1. O TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS
A Constituição Federal de 1988, no capítulo dedicado aos denominados Direitos Sociais, estabeleceu como direito básico dos trabalhadores urbanos e rurais o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal (art. 7º, XVII). A mesma vantagem foi estendida aos servidores ocupantes de cargos públicos pelo art. 39, § 3º, do mesmo diploma.
O primeiro dos dispositivos mencionados congrega, na realidade, uma duplicidade de direitos de natureza e finalidade diversas. Ao mesmo tempo em que garante um período anual de descanso remunerado, cujo prazo de duração deve ser estabelecido por lei, seja em relação aos trabalhadores em geral (art. 130 da CLT), seja no que concerne aos servidores públicos federais globalmente considerados (art. 77 da Lei nº 8.112/90), seja, por fim, no que respeita a determinada categoria funcional (art. 66 da LOMAN), assegura também que por ocasião do aludido recesso deve o trabalhador receber um acréscimo pecuniário equivalente ao terço de seu salário ordinário.
As referidas normas, na parte referente ao terço salarial adicional, são detentoras de eficácia plena e aplicabilidade imediata, segundo a célebre classificação elaborada pelo professor José Afonso da Silva em sua precursora obrar acerca do assunto [01]. De fato, os termos dos dispositivos em questão delimitam com precisão o âmbito de incidência da regra, prevendo objetivamente seu pressuposto fático – o gozo das férias anuais remuneradas –, bem como a conseqüência jurídica imediata de sua ocorrência – a percepção do adicional salarial mínimo de um terço, de forma que se torna prescindível qualquer complementação normativa a cargo da legislação infraconstitucional tendente a conferir densidade eficacial ao preceito magno em questão.
Assim, ao legislador ordinário, quer quanto ao regime jurídico dos trabalhadores em geral, cujo diploma básico é a Consolidação das Leis do Trabalho, quer quanto ao regime dos servidores públicos civis, disciplinados na órbita federal pela Lei nº 8.112/90, caberia tão-somente, em um legítimo ato de alargamento de direitos mínimos previstos constitucionalmente, estipular adicional de férias em percentual superior ao terço estabelecido pelo retrocitado art. 7º, XVII. É a interpretação que se extrai também da expressão "pelo menos" constante naquele preceptivo.
A despeito de tal constatação, a lei instituidora do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, dispôs sobre a matéria em seu art. 76. Conforme este dispositivo, independentemente de solicitação, será pago ao servidor, por ocasião das férias, um adicional correspondente a 1/3 (um terço) da remuneração do período das férias e que no caso de o servidor exercer função de direção, chefia ou assessoramento, ou ocupar cargo em comissão, a respectiva vantagem será considerada no cálculo do aludido adicional.
Feitos os esclarecimentos preliminares, inclusive quanto sua base normativa, passemos a perquirir acerca da finalidade do terço constitucional de férias, assim como de sua natureza jurídica. Antes, porém, deve ser esclarecido que o presente estudo focará a matéria sob a ótica da disciplina jurídica do regime dos servidores públicos federais civis.
Bem, a garantia de um período de descanso ao trabalhador, assegurando-lhe neste interregno a percepção de sua remuneração, visa proporcionar-lhe a reposição da energia vital, o repouso dos músculos, a descontração da mente, o convívio familiar, o relaxamento e a recreação. A isenção temporária do trabalho propicia ao obreiro um interstício dentro do qual lhe é lícito dedicar-se à sua própria realização enquanto ser humano, processo este imanente ao exercício espontâneo de atividades que lhe geram prazer físico ou deleite psicológico.
A folga institucional com preservação salarial assegura ao labutador tempo para satisfazer necessidades elementares, dedicar-se ao convívio integral com os entes mais próximos, realizar metas pessoais, explorar lugares desconhecidos, aprender novos ofícios, esportes, artes, enfim, garante talvez o único período de tempo em que a pessoa, ainda gozando de sua plena capacidade física e mental, pode efetivamente viver, na concepção mais alargada que esta expressão possui.
Estas observações são necessárias a fim de se enfatizar a finalidade e, notadamente, a importância que as férias remuneradas adquirem no contexto da realização mesma do homem.
