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Limites da revista corporal no âmbito do sistema penitenciário

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27/04/2008 às 00:00

Resumo:


  • A revista corporal é uma ferramenta de segurança utilizada para prevenir a entrada de objetos proibidos em estabelecimentos penais, mas sua aplicação deve respeitar os direitos individuais e a dignidade humana, evitando procedimentos invasivos e vexatórios.

  • Existem equipamentos de alta tecnologia, como detectores de metal e espectrômetros, que permitem a identificação de materiais proibidos de forma não invasiva, tornando a revista íntima desnecessária e inaceitável em muitos contextos.

  • A jurisprudência e organismos internacionais de direitos humanos condenam práticas de revista íntima que violam a dignidade e a integridade física e psicológica dos indivíduos, especialmente quando realizadas sem mandado judicial e por pessoal não qualificado na área da saúde.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A revista manual realizada sem autorização judicial, sob a ótica constitucional, garantidora dos direitos fundamentais, é de ser entendida como um procedimento de busca externo, superficial, realizado sobre o corpo e a roupa do revistado apenas com a utilização das mãos.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Espécies de Revista Corporal. 2. Revista Corporal no Âmbito Penitenciário. 3. Revista Íntima. 3.1 Estudo de Caso. 3.2 Jurisprudência. 4. Conclusão


INTRODUÇÃO

A violência sem medida faz com que a sociedade busque, por meio de seus representantes, soluções rápidas e implacáveis contra todos aqueles que ousaram em desafiá-la, surgindo assim um cenário de terror, um verdadeiro "caça às bruxas" contra os inimigos do Estado. E é neste cenário, de farta legislação repressora que cinde a harmonia do ordenamento jurídico, que prolifera o chamado Direito Penal do Inimigo.

No âmbito do sistema penitenciário, a afronta às garantias individuais avança (e nem poderia ser diferente, no atual contexto), pois se ao longo do processo penal, no qual o réu está acobertado pelo manto do princípio da inocência, tais garantias são violentadas, não há que se esperar qualquer observância à Constituição Federal quando se está a falar da pessoa condenada ou do preso provisório.

Porém, o painel desenhado torna-se mais vil quando o Estado, na ausência de lei que discipline o tema, se volta, agora não mais contra seu "inimigo", mas contra os familiares e amigos deste, impondo-lhes procedimentos medievais de revista corporal por ocasião das visitas em estabelecimentos penais, tudo em nome da (in)segurança.

Importante frisar que a comunidade jurídica, ao enfrentar os casos de revista corporal, o faz abordando os limites constitucionais da busca pessoal como prevenção a delitos ou ainda como meio de prova.

Por seu turno, o que propomos é o estudo da revista pessoal como meio de fortalecer a segurança dos estabelecimentos penais, bem como os limites que esta deve observar para não afrontar os princípios constitucionais que norteiam o procedimento.


1. ESPÉCIES DE REVISTA PESSOAL

Antes de avançarmos no tema, há que se determinar critérios, sob uma ótica mais abrangente, a fim de se distinguir as diversas espécies de revista (busca) pessoal. Para tanto, conforme leciona Adilson Luís Franco Nassaro [01], as revistas pessoais se classificam em quatro grupos:

a. quanto à natureza jurídica do procedimento: preventiva e processual;

b. quanto ao nível de restrição de direitos individuais imposto: preliminar e minuciosa;

c. quanto ao sujeito passivo da medida: individual e coletiva;

d. quanto à tangibilidade corporal: direta e indireta.

Segundo o autor, pode-se afirmar que revista pessoal (corporal) é preventiva quando é realizada por autoridade competente da Administração Pública ou por seus agentes no exercício do poder de polícia com objetivo preventivo. Realizada após a prática delitiva, passa atender ao interesse processual na obtenção de objetos necessários ou relevantes à prova de infração (revista pessoal processual).

O grau de rigor aferido no ato da revista é o fator que distingue a revista pessoal preliminar ou superficial (menor restrição de direitos individuais) da revista minuciosa ou "íntima" (maior restrição de direitos individuais).

