício de atividades regularmente desenvolvidas de acordo com finalidades sociais. Configura-se, deste modo, como princípios da conduta humana, diretrizes no exercício de uma profissão, estipulando os deveres que devem ser seguidos no desempenho de uma atividade laboral, também denominada filosofia moral [04].

Então, o que define o estatuto ético de uma determinada profissão é a responsabilidade que dela decorre, pois, quanto maior a sua importância, maior a responsabilidade que dela provém em face dos outros.

Foi justamente com esse intuito que apareceram os códigos de ética. Tais instrumentos vieram a preencher uma necessidade de se transformar as normas de comportamento em algo claro e prescritivo, para efeitos de controle corporativo, institucional e social, o que até então navegava nas incertezas da ética eminentemente filosófica. Considerando ser a moral um campo aberto para as diversas consciências, é imprescindível ao indivíduo, quando do exercício profissional, estar preparado para assumir responsabilidades perante si, perante os companheiros de trabalho e perante a coletividade, que, em seu foro íntimo e individual, poderia não querer assumir. Neste sentido, as profissões não deveriam ficar ao alvedrio da livre-consciência dos profissionais agirem de acordo com as suas regras éticas subjetivas. Com isso, quer-se dizer que a liberdade absoluta de escolher esta ou aquela ética, de acordo com a qual agir e orientar seus atos, não vale completamente para o âmbito profissional. Ainda nas lições do doutrinador Eduardo Bittar:

De fato, o profissional deve adaptar sua ética pessoal aos mandamentos mínimos que circundam a categoria à qual adentra. Quando se utiliza a expressão "mandamentos mínimos", quer-se dizer que a ética profissional é minimalista (em geral, só diz o que não deve ou o que não pode ser feito, enunciando-se por discursos proibitivos), uma vez que se expressa no sentido de coibir condutas futuras e possíveis de determinada categoria profissional. Dessa forma, a liberdade ética do profissional vai até onde esbarra nas exigências da corporação ou instituição que controla seus atos. Mais ainda, a liberdade do profissional vai até onde seu comportamento fere as exigências coletivas que giram em torno daquele exercício profissional; há, no exercício profissional, uma exigência de responsabilidade para com o coletivo imanente.

[...]

Nesse sentido, o dever ético poderá ser definido como dever ético de saber e dever ético de ser. O dever ético de saber tem que ver com o exato cumprimento de todas as exigências mínimas que dizem respeito ao exercício de um determinado mister social. Assim, se esta profissão demanda capacitação e habilidades técnicas e intelectuais, serão essas duas pré-requisitos para a admissão ao exercício profissional e requisitos para a continuidade no exercício profissional. O dever ético, nesse caso, extrai das necessidades da própria profissão a característica para sua constituição como dever; trata-se de um dever de saber.

Existe também o dever de ser, como é o caso das profissões que pressupõem como exigências profissionais a isenção de ânimo, a higidez e a irreprovabilidade de comportamento, a elevada moralidade do profissional... Estas são, para o caso, por exemplo, da profissão exercida pelo magistrado, condições profissionais e não puramente pessoais. No caso do juiz, sua postura ético-política não poderá ser declarada e ativista; ao juiz é vedada a participação político-ideológica. É certo que, como cidadão, tem o direito de posicionar-se, mas isso não pode influenciar em sua função judicial, e nem a ela se associar. Não são estas exigências ou deveres relacionados ao saber do profissional (capacitação técnica, intelectual, manual...), mas ligadas ao ser profissional. Assim, não bastam a capacitação técnica ou intelectual, pois é mister a virtude do ser. [05]

Percebe-se, pois, que a noção de dever profissional se liga diretamente à noção de virtude. Isso porque a virtude, denominada areté entre os gregos e correspondente ao termo latino virtus, significa, exatamente, o máximo aperfeiçoamento de uma capacidade ou qualidade. Ora, no exercício profissional, o que se demanda do ser humano é uma especial habilidade em lidar com misteres laborais e lucrativos que resultem em individuais, grupais, coletivos e/ou sociais. Por isso, a ética do profissional corresponderá a sua máxima prestatividade e excelência no exercício e desempenho desses misteres.

1.3 A ética e sua contextualização no âmbito jurídico

Assim como em toda carreira, a profissão jurídica encontra seus mandamentos basilares estruturados em princípios gerais de atuação, de acordo com as especificidades dessa atividade social e com seus efeitos em meio às demais. Ao conjunto de regras e princípios que regem as atividades profissionais do direito se dá a denominação de deontologia forense.

O que há de peculiar na ética do profissional jurídico é que as carreiras que exercem são, ao menos em sua quase totalidade, regulamentadas, legalizadas, regidas por normas e princípios jurídicos e éticos, de modo que o seu exercício, por envolver questões de alto grau de interesse coletivo, está vinculado a deveres, obrigações e comportamentos regrados. Esses comportamentos vêm expressos em legislação que regulamenta a profissão, em códigos éticos, em regimentos internos, em portarias, regulamentos e circulares ou até mesmo em texto constitucional. O que se encontra implícito nos princípios deontológicos é explicitado por meio de comandos prescritivos da conduta profissional jurídica.