Cientes agora do propósito da instituição do período de férias anuais remuneradas, fica fácil apreendermos a finalidade do terço salarial adicional previsto inciso XVIII, do art. 7º da Constituição da República.
Tendo as férias todos os escopos acima alinhados, a verba remuneratória suplementar constitucionalmente garantida visa, obviamente, proporcionar ao trabalhador recursos extras para a realização, da forma mais completa possível, dos prazeres, necessidades ou empreitadas a que se dedique.
Mas ora, o salário, vencimento, remuneração, enfim, a contraprestação pecuniária a cargo do empregador, público ou privado, destina-se igualmente a garantir ao trabalhador a satisfação de seus prazeres, necessidades, ou a realização das empreitadas a que se disponha. De fato, ambas as verbas pecuniárias, exatamente porque pecuniárias, preordenam-se a conferir ao trabalhador o único meio concebido no atual estágio da evolução humana apto a assegurar ao homem o instrumento de troca universal que lhe possibilitará, dentro de seu contingenciamento financeiro, adquirir o os bens que deseja ou necessita.
Assim, o terço constitucional constitui, na verdade, um reforço financeiro ao trabalhador a fim de que no período de férias possa realizar com mais desenvoltura todas as atividades a que se disponha, de modo que este espaço de tempo livre possa ser aproveitado da forma mais ampla e completa possível, cumprindo com eficiência suas múltiplas finalidades.
Na medida em que reconhecemos ser o terço constitucional de férias um reforço financeiro, uma parcela remuneratória extra, um plus ao salário ordinário, afirmamos possuir natureza jurídica puramente remuneratória. O fato de revelar-se uma espécie de remuneração extraordinária, verificável apenas por ocasião do gozo das férias, não lhe retira absolutamente seu caráter salarial.
A idéia, sufragada por alguns, de que o terço constitucional de férias possuiria natureza indenizatória, com a devida vênia, não encontra nenhum fundamento lógico ou jurídico. As verbas indenizatórias são aquelas destinadas a repor o patrimônio jurídico daquele que se viu desfalcado de um direito reconhecido.
A título de exemplo: não gozando o trabalhador as férias a que tem direito, a mesma dever ser indenizada pelo seu correspondente financeiro. Neste caso, o valor pecuniário recebido pelo trabalhador substitui o período de férias por alguma razão não gozado integralmente, repondo, desta forma, seu patrimônio jurídico. Do mesmo modo as diárias de que trata o art. 58 da Lei nº 8.112/90 visam ressarcir o servidor público dos gastos com hospedagem, alimentação e locomoção urbana quando se afasta de sua sede em caráter eventual ou transitório para outro ponto do território nacional ou para o exterior.
Nestes casos não se verifica qualquer aumento no patrimônio do servidor, visto que os valores recebidos não lhe representam riqueza nova, mas tão-somente verba tendente a lhe repor o patrimônio anteriormente desfalcado.
Situação diversa é a do terço constitucional de férias, pois neste caso a parcela correspondente representa indubitavelmente acréscimo pecuniário consistente em um reforço financeiro, que resulta, por sua vez, no incremento da remuneração do servidor. Não distorce ou subverte tal conclusão o fato de a ratio essendi da verba adicional ser propiciar ao trabalhador uma fruição rica de seu período de férias. Seu caráter remuneratório, porque devido em razão da natureza sinalagmática da relação travada entre o agente público e o Estado, é corroborado pela evidente falta de anterior ablação de direito do obreiro, pressuposto para a caracterização de qualquer verba como indenizatória.
Para além das justificativas ontológicas acima referidas, existem pelo menos duas proposições normativas que apontam para a natureza remuneratória do terço constitucional de férias.
A primeira é o próprio texto do art. 7º, XVII da Lei Fundamental. Nos termos deste dispositivo, é direito básico dos trabalhadores urbanos e rurais o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal. Como se vê, o preceito constitucional estipulou que o terço constitucional de férias representa valor pecuniário que se acrescentará ao salário comum do trabalhador.