Já a revista coletiva constitui situação particular (p.ex. acesso de eventos) a que, por iniciativa do poder público e em nome do bem comum, todos os interessados em adentrar em algum recinto ficam sujeitos.

Por fim, a existência ou não de contato físico (tangibilidade corporal) entre o agente e o revistado distingue, respectivamente, a revista pessoal direta da revista indireta.

De outro lado, citando Maria Elisabeth Queijo e Díaz Cabiale, Ariane Trevisan Fiori [02] ensina que a revista (busca) pessoal distingue-se da intervenção corporal. A primeira é externa, superficial, realizada sobre o corpo e a roupa do revistando, enquanto a outra pressupõe a busca de prova de forma invasiva (intervenções corporais que pressupõem penetração no organismo humano, p.ex. o exame ginecológico e o exame do reto) ou não invasiva (intervenções em que não há penetração no corpo humano, p.ex. os exames de DNA realizados a partir de fios de cabelo e pêlos, e a impressão datiloscópica).

Em que pese o lapidar ensinamento da lavra do Professor Navarro, ousamos discordar no que tange ao entendimento sobre revista superficial e revista minuciosa. Parece-nos mais acertada a distinção ofertada pela Professora Ariane Trevisan.

Ora, a revista é minuciosa quando é realizada de forma meticulosa, esmiuçada, cuidadosa. E é superficial quando é realizada na superfície do corpo do revistado. Em suma, uma revista corporal pode ser superficial (realizada sobre o corpo do sujeito) e, ao mesmo tempo, minuciosa, esmiuçada.

Neste diapasão, podemos inferir que no Brasil a revista pessoal que ocorre na fase pré-processual, denominada de revista preventiva, deve ser externa, superficial, realizada sobre o corpo e a roupa do revistando, e, portanto, por restringir os direitos individuais de forma tênue, pode ser realizada sem autorização judicial, conforme art. 244 do Código de Processo Penal.

Em outro giro, a revista pessoal realizada na fase processual, trata-se em verdade de intervenção corporal, seja de forma invasiva, com a penetração no organismo humano, seja de maneira não invasiva, vez que a busca impõe-se efetivamente no corpo do revistado, pois é nele onde a prova se encontra de fato. Despiciendo afirmar que nestes casos, em que os direitos individuais serão subjugados pelo interesse público, há que se obter a devida autorização judicial para a implementação do procedimento.


2. REVISTA CORPORAL NO ÂMBITO PENITENCIÁRIO

Deflui-se das distinções traçadas que a natureza jurídica revista corporal realizada no âmbito dos estabelecimentos prisionais é preventiva, uma vez que visa impedir que objetos não permitidos (p.ex. armas, drogas, explosivos), que possam colocar em risco a segurança do estabelecimento ou a vida dos presos e dos agentes públicos, ingressem clandestinamente no cárcere.

Com efeito, nos casos de revista preventiva, é afastada a autorização judicial desde que haja fundada suspeita de que alguém oculta consigo arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, conforme art. 244 do Código de Processo Penal.

Cabe registrar que, nos limites da busca pessoal preventiva e na condição de medida excepcional, é tolerável tal procedimento em benefício do bem comum ainda que não haja fundada suspeita [03], como ocorre na entrada de estádios por ocasião de grandes eventos esportivos ou culturais.

Ao enfrentar o tema, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) [04] exigiu ao menos a existência da "fundada suspeita" para realização da revista direta (sobre o corpo do indivíduo) no âmbito do sistema penitenciário e, mais, afastou a subjetividade da mesma:

Art. 2º A revista manual só se efetuará em caráter excepcional, ou seja, quando houver fundada suspeita de que o revistando é portador de objeto ou substâncias proibidos legalmente e/ou que venha a por em risco a segurança do estabelecimento.

Parágrafo único. A fundada suspeita deverá ter caráter objetivo, diante de fato identificado e de reconhecida procedência, registrado pela administração, em livro próprio e assinado pelo revistado.(grifamos)

Ocorre que, diversamente do tratamento dispensado à "fundada suspeita", o CNPCP não fulminou a questão, "lavou as mãos", deixando de estabelecer expressamente os limites da revista manual, vez que a mesma, em sua literalidade, pode ser traduzida como sendo uma busca na qual o executor toca as partes do corpo da pessoa revistada com as mãos.