Embora, neste sentido, encontrem-se regramentos específicos que impedem que se fale em uma ética comum a todas as carreiras jurídicas, Eduardo C. B. Bittar enuncia alguns princípios gerais e comuns a todas as carreiras jurídicas. Segundo o doutrinador, inserem-se na ética do profissional jurídico, entre outros, os princípios

da cidadania, segundo o qual se deve conferir a maior proteção possível aos mandamentos constitucionais que cercam e protegem o cidadão brasileiro; o princípio da efetividade, segundo o qual se deve conferir a maior eficácia possível aos atos profissionais praticados, no sentido de que surtam os efeitos desejados; o princípio da probidade, segundo o qual se deve orientar o profissional pelo zeloso comportamento na administração do que é seu e do que é comum; o princípio da liberdade, que faz do profissional ser altaneiro e independente em suas convicções pessoais e em seu modo de pensar e refletir os conceitos jurídicos; o princípio da defesa das prerrogativas profissionais, com base no qual o profissional deve proteger as qualidades profissionais de sua categoria com base nas quais se estabelecem as suas características intrínsecas: os princípios da informação e da solidariedade, para que haja clareza, publicidade e cordialidade nas relações entre profissionais do direito e, inclusive, outros profissionais. [06] [grifo nosso]

Os profissionais do direito, além de possuírem um regramento específico de suas atividades profissionais, pela importância e pelo caráter social de que se revestem suas profissões, têm também controle do efetivo cumprimento das normas que regem seus misteres profissionais. Isso quer dizer que existem órgãos censórios revestidos de poder decisório bastante inclusive para a cassação da habilitação profissional, do cargo, da função ou da atividade exercida pelo profissional do direito.

Deste modo, o jurista, na acepção mais larga que o termo possa comportar, ou seja, o operador do direito, em sua consciência ético-profissional, deve se orientar para que sua atuação esteja de conformidade com a realidade social e moral em que se insere. Seja juiz, promotor, advogado, professor, cientista do direito, ou operador de qualquer atividade de cunho jurídico, o profissional que escolhe uma carreira intimamente ligada à análise das relações sociais impressas nas normas deve estar preocupado não somente com o caráter formulador do sistema jurídico-normativo, com o seu aspecto formal e estrutural, mas sobretudo com os desdobramentos práticos de suas prescrições, isto é, seus efeitos culturais, sociais, políticos, econômicos e ambientais.

Isto porque a atuação do jurista possui mais que simplesmente efeitos e conseqüências jurídicas, e o próprio ato jurídico em si possui efeitos que vão para além dos puramente jurídicos. Todo operador do direito pratica atos que se projetam por sobre outras áreas, de modo que se exige do jurista uma atuação prática e teórica com vistas aos desdobramentos possíveis da assunção de determinada posição.

O jurista tem de estar consciente de que o instrumental que manipula é aquele capaz de cercear a liberdade, alterar fatores econômicos e prejudicar populações inteiras, de causar a desunião de uma sociedade ou a desustruturação de uma família, de intervir sobre a felicidade e o bem-estar das pessoas. A consciência ética e social do jurista é um mister na medida em que o instrumental jurídico também pode ser dito um instrumental ético e social, na medida em que interfere na conduta e no comportamento das pessoas e em sua forma de se organizar e distribuir socialmente.

1.3.1 A ética do advogado

Sobre a ética, o grande Ruy de Azevedo Sodré afirma consistir na persistente aspiração de amoldar a conduta, a vida, aos princípios básicos dos valores culturais da missão e seus fins individuais, em todas as esferas de suas atividades [07].

Daí, portanto, a adoção de um ordenamento jurídico (Código de Ética e Disciplina da OAB), a fim de constituir um parâmetro para os profissionais da área do direito, com a finalidade de avaliar a própria conduta diante da sociedade e suas exigências morais.

Outrossim, não é possível deixar esse assunto ao critério de cada profissional. Boas intenções e altos ideais de moralidade nem sempre bastam para produzir soluções acertadas. Para resolver qualquer impasse de maneira ordenada, um conjunto de preceitos morais norteam a conduta do indivíduo no ofício ou na profissão que exerce, devendo necessariamente contribuir para a formação de uma consciência profissional composta de hábitos dos quais resultem integridade e probidade, de acordo com as regras positivadas num ordenamento jurídico.

A presunção de probidade que o advogado deve transparecer à sociedade tem que ser encarada de forma solene e digna, uma vez que a partir da própria origem do termo, do latim avocatus, traz à baila o fato de a função social que o causídico exerce encontrar-se plenamente descrita no símbolo que a representa, uma vez que é da união entre ad e vocare (falar por) que se originou a denominação.

