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Capa: Gustavo Moreno (SCO/STF)
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O Judiciário está cheio de deputados constituintes... mas eles não foram eleitos

04/11/2024 às 14:17
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Desde o início da Lava Jato, o Judiciário virou uma assembleia constituinte permanente, descentralizada e caótica. Cada juiz esvazia, mutila, completa e reescreve a CF/88 caso a caso de acordo com suas preferências.

É preocupante a recente decisão proferida por Flávio Dino no ARE 1.513.428.

Numa cena memorável do filme King Kong (1933), durante a viagem para a Ilha da Caveira, dois personagens conversam junto a mureta do barco. Um deles joga a bituca de cigarro no mar.

Nos dias de hoje, essa atitude causaria grande indignação. Bitucas de cigarro são bio-desagradáveis e o descarte delas até mesmo nas ruas é considerado indelicado. Na Suíça, as pessoas que fizerem isso correm o risco de ser multadas. De acordo com informações que podem ser facilmente encontradas na internet, aproximadamente 12,3 bilhões de bitucas de cigarro são descartadas diariamente. Uma parte delas inevitavelmente é carregada pelas chuvas e acabam chegando aos oceanos onde liberam substâncias tóxicas e demoram para se degradar.

Nada disso era considerado importante em 1933 quando King Kong foi rodado. Devemos mandar suprimir a cena desse filme que foi mencionada no início porque isso é politicamente correto? A resposta é não.

O mesmo pode ser dito do livro As duas Torres, de Tolkien, que foi adaptado para o cinema em 2002. Logo após os Ents atacarem e destruírem fábrica de armas dos Orcs alagando toda região da torre Orthanc, Peregrin Tuk oferece a outro produtos trazidos pela inundação. Ele diz que a carne de porco salgada está particularmente gostosa.

Os judeus não comem carne de porco e podem se sentir ofendidos por causa dessa cena. Ela deve ser removida do livro de Tolkien e do filme As duas Torres? A resposta também é não.

Um raciocínio semelhante pode ser aplicado ao revisionismo estúpido de obras literárias ou não literárias que tanto a esquerda quanto a direita pretendem fazer.

Quem não gostar de livros com gays, que compre livros com machistas. E quem não gostar desses livros que compre livros gay friendly.

Não compete ao Judiciário se tornar um órgão de censura, até porque a censura é expressamente proibida pela Constituição Federal. A missão de Flávio Dino no STF não é agradar a comunidade gay, mas cumprir e fazer cumprir uma Constituição que não admite o tipo de censura que ele praticou. Apoiei e aplaudi a nomeação de Dino para a Suprema Corte, mas dessa vez ele sem dúvida alguma meteu o pé na jaca.

Desde o início da Lava Jato, o Judiciário virou uma assembleia constituinte permanente, descentralizada e caótica. Cada juiz esvazia, mutila, completa e reescreve a CF/88 caso a caso de acordo com suas preferências. Enquanto isso ocorre nos processos, especialistas em Direito Constitucional sonham com teorias soterradas pelos golpes consumados contra o texto da Constituição promulgada em 1988.

O último golpe foi dado por Flávio Dino ao inventar a censura gay friendly. Isso justificará o mesmo tipo de prática à direita, com muito mais violência, extensão e eficácia.

A esquerda deu aos tiranos de toga um precedente para aprofundar o constitucionalismo ocasional contra a liberdade de expressão e a democracia. É preciso ter coragem para preservar a Constituição inclusive e principalmente contra as exigências de movimentos identitários.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. O Judiciário está cheio de deputados constituintes... mas eles não foram eleitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7796, 4 nov. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111559. Acesso em: 5 nov. 2024.

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