Neste diapasão, o CNPCP acabou por permitir, em face da ausência da previsão de limites, várias ilações por parte de quem está na condição de proceder a revista, remetendo-nos a um assustador espectro subjetivo, que fatalmente nos conduzirá a excessos, a arbitrariedades e ao desrespeito à dignidade da pessoa humana.

Assim, a revista manual realizada sem autorização judicial, sob a ótica constitucional, garantidora dos direitos fundamentais, é de ser entendida como um procedimento de busca externo, superficial, realizado sobre o corpo e a roupa do revistado apenas com a utilização das mãos.

Vê-se, pois, que, ante a ausência de autorização judicial, a regra para a realização de revista preventiva em estabelecimentos penais é a revista indireta, ou seja, aquela em que não há contato físico entre o agente público e o revistado, realizada por meio de aparelhos de detectores de metal ou espectrômetros. Já, nos casos de fundada suspeita, excepcionalmente, é permitida a revista direta, manual, superficial, realizada sobre o corpo e a roupa do revistado.

Porém, não é o que se observa nos estabelecimentos penais espalhados pelo Brasil. A escolha para submissão à revista corporal trata-se de verdadeiro exercício de premunição, vez que a imposição ao procedimento, sem qualquer fato ou diligência anterior, baseia-se na possibilidade de ocorrência de evento remoto, como se o responsável pelo procedimento de revista tivesse o condão de prever algo futuro e incerto apenas ao olhar para o visitante, presumindo que o mesmo seja portador de materiais, objetos ou substâncias proibidos.

Ora, se é certo que a pena imposta ao preso não pode dele ultrapassar, atingindo terceiros que estão ali para visitá-lo, pergunta-se: Que infração foi cometida por tal grupo de pessoas (mulheres e crianças/adolescentes) para se tornar preventiva/presumidamente suspeito de trazer consigo objeto, produto ou substância proibidos?

Estaríamos nessa situação a entender que o fato de ser cônjuge/companheiro(a) de preso ou ainda de ser criança /adolescente, filho de preso, de per si, transformara a pessoa livre em inimigo do Estado, suspeito de tentar introduzir algo no estabelecimento penal que coloca em risco a segurança e a disciplina interna.

Atento a tamanhas distorções, o Congresso Nacional sinalizou, por meio da Lei nº 10.792/2003, com a prévia e necessária revista indireta e superficial, prevendo que os estabelecimentos penitenciários passarão a dispor de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública.

Desta forma, estaria a se evitar, de início, a revista corporal direta (com contato físico), passando esta a estar legitimada no caso de um dos dispositivos de segurança apontar para alguma irregularidade. No caso, a fundada suspeita, nos moldes estabelecidos pelo CNPCP (caráter objetivo), estaria configurada.


3. REVISTA ÍNTIMA

Não obstante a maneira desregrada com que os procedimentos de revista são executados, o Estado foi além. Ante a ausência de limites para a realização da revista manual, passou a permitir a chamada "revista íntima".

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Tal busca, também conhecida como revista vexatória, consiste no desnudamento do ser humano diante de terceiros, com a exposição das partes íntimas (genitália), chegando, não raras vezes, a ocorrer a penetração do dedo do executor da medida no interior do ânus e/ou da vagina da pessoa revistada, tudo em nome da (in)segurança.

Vê-se, pois, que a revista íntima pode ser direta ou indireta, vez que o simples fato de se despir diante de terceiros, ainda que não haja qualquer contato físico destes com o revistado, gera na imensa maioria das pessoas uma sensação de enorme desconforto, conduzindo-as a imenso constrangimento pela exposição das partes íntimas de seu corpo.

Ocorre que tal procedimento não está autorizado em nosso ordenamento jurídico (e nem poderia). Como visto, a revista preventiva, ainda que realizada de maneira excepcional, não pode ultrapassar a superficialidade da revista, sob pena de afrontar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana estampado em nossa Carta Magna.