Ora, se a referida verba constitui uma percentagem do salário normal, sua natureza só pode ser, obviamente, salarial. Cuida-se, na realidade, do mesmo salário do obreiro que por ocasião das férias se vê elevado em um terço. Não é concebível que verbas de natureza diversa se mesclem, em um confuso e extraordinário processo de fusão de institutos jurídicos diferentes, para formarem um produto que ostente somente as qualidades intrínsecas de um de seus componentes, abstraindo completamente sua outra parte integrante.
O outro preceito legal do qual a interpretação sistemática nos leva à conclusão da natureza puramente remuneratória do terço constitucional de férias é o já mencionado art. 76 da Lei nº 8.112/90, instituidora do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais.
Explica-se. O Título III da mencionada lei cuida "Dos Direitos e Vantagens". Seu Capítulo II, por sua vez, trata "Das Vantagens", cujo primeiro artigo (art. 49) possui a seguinte redação: "Além do vencimento, poderão ser pagas ao servidor as seguintes vantagens: I – indenizações; II – gratificações; III – adicionais".
A Seção I deste Capítulo II cuida das indenizações, cujas espécies são: a ajuda de custo, as diárias, o transporte e auxílio-moradia (Subseções de I a IV). A Seção II, de outra parte, dispõe sobre as gratificações e adicionais, cujas espécies são: retribuição pelo exercício de função de direção, chefia e assessoramento, gratificação natalina, adicionais de insalubridade, periculosidade ou atividades penosas, adicional por serviço extraordinário, adicional noturno, gratificação por encargo de curso ou concurso e, o que nos interessa, o adicional de férias (Subseções I a VIII).
A localização topográfica da Subseção VII, que cuida do adicional de férias, dentro da Seção II ("Das Gratificações e Adicionais".) e, portanto, fora da Seção I, disciplinadora das indenizações, conduz-nos à inarredável conclusão, agora através do processo de interpretação sistemática da lei em questão, não ter o adicional de 1/3 de férias natureza indenizatória, mas sim, como sustentamos, natureza remuneratória extraordinária. Extraordinária sim, porque acessório às férias anuais e só aferível quando do gozo destas, mas inarredavelmente remuneratória.
O eg. Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 345.458, Rel. Min. Ellen Gracie, publicado no DJ de 11/03/2005, apesar de cuidar de tema diverso (declaração de suposto direito adquirido de procuradores autárquicos estaduais a sessenta dias de férias anuais, diante de diploma normativo ulterior que reduziu o descanso para trinta dias), ao julgar improcedente o pleito dos servidores, tratou an passant da questão de que hora nos ocupamos.
Do voto condutor do mencionado acórdão, extraímos a seguinte passagem:
"O abono de férias é parcela acessória que, evidentemente, deve ser paga quando o trabalhador goza seu período de descanso anual, permitindo-lhe um reforço financeiro neste período." (grifou-se).
Vê-se que a ilustre ministra, ao referir-se ao terço constitucional de férias, o faz qualificando-o como uma espécie de reforço financeiro ao trabalhador no período do descanso anual remunerado. A expressão utilizada pela relatora denota a idéia de um adicional cuja natureza jurídica é a mesma da remuneração normal do obreiro, pois, se lhe reforça a substância, é porque com aquele compartilha as mesmas propriedades intrínsecas. A expressão também remete à finalidade do adicional de férias a que aludimos acima.
O col. Superior Tribunal de Justiça adota o mesmo entendimento, como se pode depreender dos seguintes precedentes: REsp nº 883255, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ: 30.08.2007; REsp nº 748195, Rel. Min. Luiz Fux, DJ: 01.03.2007; REsp nº 763.086, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ: 10.2005; REsp nº 663.396, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ: 14.03.2005.
Essa também foi a conclusão a que chegou o eg. Tribunal Regional Federal da 1ª Região no acórdão cuja ementa a seguir se transcreve parcialmente:
"O acréscimo de 1/3 na remuneração ordinária, quando da fruição das férias, concedido pelo art. 7º, XVII, da CF/88, não tem caráter indenizatório, eis que não há prejuízo algum a ser recomposto quando da sua percepção, visto que configura uma vantagem concedida ao trabalhador, um benefício que necessariamente deve ser pago por ocasião do gozo das férias, em nada assemelhado à indenização paga quando da subtração de um direito do servidor/trabalhador".