Socialmente, ao advogado, no exercício de sua função profissional, incumbe o mister de ser o atuante sujeito de postulação dos interesses individuais e/ou coletivos consagrados pelos diplomas normativos do país. É certo que todo advogado atua como um agente parcial, mas não se deve considerar o fato de que, quando exercente de uma pretensão legítima, é também uma garantia da efetividade do sistema jurídico e de seus mandamentos nucleares.

Quer-se dizer, com isso, que o advogado é mensageiro e representante jurídico da vontade dos cidadãos. Em atividade judicial, funciona como intermediário de uma pretensão diante das instituições às quais se dirige ou perante as quais postula; em atividade extrajudicial, não menos atuante, o causídico aconselha e assessora, previne.

De fato, o advogado presta serviços particulares, engaja-se na causa à qual se vinculou, porém age sob os ditames da legislação, velando pelo cumprimento da legalidade e fazendo-se desta fiel servidor. Não obstante sua obrigação de reger-se pelos regramentos normativos, o advogado não é um ardoroso defensor da letra da lei, pois quando esta divide, confunde ou prejudica ele busca na justiça a escora para sua atuação profissional.

A inserção da advocatícia no texto constitucional, em seu artigo 133, antes de mera causalidade, é medida proposital e intencional do legislador, dentro do tônus principiológico e democrático que procurou dar à regulamentação das instituições jurídicas. Alçando à esfera constitucional a advocacia, bem como definindo-a como atividade essencial à justiça, é conferir a máxima autoridade jurídico-postulatória. Diante da indefinição dos textos constitucionais anteriores, omissos quanto ao papel do advogado na ministração da justiça, a Constituição Federal de 1988 consagrou-lhe, ao lado da Defensoria Pública, a seção III do Capítulo IV do Título IV, comungando, portanto, do justo entendimento de que a justiça material não se constrói sem uma plena identidade entre operadores do direito.

Isso se dá porque, mesmo enquanto profissional autônomo, ao advogado incumbe o múnus público de conferir à população acesso aos seus próprios direitos; se a defesa técnica é imprescindível para a participação no processo, o ius postulandi, como pressuposto processual subjetivo relativo à parte, toca muito próximo o problema do próprio acesso à justiça. Nesse entendimento, a atividade do advogado se constitui numa base para o aperfeiçoamento da própria cidadania da nação, da forma como se inscreve no plano constitucional.

Percebe-se, outrossim, que a suposta graduação entre as diversas carreiras jurídicas inexiste, sendo proibida toda espécie de prevenção que venha a coferir-lhes poderes exorbitantes ou que firam a paridade do relacionamento entre esses mesmos profissionais. Assim, de alçada constitucional é o tratamento do advogado e de suma importância para a justiça, da mesma forma como a competência e o exercício da jurisdição têm seus princípios inscritos no texto constitucional.

Ainda que se argumente pela excessiva parcialidade que move muitos dos litigantes envolvidos no debate processual, há que se ressaltar que é a da própria dialética jurídica que exsurge o provimento judicial. É do temperamento de vontades e interesses contrapostos que surge a possibilidade de que se adotem respostas jurisdicionais mais balanceadas na dosimetria dos direitos de cada qual. Aí a importância, no âmbito judicial, do ad vocatus, daquele que "fala por", ou seja, daquele que se dispõe no sentido de pleitear o que de direito não só por si, mas também e sobretudo em face de outra pretensão por vezes igualmente legítima e justa.

Seu papel é misto entre uma atividade pública de postulação e uma atividade privada de representação. Dito isso, não há que se admitir ser, conceitualmente, o advogado apenas um mandatário.

Apesar do que se disse, deve-se considerar que a atuação do advogado pode ser judicial e extrajudicial. Para atuação no foro, requer-se devida habilitação processual do advogado por meio de procuração ad judicia, regulada pelo Código Civil, segundo prescreve o art. 38 do Código de Processo Civil. Para atuação em negócios extrajudiciais, requer-se a procuração ad negotia, com ou sem cláusula de poderes especiais. E, em sua atuação, o advogado possui determinadas proteções legais, sempre delimitadas, como a imunidade judicial, que lhe conferem maior liberdade de atuação na defesa de legítimos interesses.

Com o objetivo de elucidar o assunto tratado no presente estudo, passar-se-á a abordar o direito assegurado a todo advogado pelo exercício de suas atividades profissionais, qual seja, a percepção dos honorários. Como verba de natureza eminentemente alimentar, sem a qual o causídico não pode manter seu escritório em funcionamento e prover seu sustento e de sua família, a remuneração devida ao causídico é um dos marcos teóricos da pesquisa e, por tal motivo, será devidamente tratada no capítulo seguinte.

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Sobre o autor
Warlei Marques Ponte

Pós-graduando em Direito Público em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTE, Warlei Marques. A ética do advogado na fixação dos honorários convencionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1720, 17 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11061. Acesso em: 19 nov. 2024.

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