Nessa linha, artigo [05] publicado pela Professora Isabel Cristina Fonseca da Cruz, Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da USP (EEUSP), Professora Titular da Universidade Federal Fluminense, Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra, Editora da Revista Online Brazilian Journal of Nursing, demonstra que os procedimentos de revista íntima tratam-se de mais uma forma de violência contra a mulher:

O conceito de violência contra a mulher deve basear-se na Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), aprovada pela Organização dos Estados Americanos - OEA, em 1994, e ratificada pelo Brasil, em 1995. Neste sentido, são violência contra a mulher igualmente o assédio sexual, a violência racial, a violência contra mulheres idosas, a revista íntima, entre outras. (grifamos)

Neste mesmo diapasão, diante da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, a Professora Cristina Rauter, Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense e membro da equipe clínica do Grupo Tortura Nunca Mais, alerta para os efeitos que perseguem as pessoas que são constantemente submetidas à revista íntima, chegando a equipará-la à tortura:

Acrescente-se a isso o já mencionado procedimento da revista íntima, outra situação que pode ser equiparada à tortura — e assim é vivida por quem passa pela experiência. Estou atendendo uma mãe de ex-preso que foi durante anos submetida a esse procedimento e que exibe hoje efeitos psicológicos semelhantes aos dos torturados, de pessoas torturadas na época da ditadura militar etc. (grifamos)

A Professora acrescenta ainda que a corrupção, ao contrário daqueles que insistem em adotar tal procedimento, explica a entrada de drogas ou celulares nos estabelecimentos penais:

Não é a engenhosidade de bandidos que explica a entrada dos tão falados celulares nos presídios.

Existe um fator já citado aqui, embora não mencionado nas notícias sobre os acontecimentos em São Paulo, que é a corrupção entranhada no sistema penal brasileiro. É a corrupção que faz com que tudo se possa comprar, desde que se tenha dinheiro. Então, não é engenhosidade dos bandidos que explica a entrada de celulares e drogas na prisão, mas sim a corrupção.(grifamos)

Na mesma esteira, Relatório [06] sobre mulheres encarceradas, elaborado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, trata, como não poderia deixar de ser, a revista íntima como revista vexatória, revista "extremamente humilhante uma vez que em muitas unidades se exige que as roupas sejam totalmente retiradas, os órgãos genitais manipulados e até revistados, há obrigação de realizar vários agachamentos, independentemente da idade avançada do(a) visitante."

Finalmente, o mencionado relatório afirma que, em face da tecnologia disponível, não há mais razões para tamanha arbitrariedade. Vejamos:

A realização desse tipo de revista pessoal atua como instrumento de intimidação, uma vez que o próprio Estado informa que o número de apreensões de objetos encontrados com visitantes em vaginas, ânus ou no interior de fraldas de bebês é extremamente menor daqueles encontrados nas revistas realizadas pelos policiais nas celas, indicando que outros caminhos ou portadores, que não são os visitantes, disponibilizam tais produtos para as presas. (grifamos)

Já em relação às crianças e adolescentes, a Lei nº 8.069 (ECA) é de clareza espantosa. Independentemente da idade, a partir do nascimento, a pessoa já é detentora de direitos inerentes a qualquer ser humano. Ademais, a lei remete a todos o dever de zelar pela dignidade da criança e do adolescente, bem como por qualquer outro direito previsto na Constituição Federal. Os artigos 15, 17 e 18 lastreiam tal entendimento:

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis;

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais; e

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (grifamos)

Ora, se a revista íntima realizada em pessoas adultas (mulheres) é tida como violenta, vexatória, constrangedora, aterrorizante (equiparada à tortura), não há como entendê-la de forma diversa quando imposta a bebês, crianças e adolescentes, independentemente do grau de conhecimento dos revistados. O simples fato de a criança/adolescente se despir perante terceiros no interior do estabelecimento penal viola sua integridade psíquica e moral, além de acarretar nos pais, testemunhas do ocorrido, sensação de desconforto profundo.