(TRF-1. REOMS – 199938000319268. Processo: 199938000319268/MG; 7ª TURMA. DJ: 21/9/2007, p. 131; Rel. Des. LUCIANO TOLENTINO AMARAL).
Terminando o presente tópico, vale registrar que a apregoada natureza remuneratória do terço constitucional de férias exsurge quando este adicional é pago por ocasião do gozo do descanso anual remunerado. Quero com isto dizer que no caso de o trabalhador, por qualquer razão, não gozar o período de férias a que tem direito, o pagamento do aludido terço, assim como das próprias férias, constituirá verba de natureza indenizatória.
Tal circunstância deriva do caráter acessório do adicional de férias. Assim, tendo os valores percebidos pelo obreiro no mês de suas férias natureza remuneratória, o terço suplementar também o terá. Pelo contrário, sendo substituído o gozo das férias por seu correspondente pecuniário, este terá a natureza de indenização pela não fruição de um direito e igualmente neste caso o ancilar terço constitucional seguirá a sorte do principal, apresentando-se com verdadeira indenização.
Contudo esta é uma hipótese excepcional, resultante de uma transgressão aos comandos normativos reguladores da matéria, asseguradores do gozo das férias in natura e não in pecunia, o que confirma a regra defendida neste trabalho: a natureza remuneratória do adicional de férias.
2. A CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL
Nos termos dos artigos 194 e 195 da Constituição da República, a Seguridade Social, compreendendo um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, será financiada por toda a sociedade, de forma direita e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais.
Assim, o Regime Geral de Previdência Social – RGPS, seguro social compulsório dos trabalhadores em geral, constitui um dos três ramos que compõe a Seguridade Social, sendo que os recursos arrecadados e destinados à manutenção dos benefícios e serviços são agrupados em um fundo gerido por uma autarquia federal, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
Já a previdência social dos servidores públicos civis ocupantes de cargos efetivos encontra-se prevista no art. 40 da Lei Maior nos seguintes termos: "aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial" (redação dada pela Emenda Constitucional nº 41/2003).
Assim, o Regime Previdenciário Próprio dos Servidores Públicos, o qual passaremos a denominar pela sigla RPPS, possui natureza pública e sua base de financiamento é composta, além do repasse financeiro do respectivo ente público, de contribuições sociais arrecadadas dos servidores ativos, inativos e seus pensionistas. Neste quadro, o Poder Público entra como patrocinador do sistema, mas como este possui por determinação constitucional caráter contributivo, os beneficiários da rede protetiva também receberam o encargo de arcar parcialmente com a manutenção das prestações previdenciárias.
No que se refere às contribuições sociais a cargo dos servidores, muito já se discutiu quanto sua natureza jurídica. Sustentavam alguns ser salário socialmente diferido, outros ser taxa, certa corrente afirmava ser espécie de imposto, havendo, por fim, quem entendesse apresentar-se ora como taxa ora como imposto.
Pondo fim à celeuma, o Supremo Tribunal Federal pacificou a questão, posicionando-se no sentido de constituírem-se as contribuições sociais espécie autônoma de tributo. Segundo a tese adotada por nossa Corte Suprema, apesar de o art. 145 da Lei Magna apenas se referir a três espécies tributárias, estas seriam, na verdade, cinco. A saber: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais (RREE 138.284, 146.733, ADC-1/DF, ADIn 1.659).
Consigne-se, todavia, que as referidas decisões foram prolatadas antes da edição da Emenda Constitucional nº 39/2002, que inseriu o art. 149-A na Lei Fundamental, prevendo a possibilidade de criação, pelos municípios e pelo Distrito Federal, de contribuição para custeio do serviço de iluminação pública, de cuja natureza tributária também não se pode questionar. De nossa parte, a fim de não alçarmos uma sexta espécie tributária, preferimos adicioná-la ao já amplo e diversificado espectro de contribuições sociais de que cuida o art. 149.
Bem, a divisão quinpartida dos tributos assumida pela Corte Constitucional e aceita pela maioria da doutrina nacional baseia-se no fato de as contribuições sociais enquadrarem-se no conceito de tributo fornecido pelo art. 3º do CTN, segundo o qual, "tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada atividade administrativa plenamente vinculada". Corrobora referido posicionamento o fato de o regramento constitucional a elas atribuído encontrar-se dentro do capítulo referente ao Sistema Tributário Nacional (art. 149).
Assim, contribuições sociais seriam gênero, cuja regra matriz é o art. 149 da Constituição Federal (agora talvez também o art. 149-A), do qual são espécies as contribuições sociais de intervenção no domínio econômico, as contribuições sociais no interesse de categoria profissional ou econômicas e as contribuições de seguridade social (pode-se incluir a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, como acima exposto). Nesse mesmo sentido, embora utilizando-se de nomenclatura ligeiramente diversa, é o ensinamento de Fábio Zambitte Ibrahim [02]:
"O art. 149 da Constituição trata das contribuições sociais especiais (ou sociais em sentido amplo), as quais subdividem-se em contribuições sociais (em sentido estrito), contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições no interesse de categorias profissionais."
As contribuições sociais em sentido estrito, ou, se se preferir, as contribuições para a seguridade social, possuem um caráter para-fiscal já que o produto de sua arrecadação destina-se a fundo próprio com finalidade específica ditada pela Lei Maior, não havendo confusão entre os valores sob tal título arrecadados com aqueles integrantes do orçamento do Tesouro Nacional, destinados ao custeio das despesas genéricas da máquina pública.
São as palavras do professor Hugo de Brito Machado, juiz federal de carreira aposentado e ex-membro do Eg. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, "A função das contribuições sociais, em face da vigente Constituição, decididamente não é a de suprir o Tesouro Nacional de recursos financeiros. Neste sentido pode-se dizer que tais contribuições têm função para-fiscal, algumas, e extrafiscal, outras. (...) As contribuições com as quais os empregadores, os trabalhadores e os administradores de concursos de prognósticos financiam diretamente a seguridade social (texto escrito antes da edição da EC nº 42/03 que acrescentou o inciso IV ao art. 195 da Constituição Federal, prevendo contribuições sociais do importador de bens ou de serviços do exterior ou de quem a lei a ele equiparar), não podem constituir receita do Tesouro Nacional precisamente porque devem ingressar diretamente no orçamento da seguridade social. [03]".
As considerações acima expostas, a despeito de se referirem às contribuições previdenciárias destinadas ao RGPS, são perfeitamente válidas em relação às contribuições a cargo do servidor público, dada a identidade de suas naturezas jurídicas, apenas diferindo-se uma das outras em razão da qualidade de seus segurados e, consequentemente, contribuintes do sistema, sendo os primeiros os trabalhadores em geral e os segundos os ocupantes de cargos públicos efetivos.
Desta feita, estabelecida a natureza jurídica do regime previdenciário próprio dos servidores públicos, bem como esclarecida sumariamente sua base de financiamento, passemos a analisar mais de perto as contribuições previdenciárias dos servidores da ativa, mais especificamente a inclusão ou não dos valores referentes ao adicional de férias em sua base de cálculo.
Atualmente, o regime previdenciário próprio dos servidores civis federais encontra-se regulamentado pela Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, cujo art. 4º dispõe o que segue:
Art. 4º. A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totalidade da base de contribuição.
§ 1º. Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas:
I - as diárias para viagens;
II - a ajuda de custo em razão de mudança de sede;
III - a indenização de transporte;
IV - o salário-família;
V - o auxílio-alimentação;
VI - o auxílio-creche;
VII - as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho;
VIII - a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança; e
IX - o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.
Como se observa, o diploma legal instituidor da contribuição em apreço previu expressamente que referida exação deveria incidir sobre o total da remuneração percebida, acrescida das vantagens pecuniárias permanentes e outros adicionais, estatuindo em rol taxativo as parcelas a serem excluídas da incidência tributária em questão. Ocorre que no § 1º do mencionado dispositivo não foi incluído o abono de férias (terço constitucional de férias) entre estas verbas excluídas da base de cálculo da contribuição do servidor.