Em outro turno, a Associação pela Reforma Prisional, na tentativa de demonstrar que os objetos ilícitos/proibidos são introduzidos nos estabelecimentos penais de outras formas, informa que, no período de dezembro de 2006 a abril de 2007, em um universo de mais de 10.000 (dez mil) visitantes, foram realizadas apenas 03 (três) apreensões com visitas, ou seja, menos de 0,1% das pessoas revistadas foram surpreendidas portando tais objetos.

Corroborando com os entendimentos anteriores, o Manual para servidores penitenciários elaborado pelo Centro Internacional de Estudos Penitenciários [07] (ICPS - International Centre of Prison Studies), fruto da parceria entre a Embaixada do Reino Unido e o Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça do Brasil, indica que os procedimentos adotados para revista em visitantes "devem reconhecer que os visitantes, eles mesmos, não estão presos e que a obrigação de proteger a segurança da penitenciária deve ser ponderada frente ao direito dos visitantes à privacidade pessoal", sendo importante observar que:

(...) os servidores penitenciários também podem representar uma ameaça à segurança mediante o contrabando de material ou objetos proibidos ou ilegais para dentro da penitenciária. Eles também devem estar sujeitos a procedimentos de revista apropriados. Tais procedimentos também devem tornar menos provável que os servidores penitenciários sejam colocados sob pressão por presos e outros para introduzirem na prisão itens proibidos. (grifamos)

Na busca de solução não invasiva, o Manual, reconhecendo que sempre haverá perigo de alguns tentarem introduzir artigos proibidos/ilícitos na penitenciária, sugere, nos moldes daqueles anunciados pelo CNPCP [08], que a revista seja realizada nos presos antes e depois das visitas.

Conforme a Declaração sobre Revistas Corporais de Pessoas Presas (Associação Médica Mundial), o referido Manual também alerta:

a obrigação do médico de prestar atendimento médico à pessoa presa não deve ser comprometida por uma obrigação de participar do sistema de segurança penitenciária. Nos casos em que as revistas precisam ser feitas, elas devem, portanto, ser feitas por um médico que não o médico que presta atendimento médico à pessoa presa.(grifamos)

3.1 ESTUDO DE CASO – ENTENDIMENTO DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A fim de sintetizar as inúmeras afrontas que permeiam os famigerados procedimentos de revista íntima, valemo-nos de importante pronunciamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos [09] na condição de órgão de prelibação, o qual realiza juízo de admissibilidade da ação que poderá vir a correr na Corte Interamericana.

A Comissão recebeu denúncia contra o Governo da Argentina, relacionada à situação de uma mulher e uma criança (mãe e filha) que, em todas as visitas realizadas ao preso (esposo e pai), foram submetidas a revistas íntimas. Ao final, a Comissão entendeu que o Estado argentino, e especialmente as autoridades penitenciárias do Governo Federal, ao efetuarem revisões vaginais rotineiras das mulheres que visitam a Unidade nº 1 do Serviço Penitenciário Federal, violaram os direitos protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Mister frisar que, conforme o relatório da Comissão, na Argentina há previsões de respeito à dignidade da pessoa humana por ocasião das revistas:

Os artigos 91 e 92 do Decreto-Lei 412/58 (Lei Penitenciária Nacional) da Argentina estabelecem uma série de condições a que os visitantes se devem sujeitar. Além disso, o artigo 28 do Boletim Público Nº 1266 do SPF estipula que "os visitantes deverão submeter-se ao método de revista vigente na Unidade se não preferirem desistir da entrevista. Em todos os casos, a revista será efetuada por pessoal do mesmo sexo do revistado". A respeito, o artigo 325 do Boletim Público Nº 1294 regulamenta as equipes de revista e autoriza um controle completo e detalhado. O Boletim Público Nº 1625 estipula que "...o tratamento humanitário deve ser prioritário nas revistas, evitando todo procedimento que possa implicar vexação ao recluso..." e que "igual procedimento deverá ser adotado nas revistas dos visitantes dos reclusos (...) (grifamos)

Porém, como restou apurado, não é o que ocorre de fato nas penitenciárias daquele país.