Por outro lado, já tendo o Eg. Supremo Tribunal Federal pacificado seu entendimento quanto a terem as contribuições previdenciárias natureza jurídica tributária, conforme já dito, é de aplicar-se quanto à definição da extensão de sua base de cálculo o princípio da legalidade tributária estrita (art. 97, IV, CTN), de forma que o intérprete deve ater-se ao disposto na lei, não lhe sendo lícito, através de criativa construção hermenêutica, estender ou reduzir a base imponível do tributo.
Deve ser destacado ainda que o caráter contributivo e solidário do RPPS, estatuído pelo mencionado art. 40 da Lei Fundamental, aponta para a necessidade de se interpretar as regras previdenciárias de modo a lhes emprestar o sentido que favoreça a máxima proteção coletiva, socializando, dentro do universo dos segurados, o custo com a manutenção das vítimas dos sinistros sociais previstos na lei. Somente assim possibilita-se a previsão e garantia de pagamento dos benefícios previdenciários não-programáveis, a exemplo da pensão por morte ou aposentadoria por invalidez.
Deve ser igualmente consignado que o RPPS dos servidores públicos federais adota, quanto ao regime de financiamento e equilíbrio financeiro e atuarial, o regime de repartição simples, de acordo com o qual os segurados contribuem para um fundo único do qual são extraídos os valores necessários ao pagamento de todos os benefícios previstos pelo sistema. Neste regime de repartição simples, ao contrário do verificado no regime de capitalização, há o denominado pacto intergeracional, isto é, os servidores, e, portanto, segurados e financiadores, de hoje custeiam os benefícios dos aposentados e pensionistas atuais, tendo seus futuros benefícios financiados pelas contribuições dos vindouros segurados, e assim sucessivamente.
Este regime de repartição simples associado à sistemática de benefício definido também adotado pelo RPPS, segundo o qual o valor a ser pago ao beneficiário já é previamente estabelecido, ou, ao menos, o método de sua quantificação, independente da rentabilidade do capital, possibilita, como já se deixou assente, a concessão de benefícios não-programáveis.
A junção destes três fatores: caráter solidário e contributivo do sistema, regime de repartição simples e sistemática de benefício definido, aponta no sentido de que a interpretação a ser dada aos dispositivos legais acima referidos deve ser de forma a se reputar válida a incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias.
Por outro lado, como acima já exposto, o abono de férias não possui natureza indenizatória. Na realidade, repita-se, constitui o terço constitucional de férias um reforço financeiro ao trabalhador, de cuja natureza remuneratória não se pode fugir. Partindo desta premissa, deve-se atentar para o fato de que praticamente todas as parcelas excluídas da base de cálculo da contribuição previdenciárias do servidor previstas no § 1º do art. 4º da Lei nº 10.887/04 possuem natureza indenizatória. Fato este que, somado às razões já expostas, apontam para a legitimidade da incidência tributária em questão.
Frise-se, por fim, que a circunstância de os valores recebidos pelo servidor a título do abono de férias não se incorporarem aos proventos da aposentadoria ou pensão, porque obviamente aposentado e pensionista não goza férias, apontado por parte da doutrina e jurisprudência nacional como fator de agressão ao caráter atuarial do sistema, não abala a tese até aqui exposta.
É que se nossa Suprema Corte, por ocasião do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidades nºs 3105 e 3128, já se pronunciou no sentido da constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores públicos aposentados e pensionistas, já em gozo, pois, do benefício previdenciário que justificou sua contribuição ao sistema durante toda sua vida funcional, maior razão existe para se entender harmônico com a Carta da República disposições legais que disponham sobre a incidência da aludida exação sobre o terço constitucional de férias pelo segurados da ativa, ainda no aguardo da implementação das condições para o recebimento dos benefícios.
Finalizo este pequeno artigo, transcrevendo ementa prolatada pelo eg. Superior Tribunal de Justiça no qual se analisou o tema aqui sumariamente versado, e cuja conclusão não diverge da aqui desenvolvida. Verbis:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE GRATIFICAÇÃO NATALINA E UM TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. VERBAS DE CARÁTER REMUNERATÓRIO. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DO DIREITO TRIBUTÁRIO.