Segundo a Comissão, para se estabelecer a legitimidade do excepcionalíssimo procedimento da revista íntima, faz-se necessário o cumprimento de quatro condições: "1) deve ser absolutamente necessária para alcançar o objetivo de segurança no caso específico; 2) não deve existir qualquer alternativa; 3) deveria, em princípio, ser autorizada por ordem judicial; e 4) deve ser realizada unicamente por profissionais da saúde."(grifamos)

Aprofundando no tema, a Comissão entende que há necessidade absoluta quando "existem razões para acreditar na existência de perigo real para a segurança ou que a pessoa de que se trate possa estar transportando substâncias ilícitas". E exemplifica, "Poderia argumentar-se que a medida era justificável imediatamente após haverem sido encontrados explosivos em poder da Senhora X, mas não nas numerosas ocasiões em que foi aplicada antes desse fato".

Vê-se, pois, que tal entendimento está em sintonia com as diretrizes do CNPCP, na medida que afasta a subjetividade da chamada "fundada suspeita".

Com efeito, o Estado há de ter cautela para argumentar a inexistência de alternativa, uma vez que a Comissão observa que existem outros procedimentos menos restritivos. A revista dos presos e de suas celas "constituem meios mais razoáveis e eficientes para garantir a segurança interna".(grifamos)

Lembrando que o Estado, responsável pela custódia e bem-estar das pessoas presas, dispõe de "maior latitude para aplicar as medidas que sejam necessárias para garantir a segurança dos reclusos", a Comissão aponta a solução:

Por definição, as liberdades pessoais de um detido são restritas e, portanto, é possível justificar em certos casos a revista corporal e, inclusive, a revista física invasiva dos detidos e presos, por métodos que também respeitem sua dignidade humana. Obviamente, teria sido muito mais simples e razoável inspecionar os reclusos após uma visita de contato pessoal, em vez de submeter todas as mulheres que visitam as penitenciárias a um procedimento tão extremo. (grifamos)

No caso, reforçando a ineficácia do humilhante procedimento, constata a Comissão:

Os fatos sugerem que a medida não era a única e talvez nem a mais eficiente para controlar o ingresso de entorpecentes e outras substâncias perigosas nas penitenciárias. Como foi admitido, tanto a Senhora X como sua filha foram submetidas ao procedimento em todas as visitas que efetuaram ao seu marido e pai e, mesmo assim, uma revista rotineira da sua cela revelou que o detido estava de posse de 400 gramas de explosivos. (grifamos)

Também nesse ponto, tanto a Comissão quanto o CNPCP caminham no mesmo sentido. O art. 5º da Resolução 09/2006 sinaliza:

A critério da Administração Penitenciária a revista manual será feita, sempre que possível, no preso visitado, logo após a visita, e não no visitante. (grifamos)

A exigência de mandado judicial e de um profissional de saúde são assim justificadas pela Comissão:

Em princípio, um juiz deveria avaliar a necessidade de efetuar essas inspeções como requisito indispensável para uma visita pessoal sem infringir a dignidade e a integridade do indivíduo. A Comissão considera que as exceções a esta regra deveriam estar expressamente estabelecidas por lei.

Em quase todos os sistemas legais internos do Continente, existe o requisito de que os agentes policiais ou o pessoal de segurança estejam munidos de mandado para realizar certas ações que se consideram especialmente intrusivas ou que dão margem à possibilidade de abuso.

(...)

A inspeção vaginal, por sua natureza, constitui uma intrusão tão íntima do corpo de uma pessoa, que exige proteção especial.

(...)

Ainda que, no presente caso, encontraram-se materiais explosivos na cela do marido da Senhora X e existissem razões para suspeitar de seus visitantes, cabia ao Estado, em conformidade com o seu dever estabelecido na Convenção, a obrigação de organizar sua estrutura interna para garantir os direitos humanos e solicitar um mandado judicial para efetuar a revista.

(...)

Além disso, a Comissão insiste em que a realização deste tipo de inspeção corporal invasiva, tal como a aplicada quando as autoridades ainda efetuavam inspeções dessa natureza, só pode estar a cargo de profissionais da saúde, com a estrita observância de regras de segurança e higiene, dado o possível risco de lesão física e moral a uma pessoa. (grifamos)

Por derradeiro, em relação à menor, ressaltando que a Convenção Americana reconhece que criança deve receber cuidados e atenções especiais, cabendo ao Estado a obrigação de proteger a criança e "certificar-se que, quando as autoridades públicas empreendam ações capazes de afetá-lo de alguma maneira, adotem-se as precauções para garantir os direitos e o bem-estar do menor", a Comissão afirma categoricamente que o Estado argentino foi a um só tempo algoz e omisso:

No caso presente, o Estado argentino propôs e aplicou numa menor que não dispunha de capacidade legal para consentir, um procedimento de conseqüências possivelmente traumáticas que, potencialmente, poderia ter transgredido uma série de direitos consagrados pela Convenção, sem observar os requisitos de legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade que constituem algumas das condições necessárias para impor qualquer restrição aos direitos consagrados da Convenção. Ademais, o Estado não outorgou à menor Y uma proteção mínima contra abusos ou lesões físicas, que poderia ter sido oferecida recorrendo às autoridades judiciais pertinentes para que decidissem se o procedimento era pertinente e, em caso afirmativo, que fosse realizado por pessoal médico. (grifamos)

3.2 JURISPRUDÊNCIA

Assim como as autoridades argentinas, as autoridades brasileiras, que ainda defendem esta modalidade de revista em pessoas livres, fulcram seus argumentos sob a ótica da segurança, como se esta retórica fosse capaz de afastar o direito fundamental de dignidade da pessoa humana.

Ocorre que tal direito fundamental é inegociável. Neste mesmo diapasão, ao se debruçar sobre o tema, o Tribunal do Estado do Rio de Janeiro [10] entendeu que a revista íntima (despir-se completamente, abaixar-se, abrir as pernas, fazer força, pular) é "vexatória, degradante, violenta o direito à intimidade e a dignidade da pessoa humana", não se justificando sob qualquer hipótese. Vejamos.

ENTORPECENTES.

TRÁFICO. ESTABELECIMENTO PENAL (ART.12. C/C ART. 18, IV, LEI 6368/76). REVISTA PESSOAL ÍNTIMA. VIOLAÇÃO DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. DIREITO À INTIMIDADE (ART. 5º, X, C.F). DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, III, C.F.) TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE (ART. 5º, III C.F.). PROVA ILÍCITA (ART. 5º LVI, C.F). ABSOLVIÇÃO. Constatou-se que a apelante, ao submeter-se a revista intima no Presídio Muniz Sodré, Complexo Penitenciário de Bangu - onde visitaria um preso -, trazia consigo, dentro da vagina, 317g. de maconha. O modo como se fez a apreensão do entorpecente, no interior da vagina, constitui prova obtida por meios ilícitos, inadmissíveis no processo (art. 5º, LVI, Constituição Federal). Essa revista pessoal - obrigada a visitante a despir-se completamente, abaixar-se, abrir as pernas, fazer força, pular - é vexatória, degradante, violenta o direito à intimidade (art. 5º, X, C.F.) e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, C.F.), nenhum valor processual tendo a prova assim obtida. O Processo Penal Democrático não pode permitir a realização de busca manual nas entranhas da mulher, no interior da sua vagina. Não se pode relativizar a garantia constitucional, porque não se pode relativizar a própria dignidade humana. "Inadmissível é, na Justiça Penal, a adoção do princípio de que os fins justificam os meios, para assim tentar legitimar-se a procura da verdade através de qualquer fonte probatória."(José Frederico Marques). Recurso provido. Julgamento: 06/09/2005 - QUINTA CAMARA CRIMINAL (grifamos)
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Sobre o autor
Carlos Roberto Mariath

Agente de Polícia Federal. Professor de Investigação Criminal da Academia Nacional de Polícia. Especialista em Ciências Penais - Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Especialista em Execução de Políticas de Segurança Pública - Academia Nacional de Polícia - ANP. Especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal - Escola Superior de Polícia - ESP/DPF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARIATH, Carlos Roberto. Limites da revista corporal no âmbito do sistema penitenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1761, 27 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11205. Acesso em: 22 dez. 2024.

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