1. As verbas recebidas à título de gratificação natalina, bem como terço constitucional de férias possuem natureza remuneratória, sendo, portanto, passíveis de contribuição previdenciária.
2. A Previdência Social é instrumento de política social do governo, sendo certo que sua finalidade primeira é a manutenção do nível de renda do trabalhador em casos de infortúnios ou de aposentadoria, abrangendo atividades de seguro social definidas como aquelas destinadas a amparar o trabalhador nos eventos previsíveis ou não, como velhice, doença, invalidez: aposentadorias, pensões, auxílio-doença e auxílio-acidente do trabalho, além de outros benefícios ao trabalhador.
3. É cediço nesta Corte de Justiça que: "TRIBUTÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. BASE DE CÁLCULO. LEI 9.783/99. 1. No regime previsto no art. 1º e seu parágrafo da Lei 9.783/99 (hoje revogado pela Lei 10.887/2004), a contribuição social do servidor público para a manutenção do seu regime de previdência era ‘a totalidade da sua remuneração’, na qual se compreendiam, para esse efeito, ‘o vencimento do cargo efetivo, acrescido de vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual, ou quaisquer vantagens, (...) excluídas: I – as diárias para viagens, desde que não excedam a cinqüenta por cento da remuneração mensal; II - a ajuda de custo em razão de mudança de sede; III - a indenização de transporte; IV - o salário família’. 2. A gratificação natalina (13º salário), o acréscimo de 1/3 sobre a remuneração de férias e o pagamento de horas extraordinárias, direitos assegurados pela Constituição aos empregados (CF, art. 7º, incisos VIII, XVII e XVI) e aos servidores públicos (CF, art. 39, § 3º), e os adicionais de caráter permanente (Lei 8.112/91, art. 41 e 49) integram o conceito de remuneração, sujeitando-se, conseqüentemente, à contribuição previdenciária. 3. O regime previdenciário do servidor público hoje consagrado na Constituição está expressamente fundado no princípio da solidariedade (art. 40 da CF), por força do qual o financiamento da previdência não tem como contrapartida necessária a previsão de prestações específicas ou proporcionais em favor do contribuinte. A manifestação mais evidente desse princípio é a sujeição à contribuição dos próprios inativos e pensionistas. 4. Recurso especial improvido. ( REsp 512848 / RS, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 28.09.2006).
4. Conseqüentemente, incólume resta o respeito ao Princípio da Legalidade, quanto à ocorrência da contribuição previdenciária sobre a retribuição percebida pelo servidor a título de gratificação natalina, bem como um terço constitucional de férias.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
(STJ - RESP nº 805072. Processo: 200502101990/PE. 1ª TURMA. DJ: 15/02/2007, pág. 219, Rel. Min. LUIZ FUX).
3. CONCLUSÃO
Concluímos, sucintamente, que em razão da por nós reconhecida natureza remuneratória do terço constitucional de férias, acrescida da ausência de sua previsão no rol § 1º do art. 4º da Lei nº 10.887/04, o qual reputamos taxativo, bem como em decorrência do entendimento de nossa Suprema Corte no sentido de não constituir requisito de legitimidade de contribuição previdenciária o fato de a parcela sobre a qual incide guardar correspondência nos proventos da inatividade (Ações Diretas de Inconstitucionalidades nºs 3105 e 3128, nas quais se declarou a constitucionalidade da contribuição dos servidores inativos e pensionistas), ser devida a incidência da contribuição previdenciária a cargo do servidor público civil federal, destinada ao custeio de seu regime próprio de previdência social, incidente sobre o adicional de férias.
Notas
01 "Aplicabilidade das Normas Constitucionais", Editora Malheiros, 7ª ed., São Paulo.
02 IBRAHIM, Fábio Zambitte: Curso de Direito Previdenciário, Editora Impetus, 5ª ed., 2005, pág. 65.
03 MACHADO, Hugo de Brito: Curso de Direito Tributário, Malheiros, 21ª ed., 2002.